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Um estudo sobre a eficácia da prisão civil por débito alimentar

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Resumo:


  • A prisão civil do devedor de alimentos no Brasil é uma medida excepcional, aplicada após outros métodos de execução, como penhora de bens e desconto em folha, e só é justificada em caso de inadimplemento voluntário e inescusável da obrigação alimentar.

  • A eficácia da prisão civil é questionável em situações onde o devedor não possui meios de pagar a dívida, tornando-se uma punição que não beneficia o credor e viola a dignidade do devedor.

  • Alternativas à prisão civil incluem a inscrição do nome do devedor em serviços de proteção ao crédito, aplicação de multas e criação de um fundo de garantia de alimentos, como adotado em outros países, para assegurar o cumprimento da obrigação alimentícia.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A prisão civil é medida de extrema excepcionalidade e que existem diversos mecanismos que, substituindo a coerção pessoal, são mais eficazes para coagir o devedor ao pagamento das prestações alimentícias que lhe foram imputadas.

RESUMO:O presente trabalho teve por escopo fundamental apontar os diversos aspectos da prisão civil do devedor de alimentos, revelando, principalmente, a forma como essa coerção é utilizada no Brasil e a sua duvidosa eficácia quando aplicada em determinadas circunstâncias. O estudo da prisão civil por dívida alimentar é, de fato, tema importante e polêmico e deverá sempre analisar os direitos humanos, tanto sob o aspecto do credor alimentado, que necessita de meios para sua subsistência, como sob o aspecto do alimentante inadimplente, que não pode ser simplesmente coagido ao pagamento sem o devido respeito à sua dignidade. O estudo foi realizado através de pesquisas bibliográficas, análise de jurisprudências e exame da legislação brasileira e estrangeira. O objetivo do presente artigo científico foi demonstrar outros meios que também podem ser usados para compelir o devedor de alimentos ao pagamento da obrigação. A comparação da legislação brasileira sobre o tema com a legislação de diversos países do mundo revela que o direito pátrio ainda necessita de alterações que busquem novas alternativas para garantir o cumprimento da dívida alimentícia, sem que, no entanto, restrinja em demasia o devedor dos alimentos. 

PALAVRAS-CHAVE: Obrigação Alimentícia. Prisão Civil. Dignidade da Pessoa Humana.


1 INTRODUÇÃO

No atual ordenamento jurídico brasileiro, a prisão civil em decorrência de dívida, em regra, não possui amparo legal sendo admitida, excepcionalmente, pela Constituição Federal em duas hipóteses: a do depositário infiel e a do devedor voluntário de obrigação alimentícia.

É válido destacar que a prisão civil do depositário infiel não mais subsiste no direito pátrio, tendo em vista a adesão do Brasil à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica. Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, desde a ratificação do mencionado pacto pelo país, não haveria mais base legal para a prisão civil do depositário infiel, prevista no art. 5º, LXVII, mas apenas para a prisão civil decorrente da dívida de alimentos.

Com efeito, a prisão civil do devedor de alimentos é medida excepcional que somente deverá ser utilizada depois de esgotados os demais meios executivos da obrigação, tais como a penhora de bens, o desconto em folha de pagamentos ou a auferição de rendimentos do devedor.

A excepcionalidade da coação pessoal por dívida alimentar se justifica pela observância ao princípio da dignidade da pessoa humana. Isto porque, quando o alimentado requer a execução da dívida, esta deverá ocorrer da forma mais célere possível, a fim de garantir o suprimento de suas necessidades. Ao passo que, quando se determina a execução contra o devedor, aquela deverá ocorrer da forma que mais lhe favoreça, respeitando sua dignidade.

De fato, a prisão civil, por vezes, é um meio hábil para se coagir o devedor de alimentos a cumprir sua obrigação, mas este instituto não deve ser utilizado de forma arbitrária, posto que, além de ser medida excepcional que somente deverá ser aplicada caso haja inadimplemento voluntário e inescusável, existem outros mecanismos bastante eficazes que também podem levar o devedor a adimplir o débito.

O presente trabalho tem por escopo fundamental demonstrar os diversos aspectos da prisão civil do devedor de alimentos, revelando, principalmente, a forma como essa coerção é utilizada no Brasil e a sua duvidosa eficácia quando aplicada em determinadas circunstâncias.

A metodologia empregada na realização deste artigo científico será bibliográfica, apoiada pela análise em jurisprudências dos tribunais pátrios e também na análise da legislação brasileira e estrangeira. Através do estudo de diversos autores, como Yussef Said Cahali, Carlos Roberto Gonçalves, Orlando Gomes, Araken de Assis e outros, os limites da pesquisa serão delineados.

Dito isto, observa-se no presente Artigo Científico uma breve explanação sobre o conceito da obrigação alimentícia, uma análise crítica dos requisitos para a fixação do valor da prestação de caráter alimentar, os mecanismos utilizados para a execução da sentença que fixa os alimentos e, por fim, os aspectos positivos e negativos da prisão civil por dívida alimentar, com as concernentes alternativas apresentadas pelos estudiosos ao mecanismo da coação pessoal do devedor de alimentos.


2 A OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA NO DIREITO BRASILEIRO

O instituto dos alimentos, conceituado no seu sentido mais comum, pode ser entendido como tudo aquilo necessário à subsistência do ser humano, isto é, como um pressuposto de sobrevivência daquele.

No ordenamento jurídico pátrio, entretanto, esse instituto recebe uma conotação mais abrangente, na medida em que não visa garantir apenas a subsistência do necessitado, mas também a satisfação de outras necessidades, tal como a manutenção da condição social daquele que precisa.

Segundo ensina Gomes (1999), os alimentos são as prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode, por si, provê-las, em razão de qualquer motivo relevante, tal como idade avançada, enfermidade, podendo abranger, além daquilo necessário à subsistência, outras necessidades, compreendidas as intelectuais e morais, variando conforme a posição social da pessoa necessitada.

Outrossim, Venosa (2005, p.181) também conceitua o referido instituto:

Assim, alimentos, na linguagem jurídica, possuem significado bem mais amplo do que o sentido comum, compreendendo, além da alimentação, também o que for necessário para moradia, vestuário, assistência médica e instrução. Os alimentos assim traduzem-se em prestações periódicas fornecidas a alguém para suprir essas necessidades e assegurar sua subsistência.

A obrigação alimentar, em sua compreensão ampla adotada pelo Direito Brasileiro, também pode ser entendida como as prestações, impostas por lei e  fornecidas por um familiar ao parente necessitado, para assegurar a subsistência deste, devendo tais prestações compreender, além do aspecto físico, os aspectos morais e sociais da vida do indivíduo que delas depende.

Originária do dever de assistência entre os familiares e também decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana, a obrigação alimentícia possui, ainda, um fundamento constitucional estabelecido no art. 229 da Magna Carta, o qual dispõe que: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”

Corroborando com o que dispõe a Lei Maior acima citada, embora se reconheça atualmente como dever do Estado a assistência àqueles que não têm condições suficientes de prover sua subsistência, essa função, conforme já conceituado anteriormente, é, de fato, destinada àqueles que, por uma obrigação ética, devem assistir os necessitados, isto é à família.

Com efeito, o Estado, amparado pela solidariedade que deve existir entre os membros de uma mesma família, institui a obrigação de assistência mútua entre eles, convertendo o dever moral do auxílio familiar em norma jurídica. É o que se pode deduzir dos ensinamentos de Rodrigues (2005, p.282) sobre o tema:

A tendência moderna é a de impor ao Estado o dever de socorro dos necessitados, tarefa que ele se desincumbe, ou deve desincumbir-se, por meio de sua atividade assistencial. Mas, no intuito de aliviar-se desse encargo, ou na inviabilidade de cumpri-lo, o Estado o transfere, por determinação legal, aos parentes, cônjuges ou companheiro do necessitado, cada vez que aqueles possam atender a tal incumbência.

Ainda no mesmo sentido:

Seu fundamento encontra-se no princípio da solidariedade familiar. Embora se tenha fortalecido ultimamente a convicção de que incumbe ao Estado amparar aqueles que, não podendo prover à própria subsistência por enfermidade ou por outro motivo justo, necessitam de ajuda e amparo, persiste a consciência de que devem ser chamados a cumpri-lo, se não a satisfazem espontaneamente, as pessoas que pertencem ao mesmo grupo familiar (ORLANDO GOMES, 1999, p.429).

Na perspectiva do entendimento doutrinário acima destacado, resta evidenciado o caráter eminentemente assistencial da obrigação alimentar no direito brasileiro. Isto é, o dever de prestar alimentos, imposto aos familiares por uma norma legal, baseia-se na assistência que já deve existir entre estes, não tendo, pois, caráter indenizatório, bastando que, por qualquer motivo justificado, o parente se encontre necessitado, sem condições de prover seu próprio sustento.

