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A Lei 9.613/98 e a necessidade ou não da condenação pretérita para a sua aplicação

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CAPÍTULO II - LAVAGEM DE CAPITAIS

O atual cenário econômico mundial tem se apresentado como um terreno fértil em relação ao crime de lavagem de dinheiro, principalmente em razão de seu caráter transnacional.

Por ser um delito com uma grande dinamicidade, que está em constante evolução, torna-se imprescindível que o Estado evolua a sua habilidade de combate ao mesmo, e evite visões distorcidas sobre o tema.

Diante disto, passa-se a analisar o presente delito no que diz respeito as expressões do mesmo, conceituação, entre outros temas que se tornam pertinentes a esta conduta criminosa.

2.1 A Expressão “Lavagem de Capitais”

Para uma boa compreensão sobre o tema, primeiramente torna-se necessário analisar a perspectiva atual desse delito, procurando investigar os motivos que acabam por impulsionar o legislador a optar pela expressão lavagem de dinheiro, deixando de lado os demais, como, por exemplo, lavagem de capitais.

Neste sentido, Lilley[55] leciona que “a lavagem é o método por meio do qual os recursos provenientes do crime são integrados aos sistemas bancários e ao ambiente de negócios do mundo todo”. O autor afirma ainda que o dinheiro “negro” acaba por passar por um processo de lavagem até o dinheiro embranquecer.

Portanto, é por meio deste processo que a ação criminosa, como, a identidade verdadeira dos proprietários desses valores acaba por ser transformada em recursos que parecem ter origem legítima.

Nesta esteira, Lilley[56] (2001, p. 17) afirma que:

as fortunas criminosamente amealhadas, mantidas em locais e/ou moedas instáveis, são metamorfoseadas em ativos legítimos que passam a ser mantidos em respeitáveis centros financeiros (...) dessa forma, as origens dos recursos desaparecem para sempre e os criminosos envolvidos podem colher os frutos de seu (des)honrado esforço.

Ao se analisar a lavagem de dinheiro, verifica-se que sua origem fora nos Estados Unidos, mais precisamente na década de 1920, por meio da expressão “Money laudering”, retratando os valores que eram obtidos de forma ilícita pela então máfia norte-americana.

 Importante salientar que a expressão “lavagem de dinheiro” é na realidade uma referência histórica ao gângster mundialmente conhecido como Al Capone. Assim em 1928, o presente criminou adquiriu uma rede de lavanderias em Chicago (EUA), utilizando as mesmas como “fachada”, com o objetivo de legalizar o patrimônio ora arrecadado em suas atividades ilícitas, como, o comércio de bebidas alcoólicas, que na época era muito rigorosa em razão da Lei Seca.

O dinheiro é o sangue vital de todas as atividades criminosas; o processo de lavagem pode ser encarado como o coração e os pulmões de todo o sistema, já que permitem que o dinheiro seja depurado e colocado em circulação pelo organismo todo, garantindo assim sua saúde e sobrevivência. Este problema global não se refere a pequenos criminosos, mas sim a grupos organizados e transacionais muito poderosos:

.A máfia italiana e seus seguidores da segunda geração, nos Estados Unidos. .Os cartéis colombianos como aqueles de Medelin e Cali. .A Máfia russa e da Europa Oriental. .Os grupos organizados da África do Sul.

Os cartéis de Juarez, Tijuana e do Golfo do México.

Estes e outros grupos semelhantes estão longe do amadorismo. Como qualquer negócio multimilionário e panglobal, são entidades bem financiadas e altamente organizadas, localizadas na vanguarda das novas tecnologias. E, o que é mais significativo, são indefiníveis e estão continuamente encobrindo suas atividades criminosas sob o manto da respeitabilidade. Esse agrupamento criminoso dispõe de poderes enormes. Na Colômbia, os barões das drogas expulsaram as forças governamentais de grandes áreas do país. Mas não se trata apenas do poder da força bruta, no sentido físico e sim de um crescente poder nos escalões mais elevados do universo político, através da infiltração e da corrupção de autoridades e políticos fracos por natureza.”[57]           

Para Castellar[58] a “Money laudering” é utilizado internacionalmente para designar a atividade com a finalidade de ocultar a procedência ilegal de dinheiro que era obtido de forma ilícita. O presente vocábulo, segundo o autor, recebeu severas críticas no mundo jurídico em razão da ausência de rigor técnico por meio de sua origem popular.

