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A teoria das nulidades e sua incidência no Direito Civil e no Direito do Trabalho

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Resumo:


  • A nulidade absoluta e a nulidade relativa são definidas a partir de suas causas, e não dos efeitos que produzem; a nulidade absoluta decorre da violação a preceitos de ordem pública, enquanto a relativa resulta da ofensa a normas que protegem interesses particulares.

  • Um ato jurídico nulo pode produzir efeitos; o Código Civil, em seu art. 182, estabelece que se não for possível restituir as partes ao estado anterior, deve-se indenizar com o equivalente às prestações realizadas.

  • A teoria justrabalhista de nulidades, que prevê a preservação dos efeitos do contrato de trabalho até a declaração de nulidade, não é peculiar ao Direito do Trabalho, pois o próprio Código Civil fornece as diretrizes para a manutenção de efeitos de atos nulos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5 CRÍTICAS À TEORIA JUSTRABALHISTA DE NULIDADES

Segundo explanado alhures, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem entendido que, nos termos da tradição civilista, os atos nulos seriam inoperantes, deveriam ser fulminados desde a origem, como se nunca tivessem existido. Considera, porém, que, no Direito do Trabalho, é inviável a recondução ao status quo ante, pois o empregado não pode ter restituída sua energia laboral. Por essa razão, abranda o rigor normativo, mediante o que se convencionou chamar de “teoria justrabalhista de nulidades”, a qual é aplicada de forma mitigada em caso de inobservância do concurso público e não incide na hipótese de trabalho ilícito.

Essa compreensão do Direito Civil não é, porém, acertada, conforme se demonstrará doravante. Impende, de início, desmistificar a vinculação necessária e inafastável que tem sido feita entre invalidade e ausência de produção de efeitos.

Pontes de Miranda já advertia que “a confusão entre nulidade e ineficácia agravou-se no direito comum. Chegou-se a definir o nulo pelo ineficaz (= nulo igual ao que não tem efeitos) e chamou-se de nulos a muitos casos de ineficácia sem nulidade”[37]. Deveras, ainda hoje, diversos autores consagrados em suas áreas de estudo, ao invés de conceituarem a nulidade absoluta a partir de sua causa ensejadora – desconformidade com norma de ordem pública –, incidem na incorreção de defini-la com base em suas supostas consequências. Assim o fazem, por exemplo, os insignes juristas Maria Helena Diniz e Mauricio Godinho Delgado, segundo os quais ela consiste, respectivamente, “na privação da eficácia jurídica que teria o negócio, caso fosse conforme à lei” [38] e na “invalidação da existência e/ou dos efeitos jurídicos de um ato ou seu componente em virtude de se chocar com  regra jurídica imperativa”[39].

O sistema jurídico, entretanto, por ser regido pela lógica da imputação, em que as consequências de cada fato jurídico são moldadas de acordo com a vontade do legislador, e não conforme uma relação de causa e efeito[40], prevê diversas hipóteses nas quais são reconhecidas repercussões jurídicas aos atos nulos. Orlando Gomes, inclusive, é enfático ao asseverar que o postulado segundo o qual estes são ineficazes não resiste a mais aprofundada análise: 

Via de regra, o que é nulo nenhum efeito produz. Há negócios nulos que todavia produzem efeitos. Dentre tantos outros, basta citar: a) a prescrição se interrompe por citação nula; b) declaração feita em negócio nulo serve como começo de prova; c) o parentesco por afinidade sobrevive a casamento nulo [...].[41]

Outro exemplo é o casamento nulo contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o qual produz, em relação a estes e aos filhos, todos os efeitos até o dia da sentença declaratória de nulidade (art. 1.561 do CC/02).

Até mesmo leis podem ser, simultaneamente, inválidas e eficazes. Não por outro motivo, o art. 27 da Lei n. 9.868/99 prevê a técnica de modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, admitindo que o STF, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, reconheça a eficácia, até determinado momento, de leis ou atos normativos afrontosos à Constituição da República. Tal tratamento legislativo, aliás, coaduna-se com a natureza de sanção ostentada pela invalidade, a qual há de ser dosada, sob pena de não desempenhar de forma adequada o seu papel[42].

