Da antinomia entre o novo CPC e o Estatuto da pessoa com deficiência.

Efeitos no Direito da Família quanto ao regime civil das incapacidades

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19/09/2015 às 01:44

Resumo:


  • O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) trouxe mudanças significativas no Código Civil, especialmente nas noções de incapacidade, o que pode gerar conflitos com o Novo Código de Processo Civil.

  • A Curatela, um instituto tradicionalmente voltado para a proteção dos incapazes, tem suas características e importância reavaliadas diante das recentes alterações legislativas.

  • O futuro da Curatela e a validade dos atos dos incapazes estão em discussão, considerando-se as alterações propostas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência e sua possível antinomia com o Novo CPC.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O trabalho contém uma explicação sobre o que é a Curatela e o processo de Interdição. Será feita uma análise das disposições atuais e ponderações a respeito do futuro da Curatela quando as Leis 13.146 e 13.105 entrarem em vigor a partir de 2016.

RESUMO: O presente trabalho apresenta uma análise crítica das alterações do Código Civil, no tocante às noções de incapacidade, a serem realizadas pelo recém-publicado Estatuto da Pessoa com Deficiência e o confronto de tais alterações com o Novo Código de Processo Civil. Este estudo conta também com uma breve demonstração da importância do instituto da Curatela e suas características, seguido de uma ponderação sobre o futuro deste frente às recentes mudanças legislativas.

ABSTRACT: The present work features a critical analysis of the Civil Code changes, regarding the notions of disability, to be made by the newly-published Statute of the Disabled and the clash of said changes with the New Civil Procedure Code. This study also includes a brief demonstration of the Curatorship institute’s importance and characteristics, followed by a weighing on its future in the face of recent legislative changes.

Palavras-chave: Curatela. Estatuto da Pessoa com Deficiência. Capacidades. Interdição. Novo CPC. Antinomia.

Keywords: Curatorship. Statute of the Disabled. Ability. Interdiction. New CPC. Antinomy.

Sumário: Introdução; 1. Da Curatela; 1.1. Quem pode ser curador?; 1.2. Do exercício da Curatela; 2. Interdição no Novo CPC; 2.1. Da validade dos atos do interditando; 3. Das contradições do Estatuto da Pessoa com Deficiência e o futuro da Curatela; 3.1. Da tomada da decisão apoiada e a (in) expressividade da Curatela; 4. Do conflito de normas entre o Estatuto da Pessoa com deficiência e o Novo CPC; 4.1. Qual Lei deverá prevalecer?. Considerações finais. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

A ciência do Direito, em sua infinidade, busca regular a vida das pessoas e estabelecer normas justas para o convívio em sociedade baseada em diversos princípios, dentre os quais se encontra o da dignidade humana. É a partir deste princípio que muitos ramos do Direito se norteiam na busca do justo, e, talvez, principalmente o Direito Civil.

Partindo da ideia de preservação da dignidade humana o Direito Civil reconhece que certas pessoas não estão aptas a realizarem certas funções do dia-a-dia como a maioria da população, seja por causa da idade, seja por problemas médicos-psicológicos temporários ou duradouros.

Para que tais pessoas não fiquem desamparadas judicialmente, ou inexpressivas para o Direito, foram criados então os institutos da Tutela e da Curatela. Cada instituto, obviamente, possui suas peculiaridades, mas dividem o mesmo fim: a proteção dos incapazes. Basicamente, este se trata da proteção dos maiores de idade incapazes enquanto aquele se trata dos menores de idade que, porventura, se encontrarem fora do poder familiar.

Será abordada neste estudo a importância da Curatela no decorrer dos anos, assim como suas características atuais, bem como a nova Curatela em face das alterações realizadas no Código Civil e Código de Processo Civil que dizem respeito à ideia de capacidade relativa e absoluta e ao processo de interdição. Alterações essas realizadas pelas Leis Nº 13.146 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) e Nº 13.105 (Novo Código de Processo Civil), que entrarão em vigor em janeiro e março de 2016 respectivamente.   

Como se verá, existem tanto alterações boas quanto alterações que, mesmo bem-intencionadas, podem causar prejuízos à segurança pública almejada. Vale dizer que, por se tratar de um tema de grande importância social e de grande amplitude, este breve estudo não será suficiente para tirar todas as dúvidas ou até mesmo confirmar convicções a respeito do assunto. Dito isso, espera-se que, ao menos, traga algum esclarecimento sobre o problema e instigue o leitor a também pesquisar e buscar uma solução ideal para tal.

