INTRODUÇÃO
A deportação é a medida de retirada compulsória de estrangeiros do Brasil prevista nos artigos 57 a 64 da lei 6.815/80, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil. É deportado do Brasil o estrangeiro que tenha ingressado irregularmente no território brasileiro ou permaneça de forma irregular no país.
A deportação consiste, nos termos do artigo 58 da lei 6.815/80, na “saída compulsória do estrangeiro” e este será compulsoriamente encaminhado ao “país da nacionalidade ou de procedência do estrangeiro, ou para outro que consinta em recebê-lo.”
Para a efetivação da medida, o artigo 61 da lei prevê a possibilidade de prisão do estrangeiro, determinada pelo Ministro da Justiça. Após a Constituição de 1988, por mandamento do artigo 5º, LXI, a prisão para efetivação de deportação só pode ser efetivada por ordem judicial, não tendo a nova ordem constitucional recepcionado integralmente o artigo 61 da lei 6.815/80.
Através do Decreto número 678 do ano de 1992, a Convenção Americana de Direitos Humanos passou a integrar a ordem jurídica pátria. A jurisprudência do STF definiu status supralegal às normas da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Abordar-se-á a compatibilidade da prisão para fins de deportação prevista na lei 6.815/80 com as normas supralegais da Convenção Americana de Direitos Humanos.
1. IMIGRAÇÃO NO BRASIL. O RECORTE DO ESTADO FRONTEIRIÇO DE RORAIMA
Para ingressar no território brasileiro o estrangeiro deve cumprir requisitos legais para a regular entrada e estada regular no país. Ademais, o Estado Brasileiro em sua política pública concernente ao estrangeiro estipula como uma das primeiras condições para ingresso no país a entrada por ponto regular de fiscalização.
Quanto aos obstáculos da imigração, “podem-se interpor barreiras físicas reais, como o ´Muro de Berlim´, ou leis de migração eu visem a limitar o movimento” (LEE, 1980, p. 102). O primeiro obstáculo ao migrante internacional que intenciona ingressar no território do Brasil, de forma legal, a partir da República Bolivariana da Venezuela, ou República Cooperativista da Guiana, nas fronteiras com o estado de Roraima, é a passagem por um dos pontos oficiais de fiscalização. É o obstáculo previsto no art. 22, da lei 6.815/90: “A entrada no território nacional far-se-á somente pelos locais onde houver fiscalização dos órgãos competentes dos Ministérios da Saúde, da Justiça e da Fazenda.” (BRASIL, 1980).
A título de exemplo, o estado fronteiriço de Roraima tem extensa fronteira de 1.922 quilômetros com a Venezuela e Guiana, e existem apenas dois pontos oficiais de entrada regular no país, localizados às margens das rodovias federais BR-174, fronteira com a Venezuela e BR-401, fronteira com a Guiana.
A fronteira brasileira permite acessos por vários pontos, sem permanente fiscalização do Estado, mas o ingresso sem a autorização gera consequências previstas em lei: multa e retiradas compulsórias do estrangeiro do território brasileiro.
Os dois postos oficiais de fiscalização de fronteira para entrada regular de estrangeiros no Brasil pelo estado de Roraima, consistentes em prédios públicos da Polícia Federal, funcionam apenas em horário comercial, com funcionamento também aos finais de semana. O estrangeiro que não seja detentor de tal informação de quadro de horários tem que retornar aos países vizinhos para ser atendido no momento oportuno, ou ingressa de forma ilícita no país.
Os pontos de fiscalização de fronteira em Roraima são localizados em fronteiras de acesso facilitado por rodovias pavimentadas. Na fronteira do Brasil com a República Cooperativista da Guiana há o rio Tacutu como divisa natural entre os países, mas desde 2009 há a ponte internacional que atravessa o referido rio, divisor de territórios, e facilita o trânsito entre os países. Na fronteira com a Venezuela não há barreiras naturais, havendo continuidade da rodovia BR-174.