Além disso, o Código Civil reconhece, explicitamente, em seu art. 182, que, apesar de a consequência natural da invalidade ser a restituição das partes ao estado anterior à realização do ato viciado, se não for possível restituí-las, será devida indenização equivalente às prestações porventura adimplidas. Percebe-se, assim, que a teoria justrabalhista de nulidades, em verdade, nada tem de especial, porquanto o critério por ela adotado extrai-se de disposição do próprio diploma civilista, que pode ser tranquilamente estendida ao Direito do Trabalho com base no art. 8º, parágrafo único, da CLT. Diverso não é o posicionamento de Estêvão Mallet, segundo o qual:

[...] a mera aplicação das regras de direito comum sobre invalidades conduz, no campo das relações trabalhistas, como realçado por António Lemos Monteiro Fernandes, “à neutralização dos efeitos da nulidade relativamente ao período em que o contrato foi executado” [...] Não existe, pois, peculiaridade do regime das nulidades no campo trabalhista nem cabe falar em mitigação dos princípios estabelecidos no direito comum, diferentemente do que às vezes se afirma. Pelo contrário, o próprio regime do direito comum, aplicado na sua devida extensão, é que atenua as conseqüências, no plano da eficácia, da nulidade do contrato de trabalho, por força do disposto no art. 182 do Código Civil e da impossibilidade de restabelecimento do estado anterior[43] (sem grifos no original).  

Também do Código Civil se obtém a solução para os casos de trabalho ilícito, que é fornecida pelo seu art. 883, caput e parágrafo único, nos termos dos quais “não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei”, e, nesse caso, “o que se deu reverterá em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz”.  

Não se poderia, de fato, tutelar trabalhador que tenha sido contratado para perpetrar crime ou contravenção penal. Como, no entanto, a avença existiu e repercutiu no plano dos fatos, em virtude do labor prestado, não se pode compactuar com o enriquecimento sem causa do empregador, beneficiário da prestação inidônea. Por esse motivo, o valor a ela correspondente deve ser revertido em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz. Eis, então, mais uma situação de ato nulo e gerador de efeitos, consistentes, no particular, em “espécie de confisco em favor de entidades beneficentes, por atuarem estas como substitutas do Estado na assistência dos necessitados” [44].

É evidente, assim, que os planos da validade e eficácia dos atos jurídicos são díspares, de sorte que cada um deles reclama exame individualizado. Consoante lição de Pontes de Miranda “tôda validade se liga ao momento em que se faz jurídico o suporte fáctico”; tôda a eficácia será a produção de juridicidade do fato jurídico” [45] (grifo do autor). A nulidade, prossegue o jurista, “pode produzir ou não produzir ineficácia. Há atos anuláveis – e até nulos! – eficazes. A ineficácia não é, de modo nenhum, sinal de que o negócio jurídico seja nulo. Por outro lado, a nulidade não basta, em todos os casos, para se afirmar a ineficácia” [46] (grifo do autor).

No caso de trabalhadores admitidos sem concurso público, em especial – para os quais se tem aplicado a Súmula 363 do Tribunal Superior do Trabalho -, a preservação dos efeitos de seus contratos, considerando-se que os serviços foram efetivamente prestados por eles, em nada se incompatibiliza, portanto, com a nulidade de pleno direito cominada pelo art. 37, § 2º, da Lei Maior. O art. 182 do Código Civil, afinal – que repete regra do art. 158 do Código de 1916, já em vigor antes mesmo da promulgação da Constituição e por ela recepcionada –, revela, com clareza, que, devido à impossibilidade de restituição da energia laboral despendida, o empregado deve ser indenizado com o equivalente pecuniário. Este, por sua vez, abarca todos os créditos correspondentes à prestação do labor, que não se limitam à contraprestação básica e ao FGTS. Apenas não deveria ser reconhecida, assim, a estabilidade, pois a nulidade impõe a extinção do vínculo, preservando-se, apenas, os efeitos já produzidos, em função da impossibilidade de retorno ao status quo ante.

