Capa da publicação Caso Delcídio Amaral: interceptações telefônicas e gravação promovida por um dos interlocutores
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Interceptações telefônicas e gravação promovida por um dos interlocutores

07/12/2015 às 08:15
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Analisaremos este meio de prova bastante usual e suas principais características. Quais as suas implicações no caso da prisão do Senador?

O ator e produtor Bernardo Cerveró, 34, usou um aparelho celular e um gravador de voz para registrar a promessa do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), líder do governo no Senado, que ofereceu R$ 50 mil mensais ao ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró para que ele não fechasse acordo de delação premiada.

Na gravação, o senador se referiu ao banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, como "quem entraria com a grana" para financiar a fuga do ex-diretor da Petrobras.

O encontro aconteceu no último dia 4, em um quarto do hotel Royal Tulip, em Brasília. Foi o segundo para tratar do assunto. O primeiro aconteceu em setembro.

Participaram da reunião, em Brasília, Bernardo Cerveró, o senador Delcídio do Amaral; o seu chefe de gabinete Diogo Ferreira e o advogado de Nestor Cerveró, Edson Ribeiro. O acordo da delação premiada foi feito 14 dias depois, em 18 de novembro.

Em seu depoimento à PGR (Procuradoria Geral da República), Bernardo Cerveró contou que levou um telefone celular extra para o encontro em Brasília. Ele já sabia da prática do grupo de esconder telefones em um armário numa tentativa de evitar qualquer monitoramento.

Enquanto um aparelho ficou trancado em um armário, o filho de Cerveró ligou os outros dois para gravar o encontro.

De acordo com a gravação de Bernardo Cerveró, o senador diz que André Esteves financiaria a possível fuga do ex-diretor da Petrobras para o exterior, como também disponibilizaria uma verba mensal para a família. (http://folha.com/no1711389)

É legal a prova apresentada para prisão do Senador Delcídio Amaral e ainda do banqueiro André Esteves. 

Estamos diante de uma conversa gravada por um dos interlocutores. Necessário distingui-la da interceptação telefônica e outros meios de prova. 

As interceptações telefônicas são utilizadas pela polícia judiciária, objetivando desvendar a prática de crimes. São previstas no artigo 5º, XII, da Constituição, norma constitucional de eficácia contida. Sua regulamentação se deu pela Lei 9.296, de 24 de julho de 1996. 

Na lição de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarence Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho (As nulidades no processo penal, São Paulo, pág. 141), entende-se por interceptação telefônica a captação da conversa por terceiro, sem o conhecimento de dois interlocutores ou com o conhecimento de um só deles. Ensinam ainda que “quando um dos interlocutores grava a sua própria conversa, telefônica ou não, com o outro, sem o conhecimento deste, tem-se a gravação clandestina”. 

Há várias modalidades de captação eletrônica da prova: a) a interceptação da conversa telefônica por terceiro, sem o conhecimento dos dois interlocutores; b) a interceptação da conversa telefônica por terceiro, com anuência de um dos interlocutores; c) a gravação de conversa telefônica por um dos sujeitos, sem o conhecimento do outro; d) a gravação entre presentes de conversa pessoal e direta, sem o conhecimento dos interlocutores, por um terceiro; e) a gravação, entre os presentes, da conversa pessoal ou direta, sem o conhecimento de um dos interlocutores, feita pelo outro ou por terceiros. 

Dir-se-á que a execução das interceptações exige ordem judicial, provimento de natureza cautelar, visando a assegurar as provas pela fixação dos fatos, assim como se apresentam no momento da conversa. A ordem deve ser motivada com a justificação da fumaça de bom direito e do perigo de demora. 

Por sua vez, o resultado da interceptação deve revestir-se da forma documental, com lavratura de termo. 

A fim de elucidar os institutos estudados, colaciona-se brilhante decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferida em dezembro de 2008, que teve como Relator o Desembargador Irineu Pedrotti:

ESCUTA, INTERCEPTAÇÃO E GRAVAÇÃO TELEFÔNICAS. Na interceptação telefônica há três protagonistas: dois interlocutores e um interceptador que capta a conversação sem o consentimento daqueles. Na escuta telefônica há também um interceptador e dois interlocutores, só que um deles tem conhecimento do fato. Na gravação telefônica há dois interlocutores, e um deles grava a conversação com o conhecimento do outro ou não.

O Supremo Tribunal Federal, no HC 74.678-SP, proferiu a seguinte decisão: “Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade. Afastada a ilicitude de tal conduta – a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime –, é ela, por via de conseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o artigo 5º, LVI, da constituição com fundamento em que houve violação da intimidade (artigo 5º, X, da Carta Magna). Habeas Corpus indeferido. É caso de escuta telefônica.”.

“É lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último (...)” (HC 75.338-8/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim).

“A gravação de conversa telefônica por um dos interlocutores não é interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal. Pelo Princípio da proporcionalidade às normas constitucionais se articulam num sistema cuja harmonia impõe que, em certa medida, tolere-se o detrimento a algum direito por ela conferido, no caso, o direito à intimidade” (RHC 7.226/SP, Rel. Min. Edson Vidigal).