A decisão acerca da permissão de entrada do estrangeiro no Brasil ou o atendimento do estrangeiro em quaisquer demandas de seu interesse, como refúgio, asilo ou obtenção de documento, é do agente de imigração, nos termos dos art. 26. e 7º da lei de imigração (BRASIL, 1980). Os procedimentos de imigração são de atribuição da Polícia Federal, que é exercida através da ação de um servidor público policial que fundamenta seus atos na lei 6.815/80.
Observa-se que há vasta discricionariedade ao servidor da Polícia Federal ao decidir sobre a entrada regular do estrangeiro no Brasil, decidindo se a entrada do estrangeiro atende “interesses nacionais”, nos termos do art. 7º da lei (BRASIL, 1980).
Caso negada a permissão para entrada, seja por falha na documentação apresentada ou pelos critérios discricionários inscritos na lei, com fundamento na segurança e interesses nacionais, o estrangeiro se depara com a impossibilidade de ingresso no país ou de recurso administrativo ou judicial daquela decisão administrativa do estrangeiro migrante.
Em Roraima, o estrangeiro que teve a entrada negada não tem acesso a outras instâncias administrativas ou a autoridades judiciárias, salvo se ingressar ilicitamente no país para buscar auxílio de tais meios. A Justiça Federal de primeira instância em Roraima, órgão com poder de apreciar judicialmente pleito de estrangeiro contra a decisão administrativa da Polícia Federal que negou a sua entrada, é localizada apenas na capital Boa Vista, situada a 130km da fronteira com a Guiana e a 250km da fronteira com a Venezuela.
A Constituição Federal garante, em norma de aplicabilidade plena, o acesso ao judiciário, seja a nacionais ou estrangeiros que entendam violados seus direitos. Os atos dos agentes de imigração são passíveis de análise pelo Poder Judiciário Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
Art. 110. Cada Estado, bem como o Distrito Federal, constituirá uma seção judiciária que terá por sede a respectiva Capital, e varas localizadas segundo o estabelecido em lei.
(BRASIL, 1988)
A decisão sobre a entrada no país acaba por se tornar, de fato, ato irrecorrível, em violação ao dispositivo constitucional mencionado, nada obstante trazer graves consequências ao estrangeiro, que tem como única possibilidade o retorno aos países vizinhos – Venezuela ou Guiana.
A entrada do estrangeiro no Brasil em desobediência a determinação ao agente de imigração ou sem a passagem e controle em ponto regular de imigração é considerada clandestina e sujeita o estrangeiro à medida de retirada compulsória consistente na sua deportação.
2. DEPORTAÇÃO
A deportação consiste na retirada compulsória de estrangeiros do território do país, se aplicando no Brasil, especificamente e tão somente, aos estrangeiros com entrada e/ou estada irregular no país. No Brasil a deportação é prevista na lei federal número 6.815 do ano de 1980, que “define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração” (BRASIL, 1980).
Como categoria científica, a deportação é espécie do gênero retiradas compulsórias de estrangeiros do Brasil, não se confundindo com as outras retiradas: extradição, expulsão ou repatriação. Na repatriação, instituto que mais se assemelha à deportação, o estrangeiro não chega a efetivamente ingressar no território brasileiro, tendo sua entrada no país negada pelas autoridades de imigração, que no Brasil são policiais federais.
A deportação consiste, nos termos o artigo 58 da lei 6.815/80, na “saída compulsória do estrangeiro” (BRASIL, 1980) e é ato decorrente da soberania estatal. O estrangeiro é retirado compulsoriamente do Brasil “nos casos de entrada ou estada irregular” (idem) e encaminhado “para o país da nacionalidade ou de procedência” ou ainda “outro que consinta em recebê-lo” (idem).
