Sistemática da Lei 12.403/2011 no que tange às medidas cautelares diversas da prisão

11/11/2015 às 16:03
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A Lei nº 12.403, de 2011, apresentou rol de medidas cautelares que buscaram inserir um ponto de equilíbrio entre a ausência de alternativas no que se refere a prisão preventiva, as medidas cautelares diversas da prisão e a liberdade provisória.

Tal inovação legislativa teve como fundamento buscar uma conformação do Código de Processo Penal junto à Constituição Federal, de modo a priorizas o art. 5º, inciso LVII, da Constituição, resguardando o princípio constitucional da presunção de não culpabilidade.

Assim, além de consagrar a prisão como última alternativa no curso do processo, evidenciando, em essência, sua natureza processual (cautelar), afastou a possibilidade da mesma funcionar como execução provisória, em ofensa ao postulado do nulla poena sine culpa.

O art. 319, do Código de Processo Penal, alterado por essa Lei, trouxe uma novidade legislativa que buscou atender a jurisprudência, já pacificada, no âmbito do Supremo Tribunal Federal. No sentido de que não se pode “antecipar” a pena eventualmente aplicada aos acusados em geral sem que se tenha o trânsito em julgado ou, antes dele, que haja fundado receio de que, em liberdade, possa o acusado prejudicar o processo.

Dessa forma a referida Lei, exatamente para atender a este anseio, prevê a aplicação de medidas de natureza cautelar, diversas da prisão, para serem aplicadas em estrita observância do binômio adequação-proporcionalidade, onde se define o grau de compatibilidade entre a situação concreta e à medida que se pretende impor, com o único fim de proteger o próprio processo.

Esse posicionamento pode ser igualmente observado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, conforme os seguintes julgados:

HABEAS CORPUS. PEDIDO DE EXTENSÃO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. CUSTÓDIA ANTECIPADA BASEADA NA GRAVIDADE DOS FATOS CRIMINOSOS, NA HEDIONDEZ DE UM DOS DELITOS E NA NECESSIDADE DE SE COIBIR A PRÁTICA DE TAIS INFRAÇÕES. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA DA ORDEM CONSTRITIVA À LUZ DO ART. 312 DO CPP. PACIENTE PRIMÁRIO E SEM ANTECEDENTES. MEDIDAS ALTERNATIVAS À PRISÃO. NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO E SUFICIÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EM PARTE EVIDENCIADO. RECONHECIMENTO AO CORRÉU. SIMILITUDE FÁTICO-PROCESSUAL. EXEGESE DO ART. 580 DO CPP. PLEITO DE EXTENSÃO DEFERIDO. [..]4. Observado o binômio proporcionalidade e adequação, necessária, devida e suficiente, diante das particularidades do caso concreto, a imposição de medidas cautelares diversas à prisão. 5. Verificada a identidade fático-processual entre a situação do paciente beneficiado com a concessão da ordem de habeas corpus e o corréu requerente - já que continuaram segregadas em decorrência dos mesmos inidôneos fundamentos, mencionados por ocasião da conversão da prisão em flagrante em preventiva - e que o pleito não se encontra fundado em motivos de caráter pessoal, devida a aplicação do disposto no art. 580 do CPP. 6. Pedido de extensão deferido, concedendo-se a ordem de ofício, nos termos do art. 654, § 2º, do CPP, também ao ora peticionário, para revogar a sua custódia preventiva, mediante a imposição das medidas alternativas à prisão previstas no art. 319, I, II, IV e V, do Código de Processo Penal. (Grifos nossos).[1]

Ementa: AÇÃO PENAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. ACUSADOS PRIMÁRIOS, COM OCUPAÇÃO LABORAL E COM RESIDÊNCIA FIXA. PRISÃO COMO MEDIDADE EXCEÇÃO QUE NÃO SE ADEQUA AO CASO CONCRETO. MEDIDASCAUTELARES PENAIS ALTERNATIVAS. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. AVALIAÇÃO PELO JUÍZO DE ORIGEM. ORDEM CONCEDIDA. Com o advento da Lei 12.403 /2011, a prisão provisória passou a ser a exceção da exceção, ou seja, impõe-se ao Magistrado antes de decretá-la, verificar diversas probabilidades, sendo elas o risco à sociedade, ao processo, ou à própria execução da pena, como observar se, ao final da persecução penal, poderá vir a ser aplicada pena privativa de liberdade suficiente para impor ao acusado a privação da liberdade. Sendo negativas as observações, a medida extrema não se mostrará adequada, devendo, quando cabível, ocorrer a imposição de uma ou mais das medidas cautelares, doravante previstas nos incisos do artigo 319 do Código de Processo Penal.[2] (Grifos nossos).

Podemos verificar ainda tal ideia no disposto do art. 282, do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 282.  As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;

II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

Sendo assim, a introdução das Medidas Cautelares no nosso ordenamento jurídico foi positiva, pois abriu um leque ao juiz no sentido de impor medidas, de acordo com o caso concreto, preenchendo mais uma vez os requisitos da necessidade e adequação das decisões.

