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A Lei 9.613/98 e a necessidade ou não da condenação pretérita para a sua aplicação

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CAPÍTULO III - JUSTA CAUSA PROCESSUAL: A QUESTÃO DA DUPLICIDADE E A FIGURA DOS CRIMES ANTECEDENTES

A lavagem de capitais ao ser analisada deve ser considerada como um delito acessório. Portanto, a expressão “infração penal” acaba sendo materializada no caput do art. 1º da Lei 9.613/98, ora modificada pela lei 12.683/12, que acabou por trazer uma elementar do tipo de lavagem de capitais.

Portanto, a implicação prática neste caso é que para a materialização do fato típico alvejador, torna-se indispensável que os bens, direitos ou mesmo valores usados na tentativa de legitimação por intermédio do processo de lavagem, advenham indireta ou diretamente de uma infração penal que aufira proveito financeiro.

Anteriormente à materialização da Lei n. 12.683/12 existia um rol taxativo de crimes antecedentes na redação do então artigo 1º da Lei 9.613/98, vindo a impossibilitar que o Estado-Juiz alcançasse alguns processos de branqueamento realizados com valores obtidos com a prática de crimes não previstos neste rol, como, o tráfico de pessoas e órgãos. Neste sentido, Barros[89] afirma que:

a redação original presente no artigo. 1º da Lei 9.613/98 acabou por reconhecer a questão da acessoriedade do branqueamento, trazendo também a tona sua autonomia, principalmente ao retratar que o crime de “lavagem” é um derivativo de outro delito presente no rol taxativo da lei em comento, de forma que qualquer infração incluída na listagem dos crimes anteriores passa a ser considerada como principal em relação ao crime de branqueamento, que ao ser analisado sob o ponto de vista da criminalidade organizada considera-se como acessório. Assim, torna-se necessário salientar a questão da autonomia. Ademais, não se pode confundir a ação do agente lavador como responsável pelo iter criminis (percurso completo do crime) ou ainda pelo mero exaurimento do crime considerado como antecedente.

Sob a luz da redação inicial do art. 1º da Lei 9.613/98 verifica-se o estabelecimento na doutrina de um tipo diferido, ou seja, uma conduta punível, sendo que sua subsunção típica acaba por depender da existência de um crime antecedente, sendo neste caso os elencados nos incisos I a VII[90]. Portanto, em outras palavras, seguindo a sistemática de nossa legislação, a redação original do artigo em comento, prevê que apenas haverá crime caso os bens, direitos ou valores envolvidos na lavagem de capitais advenham de forma indireta ou direta dos crimes previstos nos dispositivos ora retratados[91].

Assim, a acessoriedade da conduta típica em anotação acaba por necessitar de um crime anterior, responsável pela fomentação de bens para o início do processo de lavagem, importante retratar que a questão da taxatividade dos crimes prévios presentes na lei originária trazia consigo a questão da autonomia do crime de branqueamento. Mas, com a Lei n. 12.683/12 passou-se a reconhecer que esta autonomia se alargou, sendo este poder reconhecido por meio da conduta criminosa em relação aos bens, se materializando direta ou indiretamente de qualquer infração penal.

Diante da presente contextualização, salienta-se que os processos criminais por meio do delito de lavagem de dinheiro e pelo crime antecedente, tendem a gozar de autonomia sob o aspecto processual. Implicando não na tramitação em conjunto, o que não acaba impedindo a reunião dessas ações penais em razão da conexão probatória e também instrumental.

Neste contexto, passa-se a alcançar a possibilidade de punição pelo crime de lavagem de capitais em razão de qualquer origem ilícita, sendo que a persecução criminal do presente ilícito não esbarra mais nas lacunas de nossa legislação, pois não mais importa de onde vem o capital ilícito para a configuração do branqueamento.

Mas, com a revogação do rol taxativo, torna-se necessário que a conduta prévia realmente gere um bem ilícito voltado para o processo de lavagem, vindo a ser considerada crime, sendo necessário um tipo penal. Destarte, torna-se importante salientar diante do contexto, que o terrorismo ainda não é considerado como um crime, por não ser fato típico previsto no ordenamento jurídico pátrio.   