Diante disto, a terminologia Lavagem de Capitais é composta por características abrangentes, sendo mais pertinente para o tema a ser tratado, visto que não se trata apenas da questão dinheiro, mas, também de bens, direitos e valores vindo da prática delitiva. Para alguns autores o emprego do vocábulo “lavagem de dinheiro” representa uma espécie de “neologismo”.

Importante salientar que a literatura jurídica tende a empregar outras denominações, como, por exemplo, “reconversão” e “reciclagem”, segundo Caparrós[59].

Para Prado Saldarriga[60] o termo a ser utilizado nestes casos seria o de “encobrimento financeiro ou impróprio”.

Segundo Braga[61] a expressão mais realista seria a de “branqueamento de capitais”, utilizado pela grande maioria da literatura jurídica internacional. Assim, para o autor, o branqueamento de capitais identifica realmente a conduta criminosa, mas, segundo ele “no Brasil este termo foi recusado por sugerir racismo, motivando amplas e improdutivas discussões”.

Portanto, mesmo diante de todas estas expressões, importante salientar que o capital é ilícito, e se materializa por meio de uma infração penal anterior, e, que em razão de sua origem delitiva/ilícita, torna-se imprescindível sua limpeza.

A lavagem de capitais é produto da inteligência humana. Ela não surgiu do acaso, mas foi e tem sido habitualmente arquitetada em toda parte do mundo. A bem da verdade é milenar o costume utilizado por criminosos no emprego dos mais variados mecanismos para dar aparência lícita ao patrimônio constituído de bens e capitais obtidos mediante ação delituosa[62].

Assim, a palavra “lavagem” tem sido empregada corretamente, visto que a finalidade é na realidade de retirar toda sujeira acumulada para a percepção de valores auferidos por meio de conduta criminosa.

Para o presente trabalho será utilizado a expressão “Lavagem de Capitais”, visto por não abranger apenas dinheiro, mas também bens, direitos e valores que são alcançados por uma conduta delitiva.

2.2 Conceito

Conceituar não deve ser visto como uma tarefa fácil, mas, o tema está longe de ser algo pacificado. Assim, em nossa doutrina não existe uma real definição que atinja o agrado de todos sobre a lavagem de dinheiro, e, portanto, cada autor apresenta uma definição própria, sem contribuições novas[63].

É de se observar desde logo, que, doutrinariamente, nenhum destes termos –lavagem ou branqueamento, (como é designado o delito em vários países, inclusive em Portugal) – obedece ao rigor técnico exigível na construção de um tipo legal, sobretudo dado o fato de pertencerem, nas palavras de Bajo Fernandez, a “ la jerga más genuína del hampa”, sendo, portanto, uma expressão popularesca, oriunda do linguajar das ruas, razão pela qual sua utilização poderia até ser adequada para figurar na página policial do noticiário jornalístico, mas não num dispositivo penal integrante do ordenamento jurídico de um país[64].

Portanto, por meio de uma análise etimológica da então expressão lavagem de dinheiro, verifica-se que lavar vem do latim “lavare”, isto é, tornar totalmente puro. No que diz respeito ao vocábulo dinheiro, este se materializa do latim “vulgar denarius”, “a cada vez”, vindo a corresponder a uma moeda romana. Assim, é possível compreender como significado real “moeda corrente”. Deste modo, acaba se alcançando a expressão “lavar dinheiro”.

Assim, ao se retratar lavar dinheiro, na verdade se está retratando os movimentos anuais praticados pelos crimes de tráfico de drogas, armas, pessoas, entre outros, que alcançam quantias milionárias e praticamente incalculáveis.

(...) pode-se afirmar que a lavagem de dinheiro se encontra estreitamente vinculada à criminalidade organizada, pois, na maioria dos casos, a comissão desse delito requer uma estrutura não só para a comissão da lavagem como também do delito previsto, o que origina os bens que serão lavados. É certo que, na maioria das vezes, o delito que gera mais ganhos é o de tráfico de drogas e, portanto, está muito vinculado à lavagem de dinheiro. Porém, no Brasil, não somente ele gera grandes quantidades aptas à lavagem. Assim, podemos citar outras atividades criminais com a quais se obtêm grandes somas de dinheiro ou bens, como o tráfico de armas, o jogo ilícito, a subtração de veículos e seu contrabando, a extorsão mediante seqüestro, as redes de prostituição e a exploração sexual, os crimes contra a administração pública, o roubo de cargas etc. As organizações criminais se movem pela facilidade de obtenção de grandes quantias de dinheiro com a comissão de alguns delitos que ultrapassam as fronteiras dos países. Essas grandes somas tendem a ser recicladas mediante sua introdução nos circuitos financeiros, obtendo assim uma aparência de legalidade.”[65]

Diante desta realidade, a principal preocupação do legislador em combater e prevenir a criminalidade passa a ser um compromisso com a sociedade.

