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Uma sentença internacional, e agora?

A práxis da execução das decisões das cortes internacionais

Resumo:


  • O Direito Internacional evoluiu ao longo do tempo, modificando as características dos sujeitos internacionais.

  • Com o surgimento das Organizações Internacionais, a postura em relação aos órgãos dessas organizações foi se alterando para adequá-los ao cenário internacional.

  • Debates sobre a natureza jurídica das sentenças proferidas por tribunais de Organizações Internacionais levaram à conclusão de que essas sentenças são atos jurídicos com relevância no cenário internacional.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A execução das sentenças de organismos internacionais no Brasil ainda é uma área questão jurídica em debate. Como atribuir a elas eficácia e quais os obstáculos a seu cumprimento?

Com o desiderato histórico-evolutivo do Direito Internacional, os sujeitos internacionais foram sendo modificados em suas características mais marcantes. Além disso, com o crescente surgimento das Organizações Internacionais Intergovernamentais, a postura levada em consideração acerca de seus órgãos foi se alterando na ânsia de adequá-los ao cenário internacional.

Da feita que o mundo foi cada vez mais se interligando através dessas organizações em busca do fortalecimento de ideais comuns, alguns órgãos internacionais foram se sobrepujando face às nações “amigas” a fim de criar um sentimento de comunidade maior. Sucede que impasses começaram a surgir em face de esse excesso de dialeticidade, ou quiçá sua má interpretação.

Tudo começou quando os órgãos julgadores dessas Organizações Internacionais (OI’s) começaram a prolatar verdadeiras sentenças... mas, antes de discutir acerca da natureza desses atos, deve-se suscitar o ente que o emana a fim de buscar a verdadeira essência teleológica de sua aparição.

Alguns autores controvertiam sobre a natureza jurídica das sentenças prolatadas por tribunais de OI’s; para alguns, como Santi Romano[1], tais tribunais seriam órgãos dessas organizações e, por isso, não possuiriam personalidade jurídica, exprimindo apenas a sutileza de um corpo maior.

De fato, só poderíamos falar em vontade jurídica se o ente possuísse personalidade jurídica, restando a estes tribunais, apenas a vontade sociológica e moral. Por isso, as Cortes internacionais não teriam capacidade de imputar a vontade de um órgão a um sujeito internacional, ou seja, a um ente de personalidade jurídica, posto que careceriam dessa condição.

À míngua dos longos debates entre os internacionalistas acerca da natureza dos tribunais internacionais, provém a questão da natureza de suas sentenças prolatadas. Segundo Gaetano Morelli[2], as sentenças internacionais seriam fatos jurídicos stricto sensu, pois careceriam da manifestação de vontade do sujeito de direito internacional.

Ocorre que não é bem assim. Como bem dito, os tempos mudaram e passou-se a considerar a personalidade jurídica das OI’s, maior exemplo pode-se aferir da ONU e de sua Corte, o que foi incorporado na doutrina hodierna e, com isso, concluiu-se a natureza jurídica das sentenças internacionais como verdadeiros atos jurídicos.

Deu-se, portanto, uma guinada no tema, fazendo com que a grande evolução dessa característica jurídica das sentenças internacionais se tornasse de sumária relevância ao cenário internacional moderno, uma vez que, se as considerarmos  como atos jurídicos, estaremos valorando-as como declarações de vontade aptas a produzir efeitos no plano interno de sujeitos dotados de personalidade jurídica.

Abre-se, portanto, um horizonte de indagações acerca das características jurídicas das sentenças internacionais no ordenamento interno de um Estado. A questão do cumprimento das decisões prolatadas por tribunais internacionais pelos Estados membros de Organizações Internacionais acaba se tornando uma condição essencial ao entendimento das tendências evolutivas de proteção aos direitos humanos.

Partindo para uma análise mais próxima, podemos aplicar tais anotações ao Brasil frente às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, posto que tal Estado é signatário da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e ratificou a competência jurisdicional da referida Corte na década de 1990.

Tal Corte detém, como função jurisdicional máxima, a aplicação e interpretação da Convenção conforme disposto no artigo 62.3 do Pacto de São José da Costa Rica. Contudo, em se tratando de matéria de direitos humanos, caracterizado como jus cogens para diversos autores como Carrillo Salcedo, Valério Mazzuoli e Hildebrando Accioly[3], a Corte detém competência para consultar e interpretar demais tratados de direitos humanos aplicáveis aos países signatários de sua competência, conforme artigo 64 do Pacto de São José.