Deste modo, por meio do novo regramento, o Poder Judiciário poderá acolher a denúncia por lavagem, não dependendo de uma condenação por crime prévio. Assim, o artigo 2º, inciso II da lei Antilavagem, alterado pela Lei 12.683/12, traz consigo o seguinte texto: “Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei: II - independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento”[92].

Portanto, o agente não precisa responder pelo crime de lavagem e o antecedente em um único processo. Assim, com a finalidade de apresentar posicionamento pacificador sobre o tema, coleciona-se o julgado a seguir:

Ementa: CRIMINAL. RMS. “OPERAÇÃO DIAMANTE”. LAVAGEM DE DINHEIRO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO, TELEFÔNICO E FISCAL. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. AUSÊNCIA DE PROTEÇÃO ABSOLUTA AO SIGILO. RESPALDO LEGAL. RELATIVIDADE DO DIREITO À PRIVACIDADE. LEGALIDADE DA MEDIDA. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DA PRÁTICA CRIMINOSA. IMPROCEDÊNCIA DO ARGUMENTO. INSUFICIÊNCIA DE DELIMITAÇÃO TEMPORAL E FÁTICA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDA E DESPROVIDO. Hipótese em que, procedendo-se à apuração de crime de tráfico de entorpecentes, surgiram indícios da prática de lavagem de dinheiro, consistentes na intensa movimentação financeira e patrimonial de pessoas ligadas aos criminosos, notadamente da ex-esposa da pessoa apontada como chefe da quadrilha. [...] Inviável o acolhimento da tese recursal ao se pretender que o fato de a paciente não ter sido condenada pelo tráfico de drogas seria indício de não ter, a mesma, cometido crime de lavagem de dinheiro. A participação no crime antecedente não é indispensável à adequação da conduta de quem oculta ou dissimula a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime, ao tipo do art. 1.º, da Lei n.º 9.613/98. [...]. Recurso parcialmente conhecido e desprovido. (Relator (a): Ministro GILSON DIPP; Julgamento:22/06/2004; Órgão Julgador:T5 - QUINTA TURMA; Publicação: DJ 02.08.2004 p. 433.).  

Assim, ao se analisar o inciso retro mencionado, verifica-se que o crime ainda que praticado em outro país se sujeita à legislação brasileira, em razão da extraterritorialidade condicionada a nossa lei, por meio da força do art. 7º, II, “a” materializado no Código Penal. A presente estipulação relacionada à competência para o processamento, e, também, o consequente, julgamento acaba por ganhar mais força normativa por meio da Lei 12.683/12, investindo o magistrado considerado competente para julgar os casos de lavagem, tendo plenos poderes para decidir sobre a unidade de processamento e julgamento.

Deste modo, a primeira parte do parágrafo retratado, acaba por afirmar que “a denúncia será instruída com indícios suficientes da existência do crime antecedente”. Não restam dúvidas da evidência do caráter acessório do presente delito.

A norma em comento traz a materialização da justa causa duplicada, pois, além da presença de indícios em relação à lavagem de capitais, a denúncia deverá ainda materializar um lastro probatório em relação à origem ilícita dos bens, serviços ou valores obtidos pela prática do crime antecedente. Portanto, apenas se configurará a lavagem se os direitos, valores ou bens forem comprovadamente materializados por meio de uma infração penal prévia.

No que diz respeito ao artigo em escólio, a parte final retrata que apenas serão punidos “(...) os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime”, ou seja, crime antecedente. Assim, pode-se não saber ao certo quem é o responsável pelo crime antecedente, bastando apenas a demonstração de que os bens, direitos ou valores sejam originários do fato típico ensejador, sendo o agente branqueador, condenado por lavagem de capitais. A presente situação é demonstrada por meio de julgamento a ser colecionado a seguir:

Ementa: CRIMINAL. HC. LAVAGEM DE DINHEIRO. AÇÃO PENAL DISTRIBUÍDA A RELATOR DE PROCESSO-CRIME REFERENTE A FORMAÇÃO DE QUADRILHA. DEMONSTRAÇÃO DA MATERIALIDADE DOS CRIMES ANTECEDENTES. FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA. REUNIÃO OU SEPARAÇÃO DOS PROCESSOS. ANÁLISE DO CASO CONCRETO. AUTONOMIA OBRIGATÓRIA DOS FEITOS. REUNIÃO IRRESTRITA. TEMPERANÇA DAS REGRAS. INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO, NA SITUAÇÃO EM TELA. ANULAÇÃO DOS ATOS DECISÓRIOS. DESNECESSIDADE. ECONOMIA PROCESSUAL. ORDEM CONCEDIDA. Hipótese em que o paciente, juntamente com outros dois co-réus, foi denunciado pela prática, em tese, do crime de lavagem de dinheiro, o qual foi instaurado perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região e distribuído ao mesmo Desembargador Federal Relator de outro processo-crime anteriormente instaurado contra ele pelo suposto cometimento do delito de formação de quadrilha. Alegações da impetração orientadas à inexistência de conexão entre as ações penais referentes à lavagem de dinheiro e à formação de quadrilha. A Lei 9.613/98 tipificou o delito de lavagem de dinheiro como crime autônomo, independente, embora tenha exigido, de outro lado, a demonstração da existência da materialidade de um crime antecedente. Presente a prova da materialidade do crime antecedente, o delito de lavagem de dinheiro é punível ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime antecedente, até porque, se não verificados os elementos indicadores da autoria, de fato não se poderá instaurar a persecução penal quanto ao delito anterior. [...] A hipótese da impetração revela que os crimes de formação de quadrilha e contra a administração pública seriam os delitos antecedentes. A relação de acessoriedade material é própria do crime de lavagem de dinheiro e de seu antecedente, não justificando, por si só, a reunião dos feitos. [...]. (STJ - Habeas Corpus: HC 59663 SP 2006/0111217-3; Relator(a):Ministro GILSON DIPP; Julgamento: 07/12/2006; ÓrgãoJulgador:T5 - QUINTA TURMA; Publicação: DJ 05/02/2007 p. 279). 

Importante salientar a existência de um ponto controverso no parágrafo em comento, principalmente no que diz respeito sobre a possibilidade de o autor do crime antecedente ser considerado inocente, isto é, absolvido. Assim, quando o presente fato ocorre, para que o agente branqueador seja condenado, importante analisar o fundamento da absolvição. Contudo, a Lei n. 12.683/12 materializa um acréscimo ao presente parágrafo, retratando que são “puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que [...] extinta a punibilidade da infração penal antecedente.”.

Assim, verifica-se que para o delito de lavagem de dinheiro seja realmente considerado como punível, a infração penal considerada antecedente deverá ter previsão legal, em razão da aplicação do princípio da acessoriedade limitada. Portanto, caso o autor do crime antecedente venha a ser absolvido em razão da atipicidade de sua conduta, podendo ser por meio de uma excludente da ilicitude, não se torna possível a condenação por branqueamento, em razão do texto materializado no art. 386, I, III e VI – 1ª parte – do Código de Processo Penal:

Art. 386 do CPP. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

I - estar provada a inexistência do fato; [...]

III - não constituir o fato infração penal; [...]

VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) 

Caso o autor do crime antecedente seja absolvido tendo como base uma excludente da culpabilidade ou mesmo em razão da causa extintiva da punibilidade, nada impede que ocorra a condenação do agente pelo crime de branqueamento.

Importante salientar que existem apenas duas causas que tendem a impedir que o agente seja condenado por crime de lavagem de dinheiro, considerando-se a hipótese ora comentada, sendo: abolitio criminis e anistia.

Deste modo, a justa causa duplicada está atrelada aos crimes de lavagem de capitais e o antecedente, sendo necessário que ambos tenham relação entre si. Assim, no caso de denúncia, o MP deverá demonstrar um lastro probatório entre o crime de lavagem de capitais e o crime antecedente, conforme redação extraída do art. 2 º, § 1º da lei 9.613/98: “A denúncia será instruída com INDÍCIOS SUFICIENTES DA EXISTÊNCIA DO CRIME ANTECEDENTE, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime”.