  1. DA CURATELA

Do latim curare, que significa cuidar ou zelar, a ideia da Curatela como proteção dos direitos e do patrimônio dos incapazes data de séculos antes de Cristo. É possível chegar a esta conclusão tendo em vista que a noção de Curatela foi apreciada nos primórdios do Direito e da norma escrita na famosa Lei das XII Tábuas de 450 a.C., que em sua Tábua V, onde trata das sucessões e da guarda determina[2]:

7-A Se uma pessoa é insana a autoridade sobre ele e sua propriedade pessoal pertencerá a seus agnados do sexo masculino e, em situação de incumprimento destes, para seus membros do clã do sexo masculino.

7-B... Mas se não houver um guardião para ele...

7-C... Administração de seus próprios bens é proibida a um pródigo. ... Um pródigo, que está proibido de administrar seus próprios bens, deve estar... Sob a curatela de seus agnados do sexo masculino.

No Brasil, o instituto da Curatela existe desde antes da Independência, haja vista que já estava presente nas Ordenações Filipinas (1603) e também no Código Civil de 1916[3]. Atualmente a possibilidade da Curatela está expressa no Código Civil e o processo de interdição encontra-se regido pelo Código de Processo Civil. Nas palavras do grande mestre Bevilaqua (1943) “Curatela é o encargo público, conferido, por lei, a alguém, para dirigir a pessoa e administrar os bens de maiores, que por si não possam fazê-lo”. [4]

Estão sujeitos à Curatela, portanto, as pessoas elencadas no artigo 1767 do Código Civil[5]:

Art. 1767. Estão sujeitos a curatela: [Dispositivo correspondente no CC/1916: art. 446-caput.]

  • Aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil; [Dispositivo correspondente no CC/1916: art. 446-I.];
  • Aqueles que, por causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade; [Dispositivo correspondente no CC/1916: art. 446-II.];
  • Os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; [Sem dispositivo correspondente no CC/1916.];
  • Os excepcionais sem completo desenvolvimento mental; [Sem dispositivo correspondente no CC/1916.];
  • Os pródigos. [Dispositivo correspondente no CC/1916: art. 446-III.]. 

Baseando-se nos breves comentários de Flavio Tartuce e José Fernando Simão[6] a este artigo do Código Civil, entende-se que: o inciso I trata dos loucos que não são dotados de qualquer capacidade de discernir o mundo envolto, caso dos psicopatas, psicóticos, alienados mentais, neuróticos graves, entre outros; o inciso II trata do surdo-mudo ou, por exemplo, da pessoa que se encontra em coma e não pode expressar sua vontade; o inciso III cuida dos alcoólatras viciados e os toxicômanos; o inciso IV tem-se o exemplo do acometido por síndrome de Down; e, por fim, o inciso V traz a figura dos pródigos, que são aqueles que gastam de maneira desamparada o próprio patrimônio e que, sem o curador, não poderão realizar atos que não sejam de mera administração.

Além das pessoas citadas no Art. 1767, há também a possibilidade de nomeação de curador para o nascituro, como prevê o Art. 1769 do CC: “dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar”. Esse tipo de curatela visa garantir os direitos do nascituro assim como propõe o Art. 2º do CC[7], porém não existe um motivo claro para a nomeação de curador visto que o nascituro é menor incapaz e seria mais adequado nomear um tutor.

 Apesar de o artigo não expressar com detalhes, não é necessário o pai falecer, bastando ser ele desconhecido, ausente ou incapaz para caber nomeação e, no caso da gestante se encontrar interditada, seu curador será também o curador do nascituro (Art. 1769 CC, parágrafo único).

Como bem explica Silvio Salvo Venosa (2013) [8], “[...] Surge o interesse nessa curadoria quando o nascituro tem herança, legado ou doação para receber. Assim, nascendo com vida, estarão resguardados seus direitos.”.

Após o nascimento com vida a curadoria cessa, e a criança, na condição de menor, receberá um tutor.