Ao concretizar a regra constitucional exposta, o atual Código Civil brasileiro, instituído pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, em vigor desde 11.01.2003, tratando dos alimentos nos artigos 1694 a 1710, assim como algumas legislações esparsas, prevêm a possibilidade do pedido de pensão alimentícia entre os parentes e estabelece, ainda, as regras para a concessão desse direito.


3 REQUISITOS PARA A FIXAÇÃO DA PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA

O Código Civil brasileiro regulamentando o instituto acima conceituado, em seu art. 1694, § 1º, estabelece dois requisitos que devem ser levados em conta quando da fixação do montante da prestação a ser paga pelo alimentante ao alimentado. Declara a referida norma que “Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.

Como já demonstrado anteriormente, a obrigação alimentar decorre, primordialmente, dos princípios da solidariedade familiar e dignidade da pessoa humana e seu valor deve ser fixado em observância a esses axiomas. Diante disso e tal como ensina o Código Civil de 2002, quando da fixação do valor a ser pago a título de prestação alimentícia, o juiz deverá sempre observar a necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante, ponderando os dois critérios, não deixando que um sobreponha o outro.

Nesse contexto, não é justo impor o pagamento de pensão alimentícia àquele que somente possui o necessário a sua própria subsistência e, ainda, àquele que possui parcos recursos não se pode fixar a pensão em valor elevado, ao passo que quando o obrigado tratar-se de pessoa de amplos recursos o valor da pensão deverá ser mais alto, considerando tal circunstância.

Sobre o tema, Gonçalves (2011, p.531):

Não deve o juiz, pois, fixar pensões de valor exagerado, nem por demais reduzido, devendo estimá-lo com prudente arbítrio, sopesando os dois vetores a serem analisados, necessidade e possibilidade, na busca do equilíbrio entre eles.

A regra estabelecida no caput do artigo 1964 do Código Civil dispõe que os alimentos devem ser fixados em favor do alimentado a fim de que ele possa “viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”. De fato, a referida norma impõe ao magistrado a fixação justa dos alimentos com a observância das necessidades do alimentado que deverá continuar vivendo conforme sua condição social.

No entanto, a regra é bastante genérica e variará conforme o caso concreto, não podendo os alimentos, sob o pretexto de servirem para manter a condição social do necessitado, servirem, ao invés, como fonte de enriquecimento sem causa daquele. Isto é, não podem os alimentos serem fixados muito além das necessidades de quem os requer sob a argumentação de que quem os deve possuir excelente condição financeira.

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Atualmente, a questão gira, basicamente, em torno de, muitas vezes, o magistrado fixar prestação alimentícia em valor exorbitante, considerando, quase que exclusivamente, as grandes possibilidades do devedor, sem, contudo, analisar as verdadeiras necessidades do alimentado. Nesses casos, há a inobservância do requisito da proporcionalidade, ou seja, do binômio necessidade/possibilidade.

Com efeito, a jurisprudência pátria tem entendido que os alimentos não devem servir para constituição de renda ou para a manutenção de luxo do alimentado, senão veja-se:

[...] Os alimentos hão de ter, na devida conta, as condições pessoais e sociais do alimentante e do alimentado. Vale dizer: serão fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. Não tem cabida exigi-los além do que o credor precisa, pelo fato de ser o devedor dotado de altas posses; nem pode ser este compelido a prestá-los com sacrifício próprio ou da sua família, pelo fato de o reclamante os estimar muito alto, ou revelar necessidades maiores [...] (TJMG, 8.ª CC, Apelação Cível n.º 1.0702.03.068385-9/001, Rel.ª Des.ª TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO, pub. 24/01/2008).

[...] proporcionar ao alimentando vida de luxo, ostentação e superfluidade não é fundamento da obrigação alimentar, pois a necessidade de viver de modo compatível com a sua condição social não tem, juridicamente, esse desmedido alcance, razão por que se impõe a redução do pensionamento [...] (TJMG, 5.ª CC, Apelação Cível n.º 1.0024.04.357719-6/002, rel. Des. NEPOMUCENO SILVA, pub. 05/12/2008).

Não devem os alimentos, portanto, servir de fonte para o enriquecimento ilícito do alimentado, devendo ser fixados de acordo com as possibilidades de quem os paga, considerando-se, primordialmente, as reais necessidades daquele que os reclama. Observando-se os requisitos trazidos pela lei civil,  evita-se que a verba alimentícia perca seu caráter assistencial, correspondendo precisamente àquilo que supre as despesas do reclamante sem que sirva, para tanto, de fonte de seu enriquecimento sem causa, não onerando, ademais, aquele que deve fornecer os alimentos.

