A recusa de fazer o teste do bafômetro não pode ser considerada como prova de embriaguez, segundo decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em setembro de 2015

Leia nesta página:

Este breve artigo analisa a recente decisão da Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região (de setembro de 2015) sobre a recusa de fazer o teste do etilômetro por parte de condutor de veículo automotor.

O Código de Trânsito Brasileiro dispõe, no seu artigo 165, que quem “dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência” estará cometendo infração gravíssima com penalidade de “multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses.”.

O artigo 306, do mesmo Diploma Legal, prevê como crime de trânsito punível com “detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor” o ato de “conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência”.

Ocorre que diversos cidadãos, ao serem abordados, recusam-se a prestar o teste do etilômetro, respaldados pelo princípio “nemo tenetur se detegere”, que assegura que qualquer pessoa que venha a ser acusada da prática de um ato ilícito possui o direito de não produzir provas em seu desfavor, evitando assim a sua autoincriminação. Destarte, o exercício deste direito, deixando de colaborar com a produção de provas pela acusação, não poderá acarretar em qualquer tipo de prejuízo ao acusado.

Tal princípio possui amparo nos seguintes dispositivos: art. 5º, LXIII, da Constituição da República Federativa do Brasil; art. 8º, 2, ‘g’, do Pacto de San José da Costa Rica; art. 14, 3, ‘g’, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e art. 186, parágrafo único, do Código de Processo Penal Brasileiro.

Ainda que o Código de Trânsito Brasileiro disponha que o indivíduo deva estar “sob influência de álcool” (ou outra substância psicoativa que termine dependência) e que é necessária a “alteração da capacidade psicomotora” do condutor para caracterizar o crime de trânsito, a jurisprudência majoritária tem entendido que basta que o condutor do veículo tenha ingerido a substância, presumindo-se que esteja sob influência e com a capacidade psicomotora alterada, para caracterizar a infração. Ou seja, se o teste do etilômetro (bafômetro) constatar que o indivíduo ingeriu a substância já estará incidindo na infração.

Analisando as elementares do tipo é possível verificar que não bastaria a mera ingestão da substância psicoativa (cuja prova da ingestão é possível através do etilômetro), sendo necessária também a prova de que o indivíduo está sob influência da substância, tendo a sua capacidade psicomotora alterada.

É evidente que um indivíduo de meia idade, com peso elevado, bem alimentado e acostumado a ingerir álcool com certa regularidade, não terá a sua capacidade psicomotora alterada da mesma forma que outra pessoa muito jovem, magra, que não se alimentou bem e que não possui o hábito de ingerir álcool. Ainda, existem diversos outros fatores, inclusive genéticos, que podem influenciar nesta alteração.

A Lei também não diferencia entre situações extremas como a de um jovem de dezoito anos que é abordado durante a madrugada, em estado de embriaguez elevado, após ter ingerido bebidas alcoólicas durante toda a noite, sem possuir qualquer condição de dirigir, sendo flagrado em velocidade considerável, e um senhor de meia idade que tomou um cálice de vinho com a sua família em um almoço de domingo e conduz o seu veículo de forma prudente.

O Poder Judiciário não tem diferenciado estas situações e tem considerado que a recusa do condutor ao ser solicitado que faça o teste do etilômetro basta para configurar a embriaguez.

Entretanto, uma recente decisão do Exmo. Juiz Federal Lademiro Dors Filho, confirmada por unanimidade pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região (cujo Relator foi o Exmo. Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira) apresenta um entendimento diverso:

V. A. F. foi autuado por supostamente conduzir um veículo sob a influência de álcool. Ao ser abordado pela Polícia Rodoviária Federal optou por exercer o seu direito de não produzir prova em seu desfavor e recusou-se a fazer o exame do etilômetro. Mesmo assim foi lavrado o auto de infração como se estivesse sob influência de álcool, sem que tenham sido descritos quaisquer sinais resultantes do consumo desta substância.

O condutor, insatisfeito com a situação, ingressou com ação ordinária na Justiça Federal do Estado do Rio Grande do Sul, requerendo a antecipação da tutela a fim de manter hígida a utilização da sua Carteira Nacional de Habilitação até o julgamento do mérito.

O Exmo. Juiz Federal deu razão ao autor informando que “a simples negativa da realização do teste do bafômetro não é meio hábil para a produção de prova” e deferindo o pedido de antecipação de tutela com a determinação de que a União e o Departamento Estadual de Trânsito do Estado do Rio Grande do Sul – DETRAN/RS “se abstenham de suspender o direito de dirigir em desfavor do autor”.

Diante desta respeitável decisão, o DETRAN/RS interpôs agravo de instrumento, ao TRF4, requerendo que fosse “mantida a penalidade de suspensão do direito de dirigir” e alegando que não existiu “qualquer irregularidade no procedimento administrativo”.

Após o relatório do Exmo. Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, que votou no sentido de negar provimento ao agravo, mantendo a decisão que deferiu a medida liminar sob a argumentação de que a embriaguez deve ser “demonstrada por outros meios de prova, não podendo ser decorrência automática da recusa em realizar o teste”, os demais Desembargadores Federais da Colenda Terceira Turma do TRF4 acompanharam o voto do Relator e acordaram por unanimidade, negando provimento ao agravo.

