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Extinção de contrato para compra e venda de imóveis:

dever das construtoras na restituição de valores pagos

20/01/2016 às 12:24
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Quando a rescisão contratual estiver fundada em causa originada pela construtora, terá ela o dever de restituir ao adquirente a integralidade dos valores pagos sem nenhuma espécie de abatimento.

Introdução

No passado, durante o chamado “boom imobiliário”, inúmeras pessoas se empolgaram com o aparente bom momento da economia brasileira e passaram a realizar negócios para a aquisição de unidades imobiliárias.

Passados alguns anos, a má gestão pública colocou o Brasil numa forte crise econômica e que vem atingindo quase todos os setores da economia. O desemprego vem aumentando assustadoramente e fazendo com que grande parte dessas pessoas que se comprometeram com aquisições de imóveis se vejam sem condições de continuarem arcando com os respectivos pagamentos. Além disso, muitos dos compradores estão vivenciando a desagradável experiência de verem os imóveis adquiridos perderem seus valores, e com isto estarem pagando por algo que no passado valia mais do que nos dias atuais.

Muitos motivos, inclusive atrasos das construtoras na entrega dos imóveis, estão levando pessoas a desistirem dos negócios que firmaram.

Considerando que as construtoras, na maior parte dos casos, se aproveitam da vulnerabilidade dos clientes para inserirem cláusulas nos contratos restringindo muito o direito de restituição dos valores pagos pelos compradores, neste artigo analisaremos o assunto demonstrando nossa posição de que é dever das construtoras a devolução de grande parte desses valores, e que, dependendo do caso, essa restituição deverá ser feita em sua integralidade.


1. Relação de consumo

Nos termos do artigo 170, da Constituição Federal de 1988, a ordem econômica tem como um de seus fundamentos a defesa do consumidor, cuja proteção incumbe ao Estado (art. 5º, XXXII, CRFB/1988).

Regulando as relações de consumo a Lei nº 8.078/119 – Código de Defesa do Consumidor – define consumidor (art. 2º), fornecedor (art. 3º), produto (art. 3º, §1º) e serviço (art. 3º, § 2º).

Da análise desses conceitos legalmente estabelecidos não resta dúvida que entre as construtoras e os adquirentes de unidades imobiliárias operam-se relações de consumo, disciplinadas, portanto, pela respectiva legislação.


2. Contrato de adesão

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 54, define contrato de adesão, in verbis:

“Art. 54 - Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.

É exatamente esse o caso dos contratos firmados com as construtoras. Após o adquirente decidir pela compra de um imóvel, a construtora simplesmente lhe apresenta o contrato pronto para ser assinado, tendo o mesmo sido redigido em sua totalidade sem qualquer manifestação do comprador, já que este não tem nenhuma opção de alterar referido instrumento. Assim, desejando comprar o imóvel, ao adquirente só resta a alternativa de aceitar todos os termos impostos no contrato pela construtora, ainda que com eles não concorde em sua totalidade.

Como bem ensina Orlando Gomes[1], “no contrato de adesão uma das partes tem de aceitar, em bloco, as cláusulas estabelecidas pela outra, aderindo a uma situação contratual que encontra definida em todos os seus termos. O consentimento manifesta-se como simples adesão a conteúdo preestabelecido da relação jurídica”.

Em tal espécie de contrato, o fornecedor é quem estipula todas as cláusulas inexistindo qualquer possibilidade de modificação ou discussão das mesmas pelo consumidor, o qual só tem a opção de aceitá-las ou não.

Ao julgar a Apelação Cível n° 256.637-2, o Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu, in verbis:

“O fato de ser contrato-padrão ou de venda, ou promessa de venda de unidades de edifício em construção, em regime de incorporação como no caso sub judice, não lhe retira as características de contrato de adesão. A propósito, ORLANDO GOMES, incluindo, genericamente, as promessas de venda dentre os contratos de adesão (Contrato de Adesão, Editora Revista dos Tribunais, 1972, n. 105, pág. 150) e, em especial, os de aquisição de unidades de incorporações imobiliárias, atividade que exige da empresa incorporadora a elaboração de condições gerais e uniformes, preestabelecidas para todos que queiram se comprometer a adquirir apartamentos, a se constituírem para existência sob regime condominial (ob. cit., n. 111, pág. 157), pondera que tais contratos, como os demais de adesão que enumera, são redigidos, prévia e unilateralmente, por uma só das partes, como um todo unitário, a respeito do qual sequer se pensa em admitir a possibilidade de modificação pelo cliente, a quem se recusa todo direito de discussão (ob. cit., n. 106, pág. 151)”

O mestre[2] anteriormente citado, esclarecendo acerca da formação do contrato de adesão, explica que “nesse contrato, a fase das negociações preliminares não existe. Em princípio, assim sucede. O esquema contratual está pronto, devendo aceitá-lo integralmente quem se proponha a travar a relação concreta. Contudo, sempre há cláusulas que não podem ser prestabelecidas e, de modo geral, elementos imprevisíveis”.