Vejamos as respectivas medidas elencadas pelo artigo 319:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II- proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstancias relacionadas ao fato, deve o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de nova infração;III- proibição de manter contato com pessoas determinadas quando, por circunstancias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;IV- proibição de ausentar-se da comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para investigação ou instrução;V- recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalhos fixos;VI- suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para prática de infrações penais; VII- intervenção provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-inimputável (art. 26 do Código de Penal) e houver risco de reiteração; VIII- fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do andamento ou em casos de resistência injustificada a ordem judicial; e IX – monitoração eletrônica.

§ 4º A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares.

Desde de tal inovação normativa, já houve inúmeros julgados em relação a tais medidas cautelares, que assegura os vários dispositivos elencados no artigo 319. Quais sejam:

I - Comparecimento periódico em juízo.

Como se sabe é estabelecido para o sursis e para suspensão condicional do processo o comparecimento, via de regra, mensalmente do acusado. Análogas a estas é o que ocorre para aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, em que é exigida a prestação de informações acerca das atividades do investigado e justificação, submetendo o sujeito a inconveniências da locomoção ao juízo em dia útil e no horário de funcionamento da serventia, como também à espera enfim, com o propósito de incutir temor reverencial pelo sistema penal. Um exemplo de aplicabilidade desse dispositivo é o julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

Ementa: EXECUÇÃO PENAL. REGIME ABERTO. PRISÃO DOMICILIAR. CONDIÇÕES. COMPARECIMENTO TRIMESTRAL EM JUÍZO. ADEQUAÇÃO. Não havendo nos autos elemento a demonstrar a necessidade de imposição ao agravado de condições mais rígidas do que as que comumente são impostas aos outros reeducandos em cumprimento de regime aberto na Comarca, mostra-se razoável a manutenção da obrigação de comparecimento em juízo no período trimestral.[3]

II - Proibição de acesso ou frequência a determinados lugares.

É uma Medida cautelar análoga à pena substitutiva prevista no art. 47, IV, do Código Penal. Funcionando como uma “declaração” de proibição. Contudo, não é fiscalizada, tendo o fito de apenas de levar ao conhecimento do juízo caso haja novo envolvimento do réu com as instâncias do controle penal.

III - Proibição de manter contato com pessoa determinada.

Esta medida tem o fito de impedir o acusado de manter qualquer contato com a vítima, como também com qualquer pessoa que de acordo com o critério do juízo irá estabelecer quem ele deva manter-se isolado. Como ocorre no inciso anterior, também não será fiscalizado. Mas o seu descumprimento, como utilizar-se de via telefônica para ter contato com quem foi proibido, chegará ao conhecimento do juízo, podendo perder seu benefício e ser decretada a prisão preventiva.

IV - Proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; 

Tem por simples objetivo garantir que o acusado não se ausente da comarca ou fuja durante a instrução processual. Caso o juiz no caso concreto visando a garantia da investigação poderá exigir do acusado a entrega de passaporte e de outros documentos pessoais que impossibilitem a saída do acusado da Comarca ou país.

V - Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; 

Essa medida tem por objetivo impedir que a pessoa que está cumprindo a medida cautelar venha a se envolver em outros crimes. Para que seja adotada essa medida, o autor deverá possuir alguns requisitos, dentre eles está a residência fixa de forma imprescindível, e emprego ou trabalho também de forma fixa.

VI - Suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; 

Matéria que gerava grande polemica, visto que os crimes praticados contra a administração pública e em crimes e natureza econômica ao ser analisado no caso concreto, a custodia provisória se tornava desproporcional.  Se o crime cometido estiver diretamente relacionado à função pública exercida ou a atividade econômica ou financeira, havendo necessidade de assegurar a efetividade da persecução penal ou impedir, desde logo, a reiteração da atividade criminosa, poderá ser decretada essa medida cautelar. Com o advento da modificação legislativa, em casos como estes, a incidência da prisão cautelar pode ser reduzida naturalmente.

VII- Intervenção provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-inimputável (art. 26 do Código de Penal) e houver risco de reiteração.

Com o advento da Lei de Execuções Penais, foi extinta a medida de segurança provisória, e esta medida elencada no dispositivo em tela, surge para suprir essa lacuna no Ordenamento. Visto que, só era possível manter seguro o doente mental, que tenha cometido crime grave, pela decretação da prisão preventiva. Sobre este instituo de medida cautelar temos o seguinte julgado:

HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA OS COSTUMES. ESTUPRO. RÉU INIMPUTÁVEL. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA. Havendo laudo pericial a atestar a inimputabilidade do acusado, não pode este ser mantido preso provisoriamente, devendo ser mantida (e cumprida) a decisão que converteu a prisão preventiva em internação provisória, com a transferência do paciente ao IPF. ORDEM CONCEDIDA, POR UNANIMIDADE.[4]

Cumpre destacar que no caso concreto faz-se necessário uma perícia para demonstrar a inimputabilidade ou semi-inimputabilidade ao momento do crime.

VIII- Fiança.

