A restituição do VRG (Valor Residual Garantido) à luz do STJ - Superior Tribunal de Justiça: os cuidados para evitar o enriquecimento sem causa por parte do fornecedor no caso de rescisão do contrato de arrendamento mercantil ou leasing.
Nos termos da matéria abaixo, o STJ divulgou notícia comunicando que consolidou o entendimento sobre a restituição ou não do VRG no caso de inadimplemento no contrato de leasing. A notícia é extraída do julgamento do REsp 1099212, que foi julgado em recurso repetitivo, cuja lide foi judicializada em ação de reintegração de posse.
É cediço que o contrato de leasing é um contrato de arrendamento mercantil, a teor do Art. 1º, da Lei 6.099/74.
Desta feita, constata-se que o arrendamento mercantil nada mais é do que o arrendamento de bens. E o arrendamento de bens é "simplesmente" a locação de bens por um determinado prazo a um preço determinado, conforme está definido por De Plácido e Silva, na sua obra intitulada de o Vocabulário Jurídico e, por Aurélio, no Dicionário Aurélio, veja:
“LEASING”. Ou arrendamento mercantil, é o contrato segundo o qual uma pessoa jurídica arrenda a uma pessoa física ou jurídica, por tempo determinado, um bem comprado pela primeira de acordo com as indicações da segunda, cabendo ao arrendatário a opção de adquirir o bem arrendado findo o contrato, mediante preço residual previamente fixado (Fran Martins). (in Vocabulário Jurídico / atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Forense. Rio de Janeiro, 2005)
arrendamento
[De arrendar1 + -mento.]
Substantivo masculino.
1.Ato ou efeito de arrendar1.
2.Aluguel ou contrato pelo qual alguém cede a outrem, por certo tempo e preço, o uso e gozo de coisa não fungível (geralmente imóveis).
3.Instrumento desse contrato.
4.Preço estipulado para fruição da coisa arrendada. [Sin. ger. (p. us.): arrendação.]
Arrendamento mercantil. 1. Econ. Operação entre pessoas jurídicas pela qual uma delas cede o uso de um ou mais bens (como veículos, máquinas, equipamentos, etc.) mediante o pagamento pela outra de prestações periódicas, sendo usual que ao fim do contrato o arrendatário tenha opção de compra dos bens. [Sin. (ingl.): leasing.] (Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.0 © O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa corresponde à 3ª. edição, 1ª. impressão da Editora Positivo, revista e atualizada do Aurélio Século XXI, O Dicionário da Língua Portuguesa, contendo 435 mil verbetes, locuções e definições. Edição eletrônica autorizada à POSITIVO INFORMÁTICA LTDA)
Corroborando com o acima suscitado é o entendimento doutrinário sobre a questão, veja o que diz Aramy Dornelles da Luz, quando define a figura jurídica do arrendamento mercantil:
O arrendamento mercantil, também denominado leasing, é, em linhas gerais, um negócio jurídico de financiamento, que toma a forma de uma locação de bens móveis ou imóveis, onde o locador atribuí ao locatário o direito de opção entre renovar a locação, devolver o bem ou comprá-lo, pagando então apenas o valor residual nele previsto, findo o prazo contratual. (in "Negócios Jurídicos Bancários - 0 Banco Múltiplo e seus Contratos", RT, p. 194)
Nos termos do Art. 5º da Lei 6.099/74 o arrendatário (o consumidor) poderá optar pela aquisição da compra do bem arrendado ao término do contrato de leasing.
Contudo, na prática, em regra, essa opção é imposta ao arrendatário, que ao aderir ao dito contrato já encontra no contrato de adesão de arrendamento a opção de compra preestabelecida, com o que seria o valor de compra distribuído em parcelas denominadas de VRG – Valor Residual Garantido.
Desta feita, no contrato de arrendamento mercantil, como regra, há a cobrança da contraprestação pelo uso (locação) do bem e do VRG (que corresponde ao parcelamento do valor de compra do bem, acaso o arrendatário optasse ao término do termo por adquiri-lo).
Ocorre que às vezes o arrendatário entra em mora ou torna-se inadimplente com a obrigação, deixando de pagar a contraprestação e o VRG, que são cobrados, em regra, mensalmente, por meio de parcela única, ou seja, de parcela que compreende o valor da contraprestação e o VRG. E isso permite que o arrendador promova ação de reintegração de posse, já que o bem arrendado é de sua propriedade (evidenciando o nítido contrato de locação).
Afora o problema da imposição ao consumidor do VRG antecipado, quando da reintegração de posse surge um problema acerca do valor que foi pago antecipadamente a título de preço final de compra, ou seja, do VRG, especificamente, se havendo a reintegração do bem, o VRG deveria ou não ser devolvido ao consumidor, já que ele não adquirirá mais o mesmo, ante a rescisão que se instaurou com a reintegração de posse, e pelo fato dele ter realizado mensalmente, enquanto vigente o contrato, a contraprestação pelo uso do bem arrendado.
É importante atentar que o VRG só é pago porque, em tese, houve a opção antecipada de compra por parte do consumidor. Embora não se possa esquecer que essa opção é imposta no contrato de adesão.