É inclusive em razão desse tipo de contrato que as construtoras se aproveitam para obrigarem os compradores a suportarem também o pagamento – indevido – da corretagem imobiliária e da chamada “Taxa SATI”, cuja ilegalidade já demonstramos noutro trabalho.

Vale lembrar que os contratos, sejam ou não de adesão, devem ser interpretados pela forma que mais favorecer o consumidor, tal como exige o artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor.

Tendo já esclarecido sobre a modalidade contratual, passamos a tratar da ilegalidade das cláusulas que vedam a restituição de valores, ou que fixam a devolução em montantes muito inferiores ao realmente devido.           


3. Abusividade da negativa de restituição de valores pagos

Dentre os princípios que norteiam as relações de consumo estão o da vulnerabilidade do consumidor e o da boa-fé. É o que dispõe o artigo 4º da Lei nº 8.078/1990, in verbis:

“Art. 4º. A Política das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; (...)

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; (...)”

Já o artigo 6º da mesma lei (CDC) é expresso ao assegurar, dentre os direitos, a proteção do consumidor contra métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços:

“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

(...)

IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos e desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;”

Dentre as práticas abusivas arroladas, exemplificativamente, o artigo 39 da mesma Lei nº 8.078/1990, estabelece que:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(...)

V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;”

O artigo 51, por seu turno, prevê como cláusulas abusivas, e as torna nulas de pleno direito, as que afastam do consumidor o direito de reembolso de quantias pagas, prática esta que o coloca em grande desvantagem. Confira-se:

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)

II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

(...)

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; (...)”

O parágrafo primeiro do mesmo artigo 51 prevê como exagerada qualquer vantagem que se mostre “excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso”.

O artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, de forma bastante categórica, prevê que são nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total dos valores pagos nos contratos compra e venda de imóveis:                        

“Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.”

Em geral, verifica-se que a esmagadora maioria das construtoras inserem em seus contratos cláusulas prevendo que no caso de rescisão contratual os adquirentes não terão direito à restituição de parcelas pagas, ou que essa restituição será feita em percentuais ínfimos, como por exemplo de 50%  (cinquenta por cento).

Desta forma, se por algum motivo o adquirente se decide não prosseguir com o negócio e pede sua resolução com o reembolso de valores pagos, as construtora se valerão dessa cláusula abusiva para negarem a restituição ou fazê-la em valores irrisórios considerando o total já pago.

No que se refere à retenção de parte dos valores pagos no caso de desistência da aquisição de imóveis, a jurisprudência pátria varia, mas dificilmente supera 20%, in verbis:

“AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CC. DEVOLUÇÃO DE VALORES. Sentença de parcial procedência para declarar a rescisão, condenar as rés à devolução de 80% dos valores desembolsados e da taxa SATI. Apelam os autores, sustentando o inadimplemento das rés, que garantiram a rápida liberação do financiamento, e só avisaram a recusa pela instituição financeira, depois de escoado o prazo para o pagamento; a cobrança de juros e correção monetária era indevida, pois foram as responsáveis pelo atraso na aprovação do respectivo financiamento; a restituição deve ser integral, ou ao menos de 90% dos valores pagos; não houve a contratação das empresas apeladas para a aproximação e intermediação na compra, sendo indevidos os valores a título de comissão de corretagem, impostos unilateralmente pelo contrato. Cabimento. Rescisão contratual.  Restituição integral das parcelas. Devolução pertinente. Ausente prova de que a imobiliária tenha sido procurada pela autora e tenha prestado em seu favor serviço de corretagem. Venda realizada no "stand", no próprio local do empreendimento. Ausente cláusula específica no contrato pelo qual o compromissário comprador optou por se responsabilizar pelo pagamento da taxa de corretagem. Vinculação indevida com a aquisição do imóvel. Venda casada configurada. Resta também configurado defeito na prestação do serviço de intermediação. Ausente informação adequada sobre a obtenção do financiamento imobiliário. Pertinência da devolução de valores, diante do descabimento da cobrança, sob pena de enriquecimento sem causa.Devolução que se dará de forma simples. Recurso provido”[3]

“COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA DE BEM IMÓVEL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS PAGAS. 1- Matéria preliminar. Ilegitimidade passiva. Participação indireta da HELBOR na relação contratual estabelecida entre as partes. Circunstância suficiente a demonstrar a legitimidade da empreendedora. Precedente: ‘Ilegitimidade passiva da PDG. Não acolhimento. Participação indireta da ré na relação contratual estabelecida entre as partes. Circunstância suficiente a configurar a legitimidade da empreendedora’ (Apelação Cível nº 1033381-85.2014.8.26.0100, de minha Relatoria). 2- Desistência do contrato. Questão induvidosa. Hipótese suficiente a autorizar a rescisão da avença e a restituição de parte das verbas quitadas. Retenção do equivalente a 20% (vinte por cento) do montante quitado. Preservação. Abusividade não reconhecida. Alteração do contrato reservada para situações de flagrante abusividade. Percentual, por sua vez, ajustado a inúmeros precedentes da Câmara. Correção dos valores. Termo inicial dos juros de mora. Alteração. Impossibilidade. Acréscimo devido a contar da citação. Incidência do disposto no artigo 219 do CPC. 3- Verbas de sucumbência. Condenação do autor ao pagamento do ônus sucumbencial. Possibilidade. Litígio adstrito ao valor da retenção. Devolução integral afastada. Derrota, quanto ao tema, operada. Inteligência do disposto no art. 20 do CPC. APELO PARCIALMENTE PROVIDO”[4]

“COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA – Compradores que pleiteiam a rescisão do contrato – Possibilidade, decretada, contudo, a culpa dos autores, caracterizada a sua desistência do negócio - Restituição das parcelas pagas – Admissibilidade – Direito da vendedora ser ressarcida pelas despesas operacionais com o negócio – Previsão contratual excessiva e abusiva – Entendimento jurisprudencial que o percentual da retenção já engloba tanto as despesas administrativas quanto a cláusula penal - Adequação da retenção para 20% do montante pago, que cobre razoavelmente todas as despesas – Devolução de 80% em única parcela, cumprindo efetiva correção dos valores a serem restituídos a contar de cada desembolso, com incidência de juros de mora de 1% ao mês desde a citação – Cobrança de comissão de corretagem – Venda de imóvel na planta – Ausente caracterização de efetiva aproximação das partes – Corretores que são parceiros da empreendedora, prestando serviços em seu nome, sendo desta a responsabilidade pelo pagamento da remuneração – Restituição devida – Cobrança de serviços de assessoria - Ausência de informação clara e precisa sobre os serviços e a possibilidade de aferição de efetiva prestação – Contratação induzida, configurando venda casada - Abusividade caracterizada – Ressarcimento devido – Sentença, em parte, reformada – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO."[5]

“COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - IMÓVEL - INADIMPLEMENTO POR CULPA DA COMPRADORA - RESCISÃO CONTRATUAL -RETENÇÃO DE 10% (DEZ POR CENTO) SOBRE AS PRESTAÇÕES PAGAS - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MAJORAÇÃO. 1. O julgador possui autorização legal para proceder à redução do percentual estipulado a título de cláusula penal para patamar justo, com o objetivo de evitar o enriquecimento ilícito de uma das partes contratantes e o prejuízo da outra. 2. Tendo o imóvel voltado ao patrimônio da construtora, sem que tenha usufruído a promitente-compradora, por porque à época em construção, afigura-se justa a fixação do percentual de 10% (dez por cento) sobre as prestações pagas, incluído nesse valor o sinal dado, a título de cláusula penal compensatória por rescisão contratual decorrente de inadimplemento da compradora. 3. Havendo condenação, deve incidir a regra do artigo 20, §3º, do CPC no tocante à fixação dos honorários advocatícios. 4. Recurso da ré improvido 5. Recurso da autora parcialmente provido.”[6]