As hipóteses fáticas de entrada ou estada irregular no Brasil passíveis de deportação são descrita por PORTELA:
“falta de documentação; passaporte vencido; passaporte com prazo de validade inferior a seis meses na entrada; passaporte não válido para o país no qual se pretenda entrar; uso de documento não aceito para estrangeiros (como carteira de identidade quando deveria ser usado o passaporte); visto vencido; exercício de atividade incompatível com o visto concedido; e ausência de visto, quando exigido (...) também poderão ser deportados os estrangeiros que se afastem do local de entrada no país sem que o seu documento de viagem e o seu cartão de entrada e saída tenham sido visados pela autoridade competente, dentre outros casos elencados nos seguintes artigos: 21 § 2º; 24; 37, § 2º; 98 a 101; 104, §§ 1º e 2º; e artigo 105.” (PORTELA, 2010, p. 261)
Em ocorendo situação fática como as citadas, o ato administrativo de deportação é executado pela Polícia Federal brasileira, que tem atribuição constitucional de polícia aeroportuária e de fronteiras inscrita no art. 144. da Constituição Federal. São policiais federais que atuam diretamente na execução dos mandamentos legais.
Os policiais federais, em constatando fato subsumível às hipóteses legais citadas – entrada ou estada irregular de estrangeiro no Brasil – aplicam a deportação e executam a retirada do estrangeiro do Brasil, com sua entrega às autoridades de outro país, seja o da nacionalidade do deportando, origem ou aquele país que consinta no recebimento do estrangeiro deportando.
Não há no ordenamento jurídico brasileiro uma conceituação legal de estrangeiro, único destinatário da medida de deportação. A Constituição Federal brasileira caracteriza os nacionais, afirmando aqueles que são brasileiros, sendo a natureza jurídica do estrangeiro concluída por exclusão - aqueles que não são nacionais nos termos da constituição, são caracterizados como estrangeiros nos termos do artigo 12 da Constituição Federal brasileira (BRASIL, 1988).
A realidade no século XXI é a facilidade para a mobilidade de pessoas no mundo. Estima-se em 3% a população migrante no globo (VENTURA, 2012) e é sobre estes visitantes estrangeiros, no Brasil, que é aplicada a medida de deportação.
A lei federal 6.815/80, que já tem mais de trinta anos de vigência, elaborada durante a ditadura militar brasileira, estipula que, em sua aplicação, “atender-se-á precipuamente à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, sócio-econômicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional” (BRASIL, 1980).
3. A DEPORTAÇÃO E COMPROMISSOS DE DIREITOS HUMANOS ASSUMIDOS PELO BRASIL
Em essência, nacionais e estrangeiros são seres humanos e merecem respeito e consideração de qualquer Estado e isto é ratificado nos dispositivos da Constituição Federal e dos compromissos de Direitos Humanos assumidos pelo Brasil. A lei maior do Brasil tem como um de seus fundamentos a Dignidade da Pessoa Humana (BRASIL, 1988). O fundamento filosófico e a própria ontologia deste fundamento da ordem jurídica pátria é cotejado pela literatura jurídica nacional com destaque ao filósofo iluminista prussiano Immanuel Kant (MENDES, 2007; WEYNE, 2013).
As máximas morais em Kant carreiam o conceito de Dignidade da Pessoa Humana no século XVIII. Mas a ontologia da dignidade humana é paulatinamente construída na história. Os estóicos, no século II a.C., trataram do ser humano e de sua dignidade:
“organizou-se em torno de algumas ideias centrais, como a unidade moral do ser humano e a dignidade do homem, considerado filho de Zeus e possuidor, em conseqüência, de direitos inatos e iguais em todas as partes do mundo, não obstante as inúmeras diferenças individuais e grupais”
(COMPARATO, 2013, p. 28)
A Dignidade da Pessoa Humana na Idade Média é decorrente da criação. Deus criou o homem à Sua imagem e semelhança, portanto com “dignidade dada pelo próprio criador” (BERGOGLIO, 2013, p. 13). E todos descendem de um único e primeiro homem – Abraão – sendo decorrente o princípio da igualdade de todos os homens. “Não existem indivíduos que, diante de Deus, tenham prerrogativas maiores ou menores.” (BERGOGLIO, 2013, p. 15).
