3 A EMENDA CONSTITUCIONAL NÚMERO 20 DE 1998 E SUAS CONTRADIÇÕES A RESPEITO DO BENEFÍCIO EM ESTUDO
A Emenda Constitucional número 20, de 15 de dezembro de 1988, ficou conhecida por reforma da Previdência Social, pois modificou diversos dispositivos constitucionais acerca de tal ramo da Seguridade Social. Alterou também o art. 7o, inciso XXXIII, da Constituição Federal, no sentido de elevar a idade de vedação a qualquer trabalho para 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a qual poderá ser exercida a partir de 14 (quatorze) anos. Anteriormente, a vedação a qualquer trabalho era para os menores de 14 (quatorze) anos, sendo a aprendizagem deferida para menores desta idade.
Ademais, a referida reforma constitucional estabeleceu o requisito do enquadramento do segurado na categoria de baixa renda para a percepção de benefícios, tais como o salário-família, objeto de estudo deste artigo, e o auxílio reclusão. Tal requisito exige que a renda bruta mensal do segurado seja inferior a um valor anualmente fixado, o qual atualmente é de R$ 1.089,72 (mil e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos).
3.1 O elo entre a fixação do limite etário máximo do salário-família e a maioridade relativa para fins trabalhistas
A mencionada alteração constitucional acerca da idade mínima para o trabalho, ressalvando-se a condição de aprendiz, elevou o que a doutrina e jurisprudência denominam de maioridade relativa para fins trabalhistas. Em simples termos, tem-se que há maioridade plena para as relações de trabalho ao ser alcançada a idade de 18 (dezoito) anos, pois não há qualquer vedação ao exercício de trabalho em circunstâncias de risco acentuado, tal como o trabalho em condições perigosas, insalubres ou penosas, nos termos do inciso XXXIII do art. 7o da CF/1988.
A faixa etária correspondente ao interregno entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos de idade fixa a maioridade relativa para o Direito do Trabalho, em que o exercício de labor remunerado do menor é permitido, desde que não o submeta àquelas mencionadas condições gravosas. Já os menores de 16 (dezesseis) anos são considerados absolutamente incapazes para o trabalho, salvo na condição especial de contrato de aprendizagem. Ressalva-se que, anteriormente à Emenda 20/1998, tal incapacidade trabalhista absoluta restringia-se aos menores de 14 (quatorze) anos.
O salário-família surgiu na vigência ainda desta incapacidade trabalhista absoluta do menor de 14 (quatorze) anos, visando bonificar o segurado que tivesse suas despesas familiares acrescidas pela responsabilização com um filho ou equiparado que não poderia exercer qualquer atividade capaz de remunerá-lo, não podendo este auxiliar nas despesas que acrescia ao seu âmbito familiar.
Infere-se que o limite mínimo para fins de ingresso no mercado de trabalho está intimamente ligado ao limite máximo para percepção do acréscimo pecuniário na renda mensal do segurado, tendo em vista que, ao atingir certa a capacidade para fins laborais, o menor, filho ou equiparado, do segurado já tem capacidade para minimizar seus custos naquele âmbito familiar pela percepção de remuneração de seu próprio trabalho.
3.2 As incongruências da Emenda Constitucional 20 de 1998.
A alteração da maioridade trabalhista relativa pela referida Emenda Constitucional, permitindo apenas o maior de 16 (dezesseis) anos o exercício de trabalhado, excetuadas as situações de gravame de condições, deveria ter sido acompanhada pela elevação da idade máxima do filho ou equiparado ensejador da percepção do salário-família. Isto porque, tal como supra referido, pode-se falar que a idade limite do menor está diretamente relacionada à maioridade relativa para fins trabalhista.
Vale ressaltar que EC no 20/1998 implicou numa reforma substantiva do sistema da Previdência Social de forma a enxugá-lo orçamentariamente, bem como efetivou o Regime Próprio da Previdência Social (RPPS). Nesse cenário, fica relativamente nítida a intenção do constituinte derivado reformador de não onerar ainda mais o sistema previdenciário com a elevação da idade máxima para a percepção do benefício do salário-família, até em observância ao postulado da precedência do custeio.