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Após breve consideração sobre tal fato, passa-se a analisar os principais crimes que se relacionam ao de lavagem de capitais.

3.1 Crime de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins

O crime de tráfico de drogas se materializa por meio da Lei n. 11.343/2006, instituindo o Sisnad (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas). Assim, retrata as principais medidas para a prevenção sobre a utilização indevida, bem como, atenção e reinserção social dos usuários e também dependentes de drogas, trazendo ainda a definição sobre os crimes, e, consequente estabelecimento das normas para a repressão à produção de forma não autorizada e, materializando o tráfico ilícito de drogas.

Portanto, a criminalidade que abrange a lavagem de capitais acaba por ter como precedente as riquezas espúrias que o tráfico de drogas gera. Assim, o combate ao crime de tráfico de drogas tipificado na lei 11.343/11 em seu artigo 33, deve andar em conjunto com a batalha contra o crime de branqueamento de capitais, conforme se verifica em ementa colecionada abaixo:

PENAL - PROCESSUAL PENAL - APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS (ART. 12 C/C ART. 18, I, DA LEI 6.368/76 ) - LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. 1º, I, DA LEI 9.613/98 . MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS EM RELAÇÃO A UM RÉU. ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS DE DOIS ACUSADOS. DOSIMETRIA DA PENA. REDUÇÃO. RECURSOS DO RÉU E DO MPF PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. A materialidade e a autoria do delito de tráfico de drogas restaram comprovadas pelo laudo de Perícia Papiloscópica que concluiu que as impressões digitais do acusado Fábio Márcio Rodrigues se encontravam na droga apreendida e pelos depoimentos testemunhais. 2. O simples fato de o laudo ter sido elaborado pela Polícia Federal não enseja a nulidade da prova, sobretudo porque o acusado não apresentou qualquer causa de suspeição ou impedimento dos peritos que proferiram a prova. 3. Em relação ao réu Fábio Márcio Rodrigues, a materialidade e a autoria da prática do delito de lavagem de dinheiro restaram demonstradas pelas provas constantes dos autos, que revelaram que o réu possuía vários veículos de sua propriedade em nome de terceiros e ainda movimentava contas correntes de outras pessoas. 4. Já em relação aos acusados Katilene de Oliveira Lima e Leomagno de Sousa Barbosa, não ficou demonstrado nos autos que os dois réus tenham agido com dolo ao emprestaram suas contas correntes ou registrarem veículos do acusado Fábio em seus nomes. Absolvição por falta de provas. 5. Redução da pena do réu, ao fundamento de que as circunstâncias judiciais não são inteiramente desfavoráveis ao acusado para a fixação da pena-base próxima do máximo. 6. A pena deve ser majorada em 1/3 (um terço) pela internacionalidade, como prevê a Lei nº 6.368/76, art. 18 e não em 1/6 (um sexto) como fez o i. Julgador de primeiro grau. 7- Apelações do réu e do MPF parcialmente providas. (TRF-1ª R. - ACr 2007.30.00.000406-0/AC - Rel. Des. Fed. Carlos Olavo – Dje 16.03.2012 - p. 501)

Assim, considera-se como drogas, todas as substâncias ou produtos que são avaliados como capazes de causar dependência física, psicoemocional e química, podendo tanto estarem especificados em lei como de igual forma estarem relacionados por meio de listas atualizadas pelo Poder Executivo da União por intermédio da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).                                                                                                                                                   

3.2 Crime de terrorismo

O crime de terrorismo é considerado como um fenômeno político-social, e se entrelaça com outros eventos da história da própria humanidade. Assim, nos dias atuais seu marco histórico se deu com os fatos ocorridos durante os séculos XX e XI, conforme preleciona Foppel e Luz:

A preocupação com o acontecimento cada vez mais frequente de atentados terroristas ao redor do mundo, bem como com os efeitos catastróficos por ele produzidos, conduziu a um movimento global crescente de criminalização do terrorismo e da adoção de medidas para o seu efetivo combate. Presencia-se hoje, a expansão cada vez mais abrangente de uma política de cooperação policial e judiciária na luta contra o terrorismo, na qual se destaca a atuação da ONU, mas não sendo menos importante a militância de organismos de caráter regional[93]

Assim, vários acordos internacionais acabam por retratar a colaboração entre as nações no combate ao terrorismo. Deste modo, o Tratado da União Europeia acaba por apresentar as principais disposições relacionadas a cooperação policial e judiciária no âmbito penal.         