Na idade moderna, no século XVIII, Kant explana em sua obra sobre o valor absoluto que existe no ser humano. Afirma que “o homem – e, de uma maneira geral, todo o ser racional – existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade.” (KANT, 2002, p. 58).
Em Kant, Dignidade Humana tem valor absoluto, incomparável ao valor das coisas não-humanas. As coisas podem ser substituídas. Cada ser humano é insubstituível e um fim em si mesmo, o que constitui sua dignidade. Um ser humano não pode ser substituído por outro ou por qualquer coisa ou conjunto de coisas. O ser humano, cada ser humano, é detentor de um valor absoluto
Segundo Kant, os seres humanos, portadores de razão, têm dignidade. As coisas têm preço. Apenas os seres humanos têm liberdade e vontade. Não há preço para o ser humano. Não há nada de mais valor que um ser humano, que está acima de qualquer preço, pois possui o atributo da dignidade.
A moralidade que faz do homem um fim em si mesmo. Só o homem possui moralidade, pois pode, com a razão, fazer escolhas de sua vontade, não agindo unicamente sob os impulsos da natureza. E a liberdade humana é a independência das causas determinantes do mundo sensível, ligado diretamente ao princípio da autonomia e este ao da moralidade. Em Kant:
“os seres, cuja existência não assenta em nossa vontade, mas na natureza, têm, contudo, se são seres irracionais, um valor meramente relativo, como meios, e por isso denominam-se coisas, ao passo que os seres racionais denominam-se pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, ou seja, como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, portanto, nessa medida, limita todo o arbítrio (e é um objeto de respeito).”
(KANT, 2002, p. 58)
Independentemente de serem nacionais ou estrangeiros, portanto, com base no fundamento da Constituição da República Federativa do Brasil, são, antes, seres humanos, pessoas, dotadas de dignidade.
Em liame com a obra de Ingo Sarlet, observamos que Dignidade da Pessoa Humana é conceito “em permanente processo de construção e desenvolvimento” e a aplicação dos Direitos Humanos na prática diária dos servidores públicos estatais lavra diuturnamente o conceito de Dignidade especificamente no Brasil. O conceito está em “constante concretização e delimitação pela práxis constitucional, tarefa cometida a todos os órgãos estatais”. (SARLET, 2013, p. 27).
A constituição brasileira tem ainda como objetivos, inscritos no artigo 3º, “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” (BRASIL, 1988).
A soberania é inscrita também como outro fundamento da República Federativa do Brasil e é em razão dela que o estado brasileiro aplica medida de retirada compulsória de estrangeiros, nos termos da lei 6.815/80.
A constituição brasileira estipula no seu artigo 5º a igualdade de todos perante a lei, garantindo um vasto leque de direitos fundamentais aos “brasileiros e estrangeiros residentes no País” (BRASIL, 1988).
A restrição aplicada ao estrangeiro pelo texto constitucional, quanto a termo “residência no país”, para a plena garantia de direitos fundamentais, é de interpretação extremamente restrita na literatura jurídica (MENDES, 2007, p. 262, 685; SILVA, 2009, p. 191; SARLET, 2010, p. 212).
A lei 6.815/80 “Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil” (BRASIL, 1980) e em seu artigo 95 assim determina sobre o tratamento igualitário entre brasileiros e estrangeiros:
“Art. 95. O estrangeiro residente no Brasil goza de todos os direitos reconhecidos aos brasileiros, nos termos da Constituição e das leis.”
