RESUMO
Esta monografia tem como objetivo principal a análise das prováveis causas e conseqüências da intervenção judicial na busca da efetivação do direito à saúde, dando ênfase à parcela idosa da população que recorre às ações e serviços públicos de saúde. Inicialmente, associando-se a escassez de recursos na área da saúde e a estreiteza existente entre este direito e o direito à vida, mostra-se que o cidadão, hoje mais consciente de seus direitos, busca a tutela jurisdicional para ver atendida sua necessidade de saúde, o que, muitas vezes, acaba por conduzir o Poder Judiciário à formulação de políticas públicas por meio de decisões que obrigam o Poder Executivo a atender a pretensão do litigante. Em seguida, ao travar-se uma discussão sobre se, como e em que medida o direito à saúde se traduz em um direito subjetivo público a prestações positivas do Estado, passível de garantia pela via judicial, questiona-se até que ponto pode o Poder Judiciário intervir nas políticas públicas já existentes, e na formulação das novas, esmiuçando questões usuais neste tipo de situação, como o respeito ao princípio da separação dos poderes, a reserva do possível e ao mínimo existencial, bem como, em posição contrária, a omissão dos poderes políticos, o direito maior à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana. Por fim, ao traçar um perfil do tratamento dispensado ao idoso e discorrer sobre o acelerado processo de envelhecimento da população brasileira, e contrapor esta realidade com a atual situação do sistema público de saúde, nota-se que se torna cada vez mais usual o recurso ao Poder Judiciário na busca da efetivação do direito à saúde.
Palavras-chave: direito à saúde; saúde pública; pessoa idosa; ação judicial; judicialização; poder judiciário; efetivação do direito.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
art. Artigo
BPC Benefício de Prestação Continuada
CF/88Constituição Federal da República
DUDH Declaração Universal de Direitos Humanos
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INSS Instituto Nacional do Seguro Social
LOAS Lei Orgânica da Assistência Social
OMS Organização Mundial da Saúde
ONUOrganização das Nações Unidas
PIDESC Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
STFSupremo Tribunal Federal
STJSuperior Tribunal de Justiça
SUS Sistema Único da Saúde
TJTribunal de Justiça
1 INTRODUÇÃO
Em um país essencialmente jovem, que há muito tempo se auto-intitula como o “país do futuro”, empreender gastos e investimentos com uma pessoa idosa, que se encontra em franco processo de diminuição de produtividade e contribuição, é perder o foco. Mas o que as mentes ávidas e jovens não se dão conta é de que o envelhecimento é um processo natural e que tratar o idoso com respeito é, simplesmente, respeitar o tão exaltado futuro.
Ademais, já é inquestionável a rapidez do envelhecimento populacional em nível mundial, com incremento especial nos países em desenvolvimento, como é o caso brasileiro. Os mais variados estudos científicos e pesquisas demográficas comprovam essa significativa tendência do novo século, com a constatação de que, em poucos anos, o Brasil sofrerá um verdadeiro “boom” em relação ao número absoluto de indivíduos com 60 anos ou mais.
Todavia, a realidade também nos mostra que a pessoa carente e em processo de envelhecimento sofre, em paralelo a este, um triste processo de desumanização, passando a ser visto como algo indesejado pela sociedade. As manifestações de desrespeitos são as mais variadas possíveis. Vão desde o constrangimento que sofrem quando utilizam o transporte público com a gratuidade que lhes é legalmente garantida, até a dificuldade de acesso aos serviços públicos de saúde.
No que se refere especificamente a esta questão da saúde, apesar da Constituição Federal de 1988 afirmar a saúde como um direito social (artigo 6º) e determinar que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas (artigo 196), esta implementação esbarra na escassez de recursos e na escolha de prioridades feita pelo legislador e pelo administrador público, o que acaba dificultando o atendimento dos princípios constitucionais da universalidade, da gratuidade e da integralidade da assistência.
Na seara da proteção legislativa voltada à pessoa idosa, por sua peculiar condição, em virtude das limitações e fragilidades decorrentes do próprio processo de envelhecimento, ao idoso deveria ser assegurado atendimento diferenciado e atenção integral a saúde, como solenemente vociferado pela Lei nº.10.741/2003, o Estatuto do Idoso. Só que o que prevalece, com este triste preconceito enraizado, é a não adequação entre as prescrições normativas e os acontecimentos na práxis, principalmente no âmbito do Sistema Público de Saúde.
Diante da complexa realidade social e da escassez de recursos para financiar o sistema público de saúde, qual a melhor saída? Privilegiar o tratamento aos mais jovens, “que tem uma vida inteira pela frente”, e negar a um idoso o direito de se tratar adequadamente? E, neste caso, como fica a vida inteira até então construída pelo idoso? Até que ponto pode ser considerado justo o argumento de que o tratamento de uma pessoa idosa tem menor valor do que o de pessoas mais jovens?
Associando-se esta escassez de recursos na área da saúde e a estreiteza existente entre o direito à vida e o direito à saúde, o cidadão, hoje mais consciente de seus direitos, busca a tutela jurisdicional para ver atendida a sua necessidade de saúde, mediante a propositura de ações, que vão desde aquelas objetivando o fornecimento de medicamento, à realização de exames, cirurgias e tratamentos diversos. Esta realidade tem conduzido o Poder Judiciário à formulação de políticas públicas por meio de decisões que acabam por obrigar o Poder Executivo a atender a pretensão do litigante.
Travando-se uma discussão sobre se, como e em que medida o direito constitucional à saúde se traduz em um direito subjetivo público a prestações positivas do Estado, passível de garantia pela via judicial, questiona-se até que ponto pode o Poder Judiciário intervir na formulação das políticas públicas, esmiuçando questões usuais neste tipo de situação, como o respeito ao princípio da separação dos poderes, a reserva do possível e ao mínimo existencial, bem como, em posição contrária, a omissão dos poderes políticos, o direito maior à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana.
Através do presente estudo objetiva-se traçar um perfil do tratamento dispensado ao idoso, discorrendo sobre o acelerado processo de envelhecimento da população brasileira, a situação do sistema público de saúde e a crescente busca pela intervenção judicial na efetivação deste direito. E, com a colheita das conclusões daí resultantes, percebe-se como elementar o despertar em toda a sociedade, principalmente nas pessoas mais jovens, da necessidade de tratar com respeito e dignidade o idoso e, também, repensar as políticas sociais e econômicas que viabilizam o acesso da pessoa idosa às ações e serviços públicos de saúde.
Por derradeiro, pode-se notar que, apesar da vasta previsão legal e de toda a dicção constitucional no sentido de afirmar ser dever do Estado garantir o direito à saúde e prestar assistência médico-hospitalar adequada à população, principalmente àqueles que não possuem condições financeiras para arcar com os custos do tratamento pela rede privada de saúde, os idosos, de forma ainda mais acentuada, continuam sofrendo com todos os problemas que “sufocam” a saúde pública, sem, na maioria das vezes, desfrutar da prioridade que lhes é assegurada.
E é justamente a partir dessa ótica do problema da insuficiência e da inadequação das políticas públicas que envolvem a prestação das ações e serviços públicos de saúde que o debate em torno do fenômeno da “judicialização” do direito à saúde ganha força, com a segura defesa da tese que perfilha pelo entendimento de que a sua ocorrência autoriza o cidadão a buscar junto ao Poder Judiciário a sua rápida e eficaz resolução, não havendo que se falar em “interferência” na formulação dessas políticas públicas, já que a proteção do direito à saúde não pode ser desvinculada da proteção do próprio direito maior à vida.
2 O DIREITO À SAÚDE NO BRASIL
2.1 CONTEÚDO E REGIME JURÍDICO
Em meados do século XX, com o surgimento em 1946 da Organização Mundial da Saúde – OMS, a saúde foi definida, no preâmbulo da sua constituição1, como “o completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doenças ou agravos”, sendo, também, reconhecida como um direito fundamental de todo ser humano. Diante de tal definição, começou-se a perceber a saúde como uma incessante busca pelo equilíbrio entre influências ambientais, modos de vida e outros vários componentes.
Muitas críticas surgiram acerca dessa definição trazida pela OMS, com argumentos de que o Estado tem amplos deveres no tocante ao bem-estar físico, mental e social das pessoas, “sem, contudo, ser responsável por este completo bem-estar, sendo este gozo inatingível diante das inquietações ínsitas ao ser humano” 2. Entretanto, tal definição, reconhecidamente, teve o mérito de ser um conceito-guia, uma matriz para estimular as nações a esgotar os meios para a promoção e garantia dos serviços de saúde.
Assim que, no plano normativo internacional, pode-se afirmar a saúde como um dos direitos humanos insculpidos expressamente na Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas – DUDH/ONU, de 1948, que determina no seu artigo XXV3 que:
Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
Ainda internacionalmente, tal direito vem explicitado pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – PIDESC, de 1966, que afirma no seu artigo 124 que “os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas de gozar do melhor estado de saúde física e mental possível de atingir”, ressaltando que dentre as medidas para lhe assegurar encontra-se “a criação de condições próprias a assegurar a todas as pessoas serviços médicos e ajuda médica em caso de doença”.
No que diz respeito ao ordenamento jurídico pátrio, a Constituição da República de 1988 garante a todos os cidadãos o direito à saúde, por força de vários dispositivos constitucionais que tratam expressamente do tema, tendo sido reservada, ainda, uma seção específica sobre o direito à saúde dentro do capítulo destinado à Seguridade Social, o que vem demonstrar a preocupação do poder constituinte em dar plena efetividade às ações e programas nessa área.
Com um tratamento mais genérico, no Capítulo II, inerente aos “Direitos Sociais”, a Constituição Federal estabelece no seu artigo 6º que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Por externar um caráter eminentemente social, a Lei Maior, no citado artigo, reconhece a saúde como um direito social fundamental, uma vez que a sua garantia se relaciona com o objetivo maior de preservação da vida e o respeito à dignidade da pessoa humana. Portanto, a partir de então, o direito à saúde passa a ser entendido como um direito que exige do Estado prestações positivas no sentido de garantia/efetividade da saúde, sob pena de sua total ineficácia.
No seu artigo 7º há dois incisos que se reportam, ainda genericamente, ao direito à saúde. O inciso IV determina que “o salário-mínimo, fixado em lei, deverá ser capaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família, tais como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”, e o inciso XXII impõe a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.
De acordo com o artigo 23, inciso II, “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios possuem competência comum para cuidar da saúde”, e o artigo 24, inciso XII, afirma que “a União, os Estados e o Distrito Federal possuem competência concorrente para legislar sobre a proteção e defesa da saúde”, ressalvando que os Municípios, por força do artigo 30, inciso I, também podem legislar sobre a saúde, já que se trata de assunto de interesse local. O mesmo artigo 30, inciso VII, confere aos Municípios a competência para prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população.
Por força da Emenda Constitucional nº. 29/2000, foi acrescentada a alínea “e” ao inciso VII do artigo 34, possibilitando a intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal no caso de não ser aplicado o mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, nas ações e serviços públicos de saúde, modificando também o inciso III do artigo 35, com a possibilidade de intervenção dos Estados nos Municípios, na hipótese de não ser aplicado o mínimo exigido da receita municipal nestas ações e serviços públicos de saúde.
Contudo, o direito à saúde vem previsto, com um maior detalhamento, no Título VIII “Da Ordem Social” - Capítulo II “Da Seguridade Social” - Seção II “Da Saúde”, com o artigo 196 assim dispondo, conforme transcrição in verbis:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Analisando mais especificamente o conteúdo do referido dispositivo constitucional, é possível se chegar às seguintes conclusões, de acordo com entendimento inicialmente esposado pelo ilustre Ministro Gilmar Mendes, na análise da Suspensão de Tutela Antecipada nº. 175 5, e sintetizado por Fernanda de Souza6, em brilhante artigo onde se discute sobre a intervenção judicial na efetivação do direito à saúde:
a) direito de todos: pode-se verificar, ao mesmo tempo, um direito individual, bem como um direito coletivo à saúde. Pelo texto constitucional, não se pode falar que trata-se de uma norma programática, uma vez que tal interpretação não daria eficácia à Constituição;
b) dever do Estado: trata-se da obrigação do Estado, lato sensu, ou seja, cabe à União, Estados e Municípios a responsabilidade pelo direito à saúde tanto dos indivíduos, quanto da coletividade, e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS, de prestações na área de saúde;
c) garantido mediante políticas sociais e econômicas: se impõe a necessidade de políticas públicas que garantam o direito à saúde. Deve-se mencionar, também, a questão da evolução da medicina, com novas descobertas, o que faz que com esse direito tenha um caráter programático nesse sentido;
d) políticas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos: trata-se, pois, da questão da prevenção. Inclusive, as ações preventivas são consideradas prioritárias, como se vê no artigo 198, II, da Constituição da República;
e) políticas que visem ao acesso universal e igualitário: destaca-se a questão da igualdade na prestação do direito à saúde, não podendo haver discriminação, tampouco prioridades;
f) ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde: o Estado deve fornecer todas as medidas capazes de garantir o direito à saúde.
Ainda desdobrando o importante artigo 196, para melhor compreendê-lo, e adotando lições de Lenir Santos7, compreende-se que a primeira parte, de linguagem mais difusa, corresponde a programas sociais e econômicos que visem à redução coletiva de doenças e seus agravos, com melhoria da qualidade de vida do cidadão, dizendo respeito muito mais à qualidade de vida, numa demonstração de que a saúde tem conceito amplo que abrange o bem estar individual, social, afetivo, psicológico, familiar, e, não apenas, a prestação de serviços assistenciais.
Já a segunda parte, de dicção mais objetiva, ainda segundo as lições do referido autor, obriga o Estado a manter, na forma do disposto nos artigos 198 e 200 da Constituição Federal e na Lei nº. 8.080/1990, ações e serviços públicos de saúde que possam promover a saúde e prevenir, de modo mais direto, mediante uma rede de serviços regionalizados e hierarquizados, os riscos de adoecer (através da assistência preventiva) e recuperar o indivíduo das doenças que o acometem (através da assistência curativa).
Como se pode concluir até aqui, o direito à saúde pressupõe que o Estado deve garantir não apenas serviços públicos de promoção, proteção e recuperação da saúde, mas adotar políticas econômicas e sociais que melhorem as condições de vida da população. Portanto, encontra-se classificado como direito social e pertence ao grupo de direitos de segunda dimensão, tratando-se de direito subjetivo do particular correspondente a um dever jurídico estatal, sendo, assim, norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata.
Dando continuidade à regulamentação do direito à saúde, a Constituição Federal assevera no seu artigo 197 que as ações e serviços de saúde são de relevância pública, e que cabe ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Logo em seguida, traçando as diretrizes que organizarão as ações e serviços públicos de saúde, a Carta Magna realça, em seu artigo 198, os primados da descentralização, do atendimento integral e da participação da comunidade, conforme transcrição literal:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
Segue o texto constitucional, ao longo do referido artigo 198 e seus parágrafos, determinando a forma de financiamento do Sistema Único de Saúde, com a afirmação de que este será feito através de recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Trata, também, da aplicação de recursos mínimos aos serviços de saúde, bem como, deixa que lei complementar estabeleça as normas fiscalização, avaliação e controle das despesas, dentre outras especificidades.
Visando a concretização destes comandos constitucionais, o legislador infraconstitucional também estabeleceu preceitos que tutelam e garantem o direito à saúde. Neste sentido, a Lei nº. 8.212/1991, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social e institui seu Plano de Custeio, determina que:
Art. 1º. A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social.
[...]
Art. 2º. A Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Parágrafo único. As atividades de saúde são de relevância pública e sua organização obedecerá aos seguintes princípios e diretrizes:
a) acesso universal e igualitário;
b) provimento das ações e serviços através de rede regionalizada e hierarquizada, integrados em sistema único;
c) descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
d) atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas;
e) participação da comunidade na gestão, fiscalização e acompanhamento das ações e serviços de saúde;
f) participação da iniciativa privada na assistência à saúde, obedecidos os preceitos constitucionais.
Destarte, corroborando o importante mandamento constitucional, se percebe que a Lei Orgânica da Seguridade Social reafirma o compromisso do Estado e, inclusive, da própria sociedade, no sentido de assegurar o direito relativo à saúde, enfatizando a universalidade e igualdade no acesso, a integralidade do atendimento, e, sobremaneira, a institucionalização de um sistema único para provimento das ações e serviços de saúde, conforme estudo abaixo detalhado.
2.2 O Sistema Único de Saúde – SUS: objetivos, PRINCÍPIOS e DIRETRIZES
Conforme inicialmente pormenorizado, a Constituição Federal afirma, expressamente, a saúde como um direito social (artigo 6º), e determina que a saúde é direito de todos e dever do Estado, que deverá ser garantido mediante políticas sociais e econômicas, visando à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (artigo 196).
Ressaltando ainda mais a fundamentalidade do ora discutido direito à saúde, certifica a Carta Maior que as ações e serviços de saúde são de relevância pública, e que cabe ao Poder Público dispor sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado (artigo 197).
Com vistas à efetivação do quanto relatado, segue o texto constitucional asseverando que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único, que deve ser organizado de acordo com três diretrizes, dentre elas, a descentralização, o atendimento integral, que pressupõe a junção das atividades preventivas, que devem ser priorizadas, com as atividades assistenciais, além da participação da comunidade (artigo 198).
Agora preocupado com a delimitação do âmbito de atuação dessa rede regionalizada e hierarquizada, o legislador constituinte, no seu artigo 200, listou as suas competências, conforme transcrição literal:
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;
V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
Percebe-se, portanto, que para que o Estado seja capaz de cumprir esse importante objetivo, a Constituição Federal criou o Sistema Único de Saúde – SUS, “garantia constitucional do direito à saúde que reúne os instrumentos jurídicos, administrativos, institucionais e financeiros para que o Estado brasileiro desenvolva as atividades necessárias para a garantia do direito à saúde no país” 8, sendo composto pelo conjunto de instituições responsáveis pela execução dessas ações e serviços públicos.
O seu conceito foi delineado legalmente pela Lei nº. 8.080/1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, que definiu o Sistema Único de Saúde no artigo 4º ao dispor que o “conjunto de ações e serviços de saúde, prestado por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde”.
O § 1º do mesmo artigo prevê que “estão incluídas neste artigo as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde”. E, no que diz respeito à participação da iniciativa privada no SUS, o § 2º dispõe que “a iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde, em caráter complementar”.