A presente situação é tão verdade que a Convenção de Viena acabou instituindo que os países signatários se comprometessem a adotar medidas com a finalidade de incriminar a conversão ou mesmo qualquer transferência de bens materializados pela atividade criminosa, procurando esconder ou mesmo encobrir a proveniência ilícita, vindo a estabelecer o confisco dos produtos do crime ou bens, trazendo a tona o sigilo bancário às autoridades competentes.

Assim, a norma antilavagem de nosso país fora materializada por meio da Lei n. 9613/98, trazendo um esboço da conduta logo no seu primeiro artigo, in verbis “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”.  Portanto, a redação original trazia consigo a palavra “crime”, mas, em razão da alteração, passou-se a utilizar a expressão “infração penal”, trazendo maior força a norma em comento.

Portanto, compreende-se que a lavagem de capitais é na realidade um processo onde tanto os bens, como os direitos e valores, originam-se de forma direta ou indireta de qualquer infração penal que obteve lucro “proveito monetário”, e passam a ser integrados ao Sistema Econômico-Financeiro, com a aparência de licitude.

Diante disto, Lilley[66] afirma que de forma tradicional a lavagem de dinheiro passa a ser vista como uma limpeza do dinheiro sujo, isto é, originariamente ilícito, gerado, consequentemente, por meio de atividades criminosas, que normalmente estão voltadas para a associação ao tráfico de drogas.

Fica claro que a lavagem de dinheiro busca excluir o delito, mas não abrange apenas esse, mas muitos outros. Assim, para realmente se conseguir mensurar o poder, bem como, a influência da lavagem de dinheiro torna-se importante analisar o objetivo dos crimes. Deste modo, a maioria dos atos ilícitos são realizados para se alcançar uma coisa: dinheiro. Quando é gerado pelo crime, o dinheiro se torna inútil, a menos que se consiga disfarçar ou apagar a fonte dos recursos ilegais. Segundo Lilley[67] “A dinâmica da lavagem de dinheiro assenta sobre o âmago corrupto dos muitos problemas sociais e econômicos espalhados pelo mundo todo”.

Diante disto, pode-se dizer que lavar dinheiro é na realidade uma tentativa de transformação de dinheiro sujo em dinheiro aparentemente lícito. Assim, a prática de lavagem de dinheiro é na realidade a dissimulação dos ativos obscuros de forma que eles possam ser utilizados sem que ocorra a identificação da fonte criminosa. Assim, por meio da lavagem de dinheiro, o criminoso acaba tornando os valores monetários alcançados por atividades criminosas em recursos aparentemente legais[68].

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Nesta esteira, Rodrigues[69] afirma que “a lavagem de dinheiro é prática criminosa que objetiva integrar na economia formal, ativos obtidos de maneira ilícita, dando-lhes aparência de terem sido obtidos de maneira legítima”. Portanto, traz consigo o cometimento de um crime anterior, que resulta na vantagem financeira para o delinquente, bem como, a necessidade de dissimular a origem ilícita dos recursos, mitigando a atuação da justiça, e, consequentemente, acaba por legitimar a posse dos recursos reprováveis.

Importante salientar que o crime antecedente responsável por alavancar grandes quantias e a lavagem de capitais, que tenta limpar e devolve-lo ao sistema econômico-financeiro como dinheiro lícito, são consideradas como condutas dissociadas. Portanto, o agente que venha a praticar conduta de lavagem de dinheiro passa-se a se enquadrar em um patamar de crime totalmente diferenciado.

Não restam dúvidas de que este é um dos principais motivos que atingem a autonomia da lavagem de dinheiro no que diz respeito ao crime antecedente.

Assim, é possível conceituar lavagem de dinheiro como um conjunto ou processo de operações tanto financeiras como comerciais que acabam por incorporar bens, serviços ou recursos à economia de nações, tendo relação íntima com atividades ilícitas, fazendo que estes ativos ganhem características lícitas, distanciando a figura delituosa[70].

Por todas as informações até o presente momento analisadas, não restam dúvidas de que existe, e sempre existirá, um crime prévio que abrange a lavagem de dinheiro. Importante salientar que qualquer infração penal poderá ser admitida para o reconhecimento da lavagem de capitais em nosso ordenamento pátrio, segundo prescrito na Lei n. 12.683/12, superando o pensamento original da lei antilavagem dos crimes materializados no rol taxativo do artigo 1º da lei 9.613/98.