A Convenção Interamericana Contra o Terrorismo fora aprovada por meio do Decreto n. 5.639/2005, tendo o Brasil como signatário.

No que diz respeito à legislação pátria, ainda não existe uma norma que abranja o crime de terrorismo, sendo que a Carta Magna, em seus artigos 4º, inciso VIII e 5º, inciso XLIII acaba por repudiar o terrorismo, impondo um tratamento sem fiança, bem como, insuscetível de anistia ou graça.

Neste contexto, a Lei nº 7.170/1983 ou      seja, a Lei de Segurança Nacional, acaba por definir quais os crimes contra a segurança nacional, bem como, de ordem política e social, descrevendo as principais condutas a serem consideradas como atividades terroristas. Importante salientar que não ocorre um preenchimento da lacuna no que diz respeito a divergência doutrinária em relação a tipificação do crime de terrorismo.

Quanto à atividade de financiamento ao terrorismo, há uma lacuna legal completa, não existindo tipo penal correspondente na legislação brasileira. Nesse ponto, a lacuna legal fere compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no sentido da criminalização dessa conduta, conforme Artigo 4º da Convenção das Nações Unidas para Supressão do Financiamento do Terrorismo, foi promulgada no Brasil pelo Decreto nº 5.640, de 26 de dezembro de 2005[94]

Infelizmente a legislação brasileira não apresenta nenhuma previsão sobre o crime de terrorismos e seu consequente financiamento, nem mesmo traz uma definição clara do que sejam tais delitos, mas, o presente dispositivo seria importante caso se foque em convenções de combate ao terrorismo dos quais o Brasil é signatário.

Neste sentido, Menegaz[95] retrata que “Pretende-se evitar que o dinheiro obtido ilicitamente, através de ações de grupos terroristas, possa ser reutilizado para financiar as mesmas ações, colocando em risco a segurança nacional”.

3.3 Crime de Contrabando ou Tráfico de Armas

Tanto o crime de contrabando como o de tráfico de armas acaba por representar um crime contra a Administração Pública, atingindo os tipos penas previstos no Artigo 334, do Código Penal e com o Artigo 12, da Lei de Segurança Nacional.

Neste sentido, Callegari[96] retrata que “O delito de contrabando encontra-se previsto no Artigo 334, do Código Penal, enquanto em relação ao contrabando de armas foi promulgada uma lei que regulamenta a compra, o uso e a autorização das armas”.

3.4 Crime de Extorsão Mediante Sequestro

O crime de extorsão mediante sequestro é considerado como um clássico para a captação de recursos a serem usados para o financiamento de outros atos ilícitos. O presente delito se materializa por meio do Código Penal, mais precisamente em seu artigo 159.

Na maioria dos casos o sequestro acaba por resultar na formação de quadrilhas organizadas, inspirando o legislador a ações de combate para impedir que os frutos obtidos de forma ilegal sejam utilizados.

Por atingir o patrimônio, bem como, a liberdade da vítima, o sequestro passa a ser visto como crime hediondo, segundo a Lei nº 8.072/90, estando sujeito a regulamentação por meio da Lei nº 8.930/94.

Sobre crimes hediondos, Mirabete e Fabbrini[97] complementam:

Tais crimes que, por sua natureza ou pela forma de execução, se mostram repugnantes, causando clamor público e intensa repulsa, são relacionados no artigo 1º da Lei nº 8.072, de 25.7.90: latrocínio, extorsão qualificada pela morte, extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada, estupro, atentado violento ao pudor, epidemia com resultado morte, envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte e de genocídio. Tentados ou consumados. O referido artigo, porém, passou a ter nova redação com a Lei nº 8.930, de 6.9.94, que acrescentou a eles o homicídio quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado, e que excluiu, acreditamos que inadvertidamente, o crime de envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal

3.5 Crime contra a Administração Pública

A expressão genérica crime contra a Administração Pública acaba por se materializar nos artigos 312 até 359-H, do Código Penal.