Essa conclusão, bem como a aplicável aos demais casos de labor proibido, não significa, como alerta Ari Pedro Lorenzetti, que eventual decisão declaratória de nulidade será proferida com efeitos ex nunc, já que o “pagamento ao obreiro de valor equivalente a todos os direitos trabalhistas relativos ao labor prestado não projeta a nulidade para a data em que ela é declarada” [47]. Conforme esclarece o citado doutrinador: 

[...] o deferimento de indenização equivalente a todos os direitos trabalhistas anteriores ao reconhecimento da nulidade não se assenta no fato de os efeitos da anulação ou da declaração de nulidade somente operarem ex nunc, mas da impossibilidade de restituição das partes ao estado pretérito. [...] O que ocorre é que a prestação laboral já executada não pode ser devolvida in natura, e, por isso, deve ser convertida em indenização (CC, art. 182). E essa reparação deve ser integral, seguindo o princípio da restitutio in integrum, conferindo ao trabalhador reparação equivalente a todos os direitos resultantes do trabalho prestado, como se tivesse ocorrido no âmbito de um contrato válido[48].

Desse modo, reconhece-se a invalidade absoluta desde o seu nascedouro, que se dá com a prática do ato jurídico contrariamente a norma de ordem pública. Como, porém, as partes não podem ser reconduzidas ao estado pretérito, é cabível o ressarcimento pela prestação de serviços, que pode dar azo a pretensões condenatórias. Não há que se falar, portanto, em declaração ex nunc da nulidade, mas sim em reconhecimento da produção de efeitos por um ato que é nulo desde a sua origem.


6 CONCLUSÃO

Ao longo deste estudo, verificou-se que, para uma adequada análise dos atos jurídicos, é indispensável o exame, em separado, dos planos da existência, validade e eficácia, consoante já ensinava Pontes de Miranda.

Não se deve, destarte, conceituar os diferentes tipos de invalidade com fulcro em seus possíveis efeitos, mas sim com base nas suas causas, nos fatos que os ensejam. Enquanto a nulidade absoluta decorre da violação a preceitos legais de ordem pública, a relativa é oriunda da ofensa a normas que tutelam interesses particulares.

O fato de um ato jurídico ser nulo de pleno de direito não significa, necessariamente, que será ineficaz. Nesse sentido, por exemplo, o art. 182 do CC/02 preceitua que, apesar de a consequência natural da invalidade ser a restituição das partes ao estado anterior à realização do ato viciado, se não for possível restituí-las, será devida indenização equivalente às prestações porventura adimplidas.

 O citado dispositivo, com fulcro no art. 8º, parágrafo único, da CLT, é perfeitamente aplicável às hipóteses de trabalho proibido, como o prestado por crianças.

Do próprio diploma civilista, ademais, extrai-se a solução que deveria incidir na hipótese de trabalho ilícito, configurador de infração penal. Infere-se, afinal, de seu art. 883, caput e parágrafo único, que ao obreiro não deve ser reconhecido nenhum de direito, mas o valor equivalente à prestação de serviços há de ser revertido em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz.

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Não há, por conseguinte, que se falar em peculiaridade do regime das nulidades no campo trabalhista. Pelo contrário, o próprio regramento do direito comum indica, satisfatoriamente, as consequências que deveriam advir da nulidade do contrato de trabalho.


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Sobre o autor
Italvar Filipe de Paiva Medina

Procurador do Trabalho. Pós-graduado em Direito do Estado e em Direito e Processo do Trabalho. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDINA, Italvar Filipe Paiva. A teoria das nulidades e sua incidência no Direito Civil e no Direito do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4490, 17 out. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/43270. Acesso em: 26 dez. 2024.

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