“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO CONTRATUAL. DESISTÊNCIA PELO COMPRADOR. FALTA DE CONDIÇÕES ECONÔMICAS PARA SUPORTAR O PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES. RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS. RETENÇÃO DE 10% SOBRE O VALOR PAGO. Admite-se a possibilidade de rescisão do compromisso de compra e venda por iniciativa do devedor, se este não mais reúne condições econômicas para suportar o pagamento das prestações avençadas com a empresa vendedora do imóvel. Havendo desistência contratual, as partes devem ser reconduzidas ao status quo ante, assistindo ao comprador desistente o direito de obter a restituição de toda a quantia repassada à cooperativa, abatendo-se somente porcentagem a título de cláusula penal compensatória. A porcentagem de 10% sobre o valor integral do imóvel, estabelecida em contrato para o caso de rescisão contratual, mostra-se excessivamente onerosa ao comprador, devendo ser diminuída para 10% (dez por cento) sobre o valor efetivamente pago, sendo este percentual razoável para ressarcir a construtora pelos prejuízos ocasionados com a extinção prematura do contrato. Apelo conhecido e não provido.”[7]

“Compromisso de venda e compra - Unidade condominial a ser construída - Promissária-compradora tem legitimidade para postular a resolução do compromisso por mera desistência do negócio - Recurso provido, para julgar a ação procedente, com a devolução do valor recebido, corrigido de cada desembolso e juros da mora -Retenção de 10% para cobrir despesas administrativas - Sentença reformada.”[8]

“COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. INADIMPLEMENTO DOS PROMISSÁRIOS COMPRADORES. RESCISÃO CONTRATUAL. REDUÇÃO DO PERCENTUAL DA PENA CONTRATUAL. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DO ARTIGO 924 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO IMPROVIDO. - A cláusula penal inserta na promessa de compra e venda firmada entre as partes, como pré-fixação de perdas e danos, não pode, em hipótese alguma, ser fonte de enriquecimento indevido por parte da construtora. Assim, se houve cumprimento parcial da obrigação por parte dos promissários compradores, os quais nem sequer chegaram a tomar posse do imóvel, revela-se satisfatória a redução da pena contratualmente prevista de perda de 70% dos valores pagos, para 20%. - Afigura-se perfeitamente lícito inserir as partes de contrato de promessa de compra e venda de imóvel para entrega futura, na definição de consumidor e fornecedor, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, o qual em momento algum exige que o bem adquirido seja para entrega imediata.”[9]

“APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. 1. MULTA CONTRATUAL. CLÁUSULA QUE A PREVÊ MONTANTE DE 20% SOBRE O VALOR TOTAL DO IMÓVEL. LIMITAÇÃO PARA 20% DAS PRESTAÇÕES PAGAS. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. Rescindida a promessa de compra e venda de imóvel, deve-se limitar a 20% a retenção pelo promitente vendedor das prestações pagas, a título de multa contratual, em detrimento do percentual de 20% sobre o valor total do imóvel. 2. DEVOLUÇÃO PARCELADA DOS VALORES PAGOS. IMPOSSIBILIDADE. A devolução parcelada dos valores pagos demonstra-se abusiva e ilegal, ofendendo os princípios atinentes à legislação consumerista. Ademais, esse valor alcançado pelo promitente comprador já se integrou ao patrimônio da empresa responsável pelo empreendimento, tendo sido investido e gerado lucro, nada justificando que a devolução ocorra de forma parcelada. 3. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. Havendo sucumbência recíproca, mostra-se possível a compensação dos honorários, na medida em que o artigo 23 da Lei 8.906/94 não revogou o artigo 21 do Código de Processo Civil. Súmula nº 306 do STJ. Apelação parcialmente provida. Unânime.”[10]

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Cumpre observar que há muitos casos que o desejo de desistência do negócio decorre de culpa da construtora, como ocorre, por exemplo, quando há atraso na entrega do imóvel. Nessas situações, como já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, a restituição do valor deve ser integral, in verbis:

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE RESCISÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – MORA DA CONSTRUTORA PROMITENTE VENDEDORA – RESTITUIÇÃO INTEGRAL DAS PARCELAS PAGAS – CABIMENTO – IMPONTUALIDADE NA ENTREGA DO IMÓVEL – DANO MORAL – INEXISTÊNCIA, EM REGRA – PRECEDENTES – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

I – O consumidor está autorizado, por nosso ordenamento jurídico, a pleitear a rescisão contratual, bem como a devolução imediata dos valores pagos.

II – Decorrente da rescisão contratual, em virtude da mora injustificada da Construtora, promitente vendedora, a devolução integral das parcelas pagas é medida de rigor e está em consonância com a orientação preconizada por esta Corte Superior.

III – Todavia, salvo circunstância excepcional que coloque o contratante em situação de extraordinária angústia ou humilhação, não há dano moral. Isso porque, o dissabor inerente à expectativa frustrada decorrente de inadimplemento contratual se insere no cotidiano das relações comerciais e não implica lesão à honra ou violação da dignidade humana. Precedentes.