Afastando-se então o argumento de mera omissão da constituinte reformadora acerca da inalteração da idade máxima do filho ou equiparado e ainda que não sendo o mesmo refutado, tem-se que tal ausência de manifestação implicou em legítima incongruência entre a alteração trabalhista e inalteração previdenciária da Emenda. Isto porque, não se pode conceber um sistema jurídico em que os institutos não conversem organicamente entre si, na mais verdadeira interpretação conforme os ditames constitucionais.
Ora, se a Constituição garante a proteção integral e prioritária da criança e do adolescente, bem como o microssistema de proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente, todo o ordenamento jurídico deve com tais diplomas se compatibilizar, o que, de fato, não ocorreu na redação da Emenda 20 de 1998. Eugênio Facchini Neto assim disserta (FACCHINI NETO, 2003):
(...) as normas principiológicas e programáticas concernentes ao direito privado, mas contidas na Constituição, necessariamente impõem ao legislador o dever de editar uma legislação compatível com tais princípios e que lhe desenvolvam o programa. E aí está a razão do surgimento de leis especiais que acabam por reduzir o primado antes indiscutível do Código Civil. Tais leis especiais buscam disciplinar institutos de direito privado, com base em outros princípios que não aqueles clássicos, contidos nas codificações. Emergem, então leis, como o Código de Defesa do Consumidor, que disciplina as relações de consumo à luz de princípios totalmente diversos daqueles que presidem as relações negociais codificadas, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que pretende conferir uma proteção integral, com caráter prioritário, à criança e ao adolescente, em todas as suas fases e em todos os aspectos (em cumprimento aos princípios enunciados no art. 227 da CF), dentre outras.
Nesse sentido, não se pode excluir a esfera previdenciária dessa constitucionalização do direito privado, situação esta não observada pela Emenda, no momento em que não observou a intenção também de proteção da criança e do adolescente absolutamente incapaz para fins trabalhistas da tutela pretendida pelo benefício do salário-família.
CONCLUSÃO
O salário-família compõe, desde 1963, o conjunto de benefícios e serviços do sistema previdenciário que alberga segurados e dependentes, indivíduos componentes do Regime Geral de Previdência Social. É devido, desde a Emenda Constitucional 20 de 1998, aos segurados considerados de baixa renda que possuam filho ou equiparado previdenciários de até 14 (quatorze) anos de idade ou inválidos, de forma a complementar a sua renda familiar.
Influi-se, com base em dados publicados pelo Ministério da Previdência Social, que diretamente o benefício atinge um patamar de 10 milhões de crianças e adolescentes brasileiros dependentes de segurados empregados ou avulsos, que são os únicos que, nos moldes legais atuais, fazem jus ao recebimento da parcela. Alguns fatores jurídicos e sociais, que circundam o deferimento do mencionado benefício, foram discutidos nesse artigo de forma a sanar qualquer situação de nítida injustiça ou em descompatibilização com a tutela objetivada pelo mesmo.
Afastou-se a natureza assistencial do benefício, com base no princípio da solidariedade e suas representação também no sistema previdenciário de forma que seus próprios segurados contribuem não só para si, mas sim em prol de um sistema que beneficia a todos que podem ser atingidos pelas contingências sociais que a lei imprime como seguráveis. Quanto à contingência que dá azo ao recebimento do salário-família, inferiu-se que a mesma não decorre da mera existência da filiação ou situação equiparada, mas sim da oneração de despesas ao lar trazidas pelo menor absolutamente incapaz para o trabalho.
Desse raciocínio, atribui-se ao INSS uma revisão de seus entendimentos para não excluir o segurado responsável pela manutenção de um menor em situações originalmente não albergada pela percepção do benefício, tal como em famílias eudemonistas, em nítida compatibilização com a hermenêutica do disposto no art. 87 do Decreto 3.058/99, conforme os ditames constitucionais, inclusive a doutrina da proteção integral.
