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O contrato de trabalho desportivo e as principais alterações introduzidas pelas Leis nº 12.395/2011 e nº 13.155/2015

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3. Do Direito de Imagem após o advento das Leis nº 12.395/2011 e nº 13.155/2015.

Entende-se que o Direito de Imagem, tecnicamente e com maior exatidão jurídica denominado como “Direito de Licença de Uso de Imagem”, é aquele pelo qual o titular do bem jurídico apenas concede a terceiro, o exercício do direito de exploração da sua imagem e não o direito a ela, propriamente dito.

Para o Professor Carlos Alberto Bittar[8], o direito de imagem se

“reveste de todas as características comuns aos direitos da personalidade. Destaca-se, no entanto, dos demais, pelo aspecto da disponibilidade, que, com respeito a esse direito, assume dimensões de relevo, em função da prática consagrada de uso de imagem humana em publicidade, para efeito de divulgação de entidades, de produtos ou de serviços postos à disposição do público consumidor”.

Trata-se, portanto, de um direito personalíssimo e independente, que pode ser objeto de exploração econômica, mediante um contrato de licença de uso.

Muitos são os atletas profissionais que, ao firmarem um contrato especial de trabalho junto à entidade de prática desportiva, firmam, em paralelo, um contrato de licença de uso de imagem, geralmente representados por uma pessoa jurídica aberta em seu nome, exclusivamente para este fim.

 O contrato de licença de uso de imagem, “a priori”, não guarda relação com o contrato de trabalho firmado entre o atleta profissional e o clube contratante, bastando-se a delimitar regras e meios de divulgação da imagem do atleta em ocasiões alheias à prática desportiva, objeto do contrato de trabalho. 

Ou seja, o contrato de licença de uso de imagem garante ao atleta profissional o recebimento de uma determinada quantia, pelo clube, em razão da utilização de sua imagem, em sentido amplo, como, por exemplo, em aparições em eventos com o distintivo do clube, utilização da imagem em álbuns de figurinhas, e em logotipos de produtos da entidade.  

Neste cenário, a Lei 12.395/2011, introduziu ao texto da Lei Pelé o artigo 87-A, que garante a cessão do uso de imagem do atleta ao clube contratante e a classifica como sendo de natureza civil, senão vejamos:

“Art. 87-A.  O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo” (negrito nosso).

Deste modo, o legislador infraconstitucional objetivou desvincular, totalmente, a verba oriunda do contrato de imagem às verbas oriundas do contrato de trabalho.

Contudo, protegidos pelo texto legal acima exposto, muitos clubes contratantes passaram a utilizar o contrato de imagem como uma forma de burlar a legislação trabalhista e seus encargos, oferecendo ao atleta profissional a possibilidade de atuar em seu clube mediante o recebimento de uma verba trabalhista, muitas vezes, irrisória, mas acompanhada de um contrato de imagem bastante lucrativo ao atleta.

Tal prática, nitidamente, visa reduzir os encargos trabalhistas pagos pelo clube contratante, o que tem sido caracterizado como fraude pelo Poder Judiciário,  que passou a considerar como salarial a natureza do contrato de direito de imagem, conforme julgado abaixo trazido:

“ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. CESSÃO DO USO DO DIREITO DE IMAGEM. CARÁTER CIVIL. FRAUDE TRABALHISTA. NATUREZA JURÍDICA SALARIAL. A cessão do uso do direito de imagem, cujo pagamento guarda natureza civil, constitui licença para que terceiro possa valer-se da figura e sinais externos do titular desse bem jurídico a fim de, atrelando-os a certo produto, atingir com maior presteza a expectativa nele depositada quanto à correspondente finalidade. Porém, a celebração do ajuste paralelamente ao contrato de trabalho, sem que haja efetiva exploração comercial da imagem do profissional, evidencia o propósito de mascarar a natureza salarial da verba. Como tal avença pretensamente civil passa ao largo de prosperar sob ponto de vista jurídico”. (TRT18, RO - 0002381-42.2011.5.18.0010, Rel. PAULO PIMENTA, 2ª TURMA, 09/08/2012).

Vale ressaltar que para configuração da fraude trabalhista cabe ao Poder Judiciário analisar caso a caso e, detalhadamente, cada contrato de licença de uso de imagem, observada a efetiva utilização da imagem do atleta pelo clube, a ponto de ser plausível, ou não, o valor pago a tal título.