2.3 O Processo de lavagem de capitais e suas possíveis fases

O processo de lavagem de capitais ocorre por meio de um conjunto de operações, não se consubstanciando, de regra, em apenas um ato isolado, mas, geralmente, em uma sequência de atos, que, em alguns casos, sintetizam-se em algumas fases.

Assim, para melhor entendimento do funcionamento da lavagem de dinheiro, torna-se necessário primeiramente compreender como se é realizada a prática criminosa, isto é, seu modus operandi.

Importante salientar que em razão da complexidade da prática criminosa, bem como, a evolução sofrida pelos mecanismos da macrocriminalidade organizada, será retratado um modelo convencional do processo aplicado durante a lavagem de capitais.

Assim, a motivação para a criação do presente tipo se volta para o fato de que o agente considerado como lavador, ao cometer o crime, tem como objetivo principal o proveito econômico, tendo como escopo a camuflagem da verdadeira origem do dinheiro, procurando desvincular a sua origem criminosa, trazendo uma aparência lícita aos ganhos ilícitos. Deve-se considerar como o móvel de tais crimes a acumulação material[71].

Tanto manusear como guardar uma quantidade considerável em dinheiro é uma tarefa muito complicada atualmente. Em terras brasileiras não se é possível guardar dinheiro em local não especializado, nem os criminosos confiam em seus parceiros para isso. A realização de negócios com vultosas quantias de dinheiro acaba por atrair a atenção indesejada. E diante disto, surge a questão da lavagem de dinheiro[72].

A lavagem de dinheiro é simultânea e frustrantemente simples em alguns casos, e nebulosamente complexa em outros. Obviamente ela não é tão uniforme e linear quanto os exemplos clássicos nos fazem acreditar. Porque, se fosse, seria facilíssimo ser identificada e interrompida. Não se pode igualmente esquecer que existem alguns métodos de lavagem de dinheiro que não envolvem o sistema bancário, tais como os negócios sujos realizados em países cuja economia é baseada em dinheiro vivo e comércio à base de troca africano (que gira ao redor do tráfico de maconha), e o sistema elementar de trocas que sobrevive em diversos pontos longínquos da antiga União Soviética. Como já foi dito, os três estágios do processo normalmente citados são a Colocação,a Estratificação e a Integração[73].

Para a doutrina são três as fases que atingem a lavagem de dinheiro, sendo que elas não são obrigatoriamente consecutivas, nem mesmo imperativas. Pode ser que uma das fases seja suficiente para “lavar” o dinheiro, e reintroduzir o capital ilícito como algo lícito.

Basicamente três fases compõe o processo de lavagem: conversão, dissimulação e integração. Não se trata verdadeiramente de etapas distintas, isoladas e obrigatórias, visto que alguns casos caracterizam-se pela manifesta interdependência de operações paralelas que se comunicam, quando não se sobrepõem, no desenvolvimento do percurso da ‘lavagem’[74].

A primeira fase, denominada de colocação, ocultação ou conversão, tem como finalidade a introdução do dinheiro ilícito no sistema econômico, mais precisamente no setor financeiro. Esta fase é considerada como a principal para o Estado descobrir a prática da lavagem de dinheiro, pois, o dinheiro ainda se encontra muito perto de sua origem.

Neste sentido, Mendroni[75] afirma que na primeira faze existem apenas duas opções para o criminoso “trabalhar” com o dinheiro ilícito: aplicar no sistema financeiro nacional diretamente ou transferir o mesmo para outro local.

Portanto, os mecanismos que possibilitam a incorporação das divisas em razão de crime se despontam em várias modalidades. Diversas são as técnicas para se realizar a colocação. A principal delas, e mais conhecida, é chamada de estruturação ou smurfing. Na presente conduta ocorre o fracionamento de uma vultosa quantia em dinheiro em valores pequenos, possibilitando escapar do controle administrativo sofrido pelas Instituições Financeiras.

Importante salientar que outras técnicas também são usadas, como, a mescla, onde o criminoso responsável pela lavagem acaba por misturar o dinheiro ilícito com o legítimo, como, exemplo, têm-se as empresas de fachada[76].

O COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão responsável pelo controle das pessoas jurídicas, acaba por estipular que as Instituições Financeiras devem informar, obrigatoriamente, qualquer movimentação considerada como suspeita.

Ao ser inserido no sistema financeiro, as possibilidades do dinheiro ilícito ser rastreado se tornam mais difíceis. Portanto, verifica-se que o artigo 192[77] da Constituição Federal, traz materializado o conceito de Sistema Financeiro, conteúdo imprescindível para melhor compreensão da lavagem de capital.

A segunda fase que abrange o processo de lavagem de capitais é chamada de dissimulação, bem como, conversão, transformação, simulação de legalidade, entre outros, que se consubstanciam em uma série de negócios ou movimentações financeiras, ora realizadas com a finalidade de dificultar ou mesmo impedir o rastreamento dos valores alcançados de forma ilícita por meio de crime antecedente. É nesta fase que ocorre a tentativa de dissimulação da origem do dinheiro.

Assim, por meio desta prática o agente branqueador acaba tentando separar, em partes variadas, os bens de origem ilícita, com a finalidade de dissimular sua origem, por meio da realização de atividades financeiras consideradas mais complexas, bem como, remessa de altos valores para os chamados paraísos fiscais, compra de determinados produtos, como, obras de arte, entre outras situações.

Portanto, em razão das transações financeiras realizadas com o capital ilícito, acaba-se por gerar documentos, notas fiscais entre outros com a finalidade de tornar lícito o patrimônio ilícito.

A última fase é a da integração, onde os valores ilícitos já se encontram com aparência “lícita”, sendo os bens incorporados ao sistema econômico-financeiro. O presente ocorre por meio de investimentos no mercado imobiliário ou mobiliário, voltando-se para o refinanciamento das atividades ilícitas.

Após a integração, tanto os bens, direitos e os valores considerados de origem ilícita, acabam por regressar à figura dos criminosos, autores do fato típico antecedente, com “aparência” de licitude e praticamente desvinculados a atividade delitiva.

Neste sentido, Muscatiello e Sánchez[78] afirmam que o agente responsável por lavar o dinheiro ilícito tem como finalidade branquear o mesmo por meio do sistema financeiro e também comercial legítimos, devolvendo-o à economia totalmente camuflado de forma a impossibilitar sua detecção. “O propósito do processo de lavagem de dinheiro é, em definitivo, a integração dos capitais ilícitos na economia geral e sua transformação em bens e serviços lícitos”, finaliza os autores.

Portanto, a operação de lavagem de dinheiro acaba por exigir tanto uma estrutura como uma cultura especializada. As fases que abrangem o processo vinculam-se entre si. Assim, a introdução do recurso na economia legal não ocorre sem que se dê a ocultação da sua procedência criminosa, sendo possível torná-lo aparentemente legal. Este processo dificulta a detecção da origem ilícita, e tende a mitigar os casos de confiscos.

De um modo geral, as organizações criminosas acabam se direcionando para a lavagem de dinheiro em todos os casos que alcançam grandes lucros por meio das atividades criminosas.

Assim, alguns métodos considerados como lavagem de dinheiro podem ser mencionados, como, remessas de dinheiro para os paraísos fiscais, compra de cheques administrativos, compra e venda de bens imóveis, etc.

Importante salientar a existência de um lapso temporal entre as fases que envolvem o processo de lavagem de capitais, sendo que as mesmas podem se misturar ou sobrepor entre si, bem como, não ocorrerem realmente na prática.

Portanto, para que o crime de lavagem de dinheiro seja visto como consumado não é necessário que as fases descritas se interliguem ou coexistam, demonstrando de forma clara a magnitude da conduta lesiva à sociedade.

Percebe-se facilmente que as operações que se realizam durante as fases do processo de lavagem acabam sendo amparadas, normalmente, por meio das instituições financeiras ou afins. Destarte, torna-se imprescindível a criação de mecanismos identificadores de tais movimentações por parte destas instituições, sendo um valioso serviço de prevenção/repressão, de modo a proteger tanto seus clientes como a sociedade.

Em razão da grande complexidade criminológica apresentada pelo delito em explanação, principalmente no que diz respeito às atividades que não se limitam a ordem, o que realmente se torna necessário alcançar é a criação de normas de âmbito também internacional voltadas para a evolução deste fenômeno criminal, visto que a sua extinção é algo apresentado como impossível.

2.4 A Lavagem de Capitais no Direito Internacional

Por meio da Convenção de Viena em 1988, começaram a surgir entre os países signatários nos quais o Brasil se incluiu por meio do Decreto 154/1991 que ratificou o tratado de Viena, normas voltadas para a criminalização da lavagem de dinheiro.

Estas normas geralmente acabaram associando o crime da lavagem de capitais a um crime antecedente, sendo o tráfico de drogas o crime originário à legislação sobre a lavagem. Posteriormente, outros crimes acabaram sendo apontados como antecedentes, como, tráfico de armas, terrorismo, extorsão, sequestro, entre outros.