(BRASIL, 1980)
Não é cabível o afastamento de direitos fundamentais aos estrangeiros no Brasil, seja qual for a condição de entrada ou estada do estrangeiro no Brasil. Os estados têm obrigações para com quaisquer pessoas em seus territórios, decorrentes de vários compromissos internacionais de direitos humanos, tendo relevância a Convenção Americana de Direitos Humanos, que integra a ordem jurídica nacional desde 1992 com status supralegal no ordenamento jurídico.
4. PRISÃO PARA DEPORTAÇÃO
As hipóteses legais acerca da deportação estão nos artigos 57 a 64 da lei 6.815/80, prevendo o artigo 61 que “o estrangeiro, enquanto não se efetivar a deportação, poderá ser recolhido à prisão por ordem do Ministro da Justiça, pelo prazo de sessenta dias.”
Tal artigo não foi integralmente recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Não mais subsiste no ordenamento jurídico brasileiro a prisão determinada por quaisquer autoridades administrativas, salvo em crimes ou infrações propriamente militares.
O Ministro da Justiça, assim como os demais ministros, é subordinado hierarquicamente ao Presidente da República, chefe do poder executivo. A determinação de qualquer prisão após a Constituição de 1988 só pode emanar do poder judiciário, através de ordem fundamentada, inscrita em mandado judicial e, normalmente, executada pela polícia judiciária (seja Polícia Civil ou Polícia Federal), consoante artigo 5º da Constituição Federal, especificamente no inciso LXI:
“LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;” (BRASIL, 1988)
A literatura jurídica apontou possível revogação do instituto da prisão para deportação após a lei 12.403/2011, que revogou previsão expressa da prisão administrativa no Código de Processo Penal (ANDREATA, 2012), mas a jurisprudência brasileira demonstra persistência do instituto jurídico da prisão administrativa para deportação no ano de 2014 (BRASIL, 2014), com lastro legal na lei 6.815/80.
A entrada irregular de estrangeiro no país não constitui crime por parte do estrangeiro, sua prisão é cautelar, no interesse da medida administrativa de retirada compulsória. A prisão administrativa para deportação é meio para atingir o fim de retirar o estrangeiro irregular do país. O ato imputável ao estrangeiro é sua entrada ou estada irregular no Brasil e, para tal conduta, não há previsão em qualquer dispositivo de lei penal e, portanto, não há pena de prisão para a entrada ou estada irregular no Brasil.
A determinação legal para entrada ou estada irregular no Brasil é a deportação – retirada do estrangeiro do país – sendo a prisão um meio para execução da medida e não uma pena como conseqüência da conduta irregular do estrangeiro.
A restrição de liberdade no Brasil, seja de pessoa estrangeira ou nacional, é medida extrema. Não há ato estatal mais grave que a prisão no Brasil, aplicável pelo Estado contra o cidadão, salvo, unicamente, a excepcionalíssima pena de morte prevista no art. XLVII, inciso “a” da Constituição Federal, em caso de guerra declarada e ratificada nos art. 56. e em vários tipos penais do Código Penal Militar brasileiro.
A consulta à jurisprudência da corte maior do Brasil – Supremo Tribunal Federal – revela, por outro lado, que o Estado brasileiro já chegou, em 1978, a aplicar a prisão para deportação de adolescente estrangeiro sob a justificativa de “ter penetrado no território nacional clandestinamente” (BRASIL, 1977). Há jurisprudência do ano de 2004 em que adolescente, juntamente com adultos, foi preso sob fundamento de “o ingresso...no Brasil ocorreu de forma irregular e, ainda, que eles não possuem documento algum e nem falam a língua nacional” (BRASIL, 2004).
A excepcionalidade da prisão após 1988 exige das autoridades administrativas da Polícia Federal que fundamentem minuciosamente em representação ao Judiciário os motivos da necessidade da prisão cautelar administrativa para fins de deportação e dos juízes a demonstração, em decisão fundamentada, da efetiva inafastabilidade do Mandado de Prisão.
O argumento de entrada ou estada irregular do país, tão somente, não é válido para decretação de prisão de estrangeiro. Para a entrada ou estada irregular no Brasil a conseqüência jurídica já é a deportação.