“A gravação de conversa telefônica entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa (...)” (AI 503617 AgR/PR, Rel. Min. Carlos Velloso).

A interceptação telefônica é o ato de imiscuir-se em conversa alheia, seja por meio telefônico (interceptação telefônica) seja por interceptação ambiental, que é outra forma de captação.

Veja-se caso recente julgado pelo Ministro Luis Roberto Barroso em que se decidiu pela negativa de recurso onde se pedia anulação de interceptação telefônica. 

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou provimento ao Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 118621, por meio do qual um auditor fiscal tentava anular interceptações telefônicas realizadas no curso da operação Duty Free, da Polícia Federal. A defesa alegava que as interceptações foram levadas a cabo sem diligências instrutórias prévias, mas o relator considerou legal a ação policial.

Consta dos autos que, nas interceptações telefônicas da operação Turquia, da Polícia Federal, descobriu-se uma suposta organização criminosa que facilitava a entrada de mercadorias no Brasil, envolvendo servidores da Receita Federal. Diante dos indícios, a autoridade policial requereu a extensão da quebra de sigilo, para fins de desmembramento das investigações. O pedido foi aceito pelo juiz competente, o que ensejou o início da operação Duty Free.

Com base nessa nova linha de investigações, o Ministério Público denunciou o auditor pela prática dos crimes de formação de quadrilha, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.

A defesa recorreu ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, pedindo o reconhecimento da nulidade das interceptações telefônicas. Diante da negativa da corte regional, a defesa impetrou HC substitutivo de recurso ordinário no Superior Tribunal de Justiça, novamente sem sucesso.

No STF, o advogado voltou a sustentar a nulidade das interceptações, sob o argumento de que elas teriam sido deferidas e executadas sem diligências instrutórias prévias à sua efetivação. Além disso, o defensor diz que nenhuma das decisões que deferiu a prorrogação estaria devidamente fundamentada. Por fim, questionou a falta de transcrição integral, nos autos, dos diálogos interceptados.

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Entendeu o Ministro Luis Roberto Barroso que, da leitura do acórdão questionado do Superior Tribunal de Justiça, não se visualizou a existência do quadro descrito pelo impetrante. Disse que “ao contrário do afirmado na petição do recurso ordinário em habeas corpus, as instâncias anteriores consignaram que a interceptação telefônica foi precedida de diligências preliminares, não sendo possível acolher a alegação de que o procedimento penal instaurado é nulo”. 

Para o Ministro Luis Roberto Barroso a medida foi proporcional à gravidade dos fatos. 

Discute-se a questão da necessidade de transcrição integral das gravações. A esse respeito tem-se: 

“EMENTA: DENÚNCIA CONTRA DEPUTADO FEDERAL POR CRIME DE CORRUPÇÃO ELEITORAL. ALEGAÇÃO DE CARÊNCIA DA TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS REALIZADAS: AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE. FALTA DE CORRELAÇÃO ENTRE OS FATOS NARRADOS NA INICIAL E OS ELEMENTOS CONFIGURADORES DO TIPO DO ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL: DENÚNCIA REJEITADA. 1. O Supremo Tribunal Federal afasta a necessidade de transcrição integral dos diálogos gravados durante quebra de sigilo telefônico, rejeitando alegação de cerceamento de defesa pela não transcrição de partes da interceptação irrelevantes para o embasamento da denúncia. Precedentes. 2. Juntada aos autos, no que interessa ao embasamento da denúncia, da transcrição das conversas telefônicas interceptadas; menção na denúncia aos trechos que motivariam a imputação dos fatos ao Denunciado. 3. Ausência de subsunção dos fatos narrados na inicial ao tipo do art. 299 do Código Eleitoral. Carência na denúncia dos elementos do tipo penal imputado o Denunciado. Rejeição da denúncia. 4. Denúncia rejeitada por atipicidade dos fatos descritos. Improcedência da ação penal (art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal). (Inq 3693, Rel. Min. Cármen Lúcia) PROCESSUAL PENAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIA PROBATÓRIA. OFENSA REFLEXA. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS JUDICIALMENTE AUTORIZADAS. DEGRAVAÇÃO INTEGRAL. DESNECESSIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I - Este Tribunal tem decidido no sentido de que o indeferimento de diligência probatória, tida por desnecessária pelo juízo a quo, não viola os princípios do contraditório e da ampla defesa. Precedentes. II - No julgamento do HC 91.207-MC/RJ, Rel. para o acórdão Min. Cármen Lúcia, esta Corte assentou ser desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas, sendo bastante que se tenham degravados os excertos necessários ao embasamento da denúncia oferecida. III - Impossibilidade de reexame do conjunto fático probatório. Súmula 279 do STF. IV - Agravo regimental improvido (AI 685878-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski).” 

Ao final, o Ministro Luis Roberto Barroso entendeu favoravelmente à desnecessidade da transcrição integral, sendo bastante que se tenham degravados os trechos necessários ao embasamento da denúncia ofertada.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Interceptações telefônicas e gravação promovida por um dos interlocutores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4541, 7 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44985. Acesso em: 19 dez. 2024.

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