Portanto, não é pacífico o entendimento jurisprudencial de que todo e qualquer contrato de imagem possui características trabalhistas:

“DIREITO DE IMAGEM. LEI 12.395/2011. NATUREZA CIVIL. O direito de imagem está previsto na Constituição de República (art. 5º, incisos X e XXVIII) e no Código Civil Brasileiro (art. 11 de seguintes) como um direito de personalidade autônomo e irrenunciável, além de inalienável e intransmissível, embora disponível. A Lei 12.395/2011 alterou a Lei n. 9615/1.998, que institui normas gerais sobre desporto, tratando em seu art. 87-A sobre o direito de imagem: "O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo.". Como se vê, a lei definiu que o direito de imagem não possui natureza salarial. Se há norma jurídica vigente dispondo sobre a natureza civil da parcela, é imperioso concluir que o pleito autoral não encontra amparo legal”. (TRT-3 - RO: 00102201404303000  0000102-93.2014.5.03.0043, Relator: Joao Bosco Pinto Lara, Nona Turma, Data de Publicação: 23/10/2015).

Outro ponto bastante relevante ao Direito de Imagem foi introduzido
à Lei Pelé, a partir da vigência da Lei nº 13.155/2015, e diz respeito ao inadimplemento do contrato por parte do clube contratante, bem como, em relação ao valor teto destinado a este contrato (de imagem).

Em vigência desde agosto de 2015, a Lei 13.155/15, trouxe em seu bojo duas importantes alterações à Lei Pelé, que visam, exclusivamente, coibir as fraudes decorrentes do contrato de imagem, acima mencionadas.

A primeira importante alteração decorre do artigo 31 da Lei, o qual introduz, como razão para rescisão direta do contrato de trabalho (que anteriormente limitava-se à inadimplência da remuneração e demais verbas salariais), a inadimplência pelo clube contratante do pagamento da obrigação assumida no contrato de imagem, por um período igual ou superior a três meses, conforme abaixo transcrito:

“Art. 31.  A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário ou de contrato de direito de imagem de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses, terá o contrato especial de trabalho desportivo daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para transferir-se para qualquer outra entidade de prática desportiva de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a cláusula compensatória desportiva e os haveres devidos”.

Ou seja, a rescisão direta do contrato de trabalho, que se aplicava, exclusivamente, na hipótese de inadimplência salarial, passou a ser possível, também, em razão da inadimplência da obrigação assumida pelo clube no contrato de imagem firmado junto ao atleta profissional.

Assim, a inadimplência decorrente da verba de natureza civil também passa a ser uma hipótese de rescisão direta do contrato de trabalho.

Outra alteração, de suma importância, trazida pela Lei 13.155/2015, diz respeito ao percentual base aplicado para o contrato de imagem firmado a partir da vigência da lei.

Foi introduzido ao artigo 87-A da Lei Pelé, o parágrafo único, que estabelece o seguinte:

“Art. 87-A:

Parágrafo único.  Quando houver, por parte do atleta, a cessão de direitos ao uso de sua imagem para a entidade de prática desportiva detentora do contrato especial de trabalho desportivo, o valor correspondente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40% (quarenta por cento) da remuneração total paga ao atleta, composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem” (negrito nosso).

Da análise do texto legal acima exposto, tem-se que, uma vez sendo firmado o contrato de imagem entre o atleta profissional e a entidade de prática desportiva detentora do contrato especial de trabalho, este deverá observar o limite imposto para fixação de pagamento no equivalente a 40% (quarenta por cento) da remuneração total paga ao atleta, composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem.

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Deste modo, na hipótese de contratação de um atleta profissional, mediante contratação paralela de direito de imagem, o valor deste contrato não poderá exceder a 40% (quarenta por cento) da soma das duas contratações. Assim, quando contratado um atleta profissional por R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), o valor do seu contrato de imagem estará limitado a R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).

De ambas as alterações trazidas pela Lei 13.155/2015, conclui-se que o legislador infraconstitucional buscou evitar, ao máximo, a fraude trabalhista praticada pelas entidades de prática desportiva pelo uso do contrato de imagem.  Não obstante, tais medidas abrem uma brecha quanto à real natureza deste contrato, já que por mais de uma vez é vinculado (tanto para fim de rescisão, como para base de cálculo) ao contrato especial de trabalho.

Por certo que, grandes embates doutrinários e jurisprudenciais, desde já serão travados para elucidação desta questão, posto que a Lei Pelé, atualmente mostra-se controversa quando diz que o contrato de imagem é “inconfundível com o contrato especial de trabalho desportivo” (art. 87-A), porém, vincula-o para decretação de rescisão direta daquele, bem como, para estipulação de valor base de contrato (art. 31 e parágrafo único do art. 87-A).


4. Considerações Finais

A Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), com suas alterações posteriores, surgiu para modernizar a relação de trabalho existente entre as entidades desportivas e os atletas e, embora exista para regular as atividades desportivas em geral, é aplicada quase que exclusivamente às entidades desportivas ligadas ao futebol.

Como visto, ainda há muitas questões controversas acerca do contrato de trabalho desportivo, notadamente dos valores envolvidos na contratação do atleta, como forma de compor sua remuneração, bem como da natureza jurídica do direito de arena e do direito de imagem.

