O papel da imprensa na distorção do indulto de Natal

25/12/2015 às 17:22
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Esclarecimentos sobre o indulto natalino, em face das distorções transmitidas em rede nacional.

Como tradicionalmente ocorre todos os anos no período natalino, a Presidente da República, com respaldo no art. 84, caput, inciso XII da Constituição Federal, através do Decreto 8.615 de 23 de dezembro de 2015, concedeu o indulto natalino às pessoas, nacionais ou estrangeiras, condenadas ou submetidas a medida de segurança. O indulto também comuta penas de pessoas condenadas.

Muitos podem confundir o indulto com a saída temporária, concedida aos presos em datas comemorativas como o Natal ou o dia das mães, por exemplo. Todavia, são benefícios distintos.

A saída temporária, ou “saidão”, no jargão carcerário, é benefício concedido a presos com bom comportamento e que já tenham cumprido 1/6 (um sexto) da pena, se primários, ou 1/4 (um quarto), se reincidentes. A matéria é disciplinada pelos arts. 122 a 125 da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) e tem o objetivo de ressocializar o preso condenado e reintegrá-lo ao convívio social, por meio da visita a seus familiares. É de bom alvitre esclarecer que as saídas temporárias não têm qualquer efeito sobre a pena imposta ao condenado, visando apenas possibilitar sua reinserção social.

Já o indulto é causa de extinção da punibilidade prevista no art. 107, II, do Código Penal, concedida coletivamente e exclusivamente pelo Presidente da República. Estão aptos a receber o benefício os condenados a pena privativa de liberdade não superior a 8 (oito) anos, não substituída por restritivas de direitos ou por multa, e não beneficiada com a suspensão condicional da pena, que até 25 de dezembro de 2015, tenham cumprido 1/3 (um terço da pena), se não reincidentes, ou metade, se reincidentes.

Responder a outra ação penal não obsta à concessão do benefício, desde que o crime não tenha sido praticado com violência ou grave ameaça à pessoa. Frise-se que condenados por crimes de tortura, terrorismo, tráfico de drogas e por crimes hediondos, após a edição da Lei 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos), não estão suscetíveis a receber o indulto.

Nesse contexto, é indiscutível a possibilidade de tal benefício se estender aos operadores do mensalão, o que certamente causará a revolta de milhares de brasileiros, caso o STF decida pela concessão do benefício, se preenchidos os requisitos legais.

Nada obstante a imprensa nacional noticiar o fato de maneira tendenciosa, é importante notarmos que não se trata de norma criada com a finalidade de beneficiar esse ou aquele réu especificamente, tendo em vista que o Decreto 8.615 se estende a todos os condenados, brasileiros ou não, introduzidos no sistema prisional, que preencham as condições de concessão do indulto. Aliás, uma breve pesquisa é suficiente para confirmar que o texto é o mesmo dos anos anteriores.

Portanto, não se destina o indulto a aliados ou escolhidos. Caso fosse destinado particularmente a um sentenciado, o benefício seria outro: a graça. Porém, a Carta Magna não mais se refere à graça no art. 84, XII. Por esse motivo, a Lei de Execução Penal passou a considerar a graça como indulto individual, previsto no art. 188: “o indulto individual poderá ser provocado por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário, ou da autoridade administrativa”. Como se observa no referido dispositivo legal, o indulto individual não é atribuição da Presidência da República.

Ademais, impende salientar que a concessão do indulto só alcança, conforme preleciona Nucci (2014, p. 749), “os efeitos principais da condenação, subsistindo todos os efeitos secundários penais e extrapenais”.

Nesse diapasão, o Tribunal Superior Eleitoral, ao julgar o RE 22.148 (j. 9-9-2004), decidiu que o indulto não é suficiente para afastar a inelegibilidade decorrente das hipóteses previstas na alínea “e” do inciso I do art. 1º da Lei Complementar 64/90 (são inelegíveis para qualquer cargo os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes).

Apesar da transmissão capciosa dos noticiários, no intuito de levar os espectadores menos esclarecidos a acreditar que o indulto foi feito sob medida para patrocinar a impunidade dos “ricos e poderosos”, verifica-se que a sua finalidade precípua não é favorecer aliados políticos ou membros de determinados partidos, pois é destinado a todos que se enquadrarem nas situações jurídicas por ele abrangidas.

Fácil perceber que o benefício do indulto não é o mal, propriamente dito. O mal maior reside na brandura do judiciário brasileiro, no momento de fixar a pena daqueles que lesaram o erário em cifras astronômicas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto nº 8.615 de 23 de dezembro de 2015. Concede indulto às pessoas condenadas ou submetidas a medida de segurança e de comutar penas de pessoas condenadas. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 23 dez. 2015. Disponível em http://www.in.gov.br. Acesso em 25 dez. 2015.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 14 ed. rev. amp. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

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Sobre o autor
Robson Souto

Servidor do TJSE, autor de obras jurídicas.

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