Bancários: excesso de cobrança por metas gera direito a indenização?

29/11/2015 às 14:54
Leia nesta página:

A cobrança excessiva por produtividade no cumprimento de metas é natural e abundante nos dias atuais por parte de empresas bancárias sobre seus funcionários. A realidade é que, certamente, o trabalhador, enquanto submetido hierarquicamente ao poder diretivo do empregador, que é um direito potestativo deste e não admite contestações, se coloca na árdua missão de atender às exigências laborais das instituições financeiras. 

Os bancos públicos ou privados prestam serviços à sociedade, financiam a indústria, o comércio, as pessoas físicas ou jurídicas e terceiros, sendo o trabalho do Bancário fundamental nesta jornada. 

O objetivo de lucro e o uso do poder disciplinar para buscar tal intento é legítimo e encontra sua fundamentação legal no caput do artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto Lei nº 5.452/43):

"Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços".

Como bem explica Sergio Pinto Martins [1] esta modalidade de poder complementa o poder de direção. O empregador, ao mesmo tempo que organiza o empreendimento e determina a atividade a ser desenvolvida, define as ordens a serem cumpridas e as possíveis penalidades pelo não cumprimento. Só não precisa ser desempenhado pelo operário o que é ilegal ou o que é imoral. Isso que dizer que, dentro da legalidade e moralidade, toda ordem emanada deve ser cumprida. 

A questão é: até que ponto a cobrança por produtividade ultrapassa o limite imposto pelo que é considerado legal e moral?

A resposta é bem simples: quando há dano.

Hipoteticamente o simples fato da existência de cobrança excessiva não autoriza, por si só, o direito a qualquer tipo de indenização, ou seja, não há de que falar em abuso de direito pela ocorrência de algo que faz parte da rotina diária do Bancário. A natureza da atividade exercida por este profissional já pressupõe a fixação de metas elevadas diante das exigências do mercado de crescimento.

A pretensão de ressarcimento do empregado nestas hipóteses geralmente se fundamenta no que é denominado de responsabilidade civil. Carlos Roberto Gonçalves [2] expõe que a palavra "responsabilidade" tem proveniência do que se entende por "devedor". A responsabilidade civil trata, portanto, de algo mais abrangente cuja finalidade é a de recompor ou remodelar o equilíbrio moral ou patrimonial. Diante das múltiplas atividades humanas, notadamente existe um complexo de tipos de responsabilidade civil, todas decorrentes do dano provocado por um agente.

O campo da moral é mais amplo do que o do direito, pois só se cogita da responsabilidade jurídica quando há prejuízo. Esta só se revela quando ocorre infração da norma jurídica que acarrete dano ao indivíduo ou à coletividade. Neste caso, o autor da lesão será obrigado a recompor o direito atingido, reparando em espécie ou em pecúnia o mal causado. [3]

As fundamentações legais do dano moral se encontram previstas no artigo 5º, incisos V e X da Constituição Federal de 1988 e também nos artigos 20, 186, 187 e 927 do Código Civil Brasileiro. A competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações de indenização por dano moral e material decorrentes da relação de trabalho se encontra fundamentada no artigo 114, inciso VI, da Constituição Federal e consubstanciada na Súmula 392 do Tribunal Superior do Trabalho.

Exibe-se aqui, para fins de elucidar a questão e demonstrar o que ocorre na prática, trecho do entendimento jurisprudencial mineiro adotado no Recurso Ordinário 01172-2014-106-03-00-4 interposto perante a sexta turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:

A exigência de cumprimento de metas está inserida no poder diretivo do empregador, não configurando o abuso de direito, o excesso ou a irregularidade em tal conduta. (...) O fato de os gerentes do réu terem cobrado do autor um melhor desempenho no alcance de metas, sob pena de dispensa, não significa que o empregador agiu de modo temerário, capaz de lhe causar prejuízo de ordem íntima. [4]

Na mesma linha de raciocínio segue abaixo, desta vez, trecho de um entendimento jurisprudencial gaúcho:

Entendo que a exigência para o cumprimento de metas não configura dano moral, ressalvados aqueles casos em que as cobranças são realizadas de forma ofensiva e sobre ameaças, exacerbando o empregador o seu poder diretivo e causando danos a direitos personalíssimos do indivíduo, o que atrai a aplicação dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil. (...) Com efeito, é de conhecimento comum que qualquer cobrança de metas de desempenho gere dissabor por parte de quem é cobrado, mas somente é capaz de gerar direito à indenização compensatória aquela exercida de forma excessiva e sem observância dos parâmetros mínimos de urbanidade e cordialidade que devem pautar o relacionamento contratual decorrente do liame empregatício. [5]

Em síntese, pra que se configure na Justiça do Trabalho o reconhecimento de Dano Moral em hipóteses de cobranças por produtividade e alcance de metas é necessário que na situação concreta haja violação do princípio da dignidade da pessoa humana estampado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Aparentemente o entendimento jurisprudencial caminha no sentido de que cobrança excessiva por resultado não é necessariamente cobrança agressiva ou hostil, mas sim inerente à competitividade do negócio. Talvez essa limitação se dê em razão da chamada "indústria" do dano moral pois, logicamente, embora subjetivo, o conceito de "dano" nesta dimensão não palpável do Direito deve ser constituído até para que os operadores jurídicos tenham parâmetros para eventual identificação da lesão de direito.

Indiscutivelmente o resultado de uma demanda jurídica envolvendo o tema vincula-se às provas levadas aos autos. Estes meios legais que buscam revelar a verdade dos fatos podem aguçar a percepção do julgador para algo que, suficientemente agressivo, culmine negativamente com a violação de alguma imposição do sistema ético de conduta podendo gerar, inclusive, danos existenciais. 


Notas

[1] MARTINS, Sérgio Pinto. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 79.

[2] / [3] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 4. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 27

[4]JURISDIÇÃO. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Recurso ordinário. Processo 01172-2014-106-03-00-4 RO. . Órgão Julgador: Sexta Turma. Relator: Des. Jorge Berg de Mendonca. Vara de Origem: 27ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. Belo Horizonte, 17/11/2015.  Publicação: 23/11/2015.

[5]JURISDIÇÃO. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Recurso ordinário. Processo 0020109-94.2013.5.04.0017. Órgão Julgador: Quinta Turma. Relatora: Des. Brígida Joaquina Charão Barcelos Toschi. Porto Alegre, 30/04/2015.  Publicação: 04/05/2015.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Luan Madson Lada Arruda

Advogado. Articulista. Pós-graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos