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Nota sobre fila de espera de adoção e a jurisprudência do STJ

24/02/2016 às 12:32
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O artigo trata das exigências elencadas pelo ECA na adoção em contraposição ao posicionamento do STJ, que prefere homenagear o princípio do melhor interesse da criança.

É o §13º, do Art. 50, do Estatuto da Criança e do Adolescente que cria e disciplina a fila de espera de adoção no País. Preconiza este dispositivo que somente poderá ser deferida a adoção em favor de candidato não cadastrado previamente quando se tratar de pedido de adoção unilateral, quando formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade e, ainda, quando oriundo o pedido de quem detém a tutela ou a guarda legal de criança maior de três anos e não seja constatada a ocorrência de má-fé.

O advérbio “somente”, empregado pelo ECA, a significar só, unicamente ou apenas (Dicionário Priberam), não deixa qualquer margem ou instante de dúvida ao seu intérprete. Ou seja, a adoção em favor de candidatos cadastrados é a regra, comportando o ECA apenas três exceções expressas.

Como visto, as três exceções do §13º do Art. 50 que autorizam o candidato a “furar a fila” de espera de adoção, em linhas gerais, são: a) a adoção unilateral, que é aquela requerida pelo padrasto ou madrasta com relação ao enteado; b) aquela adoção requerida por parente já ligado afetivamente à criança; e, c) quando oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de três anos e não seja constatada a ocorrência de má-fé.

Destarte, qualquer tentativa de adoção de criança em desacordo ao estatuído pelo §13º do Art. 50 importará na busca e apreensão do menor, com o seu consequente acolhimento institucional.

Entretanto, a torrencial e sólida jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que a regra disposta no §13º do Art. 50 não é absoluta. E, mais do que isso, seu rol seria meramente exemplificativo.

Pois bem, com a devida e sempre necessária vênia, debruçamo-nos, assim, sobre um grande dilema que atravessa as fronteiras da ciência do Direito para desaguar na seara da Língua Portuguesa. É que temos um “somente” que significa “preferencialmente”, “às vezes” ou mesmo “quem sabe”, segundo a jurisprudência iterativa do STJ.

Vejamos alguns excertos de julgados do STJ sobre o tema, dentre inúmeros no mesmo sentido:

“É verdade que o art. 50 do ECA preconiza a manutenção, em comarca ou foro regional, de um registro de pessoas interessadas na adoção. Porém, a observância da preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar criança não é absoluta, pois há de prevalecer o princípio do melhor interesse do menor, norteador do sistema protecionista da criança (HC 279.059⁄RS)”.

“Mostra-se insubsistente o fundamento adotado pelo Tribunal de origem no sentido de que a criança, por contar com menos de um ano de idade, e, considerando a formalidade do cadastro, poderia ser afastada deste casal adotante, pois não levou em consideração o único e imprescindível critério a ser observado, qual seja, a existência de vínculo de afetividade da infante com o casal adotante, que, como visto, insinua-se presente (REsp 1172067⁄MG)”.

“O fim legítimo não justifica o meio ilegítimo para sancionar aqueles que burlam as regras relativas à adoção, principalmente quando a decisão judicial implica evidente prejuízo psicológico para o objeto primário da proteção estatal para a hipótese: a própria criança (HC 274.845/SP)”.

“A inobservância da preferência estabelecida no cadastro de adoção competente, portanto, não constitui obstáculo ao deferimento da adoção quando isso refletir no melhor interesse da criança (REsp 1347228/SC)”.

“A suposta ‘adoção⁄guarda’ irregular, todavia, não importaria em prejuízo ao infante, pelo contrário, ainda que momentaneamente, a guarda de fato poderia se revelar satisfatória à criança, em virtude do interesse demonstrado pelo casal em permanecer com o menor, direcionando-lhe todos os cuidados que uma criança merece (médicos, assistenciais, afetivos etc.) suficientes à elisão de qualquer risco imediato à integridade física e⁄ou psíquica do menor (HC 298009/SP)”.

Como se vê, diante da posição adotada pelo STJ, guardião da legislação infraconstitucional, o §13º, do Art. 50, do ECA seria uma preferência ou sugestão legal. Assim, ao juiz caberia apenas analisar o pedido de adoção frente à regra universal do melhor interesse do adotando.

Todavia, como ficam os milhares de brasileiros cadastrados previamente nas filas de adoção em cada comarca do País? Como esses candidatos interessados na adoção devem interpretar o disposto no §13º, do Art. 50, do ECA?

Devem os interessados observar fielmente a fila de espera de adoção, como determina a letra fria do ECA, ou observar a jurisprudência do STJ que proclama que “não é absoluta a observância da ordem de preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança” (REsp 1.347.228/SC).

Situação duvidosa e espinhosa também viverá o juiz de 1º grau. Verificando este em audiência a afronta ao §13º, do Art. 50, do ECA, determinará incontinenti a busca e apreensão do menor, com o seu acolhimento institucional, ou afastará esta regra legal rendendo homenagem à jurisprudência do STJ?

Igualmente, o promotor de justiça oficiante nestes casos, será o fiscal da lei ou sentinela da jurisprudência do STJ?

Na doutrina abalizada, encontra-se ainda outra posição. Bastaria ao juiz perquirir se a criança foi comprada ou não, independentemente do cadastro. Para muitos doutrinadores, constituir-se-ia em direito dos pais biológicos entregar o filho a pessoa por estes escolhida a dedo, desde que a título gratuito.

Quem milita nos juizados da infância e da juventude sabe bem da angústia e impaciência de muitos casais quanto à espera da fila de adoção. O tão sonhado desejo de ser pai ou mãe cria uma sincera aflição nos corações dos interessados regularmente cadastrados. Contam-se os dias e as horas à espera da criança. Muitos candidatos chegam a mobiliar o quarto do menor, de acordo com seu sexo e idade pretendidos, antes mesmo de sua tão esperada chegada.

Claro que o entendimento consolidado no STJ, quando sobreleva o princípio do melhor interesse da criança, afastando a ordem de preferência do cadastro de adotantes, é digno de louvor e admiração. Mas, quando se sabe que o Brasil possui 34.769 pessoas na fila de espera da adoção (CNJ, 2016), o cadastro legal parece ser a mais morosa opção. Afinal, para o STJ, o vínculo afetivo criado com o convívio diário de fato com determinada criança por casal adotante excepciona a exigência de cadastro.

Com a palavra, o Congresso Nacional, que deverá rever e aperfeiçoar a legislação brasileira no que diz respeito ao instituto da adoção e sua fila de espera. Não pode o País conviver com as mais variadas interpretações da doutrina e da jurisprudência a respeito de tão caro e precioso tema, que é a colocação de criança em família substituta, em busca de sua dignidade e bem-estar.

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Rios do Amaral

Defensor Público dos Direitos da Criança e do Adolescente no Estado do Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Carlos Eduardo Rios. Nota sobre fila de espera de adoção e a jurisprudência do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4620, 24 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46711. Acesso em: 26 abr. 2024.

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