O pagamento de licenciamento de veículos automotores pertencentes à Administração pública municipal e a Lei 8.666/1993

15/12/2015 às 15:46

Resumo:


  • A Lei 8.666/93 se aplica somente a contratos administrativos com terceiros, excluindo relações jurídicas que não dependam da concordância do terceiro.

  • O licenciamento de veículos é uma taxa, não um contrato, portanto não está sujeito à Lei 8.666/93, pois é um pagamento imposto por lei.

  • A relação tributária não é contratual, não sendo a Lei 8.666/93 aplicável a pagamentos de tributos, que são exigências do Estado regidas por lei.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O pagamento das taxas de licenciamento de veículos não está sujeito aos ditames da Lei 8.666/1993 por estar inserido dentre as espécies tributárias, de pagamento compulsório.

Ainda muito comum entre os gestores públicos é a dúvida acerca da incidência ou não da Lei 8.666/1993 no pagamento das taxas de licenciamento de veículos pertencentes à Administração.

Há que se observar, primeiramente, que o artigo 2º da Lei 8.666/1993 determina:

Art. 2º. As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.

Assim sendo, a aplicabilidade da Lei 8.666/93 se restringe às contratações com terceiros para obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública. Importante observar ainda que o legislador usou de clareza ímpar ao esclarecer, no parágrafo único, que o contrato é firmado entre a Administração Pública e particulares, onde haja um acordo de vontades.

A mais abalizada doutrina assim se manifesta sobre o assunto:

Quando alude a “contrato administrativo”, a Lei indica um tipo de vínculo produzido por manifestação conjunta e concorde de vontade. A relação jurídica entre a pessoa administrativa e o terceiro sujeitar-se-á a esse diploma apenas quando for produzida consensualmente. Ficam excluídas todas as relações jurídicas cujo aperfeiçoamento dispense a concordância do terceiro. Por isso, não se aplicam as regras da Lei em casos de desapropriação, tributação, requisição administrativa, sanções penais etc. Sempre que a lei dispense, para o aperfeiçoamento do ato jurídico, o concurso da vontade do terceiro, não se aplica a Lei (2004: 34).[1] (destacamos)

Pode se concluir, portanto, que a Lei 8.666/93 somente se aplica aos contratos administrativos, assim entendidos os instrumentos que consignem uma relação jurídica entre a pessoa administrativa e um terceiro, relação esta produzida consensualmente.

O licenciamento de veículos é um tributo, da subespécie taxa, cujo pagamento decorre de imposição legal e não de ajuste contratual. Não há que se falar ainda em isenção do pagamento de taxa, uma vez que a Constituição Federal estabeleceu isenção apenas e tão somente para impostos, consoante artigo 150, inciso VI.

O que se denomina de forma leiga “licenciamento”, a legislação entende o valor pago para os fins de expedição do Certificado de Licenciamento Anual, conforme previsto no art. 130 e seguintes da Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro – CTB).

Na classificação doutrinária e na definição constitucional dos tributos, o valor enquadra-se como taxa, devida pela utilização do serviço público de licenciamento do veículo, conforme já considerado inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC.AUSÊNCIA.

1. Cuida-se, na origem, de ação de repetição de indébito pela qual a ora recorrida pretende a restituição, com os acréscimos legais, dos valores pagos ao Estado de Minas Gerais a título de Taxa de Licenciamento, nos exercícios de 2003 a 2008, referentes aos veículos de sua propriedade, em função de suposta inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei Estadual n. 14.136/01.

(...)

(REsp 1297695/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe 27/02/2012) - sublinhamos

Jamais há de se cogitar, por exemplo, na utilização da Lei 8.666/93 para pagamento de tributos:

(...). No Estado de Direito, a dívida de tributo estruturou-se como uma relação jurídica, em que a imposição é estritamente regrada pela Lei, vale dizer, o tributo é um prestação que deve ser exigida nos termos previamente definidos pela lei, contribuindo dessa forma os indivíduos para o custeio das despesas coletivas (que, atualmente, são não apenas as do próprio Estado, mas também as de entidades de fins públicos).[2]

Tributar (...) mantém ainda hoje o sentido designativo da ação estatal: o Estado tributa. O tributo (...) seria o resultado dessa ação estatal, indicando o ônus distribuído entre os súditos. (...)[3]

O tributo, portanto, resulta de uma exigência do Estado, que, nos primórdios da história fiscal, decorria da vontade do soberano, então identificada com a lei, e hoje se funda na lei, como expressão da vontade coletiva. (Amaro, 2005: 16-17).[4]

Diante do exposto, concluímos que:

1)a relação tributária nada tem de contratual, não havendo que se falar em incidência da Lei 8.666/93 para pagamento de tributos;

2)o licenciamento de veículos é espécie tributária do tipo taxa, não incidindo, portanto, a Lei 8.666/93, por se tratar de pagamento imposto por Lei.


[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 10 ed. São Paulo: Dialética, 2004.

[2] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

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[3] idem

[4] idem

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Sobre a autora
Analuisa Macedo Trindade

Advogada inscrita na OAB-CE sob o número 27.571-B, especialista em licitações e contratações públicas, professora convidada da Faculdade de Quixeramobim - Uniq, atualmente exercendo o cargo de Gerente da Célula de Processos Licitatórios da Secretaria Municipal da Educação de Fortaleza-CE

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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