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A ementa da nobre decisão assim dispõe:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. TESTE DO BAFÔMETRO. RECUSA. NECESSIDADE DE OUTROS MEIOS DE PROVA. ANULAÇÃO.
- O art. 277 do CTB dispõe que a verificação do estado de embriaguez, ao menos para cominação de penalidade administrativa, pode ser feita por outros meios de prova que não o teste do etilômetro. A despeito das discussões acerca do art. 277, §3º, CTB, a jurisprudência exige que a embriaguez esteja demonstrada por outros meios de prova, não podendo ser decorrência automática da recusa em realizar o teste. - Quando, além de não ter se envolvido em acidente de trânsito, não há nenhum indício externo de que o condutor esteja dirigindo sob o efeito de bebidas alcoólicas, a simples recusa em fazer o teste do etilômetro ('bafômetro') não pode ser considerada como caracterizadora do estado de embriaguez. Deve constar no auto de infração a fundamentação da exigência do etilômetro.

Ainda, foram referidas, pelos EExmos. DDes. FFed., as seguintes decisões:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. TESTE DO BAFÔMETRO. RECUSA. NECESSIDADE DE OUTROS MEIOS DE PROVA. ANULAÇÃO.
- O art. 277 do CTB dispõe que a verificação do estado de embriaguez, ao menos para cominação de penalidade administrativa, pode ser feita por outros meios de prova que não o teste do etilômetro. A despeito das discussões acerca do art. 277, §3º, CTB, a jurisprudência exige que a embriaguez esteja demonstrada por outros meios de prova, não podendo ser decorrência automática da recusa em realizar o teste. - Hipótese em que embora o agente de trânsito tenha feito referência no auto de infração e no boletim de ocorrência a que o demandado apresentaria sinais de embriaguez, não preencheu o termo de constatação ou fez constar no auto de infração ou no próprio boletim de ocorrência qualquer das informações acima referidas. Ao contrário de outras irregularidades suscitadas pela parte autora, a falta de exame, teste, perícia ou termo de constatação que aponte a embriaguez do autor constitui falta grave e insanável, que diz respeito à própria prova da materialidade do ato infracional e cuja ausência torna insubsistente o auto de infração.
(TRF4, AI nº 5006245-46.2013.404.7110/RS, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, D.E. 12/02/2015)

ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. TESTE DO BAFÔMETRO. RECUSA. NECESSIDADE DE OUTROS MEIOS DE PROVA. ANULAÇÃO.
1) O art. 277 do CTB dispõe que a verificação do estado de embriaguez, ao menos para cominação de penalidade administrativa, pode ser feita por outros meios de prova que não o teste do etilômetro. A despeito das discussões acerca do art. 277, §3º, CTB, a jurisprudência exige que a embriaguez esteja demonstrada por outros meios de prova, não podendo ser decorrência automática da recusa em realizar o teste. 2) Quando, além de não ter se envolvido em acidente de trânsito, não há nenhum indício externo de que o condutor esteja dirigindo sob o efeito de bebidas alcoólicas, a simples recusa em fazer o teste do etilômetro ('bafômetro') não pode ser considerada como caracterizadora do estado de embriaguez. Deve constar no auto de infração a fundamentação da exigência do etilômetro. Anulação do Auto de Infração.
(TRF4, AC nº 5008069-64.2013.404.7102/RS, 3ª Turma, Rel. Juíza Federal Salise Monteiro Sanchotene, D.E. 14/04/2015)

Embora a decisão em comento tenha efeitos inter partes e sem poder vinculante, aponta no sentido de que não se pode concluir pela existência do estado de embriaguez como consequência automática da recusa em fazer o teste do etilômetro por parte do condutor do veículo, sendo necessárias provas que demonstrem que o indivíduo estava realmente embriagado.


REFERÊNCIAS

Ação Ordinária nº 5001367-22.2015.4.04.7106 – Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Santana do Livramento/RS;

Agravo de Instrumento nº 5027527-62.2015.4.04.0000/RS – 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região;

SCOCUGLIA, Livia. Simples recusa em fazer teste do bafômetro não é prova de embriaguez, decide TRF-4. Disponível em: <http://jota.info/simples-recusa-em-fazer-teste-bafometro-nao-e-prova-de-embriaguez-decide-trf-4>. Acesso em: 21 set. 2015.

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Sobre o autor
Ivan Pareta de Oliveira Júnior

Advogado; Presidente da Associação das Advogadas e dos Advogados Criminalistas do Estado do Rio Grande do Sul - ACRIERGS - www.acriergs.com.br (2019 - 2022); Sócio do Escritório Pareta & Advogados Associados - www.pareta.adv.br; Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Especialista em Direito Penal e Política Criminal: sistema constitucional e direitos humanos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Especialista em Direito Público pelo Instituto de Desenvolvimento Cultural; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis; Membro de Comissões da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Estado do Rio Grande do Sul; Pesquisador e autor de livros e artigos nas áreas do Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Segurança Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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