Esta situação, somada ao caráter protecionista da Justiça do Trabalho brasileira causam uma enorme insegurança jurídica, com repercussões que vão além dos valores negociados pelas partes, abarcando também os aspectos fiscais e previdenciários do contrato de trabalho desportivo.

Diante do impasse -  busca por segurança jurídica versus aplicação da novel legislação desportiva - , cabe ao aplicador do direito analisar caso a caso as questões relacionadas ao contrato de trabalho desportivo,  notadamente nos casos de fraude à lei trabalhista, fiscal e previdenciária.


Bibliografia

BERTI, S. M. Direito à própria imagem. Belo Horizonte: Del Rey, 1993.

BITTAR, C. A. Os direitos da personalidade. 3ª ed. São Paulo: Editora Forense Universitária.

MELO FILHO, A. “Lei Pelé”: Comentários à Lei nº 9.615/98. Brasília: Brasília Jurídica, 1998. p.99.

MELO FILHO, A. Clubes Formadores: Proteção Judesportivo-Trabalhista. In: MELO FILHO, Álvaro; SÁ FILHO, Fábio Menezes de; SOUZA NETO, Fernando Tasso de; RAMOS, Rafael Teixeira. Direito do Trabalho Desportivo: Homenagem ao professor Albino Mendes Baptista.  São Paulo: Quartier Latin, 2012.

RAMOS, R. T. Da Cláusula Penal às Cláusulas Indenizatória e Compensatória do Contrato de Trabalho Desportivo no Brasil. In: MELO FILHO, Álvaro; SÁ FILHO, Fábio Menezes de; SOUZA NETO, Fernando Tasso de; RAMOS, Rafael Teixeira. Direito do Trabalho Desportivo: Homenagem ao professor Albino Mendes Baptista.  São Paulo: Quartier Latin, 2012.

ZAINAGHI, D. S. As Novas Regras Trabalhistas da Legislação Desportiva. In: MELO FILHO, Álvaro; SÁ FILHO, Fábio Menezes de; SOUZA NETO, Fernando Tasso de; RAMOS, Rafael Teixeira. Direito do Trabalho Desportivo: Homenagem ao professor Albino Mendes Baptista.  São Paulo: Quartier Latin, 2012.


Notas

[1] RAMOS, Rafael Teixeira.  Da Cláusula Penal às Cláusulas Indenizatória e Compensatória do Contrato de Trabalho Desportivo no Brasil. In: MELO FILHO, Álvaro; SÁ FILHO, Fábio Menezes de; SOUZA NETO, Fernando Tasso de; RAMOS, Rafael Teixeira. Direito do Trabalho Desportivo: Homenagem ao professor Albino Mendes Baptista.  São Paulo: Quartier Latin, 446-447, 2012.

[2] MELO FILHO, Álvaro. “Lei Pelé”: Comentários à Lei nº 9.615/98. Brasília: Brasília Jurídica, 1998. p.99.

[3] RAMOS, Rafael Teixeira, op. cit., 2012, p. 477-478.

[4] ZAINAGHI, Domingo Sávio. As Novas Regras Trabalhistas da Legislação Desportiva. In: MELO FILHO, Álvaro; SÁ FILHO, Fábio Menezes de; SOUZA NETO, Fernando Tasso de; RAMOS, Rafael Teixeira. Direito do Trabalho Desportivo: Homenagem ao professor Albino Mendes Baptista.  São Paulo: Quartier Latin, 88-89, 2012.

[5] ZAINAGHI, Domingo Sávio, op. cit, 2012, p. 91.

[6] MELO FILHO, Álvaro. Clubes Formadores: Proteção Judesportivo-Trabalhista. In: MELO FILHO, Álvaro; SÁ FILHO, Fábio Menezes de; SOUZA NETO, Fernando Tasso de; RAMOS, Rafael Teixeira. Direito do Trabalho Desportivo: Homenagem ao professor Albino Mendes Baptista.  São Paulo: Quartier Latin, p. 75, 2012.

[7] BERTI, Silma Mendes. Direito à própria imagem. Belo Horizonte: Del Rey, p. 121, 1993.

[8] BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3ª ed. São Paulo: Editora Forense Universitária.

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Sobre os autores
Nilo Siroti

Advogado civilista, formado pela Universidade de Mogi das Cruzes, e pós-graduando em Direito Contratual da PUC/COGEAE.

Tales Haddad

Advogado em empresa privada e pós-graduando em Direito Contratual da PUC/COGEAE.

Regina A. Zampini

Advogada no escritório Segalla Advocacia - Sociedade de Advogados, e pós-graduanda em Direito Contratual na PUC-COGEAE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIROTI, Nilo ; HADDAD, Tales et al. O contrato de trabalho desportivo e as principais alterações introduzidas pelas Leis nº 12.395/2011 e nº 13.155/2015. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4535, 1 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45030. Acesso em: 24 abr. 2024.

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