Em sopesando o direito à liberdade do estrangeiro, não obstante irregular no país, e a higidez coletiva, o magistrado só deve decretar prisão administrativa para fins de deportação caso a manutenção da liberdade seja efetivo risco à sociedade. Cabe ao poder executivo – Polícia Federal – através da Autoridade Policial, que é o Delegado de Polícia Federal, representar junto à Justiça Federal pela prisão do estrangeiro, expondo as razões fáticas e a fundamentação jurídica que a justifique.
A entrada ou a estada irregular de estrangeiro no Brasil não configuram condutas criminosas e tão só por estes motivos não se pode prender um estrangeiro no Brasil para deportação. A medida aplicável para entrada ou a estada irregular de estrangeiro no Brasil é unicamente a deportação, que consiste na retirada compulsória do estrangeiro do Brasil.
Nada obstante as premissas expostas, a competência para decretar a prisão administrativa de estrangeiro para fins de deportação não é de um juízo federal de vara federal cível, mas de um juiz de vara federal criminal, ao menos assim tem sido a práxis judicial nos termos da interpretação da legislação por parte dos tribunais pátrios.
A jurisprudência nacional está sedimentada nesses termos:
PROCESSUAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. APRECIAÇÃO DE PEDIDO DE LIBERDADE VIGIADA. PROCEDIMENTO DE DEPORTAÇÃO DE ESTRANGEIRO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO CRIMINAL. 1. A jurisdição cível é competente para decretar prisão em duas circunstâncias expressamente autorizadas pela Constituição Federal (art. 5º, inciso LXVII), quais sejam, do devedor de pensão alimentícia e do depositário infiel. 2. Sendo a decretação de prisão de estrangeiro, para fins de deportação, da competência do juízo federal criminal, ainda que não tenha natureza estritamente penal, é razoável que também o pedido de concessão de liberdade vigiada seja abrangido por essa competência, visto que inserido no mesmo procedimento de deportação de estrangeiro, tratar-se de restrição de liberdade, e possuir idêntica natureza. 3. Conflito conhecido e julgado procedente, declarada a competência do juízo suscitado. (BRASIL, 2009)
A lei 6.815/80 prevê outra medida menos gravosa que a prisão, consistente na liberdade vigiada, que será aplicada nas hipóteses previstas em lei, com a ressalva que as condições impostas devem sempre ser determinadas por autoridade judiciária, não pelo Ministro da Justiça, em consonância com a ordem constitucional estabelecida em 1988.
“Art. 73. O estrangeiro, cuja prisão não se torne necessária, ou que tenha o prazo desta vencido, permanecerá em liberdade vigiada, em lugar designado pelo Ministério da Justiça, e guardará as normas de comportamento que lhe forem estabelecidas.” (BRASIL, 1980)
A prisão para deportação é caracterizada como prisão administrativa, nada obstante sua necessidade ser analisada por juízo federal criminal. Em essência, tal prisão não decorre dos requisitos de prisão preventiva e/ou prisão temporária previstas em lei de cunho penal. A prisão é cautelar administrativa, não visa a aplicação ulterior de medida prevista em lei penal, mas aplicação de medida administrativa de deportação. ACCIOLY entende de forma distinta, quando afirma que “tal prisão se dá por ordem de juiz federal, não se admitindo mais a antiga prisão administrativa, no regime anterior à Constituição de 1988” (ACCIOLY, 2012, p. 546).
A prisão para deportação também não é cível, pois no Brasil só é permitida prisão civil para o devedor de obrigação alimentícia, consoante art. 5º LXVII da Constituição Federal e jurisprudência do STF que tem como paradigma a Convenção Americana de Direitos Humanos. A decisão do Supremo Tribunal Federal que assenta, a contrario sensu, a prisão cível tão somente ao devedor de alimentos, restou inscrita na súmula vinculante nº 25: “é ilícita a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”.
