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Breves apontamentos a respeito da cobrança pela disponibilidade médica

11/12/2015 às 14:33
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Discute-se a legalidade do ajuste de honorários médicos celebrado entre o paciente e/ou familiares acerca da disponibilidade médica, para que este disponibilize ao doente serviços não oferecidos pelo plano de saúde.

RESUMO: INEXISTÊNCIA DE COBRANÇA EM DUPLICIDADE. VALORES RELATIVOS A SERVIÇOS NÃO REMUNERADOS PELA OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE. VALORES E SERVIÇOS QUE DEVEM SER PREVIAMENTE INFORMADOS AO PACIENTE OU À FAMÍLIA DO MESMO. ACORDO QUE DEVE SER REGISTRADO EM DOCUMENTO INTITULADO TCLE. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO POR PARTE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.


Foi encaminhada à minha apreciação tema controvertido, concernente à legalidade das cobranças realizadas por médicos intitulada de “disponibilidade médica”, estudo que trago ao conhecimento de todos, na certeza de que alguma luz trará, já que pouco explorado o tema.

Sabedor da divergência existente no mundo jurídico, procurei analisar os dois lados da moeda, inspirado pelo princípio constitucional do contraditório, enveredando nos argumentos utilizados por aqueles que entendem ser plenamente legal o valor cobrado pelo médico do paciente em relação a serviços não abrangidos pelo convênio, sem perder de vista as razões utilizadas por aqueles que entendem ser ilegal aludida cobrança.

Após profunda e detida análise dos argumentos utilizados por aqueles que defendem a ILEGALIDADE da cobrança, percebi que se resumem em dois pilares:

I. que a cobrança se daria em caso de extrema urgência, diante de patologia grave com risco de morte ao paciente, situação que colocaria os familiares e o paciente sem opção outra que não se sujeitar à exigência médica; II. o plano de saúde custeia todo o tratamento, não sendo lícito ao médico conveniado cobrar honorários diretamente do paciente, cabendo ao médico, todavia, se descontente, buscar junto às cooperativas o reajuste de sua remuneração ou o seu desligamento do plano.

Já os argumentos utilizados por aqueles que defendem a LEGALIDADE da citada cobrança, podem ser assim resumidos:

I. não haveria dupla cobrança por não haver coincidência entre os serviços custeados pelo plano e aqueles extraordinariamente oferecidos pelo médico; II. que é direito do médico estabelecer seus honorários de forma justa e digna, nos termos do Código de Ética Médica (capítulo II, item X); III. que a relação médica via plano de saúde não guarda pessoalidade com o paciente, podendo este ser atendido por qualquer médico credenciado.

Em que pese os argumentos utilizados por aqueles que entendem ser ilegal a cobrança intitulada de “disponibilidade médica”, tenho que a razão está do lado daqueles que defendem a LEGALIDADE da aludida cobrança.

É certo que pesadas são sim as mensalidades dos planos de saúde, também sendo correto afirmar que tem o plano de saúde o dever de custear todas as despesas médico-hospitalares necessárias à cura do doente.

Ocorre que não se funda a defesa da cobrança da disponibilidade médica nem no valor baixo da remuneração (de modo que serviria tal cobrança como compensação pelos módicos valores recebidos), e tampouco no fato de que parte do tratamento estaria fora da cobertura do plano, já que bem se sabe que dentro do rol constante na Lei 9.656/98 está o plano de saúde obrigado a cobrir todo o necessário ao restabelecimento da saúde do segurado (1).

Na verdade, fundamenta-se a cobrança realizada diretamente pelo médico do segurado no fato de que disponibiliza o médico, ou equipe médica, serviço NÃO abrangido pela operadora de plano de saúde a que vinculado o paciente.

De modo que NÃO HAVENDO COINCIDÊNCIA entre os serviços oferecidos, IMPEDIMENTO algum há na cobrança pelo correspondente serviço colocado à disposição do paciente.