Como qualquer outro sistema, o SUS possui objetivos, princípios e diretrizes estabelecidos tanto pela Constituição Federal, quanto pela Lei nº. 8.080/1990, a denominada Lei Orgânica da Saúde. Assim, como já minuciosamente afirmado, a Lei Maior define como objetivos do Sistema Único de Saúde a redução dos riscos de doenças e outros agravos à saúde, bem como o aceso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
De forma mais específica, a Lei nº. 8.080/1990 definiu, no seu artigo 5º, como objetivos do SUS a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde; a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do dever do Estado de garantir a saúde por meio da criação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às suas ações e serviços; a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.
Quanto aos princípios do SUS trazidos pela Constituição, um dos mais expressivos também vem definido no artigo 196: o Estado deve garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços públicos de saúde. Isso significa dizer que estas ações e serviços devem ser acessíveis a todos que deles necessitem e, também, devem ser fornecidos de forma igual e eqüitativa. De tais princípios decorre que as ações e serviços públicos de saúde devem ser prestados sem discriminações de qualquer natureza e gratuitamente, para que o acesso seja efetivamente universal. 9
Segundo Fernando Aith10, outro importante princípio constitucional do SUS é o da regionalização, que representa uma forma avançada de descentralização das ações e serviços de saúde, na medida em que organiza as ações do Estado não só puramente pela descentralização política – que atomiza as competências e ações dentro dos territórios de cada ente federativo -, mas também por uma organização fundada na cooperação entre esses diversos entes federativos, para que se organizem e juntem esforços rumo à consolidação de um sistema eficiente de prestação de ações e serviços públicos de saúde.
Ademais, a mesma Lei nº. 8.080/1990, em seu artigo 7º, estabelece que o Sistema Único de Saúde obedecerá, além das diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal, aos seguintes princípios por ela elencados, in verbis:
Art. 7º Omissis
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;
IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;
V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;
VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e sua utilização pelo usuário;
VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática;
VIII - participação da comunidade;
IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo:
a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;
b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;
X - integração, em nível executivo, das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico;
XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população;
XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e
XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos.
Fácil é perceber, como chama atenção ainda Fernando Aith11, que o legislador misturou, nesse artigo os conceitos de princípios (universalidade, igualdade, regionalização, proteção da autonomia das pessoas) e diretriz (integralidade, descentralização, participação da comunidade). Mas, de acordo com o mesmo, trata-se de um problema menor, já que tanto os princípios como as diretrizes vinculam todos os atos realizados no âmbito do SUS, sendo conceitos complementares e interdependentes, que orientam o sistema e vinculam todas as ações e serviços nele realizados.
Após definir os grandes princípios do SUS, a Carta Federal tratou de estabelecer as diretrizes sobre as quais deve trilhar o sistema, determinando no artigo 198 que o Sistema Público de Saúde deve ser organizado de acordo com três diretrizes básicas, quais sejam, a descentralização, o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais, além da participação da comunidade, dando destaque, ainda, ao financiamento permanente, com vinculação de recursos orçamentários.
A diretriz da descentralização, com direção única em cada esfera do governo, impõe que cada município, cada estado, o Distrito Federal e a União devem capacitar-se para a execução de atribuições relacionadas com a promoção, a proteção e a recuperação da saúde, tendo cada um desses entes federativos direção única. E a segunda diretriz se refere à integralidade de assistência, que é definida como “um conjunto articulado e contínuo de serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema”, representando um valioso instrumento de defesa do cidadão contra eventuais omissões do Estado.
Já a terceira diretriz oferecida pela Constituição é a da participação da comunidade, que impõe aos agentes públicos a criação de mecanismos de participação da população na formulação, gestão e execução das ações e serviços públicos de saúde, incluindo, também, a normatização. Observa-se que, institucionalizando essa vontade, a Lei nº. 8.142/1990 criou as conferências e os conselhos de saúde, significando estas instituições jurídicas importantes mecanismos de participação social no debate do direito à saúde.
Por fim, é importante ressaltar que este dever do Estado de garantir a saúde, por intermédio do Sistema Único de Saúde, não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade, pois, embora o Estado seja obrigado a tomar todas as medidas necessárias para a proteção do direito à saúde da população, as pessoas também possuem responsabilidade sobre a própria saúde e sobre a saúde de seu ambiente de vida, sua família, seus colegas de trabalho. Enfim, todos têm a obrigação de adotar atitudes que protejam e promovam a saúde individual e coletiva.
Portanto, o Estado, a sociedade e a população, conjuntamente, devem priorizar a saúde no âmbito das ações governamentais, principalmente seu financiamento, nos mais abrangentes termos. Mas, infelizmente, “a sociedade brasileira ainda não tem um sentimento de pertencimento em relação aos serviços públicos de saúde, e isso tem representado um problema para essa corresponsabilização” 12, o que dificulta ainda mais a efetivação do direito à saúde e impede o seu pleno exercício pelos cidadãos.
Nesse sentido, seguindo ponderação de Neilton de Oliveira13, o Sistema Único de Saúde, como política do Estado brasileiro pela melhoria da qualidade de vida e pela afirmação do direito à vida e à saúde, além de dialogar com as reflexões e movimentos, necessita da ação combinada dos diferentes Poderes do Estado, e dos mais diversos setores da sociedade, para que se amplie e se efetive sintonizado com os princípios e diretrizes constitucionais.
2.3 Saúde como direito social
Indiscutível é o fato de que a Constituição Federal de 1988 elevou a saúde à categoria de direito social e estabeleceu os princípios da universalidade, da gratuidade e da assistência integral, admitindo, inclusive, a participação privada na sua execução. Nestas circunstâncias, deve o titular do direito, ao buscar o acesso universal a saúde, ter a mais ampla proteção e a seu favor serem dirimidas quaisquer dúvidas, de tal sorte que as posturas que negam o tratamento de saúde às pessoas que dele necessitam devem ser combatidas através do recurso ao Poder Judiciário.
De acordo com estimada consideração de Dirley da Cunha14:
Os direitos sociais, como típica emanação do modelo de Estado do Bem-Estar Social, destinam-se a amparar o indivíduo nas suas necessidades espirituais e materiais mais prementes, objetivando resguarda-lhe um mínimo de segurança social, relativamente à saúde, à educação, à previdência, à assistência social etc, como exigência da própria dignidade da pessoa humana. Por assim dizer, são direitos que tem por propósito garantir um mínimo necessário a uma existência digna, traduzido na disponibilidade de recursos materiais indispensáveis à satisfação dos postulados da justiça social. Em razão disso, os direitos sociais dependem, em regra, de prestações materiais positivas do Executivo e de providências jurídico-normativas do Legislativo. Mas nem por isso esses direitos deixam de ser imediatamente exercidos.
Como já analisado, o artigo 6º da Constituição reconhece a saúde como um direito social, exigindo do Estado prestações positivas no sentido de garantia/efetividade da saúde sob pena de sua total ineficácia. Assim, tal direito passa a ser entendido como um direito social fundamental que na sua essência deve ser buscado na maior otimização possível, haja vista que a preservação da vida e o respeito à dignidade humana, em consonância com a justiça social a ser alcançada, externam o direito à saúde como um verdadeiro direito público subjetivo, com toda sua fundamentalidade.
Medidas de preservação da vida e consectários do direito à saúde merecem a aplicação imediata proveniente do artigo 5º, § 1º da Constituição. Destarte, “os direitos sociais do artigo 6º, inclusive o direito à saúde, apesar de sua colocação topográfica no âmbito da Carta Brasileira, estariam sujeitos à idêntica aplicabilidade imediata dos contidos no rol do artigo 5º, por também conformarem direitos fundamentais” 15, logo, capazes de ordenar aos Poderes Públicos a maior eficácia na sua concretização. Desse modo, devem ser imediatamente aplicados, sem a necessidade de ingerência do legislador para que não fiquem à espera da disponibilidade dos órgãos estatais.
Ademais, a legislação infraconstitucional também reafirma o caráter fundamental do direito à saúde. Assim que o Estatuto do Idoso prevê o direito à saúde dentro do Título II da Lei nº. 10.741/2003, que trata dos direitos fundamentais da pessoa idosa, e a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº. 8.080/ 1990) assim dispõe, litteris:
Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.
Além disso, nossa Suprema Corte, em um dos seus julgados, reconhece o direito à saúde como direito social, ao asseverar que:
O direito à saúde, reconhecido pelo ordenamento jurídico pátrio como um direito social, representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Portanto, traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular e implementar políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir aos cidadãos o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. (STF. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 271.286-8/RS. Recorrente: Município de Porto Alegre e Estado do Rio Grande do Sul, Recorrida: Diná Rosa Viera. Rel: Min. Celso de Mello, Brasília, DJ de 24 nov. 2000.)
Fácil, então, é apontar o direto à saúde como um direito fundamental social, visto que é possuidor de todas as características inerentes a estes direitos. Defendendo este posicionamento, ainda o Supremo Tribunal Federal, através de uma de suas dignas vozes, Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes, ressaltando a controvérsia doutrinária e jurisprudencial que assola a referida discussão, apresenta inteligente orientação no seguinte sentido:
A doutrina constitucional brasileira há muito se dedica à interpretação do artigo 196 da Constituição. Teses, muitas vezes antagônicas, proliferam-se em todas as instâncias do Poder Judiciário e na seara acadêmica. Tais teses buscam definir se, como e em que medida O DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE SE TRADUZ EM UM DIREITO SUBJETIVO PÚBLICO A PRESTAÇÕES POSITIVAS DO ESTADO, POSSÍVEL DE GARANTIA PELA VIA JUDICIAL.
[...]
A dependência de recursos econômicos para a efetivação dos direitos de caráter social leva parte da doutrina a defender que as normas que consagram tais direitos assumem a feição de normas programáticas, dependentes, portanto, da formulação de políticas públicas para se tornarem exigíveis. Nesse sentido, também se defende que a intervenção do Poder Judiciário, ante a omissão estatal quanto à construção satisfatória dessas políticas, violaria o princípio da separação dos Poderes e o princípio da reserva do financeiramente possível.
[...]
Dessa forma, em razão da inexistência de suportes financeiros suficientes para a satisfação de todas as necessidades sociais, enfatiza-se que a formulação das políticas sociais e econômicas voltadas à implementação dos direitos sociais implicaria, invariavelmente, escolhas alocativas. Essas escolhas seguiriam critérios de justiça distributiva (o quanto disponibilizar e a quem atender), configurando-se como típicas opções políticas, as quais pressupõem “escolhas trágicas” pautadas por critérios de macrojustiça. É dizer, a escolha da destinação de recursos para uma política e não para outra leva em consideração fatores como o número de cidadãos atingidos pela política eleita, a efetividade e a eficácia do serviço a ser prestado, a maximização dos resultados etc.
Nessa linha de análise, argumenta-se que o Poder Judiciário, o qual estaria vocacionado a concretizar a justiça do caso concreto (microjustiça), muitas vezes não teria condições de, ao examinar determinada pretensão à prestação de um direito social, analisar as conseqüências globais da destinação de recursos públicos em benefício da parte, com invariável prejuízo para o todo.
Por outro lado, defensores da atuação do Poder Judiciário na concretização dos direitos sociais, em especial do direito à saúde, argumentam que tais direitos são indispensáveis para a realização da dignidade da pessoa humana. Assim, ao menos o “mínimo existencial” de cada um dos direitos – exigência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana – não poderia deixar de ser objeto de apreciação judicial. (STF. Suspensão de Tutela Antecipada n. 421. Recorrente: Município de Arcoverde, Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Relator: Min. Gilmar Mendes. Brasília, DJ 29 abr. 2010.)
Deste modo, não há como negar que é grande a polêmica que gira em torno da exigibilidade judicial dos direitos sociais prestacionais, com destaque para o direito à saúde, até porque, o primeiro questionamento que se faz é se tais direitos fazem realmente parte do conjunto de direitos fundamentais. Como dito, a resposta correta parece ser a que reconhece os direitos sociais como efetivos direitos fundamentais, porque são princípios do Estado de Direito. Além disso, estes direitos possuem um núcleo irredutível, por constituírem prestações sem as quais os indivíduos não poderiam sequer desenvolver sua liberdade.
Em face das citadas diretrizes constitucionais, do direito de ação – previsto no artigo 5º, XXXV, da Carta Maior – e em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, além da conferência de legitimidade ao Poder Judiciário para efetivação dos direitos fundamentais – através da imposição de obrigações ao Poder Executivo –, “é clara a competência do Poder Judiciário em exercer o controle sobre as políticas públicas de forma a garantir a vida humana com dignidade no caso concreto” 16. Entretanto, não se trata de uma legitimação absoluta, pois deverá estar delimitada a casos específicos, que se enquadrem nos parâmetros construídos jurisprudencial, doutrinária e normativamente.
Ademais, em questão de saúde, há de se ter em conta o caráter de emergência da prestação buscada por meio de uma decisão judicial, posto que o indeferimento de tal pedido, especialmente a um idoso, pode acarretar comprometimento irreversível nas suas condições psicofísicas, ou mesmo o sacrifício de sua vida, “razão pela qual se impõe a consideração do direito à saúde como um direito subjetivo do indivíduo invocável judicialmente” 17 Ainda, levando-se em conta, muitas vezes, a emergência da prestação reclamada, torna-se urgente a tutela jurisdicional em caráter liminar.
Apenas a título de confirmação, consoante entendimento perfilhado doutrinaria e jurisprudencialmente, as normas das Constituições da República e dos Estados que asseguram o direito à saúde e, no caso de pacientes carentes, a garantia da total cobertura assistencial à saúde, não são normas programáticas, mas sim normas fundamentais de eficácia direta e aplicabilidade imediata, concretizadoras do principio da dignidade da pessoa humana.
Diante de tudo aqui exposto, alternativa não resta senão chegar-se a conclusão de que os direitos sociais, em especial o direito à saúde, pressupõem um protagonismo do Poder Público na medida em que exigem prestações oferecidas pelo Estado. E o que se propugna por meio destes direitos sociais é um Estado que pratique a justiça distributiva, que aceite a responsabilidade de garantir aos seus membros uma base mínima de bem-estar e que proporcione os meios adequados à existência humana em condições de dignidade.
3 A PESSOA IDOSA E O DIREITO À SAÚDE
3.1 GARANTIAS CONSTITUCIONAIS: DIREITOS FUNDAMENTAIS
Logo de início, a Constituição Federal brasileira de 1988 no artigo 1º, incisos I e II, afirma que a cidadania e a dignidade da pessoa humana são fundamentos do Estado Democrático de Direito. Já no artigo 3º estipula que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, dando relevo, portanto, a não discriminação em face da idade do cidadão.
Fácil é notar, através da leitura inicial do texto constitucional, que todo cidadão brasileiro tem os seus direitos garantidos e amparados pela Lei Maior. Sabendo que o idoso é um ser humano como outro qualquer, logicamente, deve ser ele contemplado por todos os instrumentos asseguradores da dignidade humana aos brasileiros, sem distinção. Mas não é suficiente essa consideração. Como a pessoa idosa ainda sofre muito com o preconceito, a realidade obrigou o constituinte a ser bem claro no texto, estabelecendo meios legais para que o idoso deixe de ser discriminado e receba o tratamento que lhe é devido.
Dessa forma, a Constituição não se limitou apenas a apresentar disposições genéricas nas quais pudessem ser incluídos os idosos, trazendo, também, previsões específicas sobre as pessoas contidas nessa faixa etária. Exemplo dessa preocupação maior é o seu artigo 229 que estabelece aos filhos maiores “o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”, bem como o artigo 230 que estipula que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.
Ademais, outro aspecto relevante da proteção constitucional pode ser percebido através da leitura do artigo 129 e seu inciso III, que reserva ao Ministério Público, dentre as suas funções institucionais, a promoção do inquérito civil e da ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos da sociedade, onde se inclui, certamente, a defesa da parcela idosa da população.
No que se refere à Previdência Social, prevê o artigo 201 da Constituição que esta “será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei”, dentre outros, “a cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada”, dando ao idoso o direito à aposentadoria, com algumas variantes, como a idade, o sexo, se trabalhador urbano ou rural, e, com certas especificidades, o tempo de contribuição.
Para a pessoa idosa que não tenha contribuído com a Seguridade Social, a Constituição Federal assegura a prestação de assistência social, que, segundo previsão do seu artigo 203, inciso V, tem por objetivo a garantia de um salário mínimo mensal ao idoso, ou a pessoa portadora de deficiência, que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme disposição da lei.
De tal modo, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) foi regulamentado pela Lei nº. 8.742, de 7/12/1993 – a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) –, pela Lei nº. 12.435, de 06/07/2011 e pela Lei nº. 12.470, de 31/08/2011, que alteraram alguns dispositivos da Lei da Assistência Social, e pelos Decretos nº. 6.214, de 26 de setembro de 2007 e nº. 6.564, de 12 de setembro de 2008.
Este é um benefício da Política de Assistência Social, e o seu acesso independe de contribuição à Previdência. É individual, não vitalício e intransferível, que assegura a transferência mensal de um salário mínimo ao idoso, com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, e à pessoa com deficiência, de qualquer idade, com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais.
Ressalta-se que, para obterem o Benefício de Prestação Continuada, tanto as pessoas com deficiência como as idosas, necessitam comprovar que não possuem meios de garantir o próprio sustento, nem de tê-lo provido por sua família. Nesta particularidade, e gerando certa celeuma doutrinária e jurisprudencial, a lei determina que a renda mensal familiar per capita deva ser inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente.
Apenas a guisa de esclarecimento, a gestão do referido benefício é realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, por intermédio da Secretaria Nacional de Assistência Social, que é a responsável pela sua implementação, coordenação, regulação, monitoramento e avaliação. Os recursos para o seu custeio provêm da Seguridade Social, sendo repassados ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que lhe operacionaliza, por meio do Fundo Nacional de Assistência Social. Atualmente são 1,7 milhões (dados de março de 2012) de idosos beneficiários do BPC em todo o Brasil. 18
Retornando aos específicos contornos constitucionais, pelo seu conteúdo de significado e por sua relevância, o direito de amparo a pessoa idosa pode ser equiparado aos fundamentais e ter, em seu favor, o mesmo tratamento dispensado a esses pela interpretação do seu artigo 5º, §2º, que determina que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
O objetivo desse artigo é o de expandir e aperfeiçoar o catálogo de direitos fundamentais por meio do critério de atipicidade. Todavia, segundo entendimento esposado por Barletta19, ainda que tal artigo inexistisse, o direito de amparo da pessoa idosa teria a condição de fundamentalmente implícito, ou seja, subentendido pela dimensão axiológica que possui e que se abraça com a tábua de valores constitucionais, afinal, tal direito é consectário do princípio da dignidade da pessoa humana na circunstância especial de estar envelhecida e de necessitar de cuidados especiais.