Em razão da caracterização do crime antecedente, as normas que retratam a lavagem de dinheiro, geralmente são classificadas da seguinte forma em âmbito internacional:

- Primeira geração: quando o crime antecedente configura-se apenas por meio do tráfico de drogas;

- Segunda geração: quando o crime antecedente configura-se por um crime mais grave citado na lei de forma específica;

- Terceira geração: quando o crime antecedente não se materializa em lei, mas, o mesmo se define por alguma condição restritiva, como, magnitude financeira, gravidade prevista em lei, entre outras.

Passa-se a colecionar algumas opiniões sobre a lavagem de dinheiro em âmbito internacional:

Logo após a realização da mencionada Convenção de Viena, alguns países começaram a criminalizar a ‘lavagem’ de dinheiro, configurando-a somente quando a ocultação dos bens, direitos ou valores tivesse com fato ilícito anterior o tráfico de entorpecentes. Pode-se dizer que esta foi a linha primária de legislação sobre a matéria. Todavia, nos países que adotaram tal sistemática, verificou-se que a ‘lavagem’ também estava sendo utilizada como fase conclusiva de outras modalidades criminosas. A partir disto, o rol de crimes anteriores passou a ser ampliado, sendo que, em algumas legislações, sua abrangência confirmou-se de forma plena para alcançar todo sistema repressivo penal, figurando como exemplos desta ordem as legislações dos Estados Unidos da América, Bélgica, França, Itália e Suíça, as quais admitem a conexão da ‘lavagem’ a qualquer atividade ilícita anterior[79].

Diante disto, Castellar[80] (2004, p.137) acaba por comparar nosso sistema jurídico:

Em nossa legislação, como disse o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, ‘a tipificação desse ilícito corresponde aos modelos de pesquisa que fizemos em relação às experiências internacionais’, referindo-se, entre outros países, à Alemanha, Suíça, Portugal, Espanha, França e Argentina. O Ministro Jobim, que ocupou a pasta do Ministério da Justiça e neste posto deflagrou os primeiros estudos que tempos depois resultaram na lei ora em vigor, alude, inclusive, ao fato de terem algumas destas nações elaborado legislações de segunda e até de terceira geração, o que significa dizer que estes países já não mais editaram leis prevendo como crime de lavagem de dinheiro a ocultação de bens obtidos exclusivamente através do tráfico de substâncias entorpecentes proibidas, mas sim, ampliando o seu espectro, incluíram como crimes antecedentes outras modalidades típicas, invariavelmente reputadas como de especial gravidade, como, por exemplo, os crimes patrimoniais cometidos reiteradamente por membros de organizações criminosas.

Para tanto, Lynnet[81] afirma que:

O estudo da lavagem de dinheiro merece um juízo analógico, na qualidade de tipo independente da receptação, com a ressalva de que, nesse caso, o bem jurídico que se considera principalmente vulnerado é, segundo a legislação penal vigente, a ordem econômica e social. As conseqüências quanto à relação entre a lavagem de dinheiro e o delito que se pretende ocultar mediante aquele são idênticas, e exigem, portanto, a existência de uma conduta típica anterior à realização da lavagem de dinheiro.

A discussão gira em torno das características que devem reunir o fato anterior, sobretudo em dois aspectos:

I) Deverá se tratar de fato típico, antijurídico e culpável, ou bastará simplesmente uma conduta típica? Apesar de existirem diversos critérios nesse ponto, a posição majoritária é que basta que a conduta que se pretende ocultar, mediante a lavagem dos bens aos quais deu origem, esteja descrita na lei como um delito. Portanto, pode existir lavagem de dinheiro ainda que o autor seja absolvido por excludentes de ilicitude (v. g., legítima defesa ou estado de necessidade) ou de culpabilidade (v. g., erro sobre os pressupostos da antijuridicidade) ou que a ação penal esteja extinta por prescrição.

Assim, se desprende o fato de que não existe lavagem de dinheiro quando a atividade prévia é ilícita ou contrária à ética social, mas não está inequivocamente descrita como delito na legislação penal.

Contudo, nem toda conduta descrita e sancionada como punível dentro da legislação penal pode dar origem ao delito de lavagem de dinheiro. O legislador pode qualificar os delitos que o precedem, mediante sistemas mais ou menos restritos, e pode optar, como no caso da Colômbia, por enumera-los no tipo penal.