  1. Quem pode ser curador

Quando o juiz declara a interdição, que será tratada neste trabalho posteriormente quando analisarmos a Lei nº 13.105 de 2015, nomeia-se um curador para o interditado e, para isso, o Código Civil em seu Art. 1775 elenca um rol de pessoas que devem exercer esta função[9]:

Art. 1775. O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito. [Dispositivo correspondente no CC/1916: art. 454-caput]

§ 1º Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe; na falta destes, o descendente que se demonstrar mais apto. [Dispositivo correspondente no CC/16: art. 454 § 1º.];

§ 2º Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos. [Dispositivo correspondente no CC/1916: art. 454 § 2º.];

§ 3º Na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz a escolha do curador. [Dispositivo correspondente no CC/1916: art. 454 § 3º]

Fica claro que o legislador procurou reservar o cargo para a família, porém, “a ordem de preferência nele expressa não tem caráter absoluto.” [10] Apesar de o texto legal sugerir certa ordem, há a possibilidade de mulher separada de fato do interditando ser nomeada curadora caso não haja outra pessoa capaz para exercer tal função, como também poderá haver nomeação de filho em detrimento de cônjuge ou de irmão em detrimento de filho. O que deve ser analisado, em cada hipótese, é quem melhor poderá exercer a Curatela, visando essencialmente benefício para o interditado.

1.2 Do exercício da Curatela

Após ser nomeado, o curador deve estar ciente de suas obrigações e deveres. No Código Civil são aplicadas à Curatela as mesmas disposições da tutela, com poucas exceções[11].

Pelos comentários de Maria Helena Diniz[12]:

As normas atinentes ao exercício da tutela podem ser aplicadas ao da curatela, desde que não contrariem sua finalidade, salvo a restrição do art. 1772 do Código Civil, alusiva à interdição do deficiente mental, ébrio habitual, toxicômano e de excepcional sem completo desenvolvimento mental e as relativas à curatela do pródigo (CC, arts. 1782 e 1783).

 As obrigações relativas ao exercício da Tutela a serem aplicadas para a Curatela seriam aquelas dispostas entre os Arts. 1740 e 1766 do Código Civil, das quais se destacam:

  • Prestação de alimentos;
  • Administração dos bens do interditado em proveito deste com zelo e boa-fé;
  • Representação nos atos da vida civil;
  • Pagamento de dividas;
  • Responder por prejuízos causados por dolo ou culpa ao interditado;
  • Receber remuneração proporcional à importância dos bens administrados;
  • Prestação de contas.

Para os pródigos, considerados relativamente incapazes[13], ficou estabelecido que, sem o curador, só possam realizar atos de mera administração, para que seus patrimônios não sejam dilapidados. Atos como emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, estão vedados a esses interditados[14].

Os curadores, assim como mostrado, devem prestar contas de sua administração. A única exceção se apresenta nos casos em que o curador seja o cônjuge do interditado e o regime de bens do casamento seja o de comunhão universal[15]pois, em tese, os interesses do curador são os mesmos visto que partilham do mesmo patrimônio e não haveria motivos para agir de má-fé.

Ao adaptar as palavras de Maria Helena Diniz[16] a respeito da finalidade da prestação de contas para a Tutela, entende-se que a prestação busca a proteção do interditado, garantindo uma boa administração de seus interesses econômicos, não permitindo ao curador negligências que possam lesar a gestão do patrimônio alheio, uma vez que o juiz, após o pronunciamento do Ministério Público, confirmará se houve ou não administração regular dos bens do curatelado, verificando se as contas estão devidamente comprovadas.

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Em caso positivo, o juiz julgará boas as contas apresentadas pelo curador.

  1. INTERDIÇÃO NO NOVO CPC

“O procedimento da interdição perfaz medida judicial por intermédio da qual determinada pessoa é declarada parcial ou totalmente incapaz para os atos da vida civil em virtude da perda de discernimento ou para a condução de seus próprios interesses. Decretada a interdição daquele declarado parcial ou totalmente incapaz, porque sem discernimento para a gestão de seus interesses, é nomeado curador que representará ou assistirá o interditado.[17]”.

A Lei N.13.105, de 16 de março de 2015, ou, o Novo CPC, revogou expressamente alguns artigos do Código Civil que tinham conteúdo processual sobre o processo de interdição (Arts. 1768 a 1773 do CC) [18]. Agora, apesar de ter praticamente o mesmo conteúdo em seus próprios artigos, só esta Lei passa a regular o processo.