Ratificando o pensamento acima esposado, Alexandre de Moraes20 afirma que:
Mais do que reconhecimento formal e obrigação do Estado para com os cidadãos da terceira idade, que contribuíram para seu crescimento e desenvolvimento, o absoluto respeito aos direitos humanos fundamentais dos idosos, tanto em seu aspecto individual como comunitário, espiritual e social, relaciona-se diretamente com a previsão constitucional de consagração da dignidade da pessoa humana.
Portanto, não há como não reconhecer o direito de amparo a pessoa idosa como um direito fundamental, uma vez que este se refere àqueles direitos atribuídos a todas as pessoas em comum, tendo como finalidade assinalar as condições mínimas que cada ser humano deve dispor de forma a conduzir sua vida de modo pleno e sadio, fazendo, assim, parte da base de sustentação do ordenamento jurídico de um real Estado Democrático de Direito.
3.2 GARANTIAS LEGAIS: O ESTATUTO DO IDOSO E A POLÍTICA NACIONAL DO IDOSO
No que se refere à normativa infraconstitucional, merece destaque a Lei nº. 10.741/2003, o Estatuto do Idoso, que tem como objetivo promover a inclusão social e garantir os direitos desses cidadãos, uma vez que essa parcela da população brasileira se encontra desprotegida, merecendo tratamento e atenção especial. O referido Estatuto justifica-se pela condição de fragilidade do idoso, apontando a proteção à velhice como um direito, e, conforme previsão do seu artigo 1º, destina-se a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
De pronto, cumpre salientar que no capítulo em que se especifica “Do Direito à Vida”, o seu artigo 8º assevera que “o envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social”. Isto posto, Marco Vilas Boas21 observa que “envelhecer se encontra dentro dos direitos da personalidade além de, pela expressão ‘personalíssimo’, compreender-se que esse direito concerne a uma pessoa ou a um grupo com individualidades coincidentes ou características especiais”.
Logo em seguida, o seu artigo 9º, apenas realçando uma relevante obrigação estatal já definida constitucionalmente, dispõe que “é obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade”.
Realça ainda Marco Vilas Boas22 que:
O direito à vida, antes do direito a liberdade, é o maior dos direitos, colocado como indisponível e oponível erga omnes, por excelência, a tal ponto que não se pode emitir qualquer enunciado tendente à sua supressão. No seu título “Dos direitos e garantias fundamentais”, a Carta Constitucional abre o primeiro Capítulo com o artigo 5º. Depois de assegurar a igualdade de todos, perante a lei, sem quaisquer distinções – por conseqüência também assegurada a não distinção das pessoas em relação à idade –, garante a Lei Maior a inviolabilidade do direito à vida.
Segue o Estatuto do Idoso afirmando, no artigo 10, que “é obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis”, reforçando o entendimento de que as pessoas idosas merecem atenção especial que emanam da sua peculiar condição.
Esmiuçando ainda mais as suas particularidades, o §2º do citado artigo determina que “o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, idéias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais”, abrangendo, portanto, o direito ao adequado tratamento de saúde com vistas à manutenção da referida integridade.
Como é cediço, o referido Estatuto estabelece no seu artigo 15, no capítulo IV dedicado ao “Direito à Saúde”, que:
É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.
O Sistema Único de Saúde teve por primeira disposição geral o primado da saúde como direito fundamental do ser humano, cabendo ao Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. “O idoso, por disposição do seu Estatuto, foi incluído prioritariamente na atenção integral, universal e igualitária diante das ações e serviços de prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde” 23.
Ainda neste mesmo artigo, no § 1o, fica estabelecido de que forma será efetivada a prevenção e a manutenção da saúde da pessoa idosa, nos seguintes termos, conforme transcrição literal:
Art. 15. Omissis
§ 1o A prevenção e a manutenção da saúde do idoso serão efetivadas por meio de:
I – cadastramento da população idosa em base territorial;
II – atendimento geriátrico e gerontológico em ambulatórios;
III – unidades geriátricas de referência, com pessoal especializado nas áreas de geriatria e gerontologia social;
IV – atendimento domiciliar, incluindo a internação, para a população que dele necessitar e esteja impossibilitada de se locomover, inclusive para idosos abrigados e acolhidos por instituições públicas, filantrópicas ou sem fins lucrativos e eventualmente conveniadas com o Poder Público, nos meios urbano e rural;
V – reabilitação orientada pela geriatria e gerontologia, para redução das seqüelas decorrentes do agravo da saúde.
No que se refere especificamente ao fornecimento de medicamento, o § 2o do referido artigo 15 assevera que “incumbe ao poder público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação”.
Dando continuidade a esta respeitável previsão normativa, e a partir da constatação de que o público idoso ainda sofre com o tratamento desigual que lhe é destinado, o § 3o afirma que “é vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”, e o § 4o diz que “os idosos portadores de deficiência ou com limitação incapacitante terão atendimento especializado, nos termos da lei”.
Levando em consideração que a pessoa idosa se encontra ainda mais fragilizada quando acometida por alguma enfermidade, determina o artigo 16 que “ao idoso internado ou em observação é assegurado o direito a acompanhante, devendo o órgão de saúde proporcionar as condições adequadas para a sua permanência integral, segundo o critério médico”, uma vez que o envelhecimento proporciona a diminuição da disposição para se adaptar, de tal maneira que o indivíduo fica muito mais vulnerável.
Mais adiante se expõe, no artigo 17, que “ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades mentais é assegurado o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável”, pois nestas condições este se comporta como um paciente comum, tendo a presente disposição o objetivo de apenas reforçar o seu direito, ante a visão prejudicada e preconceituosa de que o idoso “não pensa como antes”.
Já o seu parágrafo único traz as exceções, afirmando que:
Art. 17. Omissis
Parágrafo Único. Não estando o idoso em condições de proceder à opção, esta será feita:
I - pelo curador, quando o idoso for interditado;
II - pelos familiares, quando o idoso não tiver curador ou este não puder ser contactado em tempo hábil;
III – pelo médico, quando ocorrer iminente risco de vida e não houver tempo hábil para consulta a curador ou familiar;
IV – pelo próprio médico, quando não houver curador ou familiar conhecido, caso em que deverá comunicar o fato ao Ministério Público.
Ainda nesta mesma linha de raciocínio, o artigo 18 dispõe que “as instituições de saúde devem atender aos critérios mínimos para o atendimento às necessidades do idoso, promovendo o treinamento e a capacitação dos profissionais, assim como orientação a cuidadores familiares e grupos de auto-ajuda, tendo por base a fragilidade inerente a essa parcela da população”.
Como percebido ao longo da explanação, e reforçado por Barletta24, esses mandamentos em torno da promoção da saúde da pessoa idosa surgem em decorrência da sua imanente vulnerabilidade, que enseja cuidados especiais a fim de, na medida do possível, torná-la menos intensa e causadora de menores sofrimentos à pessoa humana que, além de muito fragilizada por conta da idade, encontra-se, ademais, doente.
Paralelamente, encontra-se atualmente em vigor, também, a Lei nº 8.842/1994, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, e que, segundo enfatizado logo no seu artigo 1º, “tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade”, sendo mais um importante instrumento disponível para o fortalecimento da defesa dos direitos inerentes à população idosa.
Ratificando o caráter fundamental do direito à saúde, e ao mesmo tempo confirmando que este, com direito social que é, pressupõe um protagonismo do Poder Público na medida em que para exerce-se plenamente necessita das prestações oferecidas pelo Estado, o seu artigo 10, inserido no capítulo que especifica “Das Ações Governamentais”, determina que:
Art. 10. Na implementação da política nacional do idoso, são competências dos órgãos e entidades públicos:
[...]
II - na área de saúde:
a) garantir ao idoso a assistência à saúde, nos diversos níveis de atendimento do Sistema Único de Saúde;
b) prevenir, promover, proteger e recuperar a saúde do idoso, mediante programas e medidas profiláticas;
c) adotar e aplicar normas de funcionamento às instituições geriátricas e similares, com fiscalização pelos gestores do Sistema Único de Saúde;
d) elaborar normas de serviços geriátricos hospitalares;
e) desenvolver formas de cooperação entre as Secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios e entre os Centros de Referência em Geriatria e Gerontologia para treinamento de equipes interprofissionais;
f) incluir a Geriatria como especialidade clínica, para efeito de concursos públicos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais;
g) realizar estudos para detectar o caráter epidemiológico de determinadas doenças do idoso, com vistas a prevenção, tratamento e reabilitação; e
h) criar serviços alternativos de saúde para o idoso.
A Política Nacional do Idoso e o seu Estatuto constituem marcos legislativos para a tutela da pessoa idosa no Brasil. O Estatuto surge a partir de movimentos sociais que visam garantir cuidado especial ao grupo de pessoas vulneráveis pelo estado adiantado da idade que lhes torna mais frágeis biopsicosocialmente. Como realça Barletta25, sua finalidade não é atribuir à pessoa idosa superioridade jurídica em relação às demais. Pelo contrário. O que se objetiva é colocar a pessoa idosa no mesmo nível de possibilidades jurídicas das jovens, pois, com a idade avançada, o ser humano, perde, em grande medida, a vitalidade, tornando-se mais fragilizado não só no campo psicofísico, mas também socialmente.
Portanto, diante de tudo até aqui exposto, fácil é perceber que, hodiernamente, a pessoa idosa vem recebendo um tratamento legal muito mais extenso do que era visto há alguns anos atrás, com o legislador mais atento às particularidades que o estágio avançado de vida lhes acarreta. Partindo-se da premissa de que quando não existe igualdade de fato entre as pessoas, as regras jurídicas não podem ser iguais para todos, tanto a Constituição Federal, quanto os instrumentos normativos infraconstitucionais anteriormente trazidos à baila, evidenciam o cuidado distinto e especial que as pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos fazem jus.
Mas, como notado, apesar da vasta previsão legal e de toda a dicção constitucional no sentido de afirmar ser dever do Estado garantir o direito à saúde e prestar assistência médico-hospitalar adequada à população, principalmente àqueles que não possuem condições financeiras para arcar com os custos de um tratamento através da rede privada de saúde, os idosos, de forma ainda mais acentuada, continuam sofrendo com todos os problemas que “sufocam” a saúde pública, sem, na maioria das vezes, desfrutar da prioridade que lhe é assegurada.
3.3 O ACELERADO PROCESSO DE ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E O TRATAMENTO DISPENSADO AO IDOSO
Inicialmente, para justificar a necessidade de se pôr em pauta a discussão sobre a saúde pública na terceira idade e a crescente intervenção judicial na efetivação deste direito, é preciso compreender o porquê de a pessoa idosa ser vista e tratada pela sociedade como algo indesejado, e de que forma essa percepção faz com que ao lado do processo de envelhecimento caminhe um triste processo de desumanização, onde até mesmo o direito fundamental á saúde lhe é dificultado.
Na verdade, já passou da hora da sociedade se conscientizar de que o envelhecimento é um processo natural e que hoje, com o advento do Estatuto do Idoso, foi elevado a direito personalíssimo. É, pois, um direito inerente à toda e qualquer pessoa, como atributo essencial à sua constituição. Através da verificação de que tais considerações não impedem a propagação do preconceito para com os idosos, percebe-se que é preciso despertar nas pessoas mais jovens a necessidade de tratar com respeito e dignidade aquela parcela da população que já muito contribuiu com a sociedade, mas que, hoje, se vê fragilizada.
Contudo, o que se percebe é que o desrespeito com a pessoa idosa e a disseminada correlação entre esta e o que é “velho” e “inútil” faz com que a sociedade concorde e aceite, sem maiores indignações, a crescente exclusão destes. E os reflexos desta percepção preconceituosa atingem e ameaçam a garantia de direitos fundamentais, tais como o direito à saúde. Assim, ante o caos em que vive a Saúde Pública, o idoso se vê “marginalizado”, uma vez que, na maioria das vezes, o seu tratamento é considerado de menor valor do que o de uma pessoa mais jovem.
A Política Nacional do Idoso e seu Estatuto são exemplos de ações afirmativas com vistas ao direito à igualdade material dos idosos e da superação de sua marginalização diante da sociedade utilitarista, sobremaneira ocupada com o custo-benefício, que privilegia a produção, a competitividade, a celeridade, a eficiência e a bela aparência de tudo que é novo. A velhice, por todas as vicissitudes, aproxima-se de outros valores como a experiência, a sabedoria e a certeza de não ser possível competir com o processo de envelhecimento, em virtude da sua naturalidade, porque envelhecer e morrer são inerentes à natureza do ser humano.26
Ademais, visando consolidar os supremos valores de igualdade e dignidade da pessoa humana, a Constituição Federal, como já dito, também proclama a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação, mas, infelizmente, ao contrário de todo o bem proclamado, a sociedade ainda convive com toda espécie de exclusão e violência decorrentes destes preconceitos que se mantêm.
Pois bem. Em paralelo a triste constatação deste “tratamento diferenciado” que é dispensado ao idoso, também se constata a rapidez no envelhecimento da população brasileira, uma vez que estudos comprovam que o Brasil deverá passar, entre 1960 e 2025, da 16ª para a 6ª posição mundial em termos de número absoluto de indivíduos com 60 anos ou mais. E no período entre 2000 e 2050 deverá se observar o mais rápido incremento na proporção de idosos, que saltará de 5,1% para 14,2%27.
Ao longo dos últimos 50 anos, a população brasileira quase triplicou: passou de 70 milhões, em 1960, para 190,7 milhões, em 2010. O crescimento do número de idosos, no entanto, foi ainda maior. Em 1960, 3,3 milhões de brasileiros tinham 60 anos ou mais e representavam 4,7% da população. Em 2000, 14,5 milhões, ou 8,5% dos brasileiros, estavam nessa faixa etária. Na última década, o salto foi grande, e em 2010 a representação passou para 10,8% da população, ou seja, 20,5 milhões de pessoas idosas no país.28
Além disso, a participação dos idosos na população brasileira será quase igual à dos jovens em 2030, de acordo com pesquisa Tábuas de Mortalidade, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. 29 Em 1980, as crianças de 0 a 14 anos correspondiam a 38,24% da população e, em 2009, elas já diminuíram sua representação para 26,04%. Já o contingente com 65 anos ou mais de idade pulou de 4,01% para 6,67% no mesmo período.
Ainda de acordo com a pesquisa, a idade mediana (exatamente a faixa do meio entre os 50% mais novos e os 50% mais velhos) da população também vem crescendo e deverá praticamente duplicar entre 1980 e 2035, ao passar de 20,20 anos para 39,90 anos, podendo alcançar os 46,20 anos, em 2050. Outro indicador que mostra o processo de envelhecimento da população brasileira é o índice de envelhecimento (divisão do número de idosos pelo de crianças). Entre 2035 e 2040 a população idosa poderá alcançar um patamar 18% superior ao das crianças e, em 2050, esta relação poderá ser de 172,7 idosos para cada 100 crianças.
Os técnicos do IBGE envolvidos com a divulgação da pesquisa observam que:
Mantidas as tendências dos parâmetros demográficos implícitas na projeção da população do Brasil, o País percorrerá velozmente um caminho rumo a um perfil demográfico cada vez mais envelhecido, fenômeno que, sem sombra de dúvidas, implicará em adequações nas políticas sociais, particularmente aquelas voltadas para atender as crescentes demandas nas áreas da saúde, previdência e assistência social.
Concordando com as pertinentes observações feitas pelos técnicos do IBGE, cumpre ressaltar que essa mudança no perfil demográfico do país, com o seu crescente envelhecimento, implicará não só em adequações nas políticas sociais e econômicas, mas também, e principalmente, na mentalidade de todas as pessoas. Assim que Barletta30, citando José Pinheiro e Elizabete Freitas, lembra que em vez de preconceito, a pessoa idosa faz jus a um cuidado distinto, “como um fundamento que nos possibilita dotar a existência humana do seu caráter essencialmente humano”.
Desta forma, nos dias presentes, não há mais argumento nenhum que justifique a desmoralização, o descaso e a falta de respeito para com os idosos. Tendo-se consciência de que o processo de envelhecimento é inerente ao ser humano e que as novas tecnologias e o avanço das descobertas na área da medicina o proporcionam cada vez com mais facilidades, torna-se imprescindível a aceitação, por parte de toda a sociedade, de que as pessoas idosas - que já muito contribuíram para o nosso estágio atual de desenvolvimento - merecem ver respeitadas as suas peculiares necessidades.
3.4 A Saúde DA PESSOA IDOSA como direito prioritário
Quando na análise de um caso concreto se encontrar uma pessoa idosa, não é o bastante se afirmar a saúde como um direito fundamental. Faz-se necessário destacar o seu caráter prioritário e reconhecer as peculiaridades do atendimento à saúde do idoso, sob pena de toda esta bela previsão normativa não passar de letra morta. Mais do que enunciado, o direito à saúde do idoso necessita ser promovido em condições ideais, pois o idoso doente é ainda mais vulnerável.
De acordo com brilhante conclusão de Fabiana Barletta31:
Nada há que sustente, diante de avanços médicos em termos de tratamentos curativos e paliativos, que o indivíduo deixe de gozar de saúde sem nada se fazer pelo argumento de que ‘faz parte da velhice’. Se a medicina já se deu conta de que é possível envelhecer e morrer em condições dignas de saúde, é papel do direito assegurá-las na última etapa da vida da pessoa humana, pois, do contrário, haveria um inconcebível atentado ao valor máximo de ordem constitucional que proclama sua dignidade.
Acompanhando o entendimento esposado pela autora, percebe-se que, se o ancião encontra-se mais apto a desenvolver doenças do que os seres humanos jovens, exsurge a saúde, dentre os seus direitos fundamentais, com aquele de ordem prioritária nas idades longevas. Ter direito à saúde funciona como pressuposto para que sejam exercitados os outros direitos dos idosos, tais como o acesso ao trabalho, à educação, à cultura, ao lazer, ao exercício dos direitos civis e políticos, em condições de liberdade e dignidade.
Realmente, validade nenhuma teria toda esta vasta previsão legal em benefício da pessoa idosa, se a mesma não estiver em pleno gozo da sua saúde física e mental. Portanto, necessariamente, deve ser assegurado ao idoso, de forma prioritária, o acesso às ações e serviços públicos de saúde, tanto na seara preventiva como curativa, para que, saudável, possa exercer satisfatoriamente todos os demais direitos que lhes são assegurados. Assim também se posiciona Barletta32 quando sabiamente sustenta que:
Por conta de o idoso estar mais exposto às agressões tanto biológicas, provocadas pelo tempo, quanto às de índole social que necessita enfrentar; pelo fato de as alterações biológicas sofridas desencadearem doenças físicas e psíquicas com mais facilidade e em maior pujança que na juventude, é imperioso que o direito à saúde na terceira idade seja concedido em ordem de prioridade, para salvaguarda do princípio constitucional da dignidade humana nas contingências especialíssimas da velhice.
Tendo como sustentáculo maior o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, tido por muitos como supremo, visualiza-se no Estatuto do Idoso três princípios destinados especialmente a tutelar à pessoa idosa, sendo eles os subprincípios da proteção integral do idoso e da absoluta prioridade outorgada ao idoso, que juntos conformam o princípio do melhor interesse do idoso.
No que se refere ao subprincípio da proteção integral do idoso, pode-se notar que o artigo 2º do seu Estatuto dispõe que:
O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Percebe-se, então, que com esta previsão o legislador apenas quis reforçar o gozo de todos os direitos fundamentais que são inerentes a qualquer pessoa humana, destacando que, na peculiar condição de envelhecida, a pessoa idosa merece uma proteção maior, levando em conta o contexto particularíssimo de sua idade avançada que, naturalmente, demanda estes cuidados distintos.
Neste especial sentido, o Estatuto do Idoso segue preconizando, em seu artigo 3º, que “é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida e à saúde”, individualizando a pessoa idosa no sentido de lhe garantir prioridade em vários setores da sua vida pública e privada, se referindo, ainda, “à alimentação, educação, cultura, esporte, lazer, trabalho, cidadania, liberdade, dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.
Partindo-se do pressuposto de que é preciso assegurar igualdade jurídica às pessoas idosas, em razão do envelhecimento que os vulnerabiliza, a fim de mitigar sua desigualdade material em relação às pessoas de outra faixa etária, o Estatuto do Idoso destrincha, no parágrafo único do citado artigo 3º, o que compreende esta garantia, conforme explicações33 a seguir:
Art. 3o Omissis
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
“I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população;” Nos casos em que houver necessidade, considerando as condições psicofísicas do indivíduo, pode-se dizer que o atendimento deve ser instantâneo, e mais, individualizado, ou seja, a distinguir o idoso de acordo com as suas especialidades intrínsecas.
“II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas;” O que confirma o não exaurimento das políticas já estabelecidas pelo Estatuto do Idoso e pela Política Nacional do Idoso.
“III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso;” Manutenção dos orçamentos da União, dos Estados e dos Municípios de forma a destinar, privilegiadamente, verbas públicas para entidades e estabelecimentos que tenham por intuito proteger, o mais amplamente possível, a pessoa idosa.
“IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações;”
“V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência;”
“VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos;” Visando o melhor acolhimento e atendimento da pessoa idosa.
“VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento;” Com o intuito de possibilitar que toda a sociedade se esclareça acerca das vicissitudes biológicas, psíquicas e sociais do envelhecimento, pois o que é desconhecido não sensibiliza e nem atrai maiores interesses.
“VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais.”
“IX – prioridade no recebimento da restituição do Imposto de Renda” (grifos nossos)
Analisando de forma mais apurada todos os incisos acima referidos, torna-se evidente que a pessoa idosa faz jus não só à proteção integral já esclarecida, mas também à tutela prioritária, que o coloca em situação preferencial na efetivação de direitos fundamentais de todos os seres humanos, em especial o direito à saúde, pelo notório fato de a qualidade de saúde da pessoa estar em decrescência quanto mais ela se torna idosa.
Assim que, dentre os direitos fundamentais, a saúde desponta como direito de natureza prioritária da pessoa quando idosa por três motivos, como alude Barletta34. Em primeiro lugar, pela freqüência e pela rapidez em que, na terceira idade, a saúde se esvai, tornando o idoso mais suscetível aos agravos psicofísicos e ao alijamento social que colocam em xeque a vida saudável, sem a qual não há uma existência envolta pela dignidade. Em segundo lugar, pelo fato de o direito à saúde funcionar como pressuposto para que se exercitem outros direitos dos idosos, tanto individuais quanto sociais. Em terceiro lugar, pela necessidade de se conferir às pessoas idosas prioridade no acesso à saúde, em virtude da menor capacidade de resistência do idoso para aguardar o tratamento de saúde.
Ocorre que, apesar de todo o avanço legislativo que teve início com a Constituição Federal de 1988, e atualmente abrange a Política Nacional do Idoso e o seu Estatuto, encontra-se ainda muito vulnerável, discriminado e marginalizado o grupo de pessoas idosas que, principalmente quando sem condições de arcar financeiramente com a preservação do seu direito à saúde, padecem aguardando pelo digno atendimento, que, infelizmente, na maioria das vezes, não chega nem a iniciar.
O acesso á saúde é universal, porque imbuído da obrigação de abranger a universalidade do povo do Estado brasileiro. Mas, ainda que universal, ele permite distinções em sua aplicação normativa haja vista não perder o foco de que existem pessoas, como as idosas, que merecem proteção prioritária de sua saúde exatamente para que não haja violação do princípio da igualdade substancial, previsto na Constituição Federal em seu artigo 3º, inciso III. Portanto, “há de se observar que igualdade no serviço público de saúde significa também o implemento de ações estatais em grupos especiais que mais necessitam delas.” 35
Importa notar, neste ponto, o direito à igualdade substantiva que conclama tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, garantindo, somente desta maneira, o oferecimento de oportunidades concretas para os grupos que se encontram socialmente inferiorizados. Assim, é necessário sejam as pessoas idosas colocadas em condições ideais de igualdade em relação às jovens para, a um só tempo, obterem acesso universal e igualitário à saúde, consoante mandamento constitucional.
Segundo Antônio Nunes e Fernando Scaff 36, extraindo o pensamento de Robert Alexy:
A solução de casos como tais está no entendimento do princípio da isonomia assim formulado para o tratamento igualitário: “Se não há nenhuma razão suficiente para a permissão de um tratamento desigual, então está ordenado um tratamento igual”. Por esta máxima, todos devem ser tratados de forma igual, desde que não haja uma razão suficiente que permita diferenciação.
E para o tratamento não igualitário o preceito deve ser lido da seguinte forma: “Se há uma razão suficiente para ordenar um tratamento desigual, então está ordenado um tratamento desigual”. É imperioso que seja demonstrada a existência de “razão suficiente” para determinar a quebra da isonomia. Uma vez tendo sido demonstrada esta razão, é impositivo o tratamento diferenciado.
Observe-se que, com o objetivo de colocar todos os membros da sociedade em condições iguais de competição pelos bens da vida considerados essenciais, faz-se necessário, muitas vezes, favorecer uns em detrimento de outros. Significa, em consonância com Barletta37, que, em questões de saúde, pessoas idosas, assim como crianças e adolescentes, possuem pelo princípio do seu melhor interesse, tutela prioritária diante de pessoas de outra faixa etária exatamente pelo fato da compleição psicofísica e social das últimas se apresentar mais favorecidas, enquanto a das primeiras mais frágil.
No que pertine ao tema ora debatido, já há precedente jurisprudencial que enaltece o cuidado para com o idoso como um postulado de importante valor jurídico, reconhecendo o direito fundamental à saúde como prioritário para a pessoa idosa, em virtude da sua imanente vulnerabilidade, conforme julgados a seguir transcritos:
V.D.R., representado por sua curadora, Sra. C.R.M., ambos devidamente qualificados nos autos, AJUIZOU AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL EM FACE DO MUNICÍPIO DO SALVADOR, COM O OBJETIVO DE OBTER DO RÉU DETERMINAÇÃO JUDICIAL PARA O FORNECIMENTO DE FRALDAS DESCARTÁVEIS GERIÁTRICAS, como passo a expor:
1- O autor alega ser portador de quadro clínico complexo, que conta com a presença de tremor de repouso, rigidez, bradicinesia, alterações cognitivas, disfagia e bexiga e intestino neurogênicos. Tudo a levar a suspeita de doença de Parkinson idiopática, conforme exposto na Inicial e em Relatório Médico de fls. 28-29.
2- Consta no referido relatório médico que o Requerente fraturou o fêmur em decorrência de uma queda e desde então perdeu sua capacidade de marcha. Afirma, ainda, a sua dependência de terceiros para realização das mais diversas atividades cotidianas, levando-se em consideração que o mesmo se encontra restrito a uma cadeira de rodas.
3- Sucede que, diante circunstância acima descrita, aliada a incontinência vesico-intestinal que acomete o Demandante, o profissional que o acompanha prescreveu, em Relatório Médico, de fls. 28-29, o uso de fraldas geriátrica, entretanto, sua família não possui condições financeiras de arcar com os custos da compra do material, razão pela qual tentou, junto ao réu, o fornecimento dos insumos sem, todavia, lograr êxito.
4- Ressalta-se que, muito embora a Defensoria Especializada na Proteção aos Direito Humanos tenha enviado ofício, de fls. 42-43, à Coordenadoria de Atenção e Promoção à Saúde, desde o dia 14 de maio de 2012, reiterando a necessidade de fornecimento de fraldas geriátricas, ainda não obteve uma resposta prática.
Inicialmente, cumpre destacar que há o entendimento nos Tribunais, no que se refere ao tema saúde, a partir do que dispõe o art. 196 da Constituição Federal, de que a União, Estados e Municípios são solidariamente responsáveis pelo fornecimento gratuito de medicamentos, em razão do referido artigo prescrever a saúde como dever do Estado, não especificando sobre qual ente da federação recairia este dever, logo, dever de todos. Isto posto, vislumbro, ainda, estarem presentes os requisitos previstos em lei, no seu art. 461, parágrafo 3º do CPC, para a concessão da tutela antecipada específica. Sendo assim, há o fundamento relevante da demanda no fato DA PARTE AUTORA SER PESSOA JÁ IDOSA, APRESENTANDO SITUAÇÃO DE SAÚDE DELICADA, DEPENDENDO DE TERCEIROS PARA A REALIZAÇÃO DE ATIVIDADES HABITUAIS DA VIDA COTIDIANA, tudo a justificar plenamente o deferimento da pretensão posta a minha apreciação. É evidente, ademais, que se deixar para o deferimento do pedido ao final do processo existe a altíssima probabilidade de que o bem jurídico protegido, A DIGNIDADE FÍSICA E PSICOLÓGICA DO AUTOR, sofra danos irreparáveis.
Ex positis, DEFIRO A MEDIDA LIMINAR PLEITEADA, Ex vi da regra do Código de Processo Civil Pátrio, em seu art. 461, parágrafo 3º, para o fim de determinar que o Município do Salvador providencie IMEDIATAMENTE o fornecimento de fraldas geriátricas, conforme prescrição médica, sob pena de multa diária no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais). DEFIRO A GRATUIDADE DA JUSTIÇA E A PRIORIDADE DE TRAMITAÇÃO, nas formas requeridas. Cite-se o Município do Salvador, na pessoa do seu Procurador Geral, a fim de que tome conhecimento do teor da presente ação e, querendo, apresente reposta no prazo legal. Intime-se. Cumpra-se. (TJ/BA. Obrigação de Fazer - Processo nº: 0350854-87.2012.8.05.0001. Autor Vanderlino Dias Ribeiro. Réu: Município do Salvador. Juiz: Manoel Ricardo Calheiros D’Ávila. Bahia, DJ 26 jul. 2012.)
OBRIGAÇÃO DE FAZER. PACIENTE PORTADOR DE SEQÜELAS DE ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL – AVC, NECESSITANDO UTILIZAR CONTINUAMENTE FRALDAS GERIÁTRICAS DESCARTÁVEIS, TENDO EM VISTA SEU PRECÁRIO ESTADO DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL. A SENTENÇA JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO, CONDENANDO OS RÉUS AO FORNECIMENTO REQUERIDO OU QUALQUER OUTRO INSUMO OU MEDICAMENTO QUE SE FIZER NECESSÁRIO AO TRATAMENTO DA DOENÇA APRESENTADA PELO AUTOR, DESDE QUE COMPROVADA A NECESSIDADE ATRAVÉS DE ATESTADO MÉDICO E CONDENANDO A MUNICIPALIDADE AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INCONFORMISMO DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, ALEGANDO SER A CONDENAÇÃO GENÉRICA E INCERTA.
Entendimento desta Relatora no sentido de se tratar de PACIENTE IDOSO, CONTANDO ATUALMENTE COM 90 (NOVENTA) ANOS DE IDADE, PORTADOR DE GRAVES SEQÜELAS RELATIVAS AO AVC, que não tem condições financeiras para arcar com a sua necessidade de utilizar fraldas geriátricas. O ilustre magistrado singular agiu com bastante sensibilidade e lucidez ao garantir ao apelado o suprimento de qualquer outra necessidade que o mesmo venha a ter com relação ao tratamento da doença apresentada, a fim de que o mesmo não tenha que vir postular em juízo outras necessidades relativas ao seu gravíssimo estado de saúde, DENOTANDO TER LEVADO EM CONSIDERAÇÃO O POSTULADO DO CUIDADO ATINADO PARA O SEU RELEVANTE VALOR JURÍDICO.
Inexistência de caráter genérico e incerto da sentença, eis que a condenação vinculou que o atendimento das necessidades autorais se dê, especificamente, ao tratamento das seqüelas do AVC, exigindo, ainda, comprovação através de atestado médico. NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO APELO, manifestamente inadmissível, na forma do art. 557, caput do CPC e CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA, no reexame necessário, nos termos do art. 31, inciso VIII do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça e da Súmula n. 253 da Corte Superior. (TJ/RJ. Apelação Cível n. 2006.001.00167. Apelante: Município do Rio de Janeiro. Apelado: José Ribeiro da Conceição. Relatora: Des. Conceição A. Mousnier. Rio de Janeiro, DJ 31 mai. 2006.)
O Estatuto do Idoso prescreve a garantia de todas as oportunidades e facilidades para o aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social do idoso. Assim, “tudo que a pessoa de idade alcançou em termos de boa saúde deve ser mantido e o que não obteve nessa seara, possibilitado”. Nesse sentido, “interpretar o direito dos idosos de acordo com o princípio do seu melhor interesse significa, em questões relativas à saúde, não só conceder-lhe esse direito fundamental de maneira prioritária em relação aos seus outros direitos, mas também de lhe conferir prioridade no acesso à saúde em face de direitos concorrentes da mesma estirpe de pessoas de outras faixas etárias”. 38
4 “Judicialização” e suas implicações no Sistema Público de Saúde
4.1 O FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE
O termo “judicialização” passou a ganhar mais espaço a partir da publicação do trabalho dos norte-americanos Tate e Vallinder, “The Global Expansion of Judicial Power” (1995), que, conforme citação de Felipe Machado39, defendem a tese de que judicialização envolve essencialmente tomar algo sob a forma do processo jurídico, tanto em termos de transferência das decisões sobre direitos da legislatura, do gabinete, do serviço civil para as cortes, como em termos da disseminação dos métodos e decisões judiciais para além da esfera judicial propriamente dita.
A judicialização, hoje, compõe o cenário das ciências jurídicas e sociais em diversos países do mundo e indicam os efeitos da expansão do Poder Judiciário no processo decisório das democracias contemporâneas. Judicializar a política nada mais é do que valer-se de métodos típicos da decisão judicial na resolução de disputas e demandas nas arenas políticas. Tate e Vallinder40 conceituam a judicialização como “a reação do Judiciário frente à provocação de um terceiro, com a finalidade de revisar a decisão de um poder político, tomando como base a Constituição”.
Ainda na visão dos citados autores americanos, as causas necessárias para o surgimento da judicialização dizem respeito ao declínio do império soviético e a manutenção dos Estados Unidos como superpotência mundial, livre para expandir a judicial review a sua zona de influência. Já o autor francês Antoine Garapon41 vislumbra, além dessas, outras causas para o seu surgimento, dentre elas a apatia popular e a inércia ou incapacidade do poder político frente às demandas sociais. Diante disso, o Poder Judiciário torna-se, então, na crise das democracias atuais, uma salvaguarda para as frustrações dos jurisdicionados.
Já com relação às condições políticas necessárias para o surgimento ou configuração de uma situação de judicialização da política, o estudo pormenorizado feito pelos pesquisadores Tate e Vallinder trouxe um quadro de elementos que indicam se há ou não judicialização em determinado Estado, sendo eles: (1) democracia, (2) separação de poderes, (3) direitos políticos, (4) o uso dos tribunais pelos grupos de interesse, (5) o uso dos tribunais pelos partidos de oposição e (6) a inefetividade das instituições majoritárias.
Ernani Rodrigues de Carvalho42, em criterioso estudo sobre o tema ora abordado, utilizou-se dessa classificação e fez a aplicação desse quadro condicional ao caso brasileiro, concluindo que “o mapeamento das condições políticas em torno do fenômeno da expansão do poder judicial permite dizer que quase todas as condições estão presentes no caso brasileiro, embora, algumas condições, apesar de formalmente estabelecidas, não se tenham mostrado realidades factíveis”.
Assim, percebe-se o elemento “democracia” como uma condição mais do que necessária à ocorrência do fenômeno da judicialização, uma vez que, em todos os países submetidos ao referido estudo, a democracia fazia parte do ambiente político, com tal diagnóstico consolidando a tese de que não é possível, de forma alguma, compatibilizar governos autoritários com a livre expansão do poder judicial.
No que se refere ao elemento “separação dos poderes”, sabe-se que, no Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu competências exclusivas aos três poderes, bem como primou pela equipotência desses ramos de poder, através da determinação da convivência independente e harmônica entre eles, e da permissão do recurso ao “sistema de freios e contrapesos”, o que acaba por facilitar o surgimento do fenômeno da judicialização.
No que diz respeito ao elemento “direitos políticos”, é sabido que, independentemente de previsão numa carta formal, a aceitação de que as minorias têm direitos pode significar um ponto forte contra a supremacia da maioria, especialmente quando estiver em jogo a interpretação por parte dos juízes. Assim, a existência de direitos políticos formalmente reconhecidos por uma Constituição, tal como ocorre no Brasil, é encontrada também na maioria dos casos e é sublinhada por muitos cientistas sociais.
Já o elemento “o uso dos tribunais pelos grupos de interesse” vem corroborar a idéia de que a judicialização da política é um processo que se alimenta dos interesses econômicos e sociais centrais, uma vez que o desenvolvimento e a expansão dos direitos em geral foram mais propriamente obra de pressões e lutas das organizações sociais, do que obra de devoção de atores altruístas. E é assim que os grupos de interesse passaram a considerar a possibilidade de interferência dos tribunais na realização dos seus objetivos.
Neste mesmo sentido também deve seguir a análise do quinto elemento, qual seja, “o uso dos tribunais pelos partidos de oposição”, igualmente trazido pelos citados autores, já que estes partidos contrários à situação, não podendo muitas vezes barrar as alterações não desejadas realizadas pela maioria, acabam se utilizando dos instrumentos jurídicos disponibilizados para frear, obstaculizar e até mesmo inviabilizar tais alterações indesejadas que eventualmente estejam em curso.
Por fim, o elemento “inefetividade das instituições majoritárias” se refere à incapacidade dessas instituições em dar provimento às demandas sociais. Toda demanda que não envolva interesse suficiente ou agregue alto custo, certamente, encontrará dificuldade para ser efetivada. Assim, alguns juízes e tribunais, diante da inércia dos poderes políticos, são obrigados a pôr fim em conflitos que, inicialmente, deveriam ser resolvidos no âmbito político.
Abordando o assunto de forma mais simplificada, Luis Roberto Barroso43 afirma que:
Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral, [...] envolvendo uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade.
Tratando das possíveis causas para o surgimento deste tão discutido fenômeno no Brasil, Barroso aponta como primeira delas a redemocratização do país, que teve como ponto culminante a promulgação da Constituição de 1988. Segundo o mesmo, nas últimas décadas, com a recuperação das garantias da magistratura, o Judiciário deixou de ser um departamento técnico-especializado e se transformou em um verdadeiro poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto com os outros Poderes.
Segue a afirmar como segunda causa a constitucionalização abrangente, que trouxe para a Constituição inúmeras matérias que antes eram deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária. Para o autor, na medida em que uma questão – seja um direito individual, uma prestação estatal ou um fim público – é disciplinada em uma norma constitucional, ela se transforma, potencialmente, em uma pretensão jurídica, que pode ser formulada sob a forma de ação judicial.
E como terceira e última causa da judicialização, Barroso cita o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, referido como híbrido, por combinar aspectos do sistema americano – pelo qual qualquer juiz ou tribunal pode deixar de aplicar uma lei, em um caso concreto que lhe tenha sido submetido, caso a considere inconstitucional – e do sistema europeu – que permite que determinadas matérias sejam levadas em tese e imediatamente à Corte Suprema. Soma-se a isso, ainda, o direito de propositura amplo, previsto no seu artigo 103, pelo qual inúmeros órgãos e entidades podem ajuizar ações diretas. Nesse cenário, quase qualquer questão política ou moralmente relevante pode ser alçada ao Supremo Tribunal Federal.
Debatendo, agora, especificamente sobre a judicialização em relação à saúde, o mesmo certifica que o papel do Judiciário, em um Estado constitucional democrático, é o de interpretar a Constituição e as leis, resguardando direitos e assegurando o respeito ao ordenamento jurídico. Assim, em muitas situações, caberá a juízes e tribunais o papel de construção do sentido das normas jurídicas, notadamente quando esteja em questão a aplicação de conceitos jurídicos indeterminados e de princípios. E em outros casos, será necessário efetuar a ponderação entre direitos fundamentais e princípios constitucionais que entram em rota de colisão, hipóteses em que tais órgãos precisam proceder a concessões recíprocas entre normas e fazer escolhas.
Trazendo uma justificativa para essa intervenção do Judiciário, Barroso44 pondera que a extração de deveres jurídicos a partir de normas dessa natureza e estrutura deve ter como cenário principal as hipóteses de omissão dos Poderes Públicos, de ação que contravenha a Constituição, ou, ainda, de não atendimento do mínimo existencial, como se verifica na seguinte transcrição:
O controle judicial em matéria de entrega de medicamentos deve ter por fundamento – como todo controle jurisdicional – uma norma jurídica, fruto da deliberação democrática. Assim, se uma política pública, ou qualquer decisão nessa matéria, é determinada de forma específica pela Constituição ou por leis válidas, a ação administrativa correspondente poderá ser objeto de controle jurisdicional como parte do natural ofício do magistrado de aplicar a lei. Também será legítima a utilização de fundamentos morais ou técnicos, quando seja possível formular um juízo de certo/errado em face das decisões dos poderes públicos. Não é dessas hipóteses que se esta cuidando aqui.
O tema versado no presente estudo envolve princípios e direitos fundamentais, como dignidade da pessoa humana, vida e saúde. Disso resultam duas conseqüências relevantes. A primeira: como clausulas gerais que são, comportam uma multiplicidade de sentidos possíveis e podem ser realizados por meio de diferentes atos de concretização. Em segundo lugar, podem eles entrar em rota de colisão entre si. A extração de deveres jurídicos a partir de normas dessa natureza e estrutura deve ter como cenário principal as hipóteses de omissão dos Poderes Públicos ou de ação que contravenha a Constituição. Ou, ainda, de não atendimento do mínimo existencial.
Por fim, estabelecendo parâmetros para a correta atuação do Judiciário, há a ressalva de que, em questões de saúde, a atividade judicial deve guardar parcimônia e, sobretudo, deve procurar respeitar o conjunto de opções legislativas e administrativas formuladas acerca da matéria pelos órgãos institucionais competentes. Dessa forma, onde não haja lei ou ação administrativa implementando a Constituição, deve o Judiciário agir. Havendo lei e atos administrativos, e não sendo devidamente cumpridos, devem os juízes e tribunais igualmente intervir. Porém, havendo leis e atos administrativos implementando a Constituição e sendo regularmente aplicados, eventual interferência judicial dever ter a marca da autocontenção.
4.2 Argumentos contrários
4.2.1 Separação dos Poderes
A discussão sobre a crescente intervenção do Poder Judiciário nas questões de saúde reflete a problemática encontrada na efetivação deste direito frente à ineficácia do Poder Executivo na implementação de políticas públicas sobre saúde, bem como na destinação dos seus recursos. Apesar de ser um dos direitos fundamentais mais importantes, percebe-se que o direito à saúde não vem sendo devidamente efetivado pelo Executivo, o que faz com que os administrados recorram ao Judiciário, a fim de concretizarem o disposto no artigo 196 da Constituição da República.
Dessa forma, o fato é que, diante de infinitas necessidades e escassos recursos, inúmeros casos individualizados não encontram solução satisfatória, e ao administrador sobra o desafio de conciliar o inconciliável. Como o cidadão pode levar à apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito, esta problemática acaba nas mãos dos juízes e tribunais, dando vez à tormentosa questão do papel do Poder Judiciário frente à discricionariedade administrativa.
Mas, intervindo o Poder Judiciário no papel que cabe ao Executivo, não estaria sendo violado o princípio da separação dos poderes? Quanto a isso, afirma a Constituição Federal, em seu artigo 2º, que existem os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, sendo eles independentes e harmônicos entre si. O princípio da separação dos poderes é considerado cláusula pétrea em nosso ordenamento jurídico, não podendo ser modificado por emenda constitucional, conforme dispõe o artigo 60, parágrafo 4º, inciso III, também da Carta Magna.
Cumpre ressalvar que a separação dos poderes não é absoluta, tendo em vista que, na verdade, todos os poderes legislam, administram e julgam. Fala-se em função típica e atípica de cada Poder, sendo função típica aquela exercida preponderantemente, enquanto a atípica é exercida secundariamente. Ademais, os poderes são autônomos, mas harmônicos entre si, devendo haver colaboração e controle recíproco, a fim de evitar distorções e desmandos. Mas é claro que sempre haverá desarmonia se forem acrescentadas atribuições, faculdades e prerrogativas de um Poder em detrimento de outro.
Portanto, percebe-se que nos dias atuais, como aponta Fernanda de Souza45, o princípio da separação dos poderes não pode mais ser interpretado de forma absoluta, pois é nítida a possibilidade de um poder intervir na competência do outro em caso de omissão, principalmente no que se refere aos direitos fundamentais, em especial o direito à saúde, uma vez que eles devem ser harmônicos entre si, evitando qualquer tipo de abuso.
Neste exato ponto, muito importante se faz destacar o que de fato seria o “Sistema de Freios e Contrapesos”. Segundo brilhantemente perfilhado pelo professor José Afonso da Silva46, a divisão de funções entre os órgãos do poder e sua independência não é absoluta. Refere o mesmo que se deve buscar o equilíbrio necessário para o bem da coletividade, e que a característica principal deste mecanismo é a harmonia entre os poderes. Portanto, o argumento de que a judicialização viola a separação de poderes é totalmente descabido, uma vez que o que deve ser priorizado é a garantia do direito fundamental.
Tendo em vista a ocorrência da impotência do artigo 196 da Constituição da República, percebe-se que o direito à saúde, certamente, carece de “máxima eficácia”. Ademais, afirma Schwartz47, que “essa questão é muito complexa para que se restrinja em um único agente resolutivo, tendo todos os poderes responsabilidade na área, não podendo se eximir dessa obrigação”. Caberá, portanto, ao Judiciário a função de corrigir as eventuais desigualdades ocorridas no direito postulado, verificando a ausência ou até mesmo a insuficiência de políticas públicas.
No entanto, para que isso seja possível, é necessário que a atuação judicial se dê de forma secundária, ou seja, primeiramente deve o cidadão buscar seu direito à saúde pela via administrativa e, somente com a negativa, é que deve recorrer à via judicial. Dessa forma, não cumprindo o Poder Executivo com o seu papel de garantidor, seja por ausência de recursos, seja por falta de políticas públicas, é evidente a possibilidade de se recorrer ao Poder Judiciário a fim de ver efetivado um direito fundamental.
Seguindo exatamente esta mesma linha de raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça menciona, num dos seus julgados, que “seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais”, conforme transcrição in verbis:
ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTOS A HOSPITAL UNIVERSITÁRIO – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO ESTADO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO-OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL.
1. Não comporta conhecimento a discussão a respeito da legitimidade do Ministério Público para figurar no pólo ativo da presente ação civil pública, em vista de que o Tribunal de origem decidiu a questão unicamente sob o prisma constitucional.
2. Não há como conhecer de recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial ante a não-realização do devido cotejo analítico.
3. A partir da consolidação constitucional dos direitos sociais, a função estatal foi profundamente modificada, deixando de ser eminentemente legisladora em pró das liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a missão de transformar a realidade social. Em decorrência, não só a administração pública recebeu a incumbência de criar e implementar políticas públicas necessárias à satisfação dos fins constitucionalmente delineados, como também, O PODER JUDICIÁRIO TEVE SUA MARGEM DE ATUAÇÃO AMPLIADA, COMO FORMA DE FISCALIZAR E VELAR PELO FIEL CUMPRIMENTO DOS OBJETIVOS CONSTITUCIONAIS.
4. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. Com efeito, a correta interpretação do referido princípio, em matéria de políticas públicas, deve ser a de utilizá-lo apenas para limitar a atuação do judiciário quando a administração pública atua dentro dos limites concedidos pela lei. EM CASOS EXCEPCIONAIS, QUANDO A ADMINISTRAÇÃO EXTRAPOLA OS LIMITES DA COMPETÊNCIA QUE LHE FOR A ATRIBUÍDA E AGE SEM RAZÃO, OU FUGINDO DA FINALIDADE A QUAL ESTAVA VINCULADA, AUTORIZADO SE ENCONTRA O PODER JUDICIÁRIO A CORRIGIR TAL DISTORÇÃO RESTAURANDO A ORDEM JURÍDICA VIOLADA.
5. O indivíduo não pode exigir do estado prestações supérfluas, pois isto escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica. Por outro lado, qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem motivos, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado Democrático de Direito. Por este motivo, o princípio da reserva do possível não pode ser oposto ao princípio do mínimo existencial.
6. Assegurar um mínimo de dignidade humana por meio de serviços públicos essenciais, dentre os quais a educação e a saúde, é escopo da República Federativa do Brasil que não pode ser condicionado à conveniência política do administrador público. A omissão injustificada da administração em efetivar as políticas públicas constitucionalmente definidas e essenciais para a promoção da dignidade humana não deve ser assistida passivamente pelo Poder Judiciário.
7. Recurso Especial parcialmente conhecido e improvido. (STJ. Recurso Especial n. 1041197 – MS. Recorrente: Estado do Mato Grosso do Sul, Recorrido: Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul. Relator: Min. Humberto Martins. Brasília, DJ 16 set. 2005.)
Em sentido contrário, Antônio Nunes e Fernando Scaff48, opositores da tese aqui defendida, alegam que a vinculação do estado democrático à Constituição e à lei abrange também o Poder Judiciário, que não pode exercer funções e tomar decisões que não cabem nas suas competências constitucionais, salientando que, “sendo o orçamento aprovado por uma lei do Poder Legislativo, carece de legitimidade o ato de um juiz que se proponha alterar essa lei, modificando a afetação das receitas constantes da lei do orçamento, ou que cometa ao Executivo o dever de alterá-la para poder cumprir a sentença do juiz”.
Seguem os autores afirmando que quem tem a primeira e principal escolha trágica sobre quais serão os destinatários e as prioridades dos gastos públicos com saúde é, no direito brasileiro, o Parlamento, através de um interessante mecanismo de planejamento intitulado Sistema Orçamentário, composto por três leis: PPA – Plano Plurianual, LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias e LOA – Lei Orçamentária Anual, na forma do artigo 165 da Constituição. Cabe, portanto, ao Poder Legislativo a definição sobre quem vai receber estas prestações sociais e quais as prioridades, através do processo orçamentário.
Informam que a isto se chama “discricionariedade do legislador”, que nada mais é do que a possibilidade de escolha pelo legislador dos objetivos de curto e médio prazo que devam ser implementados visando alcançar as metas estabelecidas na Constituição. E a função do Poder Executivo é a de realizar estes gastos e implementar os objetivos, da forma e no limite estabelecido pela lei. Ressalvam que existe uma margem de “discricionariedade administrativa”, mas deixam claro que esta é circunscrita pelas normas constitucionais e legais que regem as situações concretas sob responsabilidade da Administração.
Portanto, para eles49, o papel do Judiciário não é o de substituir o Poder Legislativo, transformando o que é “discricionariedade legislativa” em “discricionariedade judicial”, mas o de dirimir conflitos nos termos da Constituição e das leis do país. Afirmam que “existe a nítida convicção no meio jurídico brasileiro que a concretização da Justiça só pode ocorrer através do Judiciário, como se este tivesse o monopólio da realização da Justiça, sendo impossível alcançá-la através de ações dos demais Poderes ou de entes privados. Esta idéia faz com que muitos dos operadores jurídicos assumam uma função de verdadeiros ‘paladinos da Justiça’, deixando muitas vezes a legislação de lado e interpretando diretamente a Constituição a seu talante”.
Ocorre que, diante da triste realidade social em que vive o nosso país, a intervenção jurisdicional quanto aos direitos fundamentais é essencial, tendo em vista que “não se estaria invadindo a competência de outro poder, mas apenas reconhecendo que os outros não estão tutelando os interesses do demandante, sendo, portanto, obrigado a recorrer à via jurisdicional” 50. Destarte, “a procura pelo Judiciário na área da saúde faz com que este desempenhe um papel de correção da gestão da política pública, que têm deficiências, sendo, muitas vezes, a única via para proteção do direito à vida, à saúde e à dignidade” 51.
Ressalva-se, entretanto, que o julgador, ao desempenhar tal papel, deve ter a máxima cautela e responsabilidade, analisando as provas, o cumprimento da decisão quando deferida no âmbito do Sistema Público de Saúde, a prescrição médica e as alegações trazidas pelos entes da Federação da negativa da prestação. Com tais observações, conclui-se sustentando que cumpre aos tribunais executar o que a Constituição determina e que tal atitude não fere a democracia, muito menos o princípio da separação dos poderes.
4.2.2 Reserva do Possível
No âmbito da judicialização do direito à saúde, outra questão de solução não menos tormentosa tem margem quando consideradas as limitações financeiras e orçamentárias do Estado. Isso porque o problema dos direitos sociais prestacionais, como a saúde, envolve uma série de questões, mas o que se tem de evidente é que, possuindo uma dimensão positiva, a principal questão é a econômica, uma vez que toda prestação tem seu “custo”. Nesse sentido, utiliza-se como argumento contrário à possibilidade de intervenção do Poder Judiciário na busca da efetivação do direito à saúde a ausência de recursos, justamente através da invocação da teoria da reserva do possível.
Inicialmente, vale mencionar que tal teoria surgiu na Alemanha, com a decisão chamada ‘Numerus Clausus’. “O Tribunal Constitucional alemão decidiu que o direito postulado encontra-se sujeito à reserva do possível, no sentido daquilo que o indivíduo pode esperar da sociedade. Percebe-se, então, que esta teoria, em sua origem, não se refere única e exclusivamente a orçamentos e recursos, mas também menciona a condição de razoabilidade como referência principal”.52 Ocorre que, com as interpretações que foram sendo feitas ao longo do tempo, essa teoria passou a ser entendida como a “teoria da reserva do financeiramente possível”.
Confirmando as mudanças nas interpretações da referida teoria, o entendimento hodierno que prevalece no meio jurídico nacional refere que a expressão “reserva do possível” contextualiza o dilema de cunho econômico que se dá quando as necessidades sociais são ilimitadas e os recursos do Erário para supri-las, insuficientes. Com tal percepção, a sociedade teria que se contentar com uma fronteira que demarca o que é possível para o orçamento público, a fim de atendê-la.
Antônio Nunes e Fernando Scaff53, na mesma linha de raciocínio, entendem que “reserva do possível” é um conceito econômico que decorre da constatação da existência de escassez dos recursos, públicos ou privados, em face da vastidão das necessidades humanas; e cada indivíduo, ao fazer suas escolhas e eleger suas prioridades, tem que levar em conta os limites financeiros de suas disponibilidades econômicas, o mesmo valendo para as escolhas públicas, que devem ser realizadas no seio do Estado pelos órgãos competentes para fazê-lo. Assim, na visão dos mesmos:
Como os recursos financeiros ao dispor do estado são sempre escassos para satisfazer plenamente todos os direitos de todos, é necessário escolher qual a parte desses recursos que se destina a cobrir as despesas decorrentes da satisfação dos direitos, liberdades e garantias e qual a parte que vai cobrir as despesas com as prestações do estado para tornar efetivos os direitos econômicos, sociais a culturais, sendo esta uma escolha política, que, de forma alguma, caberia na competência dos tribunais.
Entretanto, discordando de tal posicionamento, entende-se que o correto é que, se há escassez de recursos financeiros, o que estiver disponível deverá ser obrigatoriamente aproveitado na persecução dos direitos considerados fundamentais pela normativa constitucional, como o direito à saúde, até que esses sejam alcançados. Posteriormente, sim, o legislador infraconstitucional poderá decidir em que aplicar os recursos que sobrarem, se sobrarem, de acordo com as prioridades decididas democraticamente em cada ocasião.
O direito fundamental à saúde é direito de todos e dever do Estado. Nesse sentido, alude Fabiana Barletta54 que, se os recursos do Erário são insuficientes, que se retirem insumos de outras áreas não contempladas pelo Constituinte com a fundamentalidade que fora outorgada a esse direito de cunho essencial, que envolve a integridade psicofísica e a vida dos cidadãos. Fazer relativizações do direito à saúde acaba por levar a ponderações perigosas do tipo “por que gastar dinheiro com doentes incuráveis ou terminais?” ou “por que gastar dinheiro com doentes idosos, principalmente com os muito idosos, se eles se encontram biologicamente próximos da morte?”
Da mesma forma, Fernanda de Souza55, tomando por fundamento a visão de Canotilho, entende que a teoria da reserva do possível deve sofrer certa relativização a fim de se concretizarem os direitos fundamentais, e mais especificamente, os direitos sociais. Assim, não há falar nesta teoria como limite para concretização do direito fundamental à saúde, uma vez que a Constituição jamais autorizaria a ofensa à vida, à dignidade da pessoa humana, à integridade física e ao bem-estar das pessoas, predominando-se a organização das contas públicas.
O Supremo Tribunal Federal, através de uma de suas dignas vozes, Excelentíssimo Ministro Celso de Mello, apresenta inteligente orientação no seguinte sentido, in verbis:
Não deixo de conferir significativo relevo ao tema pertinente à ‘reserva do possível’ (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Righs”, 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadas de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.
É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.
Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.
Cumpre advertir, desse modo, que A CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL" - RESSALVADA A OCORRÊNCIA DE JUSTO MOTIVO OBJETIVAMENTE AFERÍVEL - NÃO PODE SER INVOCADA, PELO ESTADO, COM A FINALIDADE DE EXONERAR-SE DO CUMPRIMENTO DE SUAS OBRIGAÇÕES CONSTITUCIONAIS, NOTADAMENTE QUANDO, DESSA CONDUTA GOVERNAMENTAL NEGATIVA, PUDER RESULTAR NULIFICAÇÃO OU, ATÉ MESMO, ANIQUILAÇÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS IMPREGNADOS DE UM SENTIDO DE ESSENCIAL FUNDAMENTALIDADE. (STF. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 45 MC/DF – Informativo do STF nº. 345.)
Ainda com este mesmo pensamento, quando houver em pauta uma questão judicial, para aplicação dessa teoria deverá ser considerado aquilo que é desejável, dentro do possível economicamente. Importante salientar que se o Poder Público invocar a teoria da reserva do possível a fim de não cumprir com sua obrigação constitucional, cabe a ele o ônus de provar que não há recursos, para só então poder o Judiciário se manifestar, de acordo com a razoabilidade. Desse modo, só será aplicada tal teoria se for devidamente comprovado que a prestação gerará mais prejuízos do que vantagens.
Nesta linha contextual, é oportuno citar outro precedente jurisprudencial firmado pelo Supremo Tribunal Federal, com posicionamento bastante semelhante ao ora defendido:
E M E N T A: PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E A SAÚDE – FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF ARTS. 5O, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. ODIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO A VIDA.
O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). TRADUZ EM BEM JURÍDICO CONSTITUCIONALMENTE TUTELADO, POR CUJA INTEGRIDADE DEVE VELAR, DE MANEIRA RESPONSÁVEL, O PODER PÚBLICO, A QUEM INCUMBE FORMULAR - E IMPLEMENTAR - POLÍTICAS SOCIAIS E ECONÔMICAS IDÔNEAS QUE VISEM A GARANTIR, AOS CIDADÃOS, INCLUSIVE ÀQUELES PORTADORES DO VÍRUS HIV, O ACESSO UNIVERSAL E IGUALITÁRIO A ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA E MÉDICO-HOSPITALAR.
O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência Constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público qualquer que seja a esfera Institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.
O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
[...]
Tal como pude enfatizar, em decisão por mim proferida no exercício da presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246-SC), ENTRE PROTEGER INVIOLABILIDADE DO DIREITO À VIDA E À SAÚDE, QUE SE QUALIFICA COMO DIREITO SUBJETIVO INALIENÁVEL ASSEGURADO A TODOS PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (ART. 5º, CAPUT E ART. 196), OU FAZER PREVALECER, CONTRA ESSA PRERROGATIVA FUNDAMENTAL, UM INTERESSE FINANCEIRO E SECUNDÁRIO DO ESTADO, ENTENDO - UMA VEZ CONFIGURADO ESSE DILEMA - QUE RAZÕES DE ORDEM ÉTICO-JURÍDICA IMPÕEM AO JULGADOR UMA SÓ E POSSÍVEL OPÇÃO: AQUELA QUE PRIVILEGIA O RESPEITO INDECLINÁVEL À VIDA E À SAÚDE HUMANA, notadamente daqueles que têm acesso, por força de legislação local, ao programa de distribuição gratuita de medicamentos, instituído em favor de pessoas carentes.
[...]
O sentido de fundamentalidade do direito à saúde - que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básico da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas - impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias [...] se promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional. (STF. Agravo no Recurso Extraordinário n. 271286 - RS. Agravante: Município de Porto Alegre, Agravada: Diná Rosa Vieira. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, DJ 24 nov. 2000.)
O acórdão do STF acima referido classifica como interesse financeiro e secundário do Estado a invocação pelo Executivo da escassez de recursos para atender os pretensos direitos subjetivos dos cidadãos a obter os tratamentos ou medicamentos necessários à recuperação da sua saúde. Sendo, portanto, o interesse financeiro secundário e menor, ele não deve prevalecer quando estiver em pauta o direito à saúde, o direito à dignidade humana e o direito à vida, exatamente porque a saúde, a dignidade humana e a vida “não têm preço”.
Novamente Antônio Nunes e Fernando Scaff56, contrariamente, afirmam que não há – em nenhum país do mundo – recursos financeiros bastantes para atender, sem limites, todas as exigências de todos quanto à satisfação plena dos direitos sociais, econômicos e culturais. E não é uma questão secundária (relativa ao vil metal) a questão de saber se deve dar-se prioridade às despesas com a saúde comunitária, no quadro de políticas estruturadas, programadas e geridas com critérios de eficiência e ética, ou se devem privilegiar-se as despesas com meios de diagnóstico, tratamento e medicamentos que satisfaçam as necessidades individuais de determinados doentes.
Tais autores ressalvam, ainda, que é de se observar que o conceito de “reserva do possível” está casado com outro, muito caro aos direitos sociais, que é o da progressividade na concretização desses direitos. Os direitos prestacionais, tal como o direito à saúde, não são direitos que se disponibilizam integralmente de uma única vez. São direitos fornecidos progressivamente pelo Estado, de modo que, passo a passo, em um ritmo crescente, ele se torna cada vez mais concretizado. Os direitos sociais são direitos implementados à prestação, de forma progressiva.
Seguem dispondo que “jamais haverá recursos suficientes para implementar de forma cabal o direito à saúde de modo a satisfazer plenamente todas as necessidades da sociedade” 57. Os recursos públicos são escassos, mas, a despeito disso, devem sempre ser utilizados de modo a ampliar as prestações sociais que implementem os direitos sociais previstos em nossa Constituição. Deste modo, para os opositores da tese, deve-se buscar junto ao Poder Judiciário controlar as lacunas na prestação de ações de saúde visando corrigi-las e atualizá-las de acordo com a ciência e a técnica médica, e de conformidade com os recursos públicos que venham a ser disponibilizados para tanto, sempre de forma progressiva a fim de atender às necessidades de toda a população.
Entretanto, é forçoso chegar à conclusão de que o direito social à saúde é peculiar, pois o direito à vida encontra-se atrelado a ele. E “a tutela da vida não requer apenas atitudes de defesa à integridade psicofísica da pessoa humana por parte do Estado, mas também atitudes positivas dele, uma vez que a proteção desse direito fundamental clássico depende ainda da prestação de serviços públicos, a fim de que os indivíduos não passem por graves intimidações à sua própria liberdade”.58 Assim, o critério da viabilidade orçamentária deve ser relativizado quando a demanda judicial envolver a vida humana, direito constitucional fundamental, cuja eficácia depende de condições materiais oferecidas pelo Estado.
4.2.3 Mínimo Existencial
Ainda no campo dos argumentos contrários à judicialização do direito à saúde, os seus opositores também opinam no sentido de que o garantido por meio dos direitos fundamentais sociais é um mínimo vital, e que a este mínimo vital estaria vinculado a prestação material por parte dos Poderes Públicos, não fazendo sentido, portanto, a interferência do Poder Judiciário exigindo atuação além desse valor mínimo abstratamente estabelecido.
Cumpre esclarecer que a teoria do mínimo existencial tem como objetivo maior a possibilidade de o indivíduo garantir seu direito subjetivo contra o Poder Público, quando houver diminuição da prestação de direitos básicos, garantidores da existência digna de qualquer ser humano. Entende-se, então, que através de tal teoria o cidadão teria como requerer um mínimo dos meios de sobrevivência ou subsistência, de forma que, sem esse mínimo, não haveria possibilidade de sobrevivência.
Fácil é perceber, assim, que a condição de um mínimo existencial está diretamente ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana. Ademais, apesar dessa garantia não estar expressamente prevista na Constituição Federal de 1988, pode-se notar a sua marcante presença em todo o ordenamento jurídico pátrio e, também, no texto constitucional, que determina em seu artigo 170 que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna”.
Além do mais, mesmo não tendo sido consagrada explicitamente pela Constituição da República, como relatado, destaca Mariana Figueiredo59 que a garantia de salvaguarda do mínimo existencial é delimitada conceitualmente pela doutrina, ora como dado pré-constitucional, ora como direito fundamental decorrente do Estado Social e da proteção à vida, à integridade física e corporal, à dignidade da pessoa humana e uma série de outros direitos fundamentais.
Segue a mesma autora60 afirmando que a noção de mínimo existencial releva nas pretensões à efetivação dos direitos sociais a prestações materiais, servindo como parâmetro que se contrapõe diante de eventuais objeções lançadas à eficácia jurídica e à efetividade social desses direitos. Logo, ao Estado compete a prestação de condições mínimas à consecução de uma vida digna, em que está contido, certamente, o dever de disponibilizar um serviço público de saúde de qualidade, por exemplo.
No mesmo sentido, refere Dirley da Cunha61 que:
A Constituição Federal de 1988 avançou muito em relação aos direitos sociais, e, pondo fim a uma discussão doutrinária estéril, inseriu os direitos sociais no título II que trata dos direitos fundamentais, não deixando mais qualquer dúvida quanto a natureza destes direitos: os direitos sociais são verdadeiros direitos fundamentais, com força normativa e vinculante, que investem os seus titulares de prerrogativas de exigir do Estado as prestações positivas indispensáveis à garantia do mínimo existencial.
E tal tese é a que prevalece no meio jurídico nacional, como se comprova através da transcrição de variados julgados de Tribunais de Justiça Estaduais que reconhecem que, quando em pauta controvérsia em termos de mínimo existencial da vida humana, é de se impor a adoção de medidas de eficácia objetiva intentando o resguardo do interesse público indisponível, como menciona os trazidos logo abaixo:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO - DIREITO À SAÚDE - DEVER DO ESTADO (SENTIDO AMPLO) ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE - RESERVA DO POSSÍVEL -OBSERVÂNCIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL - RECURSO DESPROVIDO.
1. Constitui dever do Estado, em sentido lato (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), zelar pela saúde do indivíduo, de sorte que o Município requerido pode ser compelido a fornecer a assistência médica indispensável ao tratamento de doença que acomete pessoa desprovida de recursos financeiros.
2. O PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL NÃO PODE SER OPOSTO AO PRINCÍPIO DO MÍNIMO EXISTENCIAL, VISTO QUE SE DEVE GARANTIR AO CIDADÃO UM MÍNIMO DE DIREITOS QUE SÃO ESSENCIAIS A UMA VIDA DIGNA, ENTRE OS QUAIS SE INCLUI O PLENO ACESSO A UM SERVIÇO DE SAÚDE DE QUALIDADE. (TJ/MS. Apelação Cível 29049 – MS. Apelante: Estado do Mato Grosso do Sul. Apelada: Marilene da Silva Martinez Aguiar. Relator: Des. Josué de Oliveira. Mato Grosso do Sul, DJ 17 jan. 2012.)
EMBARGOS INFRINGENTES. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO (DIREITO À SAÚDE). AÇÃO ORDINÁRIA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO.
1. A promoção da saúde constitui-se em dever do Estado, em todas as suas esferas de poder, caracterizando-se a solidariedade entre União, Estados e Municípios, e, estando devidamente demonstrada a necessidade do medicamento e a impossibilidade da autora em custeá-lo, mostra-se adequada a sentença que julgou procedente seu pedido.
2. VERSANDO A CONTROVÉRSIA EM TERMOS DE MÍNIMO EXISTENCIAL DA VIDA HUMANA, É DE SE IMPOR A ADOÇÃO DE MEDIDAS DE EFICÁCIA OBJETIVA PARA QUE ESSE INTERESSE PÚBLICO INDISPONÍVEL SEJA RESGUARDADO, como no caso, em que está devidamente demonstrada a necessidade do material, bem como dos medicamentos, e a impossibilidade da autora em custeá-los.
3. Comprovada a necessidade da utilização das fraldas geriátricas pleiteadas, em razão de apresentar grave doença, bem como a sua insuficiência financeira em arcar com tal despesa, é de ser acolhida a pretensão. EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS. (TJ/RS. Embargos Infringentes - Processo nº 70050569052. Embargante: Marli de Medeiros Ramos. Embargado: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Des. Rogério Gesta Leal. Rio Grande do Sul, DJ 15 fev. 2013.)
AGRAVO DE INSTRUMENTO - CONSTITUCIONAL - AÇÃO COMINATÓRIA - PACIENTE AGUARDANDO REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO - NECESSIDADE DE EXAME - CARÊNCIA DE RECURSOS FINANCEIROS POR PARTE DO ENFERMO - PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE - DEVER DO ESTADO - MÍNIMO EXISTENCIAL - GARANTIA CONSTITUCIONAL INTRINSECAMENTE LIGADA AO DIREITO À VIDA - ANTECIPAÇÃO DA TUTELA - AGRAVO PROVIDO.
1. A saúde é direito constitucionalmente assegurado à pessoa humana, portanto, é dever do estado fornecer condições ao seu pleno exercício.
2. O DIREITO SOCIAL À SAÚDE CONSTITUI DIREITO INTRINSECAMENTE LIGADO AO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA, DEVENDO O ESTADO GARANTIR O MÍNIMO EXISTENCIAL À PESSOA HUMANA, PARA QUE TENHA UMA EXISTÊNCIA DIGNA. Dignidade esta que abrange o direito à vida e à integridade física, pressupondo uma atuação positiva do estado em relação à pessoa humana, e que constitui um dos aspectos que consubstanciam a dignidade da pessoa humana, como fundamento da república federativa do brasil. CF. artigo 1º, inciso III. (TJ/DF. Agravo de Instrumento 219606020118070000 – DF. Agravante: Bernardo Gomes da Silva. Agravado: Distrito Federal. Relator: Des. Lecir Manoel da Luz. Distrito Federal, DJ 26 mar. 2012.)
Sidney Guerra e Lílian Emerique62 destacam que as formulações em torno do mínimo existencial expressam que este apresenta uma vertente garantística e uma vertente prestacional. A sua feição garantística impede a agressão do direito, isto é, requer cedência de outros direitos ou de deveres perante a garantia de meios que satisfaçam as mínimas condições de vivência digna da pessoa ou da sua família. E, neste aspecto, o mínimo existencial acaba por vincular tanto o Estado, como o particular. Já a feição prestacional do mínimo existencial tem caráter de direito social, logo, exigível frente ao Estado.
Para os mesmos, um dos maiores problemas em relação ao aspecto prestacional da teoria do mínimo existencial consiste em determinar quais as prestações de direitos fundamentais sociais que conformam o seu núcleo. E, para eles, ainda que seja validamente vencida esta etapa, perdurará a dificuldade de saber em relação a cada direito particular qual a extensão da obrigação do Estado de prover ou satisfazer adequadamente a necessidade ou interesse social ou econômico tutelados pelo direito.
Assim que “parte da doutrina sustenta que a teoria do mínimo existencial, pela falta de critérios para a definição de quais direitos e prestações estariam abrangidos na garantia, perder-se-ia num excessivo voluntarismo político, abrindo espaço para negociações e barganhas no âmbito dos direitos fundamentais, ficando o mínimo para a vida humana à mercê da vontade dos governantes” 63. O mínimo existencial, nessa acepção, estaria servindo de lastro teórico para interpretar de forma constritiva a aplicação dos direitos sociais, esvaziando-os em amplitude e magnitude.
Como se percebe, a discussão em torno do mínimo existencial suscita inúmeras controvérsias como, por exemplo, a sua conceituação, a identificação de quais prestações são indispensáveis para a manutenção de uma vida digna, a função do Estado na promoção e proteção desse mínimo existencial, dentre outras tantas. E o pano de fundo de tal querela é o papel do Direito diante da escassez de recurso, trazendo à tona a indagação se essa escassez de bens e a carência de muitas pessoas podem ser resolvidas com a intervenção do Poder Judiciário velando pela efetivação dos direitos fundamentais sociais.
Entretanto, apesar de todas essas controvérsias que cercam tal teoria, faz-se mister ressaltar, como sugere Fabiana Barletta64, que o “mínimo existencial” tem sua extensão aprofundada e, inclusive, maximizada, na medida da essencialidade do bem que o Estado irá prestar, porque sua substância é parte do conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana, razão pela qual o mínimo existencial em matéria de saúde, e, particularmente, em questões que envolvam a pessoa idosa, direito de ordem prioritária e componente do teor do princípio da dignidade humana, é, dessa forma, alargado.
Dessa forma, se valendo agora dos ensinamentos de Mariana Figueiredo65, há de se ter presente que o reconhecimento de prestações materiais originárias mínimas em saúde não dispensa o sujeito passivo, seja o Estado ou o particular, do dever de direcionar esforços para a consolidação da máxima efetividade possível do direito – o que importa no oferecimento de prestações que excedam o mínimo, sempre que isso seja viável.
É de se compreender, assim, que “a temática do mínimo existencial, certamente válida para evitar desperdícios e gastos desproporcionais ao necessário à dignidade da pessoa humana, quando aplicada à saúde das pessoas de idade avançada, não é, e sequer pode ser, tão mínima assim” 66. Vale aqui ressaltar, mais uma vez, o valor do cuidado que deve ser consignado aos idosos por sua extrema vulnerabilidade. Finaliza-se, então, com a noção de que, nas tarefas estatais de incrementar os recursos públicos e atender pessoas idosas em suas necessidades de saúde, evidentemente sobreleva a segunda tarefa posto que, interesses de cunho patrimonial não podem jamais figurar como merecedores de maior proteção e promoção por parte do Estado.
4.3 Argumentos favoráveis
4.3.1 Omissões dos Poderes Políticos
Diante de tudo até aqui considerado, e destacando a questão da íntima relação entre o direito a saúde, o direito à vida e o princípio da dignidade humana, é forçoso aceitar que o não atendimento da necessidade dos cidadãos no que diz respeito à saúde, por conta da inação dos poderes políticos, tornou fundamental a intervenção do Poder Judiciário para a satisfação das demandas nessa área. Ademais, seguindo a teoria da máxima efetividade, se o direito está positivado na Constituição da República, ele deve ser efetivado imediatamente e sob qualquer condição.
Como já ressaltado no decorrer do trabalho, o Supremo Tribunal Federal tem defendido a tese de que cabe nas competências do Poder Judiciário evitar que as omissões do poder político, nomeadamente do Executivo, façam perecer os direitos fundamentais previstos na Constituição, assumindo que, “quando a Constituição consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impõe-se ao Judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária” 67.
Nesse sentido que, sensível às aspirações e às exigências da população, o STF tem procurado resolver alguns problemas delicados que o Congresso Nacional não estaria disponível para resolver, ajudando talvez a aliviar tensões, ao mesmo tempo em que faz ver aos demais poderes do Estado que não podem continuar a “ignorar” a vontade difusa dos cidadãos no sentido de encontrar soluções para problemas que se arrastam há anos.
Mais uma vez, se posicionando contrariamente, Nunes e Scaff68 consideram que é um enorme poder o que assim é assumido pelo Poder Judiciário, ocupando o espaço deixado livre pela inação dos restantes dos Poderes. Em termos de organização do estado democrático, os autores não concordam com esta lógica, por mais que, humanamente, possam compreender a tentação dos Tribunais para atuarem deste modo, perante a incapacidade crônica dos demais Poderes, ocupados por interesses que muitas vezes não coincidem com os dos cidadãos eleitores.
Mas o certo é que pode acontecer de a maioria política vulnerar direitos fundamentais. Quando isso ocorre, cabe ao Judiciário agir. É nesse ambiente, é nessa dualidade presente no Estado democrático que se coloca a questão essencial: podem juízes e tribunais interferir com as deliberações dos órgãos que representam as maiorias políticas – o Legislativo e o Executivo -, impondo ou invalidando ações administrativas e políticas públicas? Segundo Barroso69, a resposta será afirmativa sempre que o Judiciário estiver atuando, inequivocamente, para preservar um direito fundamental previsto na Constituição ou para dar cumprimento a alguma lei existente, pois:
Sempre que a Constituição define um direito fundamental ele se torna exigível, inclusive mediante ação judicial. Pode ocorrer de um direito fundamental precisar ser ponderado com outros direitos fundamentais ou princípios constitucionais, situação em que deverá ser aplicado na maior extensão possível, levando-se em conta os limites fáticos e jurídicos, preservado o seu núcleo essencial. O Judiciário deverá intervir sempre que um direto fundamental – ou infraconstitucional – estiver sendo descumprido, especialmente se vulnerado o mínimo existencial de qualquer pessoa.
E, confirmando a tendência favorável dos próprios órgãos do Poder Judiciário, no que diz respeito ao fenômeno da judicialização do direito à saúde, são em grande número as decisões de Tribunais de Justiça Estaduais reconhecendo o dever do Estado de fornecer gratuitamente medicamentos ou tratamento a pessoas doentes e condenando o Estado ao pagamento de multa diária por não cumprimento deste dever, havendo casos em que se determina o bloqueio de valores em contas públicas para garantir o custeio do referido medicamento ou tratamento.
Além disso, o Superior Tribunal de Justiça também se posiciona, em sua maioria, de forma favorável a intervenção do Judiciário ante a omissão do Poder Público, conforme transcrição do seguinte julgado:
ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. DIREITO SUBJETIVO. PRIORIDADE. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ESCASSEZ DE RECURSOS. DECISÃO POLÍTICA. RESERVA DO POSSÍVEL. MÍNIMO EXISTENCIAL.
1. A vida, saúde e integridade físico-psíquica das pessoas é valor ético-jurídico supremo no ordenamento brasileiro, que sobressai em relação a todos os outros, tanto na ordem econômica, como na política e social.
2. O DIREITO À SAÚDE, expressamente previsto na Constituição Federal de 1988 e em legislação especial, É GARANTIA SUBJETIVA DO CIDADÃO, EXIGÍVEL DE IMEDIATO, EM OPOSIÇÃO A OMISSÕES DO PODER PÚBLICO. O legislador ordinário, ao disciplinar a matéria, impôs obrigações positivas ao Estado, de maneira que está compelido a cumprir o dever legal.
3. A falta de vagas em Unidades de Tratamento Intensivo - UTIs no único hospital local viola o direito à saúde e afeta o mínimo existencial de toda a população local, tratando-se, pois, de direito difuso a ser protegido.
4. Em regra geral, descabe ao Judiciário imiscuir-se na formulação ou execução de programas sociais ou econômicos. Entretanto, como tudo no Estado de Direito, as políticas públicas se submetem a controle de constitucionalidade e legalidade, mormente quando o que se tem não é exatamente o exercício de uma política pública qualquer, mas a sua COMPLETA AUSÊNCIA OU CUMPRIMENTO MERAMENTE PERFUNCTÓRIO OU INSUFICIENTE.
5. A reserva do possível não configura carta de alforria para o administrador incompetente, relapso ou insensível à degradação da dignidade da pessoa humana, já que é impensável que possa legitimar ou justificar a omissão estatal capaz de matar o cidadão de fome ou por negação de apoio médico-hospitalar. A escusa da "limitação de recursos orçamentários" frequentemente não passa de biombo para esconder a opção do administrador pelas suas prioridades particulares em vez daquelas estatuídas na Constituição e nas leis, sobrepondo o interesse pessoal às necessidades mais urgentes da coletividade. O absurdo e a aberração orçamentários, por ultrapassarem e vilipendiarem os limites do razoável, as fronteiras do bom-senso e até políticas públicas legisladas, são plenamente sindicáveis pelo Judiciário, não compondo, em absoluto, a esfera da discricionariedade do Administrador, nem indicando rompimento do princípio da separação dos Poderes.
6. "A realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador" (REsp. 1.185.474/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.4.2010).
7. Recurso Especial provido. (STJ. Recurso Especial n. 1068731 – RS. Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Min. Herman Benjamin. Brasília, DJ 08 mar. 2008.)
Retornando aos contornos do STF, este defende que “o direito à saúde, como está assegurado no artigo 196 da Constituição, não deve sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele” 70. Mas, em contrário, alega os opositores71 que o que causa embaraços – e muito sérios embaraços – ao bom funcionamento dos serviços públicos de saúde é a permanente intervenção dos tribunais, prescrevendo medicação, alterando os protocolos estabelecidos e subvertendo os orçamentos aprovados para a saúde.
Defendem estes que o que reduz ou dificulta o acesso aos serviços públicos de saúde não são os regulamentos aprovados pelo Executivo, mas as decisões judiciais, uma vez que elas acabam por provocar a sua desarticulação, retirando o direito à saúde aos que não têm dinheiro para pagar seguros privados de saúde e não têm condições de recorrer aos tribunais. Em termos gerias, para eles, “o desvio de fundos para tratamentos ou medicamentos por medida vai necessariamente retirar fundos a outras valências de uma política séria de saúde, que por certo beneficiarão um número de pessoas muito maior e com menores rendimentos”.
Concluem os opositores72 com a afirmação de que:
É sempre bom ter presente, aliás, que nenhum dos direitos fundamentais que as modernas constituições consagram pode ser visto como direito absoluto, como direito sem condições ou sem limites. Não creio que seja bastante invocar-se que as pessoas têm esses direitos porque a Constituição os confere a todas e a cada uma das pessoas. Nem os tribunais nem as Constituições podem ocupar o lugar que pertence à esfera da luta política, à luta dos povos pelos seus direitos, luta que é, em certa perspectiva, a luta de classes.
Ocorre que, não se pode deixar de lado o cidadão que recorre ao Judiciário em busca da concretização do direito à saúde, após ter sido o mesmo negado pelas demais esferas de poder. “Considera-se como atividade própria do Poder Judiciário outorgar tutela a quem pede e merece, sendo fundamental a sua intervenção” 73, garantindo a todos acesso universal e igualitário às ações e serviços públicos de saúde. É seu papel decidir no caso concreto, distribuindo individualmente a Justiça pleiteada por cada parte em litígio. Além do mais, é evidente que, se as políticas públicas fossem suficientes, não haveria razão para o cidadão ter que recorrer ao Judiciário, a fim de ter garantido o seu direito.
Segundo Dirley da Cunha74:
A efetivação do direito social à saúde depende obviamente da existência de hospitais públicos ou postos públicos de saúde, da disponibilidade de vagas e leitos nos hospitais e postos já existentes, do fornecimento gratuito de remédios e existência de profissionais suficientes ao desenvolvimento e manutenção das ações e serviços públicos de saúde. Na ausência ou insuficiência dessas prestações materiais, cabe indiscutivelmente a efetivação judicial desse direito originário à prestação. Assim, assiste ao titular do direito exigir judicialmente do Estado uma dessas providências fáticas necessárias ao desfrute da prestação que lhe constitui objeto.
Na verdade, como sopesado em decisão já citada do STF, “quando a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impõe-se ao Judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária” 75. Sabe-se, evidentemente, que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica dispêndio em atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu.
A insuficiência das chamadas “políticas públicas constitucionais vinculantes”, no entender de Rogério Gesta Leal76, divide a doutrina entre aqueles que a consideram sinônimo de omissão do Poder Público e aqueles que a entendem como uma trágica conseqüência da má estruturação do aparelho estatal e da limitação dos recursos públicos. O significado de tal questão é de suma relevância na abordagem do presente tema, pois determinante para a questão da legitimidade da exigência individual de medicamentos e tratamentos frente à máquina pública.
Assim que há hipóteses em que se torna possível a atuação do Poder Judiciário na resolução de tal problema, em decorrência da aludida omissão do Poder Público. Tal incumbência, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com este comportamento, a eficácia e a integridade de direitos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático.
Considerando-se a omissão do Poder Executivo e do Poder Legislativo, de fato não há que se olvidar da legitimidade do Poder Judiciário para intervir, quando chamado a fazê-lo por meio da prestação jurisdicional. Como ressalta Carolina Martins77, “considerar a ineficácia dos serviços públicos de saúde - não obstante o fato de existirem - equivalente à omissão, implica reconhecer, igualmente, a legitimidade do Judiciário para julgar quando provocado”.
4.3.2 Direito Maior à Vida
A Constituição Federal, no caput do seu artigo 5º, assegura a todas as pessoas o direito à vida, ao dispor que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Sendo o maior dos direitos fundamentais, garantido está pela norma constitucional em cláusula pétrea, sendo, pois, intangível, uma vez que, conforme disposição do seu artigo 60, § 4º, IV, contra ele nem mesmo existe o poder de emendar com vista a aboli-lo, o que impede o surgimento de alguma situação que implique esvaziamento do conteúdo desse dispositivo constitucional.
Como leciona o professor Dirley da Cunha78:
O direito à vida é o direito legítimo de defender a própria existência e de existir com dignidade, a salvo de qualquer violação, tortura ou tratamento desumano ou degradante. Envolve o direito à preservação dos atributos físico-psíquicos (elementos materiais) e espirituais-morais (elementos imateriais) da pessoa humana, sendo, por isso mesmo, o mais fundamental de todos os direitos, condição sine qua non para o exercício dos demais.
Neste mesmo sentido, trazendo ponderações de Maria Helena Diniz, Luciana Roberto79 considera que:
O direito à vida, por ser essencial ao ser humano, condiciona os demais direitos da personalidade. A Constituição Federal de 1988 assegura a inviolabilidade do direito à vida, ou seja, a integralidade existencial, conseqüentemente, a vida é um bem jurídico tutelado como direito fundamental básico desde a concepção, momento específico, comprovado cientificamente, da formação da pessoa. Se assim é, a vida humana deve ser protegida contra tudo e contra todos, pois é objeto de direito personalíssimo.
Buscando um ponto de interseção, cabe mencionar que a saúde se encontra entre os bens intangíveis mais preciosos do ser humano, digna de receber a máxima tutela protetiva estatal, justamente porque, sem maiores controvérsias, se consubstancia em característica indissociável do direito à vida. Dessa forma, a garantia da adequada e eficiente prestação das ações e serviços públicos de saúde constitui um direito de todo cidadão e um dever do Estado, devendo estar plenamente integrada às políticas públicas governamentais.
Deve-se registrar, mais uma vez, que a questão relacionada à saúde reflete a premente necessidade da disponibilidade de serviço público eficiente e de qualidade, uma vez que este surge como uma das formas mais pujante de garantia do direito à vida. Assim que, estabelecida a relação entre o direito à saúde e os conceitos de direito à vida e dignidade da pessoa humana, cumpre observar que a execução daquele, desconsiderando ou mesmo enfraquecendo esses valores básicos fixados pela Constituição, torna-se, além de inadmissível, inconstitucional.
Por conseguinte, detectando-se a ausência ou a falha, por parte dos Poderes Públicos, na prestação dessas ações e serviços públicos de saúde, obviamente o indivíduo ou a parcela da sociedade que se sentir prejudicada deve buscar junto ao Poder Judiciário a rápida e eficaz resolução do problema, não havendo que se falar em “interferência” ou “intromissão” na formulação das políticas públicas, já que a proteção do direito à saúde não pode ser desvinculada da proteção do próprio direito à vida ou do direito a uma existência digna.
Assim, por força dos elementos até este passo desenvolvidos, outra não poderia ser a conclusão quanto à impossibilidade de se dissociarem os vetores da dignidade da pessoa humana do direito à vida e à saúde. Oportuna a averiguação da posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal ao reconhecer que:
PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA.
- O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.
A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ- LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE.
- O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES.
- O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. (STF. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 271.286-8/RS. Recorrente: Município de Porto Alegre e Estado do Rio Grande do Sul, Recorrida: Diná Rosa Viera. Relator: Min. Celso de Mello, Brasília, DJ de 24 nov. 2000.)
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça também manifesta clara concordância com a existência de íntima relação entre o direito à vida e o direito à saúde, como se verifica nas transcrições abaixo trazidas:
RECURSO ESPECIAL. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. PACIENTE PORTADOR DO VÍRUS HIV. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DO ESTADO.
1. Ação ordinária objetivando a condenação do Estado do Rio Grande do Sul e do Município de Porto Alegre ao fornecimento gratuito de medicamento não registrado no Brasil, mas que consta de receituário médico, necessário ao tratamento de paciente portador do vírus HIV.
2. O Sistema Único de Saúde - SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, DE MODO A ATENDER AO PRINCÍPIO MAIOR, QUE É A GARANTIA À VIDA DIGNA.
3. Configurada a necessidade do recorrente de ver atendida a sua pretensão, posto legítima e constitucionalmente garantida, uma vez assegurado o direito à saúde e, em última instância, à vida. A saúde, como de sabença, é direito de todos e dever do Estado.
[...]
6. Recursos especiais desprovidos. (STJ. Recurso Especial n. 684686 – RS. Recorrentes: Município de Porto Alegre e Estado do Rio Grande do Sul, Recorrido: Vladimir Costa Goulart. Relator: Min. Luiz Fux. Brasília, DJ 30 mai. 2005.)
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MENOR SAÚDE. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. ART. 227 DA CF⁄88. LEGITIMATIO AD CAUSAM DO PARQUET. ART. 127 DA CF⁄88. ARTS. 7.º, 200, e 201 DO DA LEI N.º 8.069⁄90. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. MEDIDA EXECUTIVA. POSSIBILIDADE, IN CASU. PEQUENO VALOR. ART. 461, § 5.º, DO CPC. ROL EXEMPLIFICATIVO DE MEDIDAS. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS DE DIREITO FINANCEIRO E ADMINISTRATIVO. NOVEL ENTENDIMENTO DA E. PRIMEIRA TURMA.
1. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.
2. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da Administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF⁄1988 como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Cautelar Inominada, Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.
3. Deveras, é mister concluir que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos.
4. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção final do disposto no art. 127 da CF⁄1988, que o habilita a demandar em prol de interesses indisponíveis.
5. Sob esse enfoque a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF⁄1988, arts. 127 e 129).
6. In casu, trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, objetivando o fornecimento de medicamento para o menor Rafael Vailatti Favero, portador de cardiopatia congênita.
7. O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal é direito indisponível, em função do bem comum, maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria.
[...]
12. Deveras, é lícito ao julgador, à vista das circunstâncias do caso concreto, aferir o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela, tendo em vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas. Máxime diante de situação fática, na qual a desídia do ente estatal, frente ao comando judicial emitido, pode resultar em grave lesão à saúde ou mesmo por em risco a vida do demandante.
13. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À VIDA E À SAÚDE SÃO DIREITOS SUBJETIVOS INALIENÁVEIS, CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADOS, CUJO PRIMADO, EM UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO COMO O NOSSO, QUE RESERVA ESPECIAL PROTEÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, HÁ DE SUPERAR QUAISQUER ESPÉCIES DE RESTRIÇÕES LEGAIS.
[...]
18. Recurso especial desprovido.(STJ. Recurso Especial n. 869.843 – RS – Proc. 2570-32006/015. Recorrente: Estado do Rio Grande do Sul, Recorrido: Ministério Público do Rio Grande do Sul. Relator: Min. Luiz Fux. Brasília, DJ 15 out. 2007.)
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. SÚMULA N. 182/STJ. CUSTEIO DE MEDICAMENTO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE. ART. 461, § 5º, DO CPC.
1. "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada" (Súmula n. 182 do STJ).
2. A Constituição Federal excepcionou da exigência do precatório os créditos de natureza alimentícia, entre os quais incluem-se aqueles relacionados à garantia da manutenção da vida, como os decorrentes do fornecimento de medicamentos pelo Estado.
