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Será o fim da inquisitoriedade do inquérito policial?

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A expressão “sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento” faz com que pensemos que, no inquérito policial, de agora em diante, haverá contraditório e ampla defesa.

“A presidente Dilma Rousseff sancionou nesta terça-feira (12/1) a lei que permite a criação de sociedades unipessoais (ou individuais) de advogados. A nova figura societária dá as mesmas proteções que têm as pessoas jurídicas — como responsabilidade limitada ao valor do capital social em caso de dívidas e menor carga sobre ganhos — também ao advogado que atua sozinho. Dilma sancionou ainda a lei que obriga a presença de advogados no inquérito policial”.

A Lei 8.906/94, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – EOAB, foi alterada pelas leis: Lei nº 13.247, de 12.1.2016 - Altera a Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994 - Estatuto da Advocacia e Lei nº 13.245, de 12.1.2016 - Altera o art. 7o da Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil).

Causa estranheza, ou melhor, no Brasil de seus “Brasis”, isso não é surpresa e nem mesmo estranho. Mas vejamos uma das principais alterações promovidas pela Lei 13.245/16:

“Art. 7o  .........................................................................

.............................................................................................

XIV - examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital;

Antes: XIV - examinar, em qualquer repartição policial, mesmo  sem procuração,  autos  de  flagrante  e  de  inquérito,  findos  ou   em andamento,  ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças  e tomar apontamentos;

A expressão: “investigação de qualquer natureza”, em substituição ao inquérito policial como antes, não foi inserida ao acaso pelo nosso legislador; não mesmo.

A dita expressão abarca o inquérito e, entre outras, o PIC, Procedimento Investigatório Criminal adotado pelo Ministério Público e tido por muitos como inconstitucional, já que, por regra, o MP não pode investigar.

De chofre podemos afirmar que tal norma com o aval da OAB veio para, vamos dizer assim, buscar um “freio” às investigações promovidas pela Operação Lava Jato, já que, em tempo recorde, em meio ao recesso parlamentar, 15/12/15, ambos os projetos de lei foram aprovados pelo Congresso Nacional.

Diz-se, sim, aval da OAB, pois, como consolo, no mesmo dia, foi aprovado algo que há tempos era pleiteado pela classe, como pode se observar nas palavras do Dr Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil:

"É um dia histórico para a valorização da advocacia como instrumento de proteção dos direitos do cidadão". Marcus Vinicius Furtado Coêlho afirma que amplo acesso a investigações resguarda direitos dos cidadãos. “A criação da sociedade individual do advogado, junto com o Simples, diz ele, vai trazer ganhos tributários aos profissionais de menor renda. Já o acesso obrigatório do advogado ao inquérito ou a qualquer investigação — com o direito de pedir vista dos autos e de apresentar questões em defesa do investigado —, na visão do presidente da OAB, vai servir para resguardar os direitos dos brasileiros.

O novo inciso XXI do art. 7º é também digno de algumas considerações:

XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:

a) apresentar razões e quesitos;

b) (VETADO).

............................................................................................

§ 10.  Nos autos sujeitos a sigilo, deve o advogado apresentar procuração para o exercício dos direitos de que trata o inciso XIV.

§ 11.  No caso previsto no inciso XIV, a autoridade competente poderá delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências.

§ 12.  A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente.” (NR).

A expressão “sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento” faz com que pensemos que, no inquérito policial, de agora em diante, haverá contraditório e ampla defesa, mas, o engraçado nas alterações legislativas é que o legislador altera uma norma e esquece-se das que lhes são conexas.

Nesse caso esqueceu-se o legislador de alterar o Código de Processo Penal. Será mesmo que se esqueceu ou fez de propósito, como em tantos outros atos? É claro que não esqueceu, fez de propósito. Alterar o CPP geraria manifestações das Polícias, Civil e Federal, da imprensa. Portanto, alterou-se o EOAB, o que não chama tanta atenção e, de fundo, dá-se o apelo da garantia ao réu de ser assistido por advogado, já desde o inquérito ou outras investigações e apurações, como bem frisou o presidente da OAB “...na visão do presidente da OAB, vai servir para resguardar os direitos dos brasileiros”. Resta saber a quais brasileiros ele se refere. Pois, em um país marcado pela corrupção e impunidade, há, e muito, “pessoas mais iguais que outras”.

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A questão que aqui se levanta é: como falar em nulidade absoluta em um procedimento inquisitivo? Sim, o Inquérito Policial tem como uma de suas características a inquisitoriedade, ou seja, é de competência do Delegado de Polícia (civil ou federal) a sua presidência, não há contraditório e nem ampla defesa. Como anular peremptoriamente o interrogatório?

O legislador avançou ainda mais. Vejamos a parte final do novo inciso XXI: “...de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados...”. Apenas a título de exemplo, iremos trazer à baila a Operação Lava Jato. Pois bem, imaginemos um depoimento em inquérito em que o investigado resolva delatar alguém. Se esse interrogatório for considerado NULO, tudo o que for derivado do mesmo também o será, como uma Prisão Preventiva, por exemplo, que, longe de ser uma antecipação de uma eventual condenação, tem-se, em especial nos casos em comento, servido de importante instrumento para fazer frente à impunidade.

Por fim, só nos resta o pensamento de Rui Barbosa: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.

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Sobre o autor
Temístocles Telmo Ferreira Araújo

Coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Comandante do Policiamento de Área Metropolitana U - Área Central de São Paulo. Doutor, Mestre e Bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública junto ao Centro de Altos Estudos de Segurança na Polícia Militar do Estado de São Paulo. Pós graduado lato senso em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público, São Paulo. Professor de Direito Processual Penal, Direito Penal e Prática Jurídica do Centro Universitário Assunção. Professor Conteudista do Portal Atualidades do Direito. Foi Professor de Procedimentos Operacionais e Legislação Especial da Academia de Polícia Militar do Barro Branco nos de 2008, 2009 e 2013. Professor de Direito Penal e Processo penal - no Curso Êxito Proordem Cursos Jurídicos (de 2004 a 2009). Professor Tutor da Pós-graduação de Direito Militar e Ciências Penais na rede de ensino Luiz Flávio Gomes - LFG (De 2007 a 2010). Professor Tutor de Prática Penal na Universidade Cruzeiro do Sul em 2009. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processo Penal, Direito Penal Militar e Processo Penal Militar, Direito Administrativo Militar e Legislação Penal Especial. Foi membro nato do Conselho Comunitário de Segurança Santo André Centro de 2007 a 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Temístocles Telmo Ferreira. Será o fim da inquisitoriedade do inquérito policial?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4580, 15 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45822. Acesso em: 19 mar. 2024.

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