A história republicana do Brasil é marcada por períodos de centralização política e períodos de descentralização política.
Nos períodos de centralização (1930-1946 e 1964-1985), apesar do autoritarismo político e do desrespeito aos direitos humanos dos “inimigos internos” (operários, sindicalistas, comunistas, socialistas etc.), o Estado brasileiro procurou universalizar e garantir direitos trabalhistas e previdenciários. Também promoveu o desenvolvimento econômico das regiões mais atrasadas do país e incentivou o desbravamento e a colonização das áreas remotas e desabitadas do país. Nos períodos em que o poder local predominou (1891-1930 e 1946-1964) a república se tornou instável e a ganância das oligarquias estaduais acentuou as diferenças entre ricos e pobres pouco se fazendo pela infraestrutura do país.
O surgimento e o fortalecimento de lideranças políticas nos dois períodos também foram diferentes. Durante os períodos de descentralização, as oligarquias estaduais controlaram todo o processo político. Naqueles períodos foi quase impossível o surgimento de lideranças populares desligadas das estruturas tradicionais de poder que comandavam os Estados. Nos períodos de centralização política, os donos do Poder Federal ajudaram a criar e fortalecer lideranças desligadas das oligarquias estaduais, usando-os para reduzir o poder das mesmas.
A partir de 1988 o Brasil entrou num período diferente. A combinação de centralização moderada com respeito aos direitos políticos de todos (inclusive daqueles que são odiados pelas oligarquias estaduais) possibilitou o surgimento e o fortalecimento de lideranças populares desligadas das estruturas tradicionais de poder. As sucessivas derrotas dos candidatos da oposição apoiados pelas oligarquias estaduais reacenderam nestas o desejo de controlar todo o processo político nos Estados e de, consequentemente, reduzir o poder da Federação.
A decisão do STF de admitir a prisão de réus a partir da decisão da segunda instância não apenas suprimiu direitos e garantias atribuídas aos cidadãos pela CF/88. Se levarmos em conta crescente judicialização da política, o STF inaugurou um novo período de descentralização no Brasil.
As consequências da decisão do STF serão devastadoras para os partidos odiados pelas oligarquias estaduais. Doravante, as lideranças políticas descontentes, indesejadas e desligadas das estruturas de poder das oligarquias estaduais serão anuladas judicialmente e presas antes de ocuparem qualquer cargo eletivo relevante. O reflexo disto nas eleições federais também será evidente.
Com o aumento do poder das oligarquias estaduais, as disputas entre estas irão paralisar o país. A impunidade dos marajás estaduais nos TJs (uma vergonhosa tradição judiciária brasileira) transformar-se-á numa moeda de troca ainda mais valiosa. Em razão disto, Desembargadores ambiciosos e altamente politizados (quase todos os Desembargadores em exercício preenchem estes dois requisitos) poderão co-governar seus Estados sem disputar eleições.
Tiranias judiciárias estaduais, como a que já existe em São Paulo, serão reforçadas com evidente prejuízo para as atividades políticas rejeitadas pelos reacionários Desembargadores. Manifestações populares, estudantis, sindicais, culturais etc. consideradas indesejáveis pelos TJs resultarão em mais violência policial e em condenações criminais que interromperão as carreiras políticas dos líderes temidos ou odiados pelas oligarquias políticas e judiciárias estaduais.
O equilíbrio entre centralização política moderada e respeito ao poder local construído pela CF/88 foi definitivamente destruído pelo STF. Temos um futuro tenebroso pela frente. Poucos, entretanto, perceberam isto.
Além de produzir uma descentralização do poder fortalecendo as oligarquias estaduais, a decisão do STF pode levar a um congelamento da mobilidade social. O retorno do principal fator de instabilidade da República Velha (1891-1930) é algo perigoso neste momento. Este desdobramento pode levar à criação no Brasil de grupos terroristas como aqueles que atuaram na Alemanha e Itália nos anos 1970 (Baader-Meinhof e Brigadas Vermelhas) com a finalidade específica de exterminar Desembargadores e membros das oligarquias estaduais.
A conferir.