Para Menegaz[98] a “Melhor teria feito o legislador se indicasse quais são os crimes contra a Administração Pública que efetivamente guardam conexão com a lavagem de dinheiro”.

Assim, o entendimento majoritário de nossos legisladores é de que o presente tipo penal não fora bem redigido, principalmente por não se mencionar de forma específica os crimes contra a Administração Pública, tendo em vista a existência de uma quantidade significante de figuras que acabam por tipificar os crimes contra a Administração Pública, sendo que não todas acabam por contribuir com a caracterização da lavagem de capitais.

Portanto, dentre os delitos considerados como praticáveis por funcionários públicos se enquadram a apropriação e também o furto de bens ou dinheiro que se encontram sob sua responsabilidade ou que tenha acesso. O presente fruto de ato ilícito, quando investido no mercado financeiro de modo a apresentar aparência de lítico, tem como finalidade a lavagem de capitais. Portanto, o servidor público passa a ter a seu favor o cargo que ocupa como meio facilitador da organização criminosa, trazendo consigo o reingresso do dinheiro ilícito no mercado limpo.

3.6 Crime Contra o Sistema Financeiro do Brasil

Os crimes praticados contra o sistema financeiro recebem a denominação de “crime do colarinho branco”, abrangendo os mercados de capitais, como, câmbio, capitalização entre outros. Assim, a legislação de lavagem de capitais acaba por tutelar a segurança do sistema financeiro brasileiro, materializando-se em vinte e um tipos penais. Nesta esteira Callegari[99] argumenta que:

O Sistema Financeiro Nacional está composto pelo conjunto de atividades executadas pelas instituições financeiras, e estas, por sua definição legal, são as pessoas jurídicas de direito público ou privado, que tenham como atividade principal ou secundária a captação, mediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, mediação, ou administração de valores mobiliários

Para Menegaz[100]:

Esse crime fundamenta-se, principalmente, no conjunto dos fatores que determinam as formas de atuação desses agentes na sociedade, [...] englobando, entre outros sujeitos, políticos, administradores públicos, executivos e profissionais liberais, que estiverem no livre exercício de suas atividades funcionais.

Portanto, no caso do crime do colarinho branco não ocorre a figura da ação violenta, tendo origem em ações lícitas e apenas no decorrer da sua evolução é que se materializa o desvio da conduta. Deste modo, as causas não têm como fundamento a pobreza, injustiças sociais ou mesmo patologias consideradas como sócio psicológicas.

Importante salientar que outros crimes acabam sendo camuflados por meio dos crimes do colarinho branco, como, por exemplo, os crimes de homicídios. Esses crimes tendem a abalar a questão da sustentabilidade do desenvolvimento econômico saudável, vindo a desestruturar as relações entre os humanos, desorganizando totalmente a sociedade, e, vindo a contribuir para a desigualdade e, consequente, injustiça social, pois, visa tanto o poder como o dinheiro acima de tudo.

Nos últimos tempos verifica-se uma necessidade real de expansão do direito penal no meio da criminalidade do colarinho branco, vindo a corrigir um modelo do que é criminoso. A presente conclusão tende a incomodar todos os interesses dos poderosos, mas, de forma geral, um país democrático de direito deve ser visto como igualitário, não podendo renegar a punição as altas classes.[101]

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Sobre o autor
André Luiz Rapozo de Souza Teixeira

Doutorando em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - FDUC (2020-2025); Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia - UFBA com investigação realizada sobre a tutela penal da ordem econômica (2018); Especialista lato sensu em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes - UCAM (2016); Especialista lato sensu em Ciências Criminais pela Faculdade Baiana de Direito - FBD (2015); Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSAL (2012); Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM e ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI; Advogado (2012); Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, André Luiz Rapozo Souza. A Lei 9.613/98 e a necessidade ou não da condenação pretérita para a sua aplicação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4648, 23 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47368. Acesso em: 5 mai. 2024.

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