3. É lícito ao magistrado determinar o bloqueio de valores em contas públicas para garantir o custeio de tratamento médico indispensável, COMO MEIO DE CONCRETIZAR O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO DIREITO À VIDA E À SAÚDE. Nessas situações, a norma contida no art. 461, § 5º, do Código de Processo Civil deve ser interpretada de acordo com esses princípios e normas constitucionais, sendo permitida, inclusive, a mitigação da impenhorabilidade dos bens públicos.
4 - Agravo Regimental não-provido. (STJ. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 795.921 – RS – Proc. 2570-32006/015. Recorrente: Estado do Rio Grande do Sul, Recorrido: Fábio Paris. Relator: Min. João Otávio de Noronha. Brasília, DJ 03 maio 2006.)
Fácil é afirmar, portanto, que a previsão do direito à vida como cláusula pétrea e a sua íntima relação com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana trazem, como clara conseqüência, a necessidade de o Poder Público assegurar a eficiente prestação dos serviços públicos necessários à garantia de uma condição de vida digna. Assim, não há como não concluir que a universalidade da cobertura e do atendimento em matéria de saúde, assim como todos os demais pressupostos para a sua adequada prestação, surgem como necessários instrumentos para a consolidação do direito maior à vida.
4.3.3 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
A dignidade da pessoa humana assume relevo como valor supremo de toda a sociedade para o qual se reconduzem todos os direitos fundamentais da pessoa humana. Como ressalta Dirley80, se valendo dos ensinamentos de Sarlet, é uma qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito por parte do Estado e da comunidade, implicando, assim, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável.
A concepção mais conhecida da dignidade, como registra Mariana Figueiredo81, parte da idéia kantiana de autonomia do ser humano, que consistiria no fundamento da dignidade humana e sustentaria a vedação de que o homem seja tratado com objeto, inclusive por si mesmo. Com a universalização dos direitos humanos após a II Grande Guerra e a proclamação da Declaração Universal de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas – em 1948, consagrou-se a dignidade da pessoa humana como valor fundamental da ordem jurídica, a significar a garantia última da pessoa humana em relação a uma total disponibilidade por parte do poder estatal e/ou social, sendo elevada a “princípio jurídico supremo”.
Assim que, no Brasil, o legislador constituinte elevou à categoria de princípio fundamental da República a dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, como um dos pilares estruturais da organização do Estado. Como qualidade intrínseca de todo ser humano, a dignidade é irrenunciável e inalienável, qualificando-o como tal e dele não podendo ser destacada. Enquanto dimensão existencial e não-patrimonial, liga-se fundamentalmente à proteção da pessoa, da personalidade humana e daquilo que se lhe reconhece como atributo específico.
Guerra e Emerique82, citando Fábio Konder Comparato, assinalam que:
A dignidade da pessoa humana não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita. Daí decorre, como assinalou o filósofo, que todo homem tem dignidade e não um preço, como as coisas.
Pode-se compreender, ainda segundo lições de Mariana Figueiredo83, que a dignidade humana abrange a qualidade inerente a todo ser humano, no sentido de que não possa ser tratado como objeto, disso resultando o reconhecimento de direitos, a que correspondem deveres do Estado e da sociedade, quer de cunho defensivo, visando à proteção da dignidade contra atos de violação; quer por meio de prestações positivas, que viabilizem os meios e implementem as medidas de proteção e concretização da dignidade de todas as pessoas, visando ao desenvolvimento de cada uma.
No caso dos direitos sociais, como é o direito à saúde, a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana fundamenta juízos de inconstitucionalidade, assim como respalda o reconhecimento de um direito fundamental ao mínimo existencial. Nesse sentido, a dignidade da pessoa humana pode impor o fornecimento de prestações materiais pelo Estado, que permitam uma existência autodeterminada, “sem o que a pessoa, obrigada a viver em condições de penúria extrema, se veria involuntariamente transformada em mero objeto do acontecer estatal e, logo, com igual violação do princípio.” 84
Confirmando o entendimento aqui defendido, de que o princípio da dignidade da pessoa humana – quando trazido a discussões judiciais que envolvam questões relativas a direitos sociais – impõe o fornecimento de prestações materiais mínimas por parte do Estado, colaciona-se, a guisa de exemplificação, os seguintes julgados:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. SÚMULA Nº 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. HOSPITAL PARTICULAR. RECUSA DE ATENDIMENTO. OMISSÃO. PERDA DE UMA CHANCE. DANOS MORAIS. CABIMENTO.
1. Não viola o artigo 535 do Código de Processo Civil, nem importa negativa de prestação jurisdicional, o acórdão que adotou, para a resolução da causa, fundamentação suficiente, porém diversa da pretendida pelo recorrente, para decidir de modo integral a controvérsia posta.
2. Não há falar, na espécie, no óbice contido na Súmula nº 7/STJ, porquanto para a resolução da questão, basta a valoração das conseqüências jurídicas dos fatos incontroversos para a correta interpretação do direito. Precedentes.
3. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, ALÇADA A PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO, É VETOR PARA A CONSECUÇÃO MATERIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SOMENTE ESTARÁ ASSEGURADA QUANDO FOR POSSÍVEL AO HOMEM UMA EXISTÊNCIA COMPATÍVEL COM UMA VIDA DIGNA, NA QUAL ESTÃO PRESENTES, NO MÍNIMO, SAÚDE, EDUCAÇÃO E SEGURANÇA.
4. Restando evidenciado que nossas leis estão refletindo e representando quais as prerrogativas que devem ser prioritariamente observadas, a recusa de atendimento médico, que privilegiou trâmites burocráticos em detrimento da saúde da menor, não tem respaldo legal ou moral.
5. A omissão adquire relevância jurídica e torna o omitente responsável quando este tem o dever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir o resultado, como na hipótese, criando, assim, sua omissão, risco da ocorrência do resultado.
6. A simples chance (de cura ou sobrevivência) passa a ser considerada como bem juridicamente protegido, pelo que sua privação indevida vem a ser considerada como passível de ser reparada.
7. Na linha dos precedentes deste Tribunal Superior de Justiça, restando evidentes os requisitos ensejadores ao ressarcimento por ilícito civil, a indenização por danos morais é medida que se impõe.
8. Recurso especial parcialmente provido. (STJ. Recurso Especial n. 1335622 – DF. Recorrentes: Alberdan Nascimento de Araújo e outros, Recorrido: Hospital Santa Lúcia S/A. Relator: Min. Ricardo Villas Boas Cueva. Brasília, DJ 27 fev. 2013.)
APELAÇÃO CÍVEL. ECA. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. SOMATROPINA HUMANA. PROTOCOLO CLÍNICO. ATENDIMENTO PRIORITÁRIO DAS DEMANDAS DE SAÚDE DA POPULAÇÃO INFANTO-JUVENIL. PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, ISONOMIA E INDEPENDÊNCIA DOS PODERES.
1. Enquanto não houver manifestação definitiva do STF no RE 566.471/RN, ainda pendente de julgamento, cuja repercussão geral já foi admitida, para efeitos práticos - ante a jurisprudência consolidada no STJ - admite-se a solidariedade entre União, Estados e Municípios nas demandas que dizem respeito ao atendimento à saúde.
2. O DIREITO À SAÚDE, SUPERDIREITO DE MATRIZ CONSTITUCIONAL, HÁ DE SER ASSEGURADO, COM ABSOLUTA PRIORIDADE ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES E É DEVER DO ESTADO (UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS) COMO COROLÁRIO DO DIREITO À VIDA E DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
3. Ao Judiciário cabe vigiar o cumprimento da Lei Maior, mormente quando se trata de tutelar superdireitos de matriz constitucional, como vida e saúde, ainda mais de crianças e adolescentes, pois o poder público está necessariamente vinculado à promoção, com absoluta prioridade, da saúde da população infanto-juvenil.
4. A Carta Magna, em seu art. 195, estabelece que a Seguridade Social - que compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Admitindo-se, portanto, que se está cumprindo a regra Constitucional, não há falar em inexistência de previsão orçamentária. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (TJ/RS. Apelação - Processo nº 70052702263. Apelante: E.R.G.S. Apelado: M.S.L. e M.P. Relator: Des. Luiz Felipe Brasil Santos. Rio Grande do Sul, DJ 18 abr. 2013.)
Não há como negar que a grande maioria dos direitos e garantias fundamentais se reporta, ainda que em modo e intensidade diferentes, à noção de dignidade da pessoa humana, enquanto fonte ética desses direitos. “Tal princípio opera simultaneamente como obrigação jurídica a cargo do Estado, que deve promover e proteger a dignidade humana contra todo tipo de intervenções, seja por particulares, seja por outras entidades; e enquanto limite e parâmetro da atividade estatal – ou seja, como critério de valoração último de legitimidade dos atos estatais”. 85
Em nosso ordenamento jurídico, o direito à existência digna é refletido, entre outros aspectos, pela obrigação atribuída ao Estado e à sociedade de realização de ações integradas para a implementação da seguridade social, destinada a assegurar a prestação dos direitos inerentes à saúde, à previdência e à assistência social. Nesse contexto, estão incluídas as ações no campo da saúde, realizadas mediante políticas sociais e econômicas que objetivem a redução dos riscos de doença e de outros agravos, garantindo-se o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Dessa forma, fácil é perceber a dignidade da pessoa humana como vetor para a consecução material dos direitos fundamentais, sabendo que esta somente estará assegurada quando for possível ao homem uma existência compatível com uma vida digna, na qual devem estar presentes, no mínimo, saúde, educação e segurança, nos termos já fixados pelos Tribunais Superiores. Ademais, quando em pauta questões judiciais que envolvam a concretização do direito à saúde, “a presunção será sempre favorável à solução concreta que reflita o respeito à dignidade humana, pois, se a finalidade última do ato de julgar consiste em fazer justiça, pode-se dizer que uma decisão que negue a dignidade humana é imoral e juridicamente insustentável”. 86
5 conclusão
Ao final e como conclusão, deve-se, em primeiro lugar, relembrar que a Constituição Federal de 1988 garante a todos os cidadãos o direito à saúde, por força de vários dispositivos constitucionais que tratam expressamente do tema, tendo sido reservada, ainda, uma seção específica sobre o direito à saúde dentro do capítulo destinado à Seguridade Social, quando se determina que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas, visando à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Com vistas a ressaltar ainda mais a fundamentalidade do discutido direito, certifica a Carta Maior que “as ações e serviços de saúde são de relevância pública”, e que “cabe ao Poder Público dispor sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros, e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”, integrando estas uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único.
Assim que, para que o Estado fosse capaz de cumprir esse importante objetivo, a Constituição Federal determinou a criação do Sistema Único de Saúde – SUS, que nada mais é do que a garantia constitucional do direito à saúde que reúne os instrumentos jurídicos, administrativos, institucionais e financeiros para que o Estado brasileiro desenvolva as atividades necessárias para a sua concretização no país, sendo composto pelo conjunto das instituições responsáveis pela execução dessas ações e serviços públicos.
Como qualquer outro sistema, o Sistema Único de Saúde possui objetivos, princípios e diretrizes estabelecidos tanto pela Constituição Federal, quanto pela Lei nº. 8.080/1990, a denominada Lei Orgânica da Saúde, merecendo destaque as suas três diretrizes básicas, quais sejam, a descentralização, o atendimento integral – com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais –, além da participação da comunidade.
Ademais, sabe-se que o direito à saúde pressupõe que o Estado deve garantir não apenas estes serviços públicos de promoção, proteção e recuperação da saúde, mas também, e principalmente, adotar políticas econômicas e sociais que efetivamente melhorem as condições de vida da população. Portanto, encontra-se classificado como direito social e pertencente ao grupo de direitos de segunda dimensão, tratando-se de direito subjetivo do particular correspondente a um dever jurídico estatal, sendo norma de eficácia plena e de aplicabilidade imediata.
Em paralelo a esta constatação, e adentrando agora no universo da população idosa, além da variada gama de direitos conferidos aos idosos pela Constituição Federal, destaca-se a importância da Lei nº. 10.741/2003, o Estatuto do Idoso, que tem como principal objetivo promover a inclusão social e garantir os direitos desses cidadãos com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, uma vez que essa parcela da população brasileira se encontra desprotegida, fazendo jus a um tratamento especial e particularizado.
Considerando o envelhecimento como um direito personalíssimo, o referido Estatuto certifica que “é obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade”, dispondo, ainda, que “é assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos”.
Além disso, encontra-se atualmente em vigor, também, a Lei nº 8.842/1994, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, e que, segundo enfatizado logo no seu artigo 1º, “tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade”, sendo mais um importante instrumento disponível para o fortalecimento da defesa dos direitos inerentes à população idosa.
Diante desses respeitáveis marcos legislativos para a tutela da pessoa idosa no Brasil, fácil é perceber que o idoso vem recebendo um tratamento legal muito mais extenso do que era visto há alguns anos atrás, com o legislador mostrando mais atenção às particularidades que o estágio avançado de vida lhes acarreta. Partindo-se da premissa de que quando não existe igualdade de fato entre as pessoas, as regras jurídicas não podem ser iguais para todos, tanto a Constituição Federal, quanto os demais instrumentos normativos anteriormente citados, evidenciam o cuidado distinto e especial que essas pessoas merecem.
Mas, como notado ao longo do trabalho, apesar da vasta previsão legal e de toda a dicção constitucional no sentido de afirmar ser dever do Estado garantir o direito à saúde e prestar assistência médico-hospitalar adequada à população, principalmente àqueles que não possuem condições financeiras para arcar com os custos de um tratamento através da rede privada de saúde, os idosos, de forma ainda mais acentuada, continuam sofrendo com todos os problemas que “sufocam” a saúde pública, sem, na maioria das vezes, desfrutar da prioridade que lhe é assegurada.
É nesse momento que toma relevo o debate em torno do fenômeno da “judicialização” do direito à saúde, com a discussão sobre se, como e em que medida tal direito se traduz em direito subjetivo público a prestações positivas do Estado, passível de garantia pela via judicial, e, questionando até que ponto pode o Poder Judiciário intervir na formulação das políticas públicas, passeia-se por questões usuais neste tipo de situação, como o respeito ao princípio da separação dos poderes, a reserva do possível e ao mínimo existencial, bem como, em posição contrária, a omissão dos poderes políticos, o direito maior à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana.
Conforme analisado delineadamente, os recursos públicos são limitados, enquanto as necessidades na área de saúde são infinitas, o que torna a concretização de tal direito muito difícil, especialmente em uma sociedade tão desigual como a brasileira. Assim, quando este problema é posto em pauta numa questão judicial, é usual a aplicação da teoria da “reserva do possível”, quando deve se considerar aquilo que é desejável dentro do possível economicamente. E há de se observar que, se o Poder Público invocar tal teoria a fim de não cumprir com as suas obrigações, cabe a ele o ônus de provar que não há recursos, para só então poder o Judiciário se manifestar, dentro dos limites da razoabilidade.
Para os contrários à “judicialização”, deve-se buscar junto ao Poder Judiciário apenas o controle das lacunas na prestação das ações de saúde visando a sua correção e atualização de acordo com o proposto pela ciência e pela técnica médica, e ainda de conformidade com os recursos públicos que venham a ser disponibilizados, sempre de forma progressiva, com vistas ao atendimento das necessidades de toda a população. Para eles, o Judiciário não tem a incumbência de definir políticas públicas, mas a de confrontar o desenho de políticas assumidas com os padrões jurídicos aplicáveis e – no caso de encontrar divergências – reenviar o problema aos poderes competentes para que eles possam reavaliar as suas decisões e, consequentemente, ajustar as suas condutas.
Entretanto, não se pode desconsiderar que há situações nas quais o mínimo existencial sofre desrespeito, principalmente entre os idosos, diante das quais a atuação jurisdicional na esfera puramente política não é o bastante. Em tais circunstâncias, não há como o juiz se omitir; muito pelo contrário, deve ele agir no caso concreto de forma a proteger o direito maior à vida e a dignidade da pessoa humana. Vê-se, nesse ponto, o direito à saúde como peculiar, pois a tutela da vida não requer apenas atitudes de defesa à integridade da pessoa por parte do Estado, mas também atitudes positivas dele, uma vez que a sua proteção depende da efetiva prestação dessas ações e serviços públicos.
Em nosso ordenamento jurídico, como visto, o direito à existência digna é refletido, entre outros aspectos, pela obrigação atribuída ao Estado e à toda sociedade da realização de ações integradas para a implementação da seguridade social, destinada a assegurar a prestação dos direitos inerentes à saúde, à previdência e à assistência social. Nesse contexto, seguramente, estão incluídas as ações no campo da saúde, realizadas mediante políticas sociais e econômicas que objetivem a redução dos riscos de doença e de outros agravos, garantindo-se o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Sendo assim, detectando-se a ausência ou a mera insuficiência, por parte dos Poderes Públicos, na prestação dessas ações e serviços de saúde, obviamente, o indivíduo que perceber lesão ou ameaça de lesão ao seu direito, está mais do que autorizado a buscar junto ao Poder Judiciário a rápida e eficaz resolução do problema, não havendo que se falar em “interferência” ou “intromissão” na formulação das políticas públicas, já que a proteção do direito à saúde não pode ser desvinculada da proteção do próprio direito maior à vida.
A realidade social nos mostra que foi justamente o não atendimento da necessidade dos cidadãos no que diz respeito à saúde, por conta da inação dos poderes políticos e da insuficiência das políticas públicas, que tornou fundamental a intervenção do Poder Judiciário para a satisfação das demandas nessa área. E não há como não considerar como atividade própria do Judiciário a outorga da tutela jurídica a quem pede e, fundamentadamente, prova que merece, sendo a sua função essencial decidir no caso concreto, distribuindo individualmente a Justiça pleiteada por cada parte em litígio.
Portanto, percebendo a dignidade da pessoa humana como vetor para a consecução material dos direitos fundamentais, e sabendo que esta somente estará assegurada quando for possível ao homem uma existência compatível com uma vida digna, fica evidente a possibilidade de intervenção do Judiciário em questões que envolvam a concretização das ações e serviços públicos de saúde, com o intento de preservar esse bem maior: a vida. E, enquanto os demais poderes do Estado, que eventualmente se sentirem “desrespeitados”, não se mobilizarem em busca do reequilíbrio da harmonia social, com a formulação de novas leis e políticas públicas mais abrangentes, as demandas sociais por saúde continuarão sendo resolvidas na “Justiça”, onde o cidadão consegue ver efetivado o seu direito.
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