As pessoas legitimadas para promover a interdição são praticamente as mesmas que podem exercer a Curatela. São elas[19]:

Art. 747. A interdição pode ser promovida:

I - pelo cônjuge ou companheiro;

II - pelos parentes ou tutores;

III - pelo representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando;

IV - pelo Ministério Público.

Parágrafo único. A legitimidade deverá ser comprovada por documentação que acompanhe a petição inicial.

Como se vê, o rol de legitimados é praticamente o mesmo dos que podem exercer a Curatela.

Os motivos de uma interdição podem variar, podendo os efeitos serem de limitação da capacidade ou até mesmo declarar total incapacidade do interditando. Por isso, na fase de petição inicial, o autor da ação deve especificar com bastante precisão as razões que justifiquem o pedido de interdição, sendo necessária inclusive a apresentação de laudo médico para provar suas alegações quando possível[20].

O réu da ação (interditando) é então citado para comparecer perante o juiz, e deverá ser entrevistado com perguntas a respeito de sua vida, negócios, bens, vontades, preferências e laços familiares e afetivos, e o que mais o juiz achar necessário para poder julgar sua capacidade de realizar atos da vida civil[21].

Quando o interditando não puder se locomover, o juiz deve ir até sua residência, e será assegurado o uso de qualquer recurso tecnológico necessário para que aquele possa se expressar, se tiver dificuldade para tal[22].

 Dentro do prazo de quinze dias contados após a entrevista, poderá o interditando impugnar o pedido. Neste caso o Ministério Público intervirá como fiscal da ordem jurídica, e o interditando, caso não constitua advogado, deverá receber um curador especial ou então seu cônjuge, companheiro, ou qualquer parente sucessível poderá intervir como assistente[23].

Tendo o prazo se esgotado, o juiz deve determinar a produção de prova pericial para avaliação da capacidade do interditando para a prática de atos civis. Essa perícia deve ser realizada por experts com formação multidisciplinar, e o laudo pericial deve conter, especificadamente, os atos para os quais haverá necessidade de curatela[24].

 Após o laudo pericial ser apresentado, todas as provas terem sido produzidas, e todos os interessados ouvidos, o juiz proferirá a sentença[25]. Na sentença que decretar a interdição, o juiz nomeará curador levando em conta o estado e o desenvolvimento mental do interdito para assim estabelecer os limites da curatela[26].

A sentença de interdição deve, ainda, tornar-se pública conforme dispõe a lei[27]:

Art. 755. Na sentença que decretar a interdição, o juiz:

§ 3o A sentença de interdição será inscrita no registro de pessoas naturais e imediatamente publicada na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado o juízo e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde permanecerá por 6 (seis) meses, na imprensa local, 1 (uma) vez, e no órgão oficial, por 3 (três) vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, constando do edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição, os limites da curatela e, não sendo total a interdição, os atos que o interdito poderá praticar autonomamente.

Se o juiz não decidir de modo diferente, o curador passa a ser responsável também pela pessoa e pelos bens do incapaz que se encontrar sob a guarda e a responsabilidade do curatelado ao tempo da interdição[28], e deve, sempre, buscar tratamento e apoio apropriados para que o curatelado possa voltar a ter autonomia[29].

Caso o motivo da interdição cessar, a Curatela deve ser levantada. O pedido neste caso é feito pelo curador, pelo Ministério Público ou pelo próprio curatelado, e o juiz deverá, portanto nomear perito ou esquipe multidisciplinar para conduzir o curatelado a novos exames e, consequentemente, após apresentação dos resultados, designará audiência de instrução e julgamento. Concluído o processo, e uma vez comprovada a cessação do motivo da interdição, o juiz determinará o levantamento da mesma, com a cessação da Curatela, cuja decisão deverá ser publicada na forma do Art. 755, §3[30].

  1. Da validade dos atos do interditado

Quando alguém é interditado logo surgem dúvidas quanto à validade dos atos cometidos antes da interdição do sujeito.

De acordo com o Art. 166, I, do Código Civil: “É nulo o negócio jurídico quando: I- celebrado por pessoa absolutamente incapaz”, e pelo Art. 171, I, do mesmo código: “Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I- por incapacidade relativa do agente.”.