Nesse diapasão, pode-se ainda verificar que a fixação proporcional e razoável da prestação alimentícia evita que aquele que é devedor da obrigação deixe de adimpli-la por considerá-la exorbitante, seja porque sacrifica o seu sustento ou mesmo porque serve para a ostentação do credor.


4 A EXECUÇÃO DA PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA: Prisão Civil do Devedor de Alimentos

O ordenamento jurídico brasileiro dispõe sobre diversas formas de satisfação do credor de prestação alimentícia, estabelecendo variadas modalidades de execução dessa espécie de crédito, dentre elas a prisão do alimentante inadimplente. 

Efetivamente, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, LXVII, estabelece duas hipóteses, como medidas excepcionais, de prisão civil no atual sistema jurídico, são os casos da prisão do devedor da obrigação alimentar e do depositário infiel:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;

A prisão do depositário infiel, todavia, não mais é admitida no direito pátrio. Tendo em vista a incorporação, pelo Brasil, da Convenção Internacional de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), o Supremo Tribunal Federal entendeu não ser mais cabível essa hipótese de prisão civil por dívida no direito pátrio.

A coação pessoal decorrente da dívida de caráter alimentar, por sua vez, ainda subsiste. Trata-se de uma forma de proteção do interesse público, fundamentada no princípio da dignidade da pessoa humana, posto que a dívida alimentar tem por escopo a preservação da vida daquele que necessita dos alimentos, devendo, portanto, ser cumprida da forma mais célere possível.

O constituinte, no entanto, em razão da gravidade da execução forçada da dívida alimentar através da prisão condicionou a aplicabilidade desta a dois requisitos, quais sejam à voluntariedade e inescusabilidade da falta de pagamento do devedor. Isto é, faz-se necessário que o devedor de alimentos não cumpra a obrigação de pagar por mera liberalidade unilateral e sem qualquer justo motivo que ratifique seu inadimplemento. Caso não efetue o pagamento por encontrar-se impossibilitado de fazê-lo, não se legitima a decretação da pena detentiva.

Monteiro (1997, p.378), nesse sentido, observa:

Só se decreta a prisão se o alimentante, embora solvente, frustra, ou procura frustrar, a prestação. Se ele se acha, no entanto, impossibilitado de fornecê-la, não se legitima a decretação da pena detentiva. Assim, instituída como uma das exceções constitucionais à proibição de coerção pessoal por dívida, a prisão por débito alimentar reclama acurado e criterioso exame dos fatos, para vir a ser decretada, em consonância com o princípio de hermenêutica, que recomenda exegese estrita na compreensão das normas de caráter excepcional.

Em observância à excepcionalidade estabelecida na Constituição Federal para que seja aplicada a coação pessoal, estabelecida pelo Código de Processo Civil, na execução da dívida alimentar, o legislador infraconstitucional dispõe de uma gradação entre os demais meios de execução dessa dívida, colocando a prisão civil como última hipótese.

De fato, os artigos 16, 17 e 18 da Lei nº 5.478/68 (Lei de Alimentos) formulam uma sequência de atos que devem ser cumpridos antes de ser a dívida executada nos moldes do que dispõe o Código de Processo Civil, isto é, de forma a decretar a prisão civil do devedor que frustra o pagamento.

Embora haja divergência doutrinária acerca dessa gradação, Assis (2007, p.905) reitera que:

Mostra-se evidente, assim, o intuito dos artigos 16 a 18 da Lei 5.478/68, de estabelecer certa ordem no uso dos meios executórios. Das cláusulas cuidadosamente dispostas nos textos legislativos resulta a seguinte gradação: primeiro, o desconto em folha; em seguida, a expropriação (de aluguéis ou de outros rendimentos); por último, indiferentemente, a expropriação (de quaisquer bens) e a coação pessoal.

Dessa forma, em respeito ao princípio processual do menor sacrifício do executado, caso o devedor seja empregado, funcionário público ou militar, primeiro far-se-á o desconto em folha de pagamento do valor da pensão. Quando essa opção não for possível, as prestações poderão ser cobradas de aluguéis de prédios ou de quaisquer outros rendimentos do devedor. Somente se nenhuma dessas hipóteses, quais sejam o desconto em folha ou o pagamento direto através de rendimentos, forem viáveis, o credor poderá requerer judicialmente a prisão civil, com base o artigo 733 do Código de Processo Civil.