Vale ressaltar, entretanto, que nem sempre os Estados dão cumprimento às sentenças internacionais prolatadas pela Corte e, a despeito, ainda não existem mecanismos coercitivos que façam valer tais decisões, senão apenas sanções político-econômicas no cenário internacional.

Poderíamos, à guisa de presunção, vislumbrar a boa fé objetiva do Brasil em cumprir espontaneamente as decisões da Corte interamericana, posto que houve reconhecimento da competência desta. A pretérita adesão à Convenção pode não configurar um negócio jurídico em si, como matéria contratual, mas configura sim ato jurídico unilateral e, diante disso, exprime-se a vontade inequívoca do Estado.

Em que pese o Estado não cumprir espontaneamente uma sentença prolatada por uma Corte de uma Organização Internacional(OEA no caso da Corte Interamericana), deve-se atentar para as sutilezas de nosso ordenamento a fim de incorporar tais decisões como se nossa fossem.

Vale demonstrar, exempli gratia, que a uma sentença de natureza indenizatória prolatada pela Corte, podemos aplicar as normas próprias da sentença nacional no Brasil conforme disposto no artigo 68.2 do Pacto de São José. Isso por dois motivos; a um, o Brasil reconheceu a jurisdição da Corte; e a dois, a Convenção Americana possui status de supralegalidade, sendo considerado mais que lei.

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Diante disso, tal disposição pode ser acoplada ao rol do artigo 475-N do CPC como título executivo judicial de sentença internacional da Corte, assim como se estabelece no inciso VI com as sentenças estrangeiras homologadas pelo STJ.

Em casos em que o Brasil é condenado, como no caso da Guerrilha do Araguaia, caso Escher v. Brasil, etc, seria viável adotar os termos dos artigos 730 e 731 do CPC como se estivesse sendo tratado de execução contra a Fazenda Pública.

O mesmo princípio lógico vale para as diversas naturezas de sentença, como a cautelar que foi recentemente concedida pela Corte Interamericana referente ao caso da superlotação dos presídios do Maranhão em 2013.

Portanto, em relação às sentenças da Corte que condenem o Brasil a pagar uma indenização, devem ser executadas como se fossem sentenças nacionais contra a Fazenda Pública, pois o disposto no artigo 68.2 do Pacto de São José atribui à sentença internacional de punho indenizatório o valor de título executivo judicial.

Muitos doutrinadores como Haroldo Valladão[4] pregam contra tal possibilidade uma vez que consideram a sentença internacional como sentença estrangeira e, por isso, dependeriam de homologação pelo STJ para se enquadrar nos termos do artigo 475-N, inciso VI do CPC.

Sucede que uma coisa é certa, uma Corte que não é brasileira não pode executar ou fazer cumprir suas decisões em nosso território, passando-se para o campo da política tal atitude. Ocorre que isso não é motivo para a ineficácia de tais decisões, posto que, como vimos, podem os próprios tribunais canarinhos darem a devida força a tais julgados, basta a provocação dos legitimados das ações para tanto.

O Ministério Público poderia atuar para tal cumprimento quando se tratasse da proteção de direitos indisponíveis, ou até mesmo a Defensoria Pública quando se vislumbrasse direitos disponíveis, como ocorre no caso da Ação Civil “ex delicto”do art. 68 do CPP, que  apesar de falar no MP, está em vias de Incostitucionalidade frente à aparição das Defensorias( vide ARE 135.328).

Com o reconhecimento da jurisdição da Corte, já se estaria, tacitamente, aceitando as decisões proferidas por tal tribunal, a execução em si é que desponta dessa esfera e atinge a Soberania da nação, fator que levanta a discussão.

Do exposto, não se necessitaria homologar tal sentença internacional, tampouco atribuir mecanismos executivos à Corte, resta tão somente implantá-la, como se corpo estranho não fosse, suturando-a conforme as amarras do ordenamento com as cautelas de praxe para fins de eficácia do “antídoto” pelo organismo estatal.


Notas

[1] ROMANO, Santi. O ordenamento jurídico. Tradução de Arno Dal Ri Jr. Mimeografado. p. 9-10.

[2] MORELLI, Gaetano. La sentenza internazionale. Padova: Dott. Antonio Milani, 1931. p. 93-95

[3] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009; ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

[4] VALLADÃO, Haroldo Teixeira. Direito internacional privado: parte especial (fim). v. III. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1978. P. 120-130.

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Sobre o autor
Hamilton Gomes de Santana Neto

Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Amazonas- UFAM

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA NETO, Hamilton Gomes. Uma sentença internacional, e agora?: A práxis da execução das decisões das cortes internacionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4541, 7 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44156. Acesso em: 22 dez. 2024.

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