 Segundo Nestor Duarte[31], “se o agente se acha em estado de regressão, sendo impossível ou dificultoso comprovar-se a deficiência mental, o negócio deve ser preservado, para a proteção da boa-fé do outro contratante. Já se a insanidade é notória, ou conhecida do outro contratante, será anulado.”.

Nas palavras de Silvio Rodrigues[32], “ao ordenamento jurídico é mais importante proteger terceiro de boa-fé do que o interesse do incapaz”.

Conclui-se então que, se realizado de boa-fé por parte do contratante o negócio é válido ou vice e versa. Se uma das partes está interessada em anular negócio realizado antes da interdição da outra parte, é preciso comprovar que a doença responsável pela interdição já estava presente na época do negócio.

2.2 Quais foram as mudanças significativas?

Foi apresentado neste trabalho o processo de interdição nos moldes do Novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor em 2016. Mas o que de fato mudou em relação ao código vigente?

No atual código, os artigos relacionados à interdição se encontram no Capítulo VIII “DA CURATELA DOS INTERDITOS”, e no novo código mudou-se para a “Seção IX, Da interdição”. Salvo estas mudanças formais, pouca coisa mudou de fato, observando que os artigos são praticamente idênticos, tendo apenas algumas alterações e adições.

 Apesar de mudanças discretas, percebe-se que o legislador se preocupou em cobrir lacunas antigas presentes no código, e procurou (talvez não com tanto êxito) se atualizar e livrar-se de medidas ultrapassadas.

Algumas dessas mudanças podem ser consideradas de “bom senso do legislador”. São elas: a ampliação da figura do companheiro no rol dos legitimados para pedir interdição, visto que na atualidade praticamente não há diferença entre União Estável e Casamento; a possibilidade expressa do juiz nomear curador provisório nos casos de urgência, pois, atualmente, quando isso ocorre uma das partes geralmente tenta impedir, fazendo com que o processo se arraste desnecessariamente prejudicando o interditando; e, por fim, também expressa, a nomeação daquele que for mais apto para defender os interesses do interditando.

Outras mudanças perceptíveis mostram um caráter humanizado do novo código, sendo elas: é dada uma importância maior à vida do interditando na hora da entrevista, em contraste com o atual código que é mais patrimonialista; e a nomeação de chamada equipe multidisciplinar para que a perícia seja feita de forma mais conclusiva possível, de sorte a não deixar dúvidas sobre o estado e condição mental do interditando.

3  DAS CONTRADIÇÕES DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O FUTURO DA CURATELA

Sancionado no dia 6 de julho de 2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência entrará em vigor no início de 2016 e provocará mudanças impactantes para o operador do Direito, e, em especial para os que têm contato direto com o Direito Civil. 

O EPD, num contexto mundial de inclusão social, altera as noções atuais de capacidade, fato que pode gerar grande confusão e levantará a questão de uma possível extinção da Curatela, ou pelo menos, uma futura inutilidade do instituto.

Seria possível a produção de um artigo apenas com as contradições desta nova lei, que, admite-se, acertou em vários pontos e era necessário, mas neste trabalho serão expostas apenas as mudanças que mais afetam a Curatela.

De acordo com o Art. 114 da Lei 13.146 de 2015 (EPD), os Arts. 3º e 4º do Código Civil passam a vigorar com as seguintes disposições:

Art. 3o  São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

I - (Revogado);

II - (Revogado);

III - (Revogado).” (NR)

Art. 4o  São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:

.....................................................................................

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;

.............................................................................................

Para a Curatela, os absolutamente incapazes seriam representados, e os relativamente incapazes assistidos nas medidas das limitações definidas pelo juiz. O primeiro ponto que, de logo, merece grande atenção destas alterações é a aberrante ideia de se ter “aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade” como relativamente incapazes, pois, assim sendo, passam a realizar os atos jurídicos com a assistência de seus curadores, em conjunto, para que o interesse de um não prevaleça sobre o do outro. Tais atos jurídicos nunca se realizariam, já que o curatelado não pode expressar sua vontade para o curador, e este não pode mais representá-lo.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência em seu Art.114 também alterou o rol de sujeitos à Curatela expresso no Código Civil:

Art. 1.767...................................................................

I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;

II - (Revogado);

III - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

IV - (Revogado);

Importante mostrar também, o Art. 84 do EPD, que prevê a Curatela em seu §1º:

Art. 84.  A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 1o  Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei.