Por fim, criticou-se o legislador constituinte derivado que, ao redigir a Emenda Constitucional 20 de 1998, alterou a maioridade relativa trabalhista para 16 (dezesseis) anos de idade, sem se manifestar acerca da elevação da idade do filho ou equiparado ensejadora da percepção do benefício previdenciário em estudo. Houve uma nítida descompatibilização entre a idade máxima prevista para o recebimento da parcela e a contingência social protegida, a qual sempre deve recair sobre o acréscimo de despesas ao lar que possua menores absolutamente incapazes para o trabalho.
Nesse contexto, sugere-se, além das respectivas possíveis alterações legislativas, que o Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) passe a albergar, em seus pareceres jurídicos, judiciais e até mesmo procedimentos administrativos, tais entendimentos aqui levantados de forma a evitar situações que não se coadunem com a realidade social atual e os ditames constitucionais protetores da liberdade, da dignidade humana, bem como da proteção à família e à criança e ao adolescente, os quais devem se dissipar por todo o ordenamento jurídico pátrio.
REFERÊNCIAS
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Notas
[1] Dados publicados em Informe de Previdência Social de fevereiro de 2009, volume 21, número 2 e estimados pelo Ministério da Previdência Social, com base nas informações declaradas na Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social (GFIP) pelos empregadores em todo País. Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/3_090430-152540-063.pdf . Acesso em: 22/01/2015.
[2] SALÁRIO-FAMÍLIA. PROVA. POR SER VERBA DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA, O SALÁRIO-FAMÍLIA SOMENTE É DEVIDO AO EMPREGADO QUE COMPROVAR A EXISTÊNCIA DE FILHOS OU EQUIPARADOS, DE ACORDO COM O FIXADO NAS NORMAS QUE REGEM A MATÉRIA. (TRT-19 - RO: 1503201006019002 AL 01503.2010.060.19.00-2, Relator: Pedro Inácio, Data de Publicação: 30/05/2011).
[3] TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO RETIDO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA E PARA O SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHADOR - SAT. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE OS VALORES PAGOS A TÍTULO DE ABONO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS (1/3) E salário-família. NATUREZA INDENIZATÓRIA E PREVIDENCIÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. SALÁRIO MATERNIDADE, FÉRIAS, ADICIONAL NOTURNO E HORA EXTRA. NATUREZA SALARIAL. CONTRIBUIÇÃO DEVIDA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA. I - Desde que a sentença monocrática tenha apreciado, como no caso, a controvérsia instaurada nos autos, decidindo a causa, fundamentadamente, de acordo com a livre convicção do juízo, inclusive, com expresso pronunciamento quanto às questões suscitadas, não prospera a preliminar de nulidade do julgado, sob o fundamento de ausência de conteúdo decisório. II - Não incide contribuição previdenciária e para o SAT (Seguro de Acidente do Trabalhador) sobre os valores pagos ao empregado a título de abono constitucional de férias (1/3) e salário-família, porquanto se revestem de caráter indenizatório/previdenciário, não sendo considerados contraprestação pelo serviço realizado. Precedentes do STF, STJ e desta Corte. III - A remuneração de férias, salário maternidade, adicional noturno e hora extra possuem natureza salarial e, por isso, integram a base de cálculo da contribuição previdenciária. Precedentes. IV - Apelação da impetrante parcialmente provida. Apelação da União Federal e remessa oficial desprovidas. (TRF-1 - AMS: 921 PI 0000921-41.2008.4.01.4000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Data de Julgamento: 23/11/2010, OITAVA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.520 de 03/12/2010).
[4] A jurisprudência já se manifestou, no que diz respeito ao afeto como elemento definidor da filiação, expressando esse entendimento no julgado do TJRS, em 2002, em Apelação nº 70005246897.