Assim, se, por exemplo, o plano de saúde possibilita tenha o paciente acesso a todo o procedimento cirúrgico cardiológico, material, equipe, proporcionando ao doente, após realizado o procedimento cirúrgico de que necessita, uma visita periódica do cardiologista que o acompanhou, nada impede que ofereça esse mesmo profissional um serviço além do disponibilizado pelo plano, colocando-se à disposição do doente e família em tempo integral.

É que, melhor esclarecendo, a relação médica via plano de saúde NÃO GUARDA PESSOALIDADE com o paciente, podendo este ser atendido por qualquer médico credenciado.

Transportando tal assertiva para o caso de pacientes que se submetem a procedimentos cirúrgicos diversos ou são internados às pressas por conta de complicações, possível é concluir que não disponibiliza o plano de saúde a visita do profissional credenciado que sempre acompanhou o paciente, proporcionando ao segurado apenas o médico especialista de plantão. Isso tudo significa, como alinhavado em linhas anteriores, que ausente PESSOALIDADE entre o profissional médico e o paciente conveniado.

De todo o modo, indispensável observe o médico os preceitos contidos no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), proporcionando ao paciente/consumidor e/ou familiares transparência e clareza nas informações, consignando todo o acordado em documento intitulado Termo de Consentimento livre e esclarecido – TCLE, que deverá conter, sem prejuízo de outras informações esclarecedoras, toda a assistência que será proporcionada ao paciente, bem como os valores dos honorários pelos serviços prestados.

E isto porque, conforme bem ensina a mais abalizada jurisprudência, os contratos regidos pelo Código Consumerista NÃO obrigarão os consumidores se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

Importante acentuar que não se está a negar a vulnerabilidade e a fragilidade do consumidor, reconhecida pelo ordenamento jurídico, nem tampouco a negar a capacidade do paciente e/ou seus familiares de decidir livremente entre sujeitar-se ao tratamento disponibilizado pelo plano de saúde ou agregar ao tratamento fornecido pelo mesmo a contratação de um profissional médico de sua confiança, aderindo à proposta de “disponibilidade médica”.                                                                                          

Realmente têm os planos de saúde o dever de assegurar a assistência integral ao doente. O médico, por sua vez, tem o dever de prestar a informação clara e objetiva no início do tratamento em respeito à Lei, especialmente ao artigo 6º, III, do CDC, à boa-fé objetiva e à transparência que deve reger as relações de consumo. Assim agindo, cabe ao paciente e/ou à família, no âmbito de sua autonomia, decidir ou não pela contratação da “disponibilidade médica”.

A respeito da legalidade da cobrança pela disponibilidade do médico, imperioso trazer à colação conclusões da lavra do Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, Ruy Rosado de Aguiar Junior, manifestadas em consulta realizada pelo médico César Eduardo Fernandes, a respeito da cobrança pela disponibilidade do médico obstetra, que perfeitamente se aplica ao caso sob exame:

“(1º) na hipótese enfrentada, não viola a legislação vigorante o ajuste de honorários médicos celebrado, entre a gestante e seu obstetra, visando ao acompanhamento presencial do parto; (2º) sim, o médico que adverte à paciente, no início do pré-natal, sobre a ausência de cobertura securitária para a sua presença no momento da parturição, e por isso celebra específica contratação, atual homenageando a boa-fé, a eticidade e a realidade circundante; (3º) porquanto ninguém é obrigado a fazer, ou a deixar de fazer, aquilo que na lei não se contenha, e os estatutos infraconstitucionais nada contêm em sentido diverso, será achamboadamente injurídico tolher ao obstetra o direito à contratação alvejada na consulta;... (5º) a ANS não tem competência ou autoridade para embaraçar a soberania volitiva da gestante que pactuou contrato mirando o comparecimento do obstetra no momento da parição;”.

De mais a mais, importante destacar que o Código de Ética Médica autoriza o médico a cobrar complementação de honorários, desde que lastreada em contrato previamente acordado com o seu paciente (art. 66, parágrafo único).

Ademais, dispõe o Capítulo II, item X, do mesmo Código de Ética, que é direito do médico estabelecer seus honorários de forma justa e digna.