A prisão para deportação não é prisão civil e também não é prisão penal, pois seu fundamento não é a prática de quaisquer crimes nem mesmo para resguardar aplicação de quaisquer leis penais. A prisão é administrativa, pois é decretada pela Justiça Federal, após representação do delegado de Polícia Federal, para garantir a aplicação da medida administrativa de deportação, executada pela Polícia Federal,
Em consulta à jurisprudência, podemos aferir decretação de prisão administrativa para fins de deportação com lastro no “comportamento violento” do estrangeiro (BRASIL, 2005) ou ainda em face de estrangeiro “sem paradeiro certo e emprego, que se recusou a retirar-se do país voluntariamente” (BRASIL, 1998).
Destaque-se que na jurisprudência citada, o “comportamento violento” ou o “sem paradeiro certo e emprego” é fato indiferente ao direito penal, pois não se vislumbra tal prática como crime.
Recente jurisprudência do ano de 2014 aponta plena vigência da prisão administrativa para deportação, delineando suas circunstâncias:
“A natureza dessa espécie de prisão não destoa daquela hipótese existente no art. 312. do Código de Processo Penal, de prisão para asseguração da aplicação da lei penal. A diferença reside tão somente nos procedimentos em que cada uma das prisões cautelares está prevista: enquanto a prisão preventiva volta-se a resguardar a aplicação da lei no âmbito do processo penal, a prisão administrativa da Lei 6.815/80 procura garantir a aplicação da lei no procedimento de deportação.
Em todo caso, a Constituição Federal, guardiã dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, afastou a patente arbitrariedade contida no dispositivo supracitado, assim como no art. 69. da Lei 6.815/80, substituindo o juízo político então existente pelo julgamento judicial, adstrito às exigências previstas em lei.”
(BRASIL, 2014)
Ou há fato jurídico criminoso praticado pelo estrangeiro, que culmina na sua prisão em flagrante ou em outras medidas penais cautelares diferentes da prisão e ulterior condenação pela prática que viola bem penalmente protegido; ou há fato que não viola bem jurídico penalmente tutelado.
Em uma ordem constitucional que determina direitos iguais aos nacionais e estrangeiros, há de se questionar a prisão para fins de deportação, quando ela é decretada com lastro em fundamentação genérica, sem que haja ato específico imputado ao deportando. Sopesando-se os direitos humanos e a higidez coletiva, a medida extrema de prisão só deve ser decretada quanto efetivamente necessária ao resguardo da coletividade. Neste caso, o risco social da liberdade do estrangeiro deve suplantar seu direito à liberdade, no sopesamento de princípios analisados pelo Estado-juiz.
Não se pode imputar apenas ao Poder Judiciário a omissão de fatos concretos que justifiquem a prisão de estrangeiro para fim de deportação, ou seja, pela prisão fundamentada em argumentos genéricos e díspares de atos perpetrados pelo estrangeiro que causem efetivo risco social.
O Poder Judiciário age apenas sob provocação. A representação fundamentada para prisão para fins de deportação advém do poder executivo, especificamente em representação subscrita por delegado de Polícia Federal, no bojo de procedimento administrativo de deportação. O interesse na aplicação da medida extrema de retirada compulsória de estrangeiro do Brasil é da Polícia Federal, atuando como polícia de imigração brasileira.
O Delegado de Polícia é titular de cargo que tem como requisito formação jurídica, com ratificação pela recente lei 12.830/13. Diante de tal requisito, deve convencer o Juiz Federal em representação fundamentada com lastro probatório suficiente para decretação da medida excepcional de prisão, mormente porque não há medida mais gravosa decretada pelo Estado brasileiro, através do Poder Judiciário.
A decisão advém do poder judiciário, mas a provocação do poder executivo, através de representação do delegado de polícia, deve demonstrar inequivocamente a excepcionalidade que justifique a segregação do estrangeiro para fins de deportação.