Importante salientar que a legislação tem se preocupado em prevenir o crime de lavagem de capitais, sendo que em diversos países, existe um cadastro com informações sobre os clientes, bem como, o registro das operações e comunicação de qualquer operação suspeita.

Diante disto, passa-se a transcrever normas de alguns países sobre  a questão da lavagem de capitais:

- Suíça: a legislação aplicada é uma das principais precursoras em relação à incriminação do presente crime, prescrevendo em seu artigo 305 do Código penal a seguinte redação:

1. Quem cometeu um ato idôneo a pôr obstáculos à identificação da origem, à descoberta ou à confiscação de valores patrimoniais, os quais ele sabia ou deveria presumir que eram provenientes de um crime, será punido com aprisionamento ou multa.

2. Nos casos mais graves, a pena será de reclusão de 5 (cinco) anos no máximo ou aprisionamento. A pena privativa de liberdade será cumulada com uma multa de um milhão de francos no máximo.

O caso será grave, notadamente quando o delinqüente:

a)age como membro de uma organização criminosa;

b)age como membro de uma quadrilha formada para praticar sistematicamente a lavagem de dinheiro;

c)realiza uma receita ou um ganho (lucro) importante praticando profissionalmente a lavagem de dinheiro.

3. O delinqüente também será punido ainda quando a infração principal tiver sido cometida no estrangeiro desde que esta seja punível no Estado onde foi cometida.

Vê-se que, curiosamente, nos dispositivos penais suíços não há nenhuma referência expressa ao tráfico de drogas ilícitas, ou a quaisquer outros crimes em particular, constando, todavia, a agravante relativa à organização criminosa. Deve-se registrar, entretanto, que o artigo 305 ter do Código Penal suíço prevê a figura do ‘defaut de vigilance em matiére d’operations financieres et de droit de communication’ estipulando que ‘quem profissionalmente tenha aceitado, conservado, ajudado a colocar ou a transferir valores patrimoniais de um terceiro e que tenha se omitido em verificar a identidade do titular do direito econômico, conforme a vigilância requerida pelas circunstâncias, será punido’[82],

Neste sentido, Lilley[83] retrata que:

As medidas positivas que a Suíça adotou contra a lavagem de dinheiro são mencionadas em diversos pontos deste livro. A legislação contra a lavagem de dinheiro, que entrou em vigor a partir de 1° de abril de 1998, aperfeiçoou indiscutivelmente os sistemas referentes à manutenção de registro contábeis identificação dos clientes e denúncia das transações suspeitas. Os regulamentos afetam não só os bancos, mas também contadores, advogados e consultores financeiros independentes, bem como as companhias seguradoras.

- Alemanha: segundo Castellar[84]

A legislação alemã que é contemporânea à Suíça, foi também uma das primeiras em regular a matéria, mas nela já se vê que outros delitos, além dos relacionados às drogas ilícitas, aparecem como crimes antecedentes, sendo, pois, de segunda geração. A chamada de ‘ley para la lucha contra el comércio ilegal de estupefacientes y otras formas similares de criminalidad organizada”, datada de 15/07/92, segundo ROXIN, se há propuesto actuar contra la criminalidad organizada de relevância cresciente: desde um punto de vista jurídico material, especialmente por la introdución de la pena patrimonial ( § 43,a) y el tipo de blanqueo de dinero’( §261)

(...)

Resta claro que os dispositivos penais alemães referentes à lavagem de dinheiro não se restringiram a punir a ocultação de ganhos conseguidos com a produção e o comércio de drogas proibidas, estando bem ampliado o leque de infrações prévias capazes de suscitar o cometimento deste crime se os lucros forem ocultados ou dissimulados, destacando-se igualmente a agravante relativa à organização criminosa. Entre os germânicos o delito está descrito na Sección Vigesimoprimeira do StGB, que diz respeito aos crimes de ‘proteción y encubrimiento’, os quais teriam como correspondentes próximos em nossa legislação os delitos de favorecimento real (art. 349, CP) e de receptação (art. 180, CP).

(...)

Nesta esteira Lilley[85] (2001, p.164) retrata que:

Na Alemanha, a lavagem de dinheiro é considerada um delito comparável a todos os crimes sérios. Os regulamentos gerais e a estrutura de controle do país são razoavelmente adequados, mas um tanto controverso é o fato de não existir nenhuma entidade que centralize as informações e os relatórios financeiros sobre a lavagem de dinheiro. Não obstante, a Alemanha tornou obrigatória a prevenção da lavagem de dinheiro para os bancos, as instituições de crédito e de serviços financeiros, as empresas financeiras, as companhias de seguros, os leiloeiros, os cassinos e os negociantes de ouro.