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Tem-se, portanto, no plano ético, que NÃO implica infração alguma que se negue o médico a prestar assistência em todos os momentos que necessitar o doente, ou seja, que esteja à disposição do paciente, devendo atender o paciente naquilo que remunera o plano de saúde. Tampouco agride a moral da profissão o médico que, para ficar à disposição, contrate com o paciente e/ou familiares a sua disponibilidade durante o tratamento, para retribuir essa sua disponibilização temporal e compensar o impedimento material para outras tarefas médicas, remunerando o tempo com o paciente despendido. 

Referendando tal pensamento o Conselho Federal de Medicina, no Parecer CFM nº 39/12, obtemperou: “É ético e não configura dupla cobrança o pagamento de honorários pela gestante referente ao acompanhamento presencial do trabalho de parto, desde que o obstetra não esteja de plantão e que este procedimento seja acordado com a gestante na primeira consulta. Tal circunstância não caracteriza lesão ao contrato estabelecido entre o profissional e a operadora do plano de saúde”.

Na oportunidade, acertadamente advertiu a citada Autarquia Federal que “obstetra, por ocasião da primeira consulta, deverá esclarecer à gestante que o acompanhamento presencia do trabalho de parto tem caráter opcional por parte dela, e que o contrato do plano de saúde lhe assegura a cobertura obstétrica, mas não lhe outorga o direito de realizar o parto com o obstetra que a assistiu durante o pré-natal. Se a gestante optar por seu acompanhamento presencial no trabalho de parto, o honorário profissional referente a tal procedimento será pago por ela, diretamente ao obstetra, visto que nessa circunstância ele não deve receber honorário da operadora do plano de saúde pela realização do parto...”.

Assim, não havendo norma que garanta a IDENTIDADE FÍSICA entre o médico e o paciente, bem como inexistindo comando na legislação pátria proibindo a contratação entre médico e paciente no que toca a serviços não colocados à disposição pelos planos de saúde, PERFEITAMENTE LEGAL a contratação da disponibilidade médica, para que este disponibilize ao doente serviços não colocados à disposição pela operadora de plano de saúde.

Afinal, como bem observou o festejado Ruy Rosado de Aguiar Junior, “Não existe lei, nem contrato com a operadora de plano de saúde que impeça o médico de celebrar contrato com a sua paciente, para lhe prestar serviço não constante do plano de saúde”.

Lastreado nas considerações anteriormente lançadas, possível a seguinte conclusão: NÃO VIOLA A LEGISLAÇÃO VIGORANTE O AJUSTE DE HONORÁRIOS MÉDICOS CELEBRADO ENTRE O PACIENTE E/OU FAMILIARES ACERCA DA DISPONIBILIDADE MÉDICA, CONTANTO QUE ADVIRTA, NO INÍCIO DO TRATAMENTO, SOBRE A AUSÊNCIA DE COBERTURA SECURITÁRIA DO SERVIÇO COLOCADO À DISPOSIÇÃO, CELEBRANDO ESPECÍFICA CONTRATAÇÃO (TCLE – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO).


NOTAS:

1. Nesse sentido merece destaque trecho de voto proferido no egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, por ocasião do julgamento de apelação, cuja relatoria coube ao Desembargador Galdino Toledo Junior: “No mais, independentemente das cláusulas avençadas, a proteção ao adquirente de plano de saúde deve ser ampla a ponto de garantir o efetivo amparo de sua integridade física e psíquica, sob pena de se negar validade ao próprio objetivo do contrato, que é propiciar ao consumidor tranquilidade no que diz respeito à assistência médico-hospitalar. O afastamento de cobertura de certos procedimentos voltados à plena recuperação do paciente significa, a rigor, excluir a cobertura do próprio mal, o que não pode ser admitido”. (Ap. 0210971-27.2009.8.26.0008. 9ª Câmara de Direito Privado. J. 26.07.2011).

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QUEIROZ, Eduardo Gomes. Breves apontamentos a respeito da cobrança pela disponibilidade médica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4545, 11 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44377. Acesso em: 28 mar. 2024.

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