IV – Recurso especial parcialmente provido.”[11]

“CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE IMOBILIÁRIA EM CONSTRUÇÃO. RESCISÃO. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS.

1. Aferir se a empresa-ré é sucessora da primitiva construtora responsável pela construção e incorporação da obra demanda a interpretação das cláusulas do contrato firmado entre as mesmas,  o que não rende ensejo a recurso especial (súmula 05/STJ).

2. A necessidade de prova pericial para determinar se os dispêndios feitos pelos promitentes-compradores foram efetivamente empregados na obra é questão não enfrentada pelo Tribunal de origem, ressentindo-se o recurso, no particular, do indispensável prequestionamento.

3. A devolução integral das quantias pagas tem por base o inadimplemento contratual da empresa-ré, fundamento contra o qual não se insurge a recorrente, atraindo o óbice da súmula 283/STF.

4. A correção monetária é devida a partir do desembolso das parcelas. Precedentes.

5. A matéria contida no art. 1062 do Código Civil de 1916 não foi debatida pelo aresto recorrido, não tendo como alcançar, assim, o pronunciamento desta Corte.

6. Agravo regimental a que se nega provimento.”[12]


Conclusões

1. Entre as construtoras e os adquirentes de suas unidades imobiliárias forma-se uma relação de consumo, regida, portanto, pela Lei nº 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor.

2. Os contratos firmados nesses casos, pouco importando o nome que a eles venha a ser atribuído, são de adesão, e devem, como qualquer outro, ser interpretados pela maneira mais benéfica aos consumidores.

3. São abusivas, e nulas de pleno direito, todas as disposições contratuais que afastem ou restrinjam dos compradores o direito de reembolso justo, nos parâmetros fixados pela jurisprudência pátria.

4. Quando a rescisão contratual estiver fundada em causa originada pela construtora, terá ela o dever de restituir ao adquirente a integralidade dos valores pagos sem nenhuma espécie de abatimento. Incide, no caso, a Súmula 543 do STJ.


Referência

[1] Contratos. 8. ed. Rio de Janeiro:  Forense, p. 123.

[2] Ob. cit., p. 128.

[3] TJ/SP – 5ª C. Dir. Priv. Ap. nº 1125841-91.2014.8.26.0100 , Rel. Des. James Siano, Julg. 14.01.2016.

[4] TJ/SP – 3ª C, Dir. Priv., Ap. nº 1022809-39.2015.8.26.0002, Rel. Des. Donegá Morandini, Julg. 07.01.2016.

[5] TJ/SP – 10ª C. Dir. Priv. Ap. nº 1006550-74.2015.8.26.0161, Rel. Des. Elcio Trujilo, Julg. 17.12.2015.

[6] TD/DF – 4ª T. Cív., Ap. Cív. nº 2002 01 1 032672-6, Re. Des. Cruz Macedo, julg. 25.08.2003.

[7] TJ/DF – 6ª T. Cív., Ap. Cív. nº 20040110875463, Rel. Des. Ana Maria Duarte Amarante, julg. 11.04.2005.

[8] TJ/SP – 10ª C. Dir. Priv., Ap. Cív. nº 153 315 4/4-00, Rel. Des. Octávio Helene, julg. 05.06.2007.

[9] TJ/SC – 2ª C. Cív., Ap. Cív. nº 99.002319-2, Rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, julg. 29.10.2001.

[10] TJ/RS – 18ª C. Cív., Ap. Cív. nº 70014801153, Rel. Des. Pedro Celso Dal Pra, julg. 11.05.2006.

[11] STJ – 3ª T., REsp nº 1.129.881/RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 19.12.2011.

[12] STJ – 4ªT., AgRg no Ag nº 658.531/RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ. 01.10.2007, p. 277. 

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Sobre o autor
Carlos Alberto Del Papa Rossi

Advogado, especialista em Direito Tributário (PUC/SP), especialista em Direito Processual Civil (PUC/SP), especialista em Direito Empresarial (MBA/FGV), Extensão Universitária em Direito Imobiliário (FMU), autor do livro “Introdução ao Estudo das Taxas” e de artigos publicados eletronicamente e em revistas especializadas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSSI, Carlos Alberto Del Papa. Extinção de contrato para compra e venda de imóveis:: dever das construtoras na restituição de valores pagos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4585, 20 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45921. Acesso em: 22 dez. 2024.

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