Com a nova lei de cautelares pessoais penais (Lei 12.403/11) a fiança recuperou sua força. Passando a ser uma cautelar penal, que pode substituir a prisão preventiva ou outras cautelares caso seja constatada sua necessidade para preservar a ordem do processo e garantir a participação do réu nos atos de instrução. Sendo, portanto, possível a determinação do pagamento de fiança em qualquer delito, medida que valoriza o instituto, fazendo com que recupere o prestígio de instrumento cautelar processual apropriado.

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Entretanto, com a previsão de um elenco de medidas cautelares, inseridos no artigo 319 do CPP, tem-se a vantagem, atualmente, de indicar ao magistrado, de forma exemplificativa, a ampla possibilidade de aplicação de medidas diversas da prisão preventiva, ou seja, delimitando de certa forma as regras do jogo, deixando que a decretação da prisão de alguém ocorra em último caso.

Podemos observar a aplicação dessa medida no julgado disposto:

Ementa: PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. FIANÇA. INCAPACIDADE DE PAGAMENTO. CONCRETA DEMONSTRAÇÃO PELO TEMPO DE PRISÃO. SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. 1. O tempo decorrido de prisão, de mais de quatro meses, concretamente demonstra a incapacidade financeira para o pagamento da fiança e, não podendo a pobreza constituir-se obstáculo à liberdade, é substituída essa cautelar por medidas diversas de prevenção. 2. Habeas corpus parcialmente concedido para substituir a fiança pelas seguintes medidas cautelares: (a) apresentação a cada 2 (dois) meses, para verificar a manutenção da inexistência de riscos ao processo e à sociedade; (b) ocupação lícita, de forma a garantir que a renda pessoal não provenha de crimes; (c) proibição de mudança de domicílio sem prévia autorização judicial, evitando-se riscos à aplicação da lei penal.[5]

Desse modo, embora a existência de um rol expresso de medidas cautelares adversas ao cárcere, nada impede que o magistrado estabeleça outras tantas que sejam adequadas ao caso concreto, inclusive buscando em outras leis penais especiais esse entendimento, desde que, é claro, não exceda os limites autorizados pela legislação.

IX – Monitoração eletrônica.

A monitoração eletrônica é feita através de um aparelho eletrônico, seja este uma tornozeleira ou uma pulseira, sendo capaz de detectar a presença e permanência do indivíduo que está sendo acusado, equipado com um aparelho de GPS.

Este instituto, foi expressamente inserido pela Lei 12.403/2011 como uma medida de natureza cautelar processual, podendo ser aplicada antes mesmo do decreto condenatório, ou seja, durante a fase do inquérito policial e, também, da ação penal, quando verificados os pressupostos legais.

Podemos verificar que a imposição desse tipo de medida cautelar vai depender do caso concreto, sempre respeitando a adequação e necessidade da medida.

A cerca desse dispositivo temos o respectivo entendimento da Suprema Corte:

HABEAS CORPUS. MEDIDA CAUTELAR. NECESSIDADE. DOENÇA GRAVE. CONDIÇÕES PESSOAIS DO APENADO. PRISÃO DOMICILIAR PROCESSUAL SUBSTITUTIVA DA PRISÃO PREVENTIVA. ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE DA MEDIDA. CONHECERAM, EM PARTE, DO PRESENTE HABEAS CORPUS E, NO PONTO EM QUE CONHECIDO, CONCEDERAM A ORDEM, PARA CONVERTER A PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE PELA DOMICILIAR, COM MONITORAÇÃO ELETRÔNICA.[6]

Nesse sentido, podemos afirmar que é indiscutível a importância social que tal medida repercute, especialmente porque o referido dispositivo eletrônico permite incrementar o nível de segurança coletiva e, também, fiscalizar diferentes situações fáticas que, em regra, não são acompanhadas pelo Estado. Ademais, este mecanismo pode afastar o contágio criminal de presos e a difusão dos efeitos negativos causados pela atual estrutura penitenciária.

Portanto, o monitoramento eletrônico, conforme instituído, é um autêntico substitutivo da prisão preventiva. Basta verificar que antes de se decretar a prisão preventiva, faz-se imprescindível analisar a possibilidade de aplicação de medidas cautelares. E entre tais medidas, se encontra o monitoramento eletrônico.


[1] STJ, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 25/06/2013, T5 - QUINTA TURMA.

[2] TJ-SC - Habeas Corpus HC 957538 SC 2011.095753-8 (TJ-SC). Data de publicação: 12/01/2012.

[3] TJ-MG - Agravo em Execução Penal AGEPN 10003080280369001 MG (TJ-MG). Data de publicação: 03/10/2013.

[4] 70048933949 RS, Relator: Carlos Alberto Etcheverry, Data de Julgamento: 14/06/2012, Sétima Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/06/2012.

[5] STJ - HABEAS CORPUS HC 302733 SP 2014/0218460-3 (STJ). Data de publicação: 27/02/2015.

[6] Habeas Corpus Nº 70047483276, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jaime Piterman, Julgado em 12/04/2012

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Sobre a autora
Helloá Rodrigues Cidrão

Bacharel em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará - UNIFAP-CE Estagiária do TJCE na 1ª vara criminal da Comarca de CratoCE. Pós- graduada em Ciências Criminais pela CERS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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