6.CONCLUSÕES
O direito brasileiro prevê a deportação na lei federal 6.815 de 1980. A Constituição Federal de 1988 inovou na ordem jurídica, não recepcionando alguns dos dispositivos da lei nº 6.815/80. Um dos dispositivos não recepcionados integralmente é o que prevê a possibilidade de prisão administrativa do estrangeiro para fins de deportação.
A lei determinava que o Ministro da Justiça decretasse a prisão do estrangeiro para a execução da medida administrativa de deportação. Com a Constituição Federal, apenas um Juiz Federal pode decretar a prisão para deportação.
Em 1992 o Brasil aderiu à Convenção Americana de Direitos Humanos. Tal compromisso internacional tem status supralegal no direito brasileiro, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Diante dessa característica normativa, os dispositivos da lei 6.815/80, que tratam da retirada compulsória de estrangeiro do Brasil consistente na deportação e da prisão para fins de deportação, devem obediência às normas jurídicas da Convenção Americana de Direitos Humanos. Esta convenção revoga dispositivos legais contrários às suas normas.
O Brasil, ainda nos termos da Convenção Americana de Direitos Humanos, é obrigado a implementar alterações legislativas no interesse do recrudescimento dos direitos humanos dos estrangeiros. Tal determinação é inscrita no art. 2º da Convenção Americana de Direitos Humanos, no sentido de “tornar efetivos tais direitos e liberdades” (BRASIL, 1992) conforme interpretação conjunta com o artigo primeiro da convenção.
No contexto de inovação legislativa, está em discussão um Projeto de Lei que “Institui a Lei de Migração e cria a Autoridade Nacional Migratória.”, em substituição ao Estatuto do Estrangeiro – atual lei 6.815/80. As inovações são estudadas em Comissão de Especialistas criada pelo Ministério da Justiça pela Portaria n° 2.162/2013 e discussões em reuniões de especialistas e da sociedade, tendo recente Conferência Nacional sobre Migrações e Refúgio - COMIGRAR em junho de 2014.
A lei em debate, que será submetida ao Congresso Nacional, pretende mudar o viés de segurança nacional ínsito na lei 6.815/80 – Estatuto do Estrangeiro – que fora promulgado durante a ditadura militar e humanizar o trato do “migrante” (e não mais “estrangeiro”), prevendo no artigo 110 que a nova lei “não prejudica direitos e obrigações estabelecidos por acordos internacionais vigentes para o Brasil e mais benéficos ao fronteiriço e ao migrante, em particular os acordos firmados no âmbito do Mercado Comum do Sul - Mercosul.”
A Convenção Americana de Direitos Humanos estipulou expressamente que a deportação é cabível, mas traçou várias medidas protetivas dos direitos das pessoas submetidas a esta retirada compulsória de estrangeiros do território dos países signatários. A Opinião Consultiva 18 da Corte Americana de Direitos Humanos interpreta e detalha as normas da convenção, ratificando o princípio da igualdade e a inafastabilidade de direitos humanos de estrangeiros indocumentados, fornecendo garantias aos estrangeiros em processo de deportação dos países signatários da Convenção.
Diante das normas deste compromisso de direitos humanos assumidos pelo Brasil, a prisão administrativa para fins de deportação de estrangeiros do Brasil só pode ser decretada quando em consonância com os mandamentos da convenção, quais sejam: proteção da segurança nacional; segurança ou a ordem públicas; moral ou a saúde públicas e direitos e liberdades das demais pessoas.
A Convenção Americana de Direitos Humanos alberga ainda outras proteções aos estrangeiros submetidos à deportação, com destaque ao acesso a órgãos públicos e obrigação da defesa do estrangeiro em processos de retiradas compulsórias.
Destaque-se que o Brasil deve obediência a outros compromissos normativos de diretos humanos assumidos pelo país, com recepção no ordenamento jurídico brasileiro com status supralegal. Os textos de compromissos de direitos humanos assumidos pelo Brasil devem ser ponderados e as decisões administrativas e judiciais e devem ser tomadas sempre em benefício dos seres humanos envolvidos. Na dúvida, prevalecem normas de direitos humanos.
7.REFERÊNCIAS
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Nota
[1] .OPINIÓN CONSULTIVA OC-18/03 DE 17 DE SEPTIEMBRE DE 2003, SOLICITADA POR LOS ESTADOS UNIDOS MEXICANOS. Em http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_18_esp.pdf. Consulta em 28/05/2014.