Sobre o desconto em folha, citando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Gonçalves (2011, p.566) leciona que:

O desconto da pensão em folha constitui meio executório de excelsas virtudes, uma vez que o efeito mandamental imediato realiza a obrigação pecuniária do título. Em atenção “ao êxito e à simplicidade do mecanismo do desconto, o art. 16 da Lei 5.478/68 conferiu-lhe total prioridade, sobrepondo-o, inclusive, à coação pessoal. Compete ao credor socorrer-se primeiro dessa modalidade executiva, para só então, frustra ou inútil por razões práticas – por exemplo: desemprego do alimentante -, cogitar de outros expedientes”.

Sendo assim, caso o devedor não efetue o pagamento, mesmo após a realização dos expedientes acima elencados, não justificando a impossibilidade de cumprir a obrigação, poderá o credor requerer que o juiz cite o alimentante inadimplente, com base no art. 733 do Código de Processo Civil, para “em três dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo”, sob pena de prisão pelo prazo de um a três meses.

Esclarecendo a norma processual, Moreira (1997, p.261) aduz que:

A imposição da medida coercitiva pressupõe que o devedor, citado, deixe escoar o prazo de três dias sem pagar, nem provar que já o fez, ou que está impossibilitado de fazê-lo (art. 733, caput). Omisso o executado em efetuar o pagamento, ou em oferecer escusa que pareça justa ao órgão judicial, este, sem necessidade de requerimento do credor, decretará a prisão do devedor, por tempo não inferior a um nem superior a três meses (art. 733, §1°, derrogado aqui o art. 19, caput, fine, da Lei n. 5478). Como não se trata de punição, mas de providência destinada a atuar no âmbito do executado, a fim de que realize a prestação, é natural que, se ele pagar o que deve, determine o juiz a suspensão da prisão (art. 733, § 3°), que já tenha começado a ser cumprida, quer no caso contrário.

No que concerne ao montante do débito que autoriza a prisão civil do devedor de alimentos, tem-se entendido, majoritariamente, que somente as três últimas parcelas em atraso e as que vencerem no curso do processo poderão permitir a execução através da coação pessoal do devedor. Isto porque, segundo o entendimento da maioria da doutrina e jurisprudência, o débito anterior aos últimos três meses perde seu caráter alimentar.

Com efeito, é o que estabelece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema em sua Súmula nº 309: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”.

No entanto, o tema é controvertido na doutrina e também na jurisprudência brasileira. Segundo o entendimento divergente, não há que se fazer distinções entre a dívida vencida há três meses e aquela vencida há mais tempo, pois ambas possuem caráter alimentar e tratar essas dívidas de forma diferenciada seria permitir uma afronta ao texto constitucional. Nesse sentido, é o entendimento de Farias (2006):

Esclareça-se, demonstrando à toda evidência a inconstitucionalidade do tratamento diferenciado entre alimentos atuais e alimentos pretéritos: admitir efeitos jurídicos diferenciados para o débito alimentar pretérito (vedada a prisão civil como meio de coerção), importaria em tratamento desigual, diferenciado, para devedores e credores com dívidas de idêntica natureza. É dizer, sujeitos da mesma obrigação alimentícia estariam submetidos a consectários diferentes (permitida a prisão civil para a dívida nova, mas não para a dívida velha), o que martirizaria a legalidade constitucional (em especial o caput do art. 5º) 42, além de ser fonte induvidosa de injustiças.

Segundo o entendimento de Gagliano (2005), a quantidade de parcelas que justificará a prisão do devedor deverá ser aferida pelo juiz, dependendo do caso concreto, com a necessária interveniência do Ministério Público e de acordo com os elementos probatórios trazidos pelas partes. Para o autor, não é razoável que a prisão seja decretada apenas em decorrência do atraso das três últimas parcelas, pois não há fundamento jurídico para tal regra.

Em resumo, a norma processual civil e a lei de alimentos, atendendo ao disposto na Constituição Federal, estabelecem diversas maneiras de o credor executar a obrigação alimentícia sem que recorra, primeiramente, à coação pessoal do devedor. De fato, a prisão civil é medida excepcional que só deverá ser aplicada em casos extremos em que o devedor, embora possua meios de saldar a dívida, se recuse a fazê-lo.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHEIRO, Kerinne Maria Freitas. Um estudo sobre a eficácia da prisão civil por débito alimentar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4601, 5 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46243. Acesso em: 22 dez. 2024.

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