Percebe-se a partir de simples interpretação do texto de lei que há um desencontro entre o Estatuto e as alterações do Código Civil que o próprio realizou. Em seu Art. 84 o Estatuto diz que em casos de necessidade a pessoa com deficiência será submetida à Curatela, porém ao alterar o CC o mesmo retirou a sujeição de deficientes mentais à Curatela. Nota-se que houve falta de atenção e clareza por parte do legislador.

O legislador não se lembrou de também especificar a respeito da validade dos atos das pessoas com deficiência. Na vigência atual, entende-se que, caso esteja interditado, o agente já era incapaz, portanto seus atos invalidáveis se provas da incapacidade forem encontradas. No novo código não há mais incapaz, portanto, em tese, seus atos são válidos.

Caso o relativamente incapaz esteja assistido por Curador (o que será raro), a ele será imposto os mesmos limites estabelecidos para o pródigo, que estão previstos pelo Art. 1782 do Código Civil[33].

A dúvida maior neste caso vai ser quanto à validade dos atos realizados sem a presença do curador, e se o curador vai representar ou apenas assistir o curatelado capaz. Assim, somos obrigados a combinar o artigo 85 do Estatuto da Pessoa com Deficiência com o artigo 166, VII do Código Civil, pois, se os atos negociais e os patrimoniais devem contar com a presença do curador, a sua ausência, por não haver sanção disciplinada em expressamente em lei, haverá de ser a nulidade do ato. São esses, portanto, apenas alguns dos problemas que podemos vislumbrar pela açodada intervenção no Código Civil[34].

3.1 Da Tomada da decisão apoiada e (in) expressividade da Curatela

No Art. 84 do Estatuto, em seu §2º, está expresso: “É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada.” A chamada tomada de decisão apoiada estará regulamentada pela inclusão do Art. 1783-A no Código Civil e quando essa norma entrar em vigência a necessidade da Curatela passará a ser questionada.

O novo Art. 1783-A do Código Civil assim definirá:

Art. 1.783-A.  A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.

Como já foi mostrado, o caráter representativo da Curatela estaria extinto, pois não há na nova Lei a figura do absolutamente incapaz, deixando apenas a Curatela no modo assistencial.

Com esta alteração no Código Civil a possibilidade da Curatela fica ainda mais distante, podendo a pessoa com deficiência escolher duas pessoas de confiança para exercer a função que, em tese, seria a de curador.

 Percebe-se que a lei em geral caminha para a extinção da Curatela, em favor da ideia de inclusão social. É preciso analisar se seria este o caminho certo, pois, mudanças como estas não admitem meio termo, ou serão benéficas ao necessitado ou poderão causar mais dano do que benefícios.

  1. DO CONFLITO DE NORMAS ENTRE ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O NOVO CPC

Como ficou claro no decorrer deste artigo, o Novo CPC ao tratar da Curatela focou-se no processo de interdição e almejou melhorar as condições pró-interditando, ao contrário do EPD, que afastou a ideia de interdição no Direito Civil focando na inclusão da pessoa com deficiência e tirando deste a condição de incapaz.

 Dentre os artigos do Código Civil alterados pelo EPD estão aqueles que, por tratarem de matéria processual da interdição, foram revogados expressamente pelo Novo CPC. O mais marcante é, sem dúvidas, o Art. 1768 que em seu caput passou a dizer “O processo que define os termos da curatela deve ser promovido:”, excluindo a hipótese de interdição.

O leitor deve agora prestar muita atenção para não se perder na confusão que isso causará. Atentando-se para a vacatio das leis, é possível perceber que o Art. 1768 do CC alterado pelo EPD terá vigência de três meses, que é o tempo até a vigência do Novo CPC começar, e consequentemente revogar o artigo em questão.

Imaginando que, durante a vigência do Novo CPC, ocorra um caso que se enquadre ao Art. 84 §1º do EPD “Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei”, a pessoa com deficiência, por exemplo, mental, passará por um processo de interdição e se submeterá a uma Curatela, ambos “inexistentes”. Isso ocorrerá porque, com o EPD estando vigente, o Código Civil passará a dizer que: o portador de deficiência mental não é reconhecido como sujeito à Curatela, e a interdição não existe.

Ocorrerá a estranha interdição e curatela de um sujeito capaz, nos termos da nova lei.