- Portugal: segundo Lilley[86]

Em Portugal, a lavagem de dinheiro não parece assumir proporções significativas, embora a lavagem dos recursos procedentes do tráfico de drogas constitua um problema especial. A abrangência da legislação contra a lavagem de dinheiro é impressionante: é obrigatória a identificação dos clientes, os registros contábeis precisam ser mantidos durante dez anos e é obrigatória a denúncia das transações suspeitas; além disso, se a transação for anormalmente substancial, a instituição financeira está obrigada a obter do cliente uma declaração referente à origem dos recursos.

- França: segundo Castellar[87]

Em França, o crime de lavagem de capitais está previsto no artigo 324 do Código Penal (com subdivisões de 1 a 9), sendo introduzido na legislação positiva através da Lei nº 96.392, de 13 de maio de 1996. Não será demasia reproduzirmos os tipos básicos, que em boa medida inspiraram nosso legislador.

Art. 324-1. O branqueamento é a conduta de facilitar, por qualquer meio, a justificativa enganosa da origem de bens ou de rendimentos do autor de um crime ou de um delito com o ânimo de obter deste, um proveito direto ou indireto.

Constitui igualmente branqueamento a conduta de preparar uma operação financeira, de dissimulação ou de conversão do produto direto ou indireto de um crime ou de um delito.

O branqueamento é punido com cinco anos de aprisionamento e com 375.000 euros de multa.

Art. 324-2. O branqueamento é punido com dez anos de aprisionamento e com multa de 750.000 euros:

1° quando ele for cometido de forma habitual ou com a utilização de facilidades proporcionadas pelo exercício de uma atividade profissional;

2° quando é cometido por quadrilha organizada (organização criminosa).

Art. 324-3. As penas de multa mencionadas nos artigos 324-1 e 324-2 podem ser elevadas até a metade do valor dos bens ou dos fundos obtidos com as operações de branqueamento.

Art. 324-4. Quando o crime ou delito de onde provém os bens e os fundos provenientes das operações de branqueamento é punido com pena privativa de liberdade de duração superior àquela de aprisionamento incorrida na aplicação dos artigos 324-1 e 324-2, o branqueamento é punido com a pena correspondente para a infração cujo autor teve conhecimento e, se esta infração for acompanhada de circunstâncias agravantes, as penas correspondentes serão unicamente as das circunstâncias das quais ele teve conhecimento.

Art. 324-5. O branqueamento é assimilado, do ponto de vista da reincidência, à infração cometida na ocasião em que foram realizadas as operações de branqueamento.

Art. 324-6. A tentativa prevista nesta seção é punida com as mesmas penas.

Nos ativemos apenas aos dispositivos acima transcritos, pois os artigos 324-7 a 324-9 dizem respeito às penas complementares aplicáveis às pessoas físicas e à responsabilidade penal das pessoas jurídicas, razão pela qual reputamos despicienda sua inserção no texto.

Vale observar que a legislação francesa, não obstante seguir a orientação das normativas internacionais no que diz respeito à criminalização da lavagem de dinheiro, não faz qualquer referência expressa às hipóteses em que o crime antecedente seja o de tráfico de drogas ilícitas, incluindo-se, pois, entre aquelas leis chamadas de terceira geração, lembrando-se, no entanto, que nela já está prevista a qualificadora da ‘quadrilha organizada’ ou ‘organização criminosa’.

Diante disto, Lilley[88] retrata que:

A França definiu a lavagem de dinheiro com algo relacionado aos recursos advindos de qualquer crime, mantém procedimentos de identificação dos clientes e regulamentos que obrigam a denunciar as transações suspeitas, aplicáveis aos bancos e demais instituições financeiras, aos corretores de seguros, às agências de correio, às casas de câmbio, aos tabeliães e aos agentes imobiliários. Todas as informações são coligidas por uma entidade central, a TRACFIN.

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Sobre o autor
André Luiz Rapozo de Souza Teixeira

Doutorando em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - FDUC (2020-2025); Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia - UFBA com investigação realizada sobre a tutela penal da ordem econômica (2018); Especialista lato sensu em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes - UCAM (2016); Especialista lato sensu em Ciências Criminais pela Faculdade Baiana de Direito - FBD (2015); Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSAL (2012); Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM e ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI; Advogado (2012); Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, André Luiz Rapozo Souza. A Lei 9.613/98 e a necessidade ou não da condenação pretérita para a sua aplicação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4648, 23 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47368. Acesso em: 25 abr. 2024.

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