O STJ, em recurso repetitivo, acima apontado, objetivando pacificar o entendimento jurisprudencial, firmou o entendimento de que o VRG só será devolvido ao consumidor se após a alienação do bem arrendado - o que ocorre após a reintegração - o valor da alienação for suficiente para quitar o valor da operação, que, ao que tudo indica, é o valor do contrato. Ante a decisão em tela, também poderá ocorrer a restituição se a soma do valor da alienação e do VRG pago ultrapassar o valor do negócio.
Segundo o ministro Villas Bôas Cueva, relator para o acórdão do feito indicado, nos termos da notícia do STJ, a postura expressa na decisão visa garantir o equilíbrio econômico-financeiro, “preservando-se os princípios da boa-fé e da função social do contrato. ‘Tudo a bem da construção de uma sociedade em que vigore a livre iniciativa, mas com justiça social’”.
Todavia, para que os princípios acima sejam realmente preservados, é preciso atentar que o VRG, ou seja, o preço de compra final, é pago antecipadamente pelo consumidor, o que obriga ao arrendador atualizar esse valor no momento da rescisão contratual. Outrossim, por razão lógica, é necessário que seja expurgado da operação, ou seja, do contrato de leasing, qualquer cobrança de encargos sobre o VRG, já que esse valor só seria exigível ao final do contrato e o consumidor acaba pagando de forma antecipada, e o pior, como se um valor financiado fosse, com acréscimos de juros e outros encargos decorrentes de um financiamento.
Portanto, no momento de se averiguar se haverá a restituição do VRG ao consumidor, ou se o VRG pago servirá para quitar a operação, o arrendador deverá atualizar as parcelas pagas a título de VRG com os mesmos encargos aplicados no contrato para a parcela correspondente a contraprestação pelo uso e, além disso, deverá expurgar do contrato qualquer encargo cobrado antecipadamente pelo preço de venda, ou seja, deverá excluir do valor da operação a cobrança de juros e correção monetária impostas no VRG, já que, na prática, o arrendador ainda faz incidir juros e outros encargos sobre a parcela do VRG, como se o arrendamento fosse um financiamento ou um contrato de compra e venda a prazo sob financiamento.
Desta feita, partindo do princípio que o VRG deveria ser devolvido ao consumidor, já que o negócio foi rescindido e ele não mais adquirirá o bem, antes de se autorizar a compensação desse valor com o valor da operação, é preciso atualizar todas as parcelas do VRG e expurgar qualquer encargo imposto pelo fornecedor, isto é, pelo arrendador, sobre essa parcela na operação, sob pena de se permitir o enriquecimento sem causa do arrendador.
Abaixo segue a notícia divulgada pelo STJ:
RECURSO REPETITIVO
STJ consolida tese sobre devolução do VGR nos casos de inadimplemento de contrato de leasing financeiro
“Nas ações de reintegração de posse motivadas por inadimplemento de arrendamento mercantil financeiro, quando o produto da soma do valor residual garantido (VRG) quitado com o valor da venda do bem for maior que o total pactuado como VRG na contratação, será direito do arrendatário receber a diferença, cabendo, porém, se estipulado no contrato, o prévio desconto de outras despesas ou encargos contratuais.”
A decisão, firmada em recurso repetitivo (artigo 543-C do Código de Processo Civil), é da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. O julgado acabou por definir o entendimento a respeito do tema, que se mostrava, até certo ponto, conflituoso na Corte.
O caso
No caso analisado pelo STJ, uma empresa de leasing propôs ação de reintegração de posse alegando que firmou contrato de arrendamento mercantil de produtos de informática com antecipação do valor residual garantido (VRG), encontrando-se o réu em inadimplência. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) manteve a sentença que julgou procedente o pedido para reintegrar a empresa na posse plena dos bens.
No STJ, o recurso especial do réu foi afetado como repetitivo. A controvérsia estava em definir se, com a reintegração de posse do bem arrendado pelo arrendador, a quantia paga antecipadamente a título de valor residual garantido deveria ser restituída ou compensada com seu débito.
Após o voto do ministro relator dando parcial provimento ao recurso, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, em voto-vista, divergiu. Para ele, “é ínsita à racionalidade econômica do leasing financeiro a preservação de um valor mínimo em favor do arrendador pelo produto financiado, a servir-lhe de garantia (daí o nome: valor residual garantido), a depender, no caso de não exercida a opção de compra pelo arrendatário, do valor recebido com a venda do produto”.
Função social
Segundo o ministro Villas Bôas Cueva, relator para o acórdão, no caso de inadimplemento, havendo a devolução do produto, o bem será retomado à posse do arrendador, que, se for o caso, o venderá no mercado conforme o preço praticado, buscando a liquidação do saldo devedor da operação.
Se o resultado da venda somado ao VRG eventualmente pago for inferior ao VRG previsto no contrato, nenhuma devolução será devida ao arrendatário. Por outro lado, se o produto da venda somado ao que já estiver quitado como VRG diluído ou antecipado ultrapassar o que estava estabelecido no contrato, o restante poderá ser restituído ao arrendatário, conforme dispuserem as cláusulas contratuais.
Para o ministro, observando-se a real finalidade do VRG, será mantido o equilíbrio econômico-financeiro, preservando-se os princípios da boa-fé e da função social do contrato. “Tudo a bem da construção de uma sociedade em que vigore a livre iniciativa, mas com justiça social’, concluiu.
A Associação Brasileira das Empresas de Leasing, o Banco Central e a Febraban atuaram no processo na condição de amicus curiae.
REsp 1099212
http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=108904