4.1 Qual Lei deverá prevalecer?

Como se é de se esperar, a entrada de duas novas leis que, dentre diversos temas, tratam em determinado momento do mesmo assunto, causaria certa confusão nos primeiros meses e até anos de adaptação, além de incansáveis discussões concernentes à validade e ao uso de ambas.

A situação de normas incompatíveis entre si é uma tradicional dificuldade da qual se encontram os juristas de todos os tempos, e que tomou uma denominação característica: antinomia[35].

Existem para esses casos 3 critérios de solução[36]:

a)Hierárquico: quando entre duas normas, prevalece a superior. Lex superior derogat inferiori.

b)Cronológico: quando entre duas normas, prevalece a mais recente. Lex posteriori derogat priori.

c)Especial: quando entre duas normas, prevalece a especial sobre a geral. Lex specialis derogat generali.

Analisando o caso estudado, temos um conflito entre o Novo CPC, lex posterior generali , e o EPD, lex priori speciali. No caso de entrar em conflito norma especial anterior com geral posterior, valeria o metacritério lex posterior generalis non derogat priori speciali, que dá preferência ao EPD. Porém este metacritério não tem valor, visto que não há regra absoluta, e, conforme o caso, haverá supremacia ora de um, ora de outro critério[37]

Além da tendência, como se viu, ser de utilizar norma especial, outro fator pesa em favor do Estatuto da Pessoa com Deficiência: O EPD é uma lei que se baseia na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, ratificados pelo Congresso Nacional por meio de Decreto Legislativo e de acordo com o §3º do Art. 5º da Constituição Federal, significando que ele tem força de emenda constitucional[38].

Assim sendo, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, mesmo sendo lex priori, deve ser respeitado, não podendo o Novo CPC revogar os artigos do Código Civil que, por força do EPD, foram alterados.

Esta conclusão trata-se, obviamente, de uma suposição, não significando que seria a mais correta, ou a que garante maiores benefícios para as vidas que dependem do resultado desta discussão. É preciso esperar as leis entrarem em vigor e ver como a situação será lidada, podendo até uma terceira lei ser criada para solucionar o atropelamento de normas causado por completa desatenção do legislador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As incapacidades no Direito Civil servem para proteger as pessoas que por algum motivo transitório ou duradouro não estejam nas mesmas condições que as outras. O reconhecimento de alguém como incapaz não serve para excluir, pelo contrário, é uma forma de melhor pode lidar com a pessoa e assim incluí-la.

O que parece estar acontecendo não só no país, mas no mundo todo, é a tentativa de equiparar as condições dos considerados incapazes com os capazes à força, como uma forma de inclusão a todo custo.

Existem outras formas de buscar a igualdade, e alterar o regime de incapacidades não parece o correto, pelo menos da forma que foi feito.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, em todo o seu alcance, merece ser parabenizado, pois veio, realmente, em boa hora. Apesar disso, para o Direito Civil os impactos podem ser negativos. É possível defender a tese de que o portador da Síndrome de Down, por exemplo, demonstrou no decorrer dos anos ter capacidade de atuar na vida civil, e com razão, mas o que dizer dos outros “que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos”?

Já dizia Aristóteles, “devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”.

Portanto, não adianta por meio de lei tentar “negar” as diferenças, pois elas existem e são fatores biológicos, individuais, e que não vão deixar de existir por advento de lei alguma. Quem dera se fosse assim, mas não é, e infelizmente quem sofrerá com as mudanças legislativas no futuro serão justamente aqueles que mais se tentou proteger, pois suas diferenças ficarão expostas e evidentes, e o ordenamento jurídico não poderá aceitá-las.

Com certeza, há controvérsias, e pode ser que este Estatuto seja a solução que todos estavam esperando. Mesmo assim, não há como negar que a maior preocupação com a dignidade humana que esta lei prega é, no mínimo, questionável.  

Este trabalho chega ao seu fim, com a esperança de que tenha sido de alguma importância tanto para o operador quanto para o estudante de Direito, e que os tenha alarmado para esse iminente problema de importância social que, sem dúvidas, se nada for feito a respeito antes das leis entrarem em vigor, causará muita confusão.

RFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre o autor
Henrique Koga Fujiki

Discente do 2º Termo B do curso de Direito do Centro Universitário “Antonio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente.

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