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A teoria da dupla imputação e a responsabilidade penal da pessoa jurídica

07/10/2015 às 15:33
Leia nesta página:

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a responsabilização penal da pessoa jurídica independe de pessoa física.

Primordialmente, cumpre asseverar que a Constituição Federal de 1988 reconheceu a responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos casos de lesões ao meio ambiente, através de seu artigo 225, §3º, verbis:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

[...]

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Em harmonia com o mandado constitucional, nasceu a Lei nº 9.6050/98 (Lei dos Crimes Ambientais), na qual prescreve em seu artigo 3º, caput, que:

As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da entidade.

Daí a celeuma foi instaurada, primeiro porque pessoa jurídica, obviamente, estava impossibilitada de praticar condutas e, por isso, a referida norma não encontrava subsunção com a teoria tradicional do delito, e, segundo porque a imputação da pessoa jurídica e de seu representante pelo mesmo fato, para alguns, caracterizava-se resquício do direito penal do inimigo. Daí surgiu a seguinte indagação: pessoa jurídica pode figurar como sujeito ativo de crime? Respondendo este questionamento, três correntes se formaram.

A primeira corrente, defendida por Juarez Cirino dos Santos[1], defende que pessoa jurídica não pode praticar crimes, tampouco ser responsabilizada penalmente, uma vez que a empresa é uma ficção jurídica, um ente virtual, desprovido de consciência e vontade. Para os adeptos desta corrente, a intenção da Constituição Federal não foi criar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, pois o texto do art. 225, §3º, da CF, apenas reafirma que as pessoas físicas estão sujeitas a sanções de natureza penal, e que as pessoas jurídicas estão sujeitas a sanções de natureza administrativa.

Já a segunda corrente, representada por Fernando Galvão[2], conclui que apenas pessoa física pratica crime, entretanto, em crimes ambientais, havendo relação objetiva entre o autor do fato típico e ilícito e a empresa – infração cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da entidade –, admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Por fim, a terceira corrente, defendida pela maioria da doutrina, assevera que a pessoa jurídica, por se tratar de ente autônomo e distinto de seus membros, dotada de vontade própria, pode cometer crimes ambientais e sofrer pena, uma vez que a atual Carta Política autorizou a responsabilidade penal do ente coletivo, objetiva ou não. Para esta corrente, deve haver adaptação do juízo de culpabilidade para adequá-lo às características da pessoa jurídica criminosa. O fato de a teoria tradicional do delito não se amoldar à pessoa jurídica, não significa negar sua responsabilização penal, demandando novos critérios normativos, daí o surgimento da chamada “conduta funcional da empresa”, entretanto, obviamente sua responsabilização estará sempre associada à atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (dolo ou culpa). Este tem sido o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça[3]. Defendendo tal corrente quanto à necessidade de dupla imputação para ajuizamento de eventual ação penal, leciona Luiz Flávio Gomes[4]:

Forte doutrina entende que a lei ambiental contempla verdadeira situação de responsabilidade penal. Nesse caso, então, pelo menos se deve acolher a teoria da dupla imputação, isto é, o delito jamais pode ser imputado exclusivamente à pessoa jurídica. E quando não se descobre a pessoa física? Impõe-se investigar o fato com maior profundidade. Verdadeiro surrealismo consiste em imputar um delito exclusivamente à pessoa jurídica, deixando o criminoso (o único e verdadeiro criminoso) totalmente impune.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal já decidiu em sentido contrário, concluindo que a responsabilização penal da pessoa jurídica independe de pessoa física. Argumentou-se que a obrigatoriedade da dupla imputação caracterizaria afronta ao art. 225, §3º, da Constituição Federal, pois condicionaria a punição da pessoa jurídica à condenação simultânea da pessoa física, o que, na visão da Suprema Corte, seria um resquício do direito penal do inimigo, tão rechaçado em nosso ordenamento jurídico[5]. Vale citar trecho da mencionada decisão, in verbis:

Crime ambiental: absolvição de pessoa física e responsabilidade penal de pessoa jurídica

É admissível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que absolvidas as pessoas físicas ocupantes de cargo de presidência ou de direção do órgão responsável pela prática criminosa. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma, por maioria, conheceu, em parte, de recurso extraordinário e, nessa parte, deu-lhe provimento para cassar o acórdão recorrido. Neste, a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas (Lei 9.605/98, art. 54) teria sido excluída e, por isso, trancada a ação penal relativamente à pessoa jurídica. Em preliminar, a Turma, por maioria, decidiu não apreciar a prescrição da ação penal, porquanto ausentes elementos para sua aferição. Pontuou-se que o presente recurso originara-se de mandado de segurança impetrado para trancar ação penal em face de responsabilização, por crime ambiental, de pessoa jurídica. Enfatizou-se que a problemática da prescrição não estaria em debate, e apenas fora aventada em razão da demora no julgamento. Assinalou-se que caberia ao magistrado, nos autos da ação penal, pronunciar-se sobre essa questão. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux, que reconheciam a prescrição. O Min. Marco Aurélio considerava a data do recebimento da denúncia como fator interruptivo da prescrição. Destacava que não poderia interpretar a norma de modo a prejudicar aquele a quem visaria beneficiar. Consignava que a lei não exigiria a publicação da denúncia, apenas o seu recebimento e, quer considerada a data de seu recebimento ou de sua devolução ao cartório, a prescrição já teria incidido.

RE 548181/PR, rel. Min. Rosa Weber, 6.8.2013. (RE-548181)

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Em síntese, a disposição constitucional na qual estabelece a responsabilidade penal sobre as condutas lesivas ao meio ambientes é cristalina, entretanto ainda não há entendimento uniforme entre a doutrina e os Tribunais Superiores, havendo o entendimento do Supremo Tribunal Federal (decisão mais recente sobre o tema) de que tal responsabilização da pessoa jurídica na dependência da responsabilização da pessoa física configura-se resquício de um direito penal do Inimigo, posição a qual nos filiamos.

Por fim, o que se espera da presente celeuma são, no mínimo, argumentos sólidos, para que o sistema jurídico penal possa alcançar um caminho de se assegurar ampla segurança jurídica e previsibilidade para os casos pertinentes com a responsabilidade penal da pessoa jurídica.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DOS SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal – Parte Geral. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.

GALVÃO, Fernando. Direito Penal – Parte Geral. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2008.

THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental. Editora JusPodivm, 1ª edição. Salvador: 2011, p. 592

STJ – REsp 800817/SC, Recurso Especial 2005/0197009-0, Sexta Turma, Rel. Min. Celso Limongi, DJe 22/02/2010.

STF – RE 548.181, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 19/06/2013.


Notas

[1] DOS SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal – Parte Geral. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.

[2] GALVÃO, Fernando. Direito Penal – Parte Geral. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2008.

[3] Precedente: STJ – REsp 800817/SC, Recurso Especial 2005/0197009-0, Sexta Turma, Rel. Min. Celso Limongi, DJe 22/02/2010.

[4] Apud THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental. Editora JusPodivm, 1ª edição. Salvador: 2011, p. 592.

[5] STF – RE 548.181, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 19/06/2013.

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Sobre o autor
Diego Luiz Victório Pureza

Advogado. Pós-Graduado em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera Uniderp LFG. Pós-Graduando em Docência do Ensino Superior pela Universidade Anhanguera Uniderp - LFG. Pós-graduando em 'Corrupção: controle e repressão a desvios de recursos públicos'. Membro da Comissão 'OAB vai à escola' da 36ª Subseção da OAB/SP. Palestrante e Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PUREZA, Diego Luiz Victório. A teoria da dupla imputação e a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4480, 7 out. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/43384. Acesso em: 26 dez. 2024.

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