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A convenção condominial que restringe ou proíbe animais de estimação é válida?

16/10/2016 às 18:26
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A manutenção do animal somente poderá questionada quando existir perigo à saúde, segurança e salubridade aos demais condôminos. Não sendo este o caso, a restrição imposta pela convenção ou regimento é anulável.

O crescimento de famílias com animais de estimação despontou o mercado pet e trouxe a questão dos animais para diversas discussões no âmbito jurídico, como a guarda compartilhada de animais, por exemplo, e a permanência destes em condomínios edilícios, este último tema a ser tratado no presente artigo.

Incialmente convém determinar que a Convenção Condominial é um documento feito por escritura pública ou por instrumento particular, registrado no Cartório de Registro de Imóveis onde se estabelecem as matérias previstas nos artigos 1.332 a 1.334 do Código Civil (a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns; a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns; o fim a que as unidades se destinam; ser subscrita pelos titulares de no mínimo dois terços das frações ideais; forma de administração; as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores; o regimento interno, etc).

Já o Regimento Interno, parte integrante da Convenção, contém as regras de convivência interna dos condôminos, seus locatários, usuários ou aqueles que de uma forma ou de outra usam o condomínio, inclusive as restrições e proibições relativas a criação e permanência de animais domésticos.

Assim, os condôminos possuem liberdade para criar direitos e deveres adicionais, contanto que não contrariem as disposições legais do Código Civil. Neste sentido, é comum os condôminos estipularem proibições genéricas atinentes ao convívio e permanência de animais, restringindo tamanhos e/ou porte.

Aqui, entende-se que o correto seria a Convenção proibir – independente de tamanho, raça ou porte – aqueles animais que causem transtornos ao sossego, à saúde e a segurança dos demais condôminos. Pois o ponto não é o tamanho, porte ou raça e sim se ele é prejudicial de alguma forma – trazendo risco à segurança ou à saúde – para ser um argumento contundente capaz restringir a permanência naquele condomínio.

Todavia, atualmente tais restrições têm sido muito questionadas, argumentando-se que restrições previstas nas Convenções e nos Regimentos violam o próprio exercício do direito de propriedade pois impedir a permanência de animais seria limitar o gozo e fruição do bem. Neste ponto, o Código Civil (artigo 1.335, I) assegura que é direito do condômino usar, fruir e livremente dispor de suas unidades.

Os mais diversos Tribunais têm entendido que manter animais em unidades autônomas é exercício regular do direito de propriedade e que não se justifica a proibição condominial quando se trata de animais domésticos não prejudiciais (segurança e saúde), pois não devem as Convenções e Regulamentos contrariarem a tendência inata do homem de domesticar e conviver com os animais.

Neste sentido, a  5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação 9105791-97.2003.8.26.0000, São Paulo, Rel: Des. James Siano, julg. 17.08.2011) decidiu: “AÇÃO PARA PERMANÊNCIA DE ANIMAIS EM APARTAMENTO. Sentença de procedência. Apela o réu sustentando que o regimento interno do condomínio autoriza somente a manutenção de um animal e não dois cães, como pleiteado pela autora e concedido pela sentença. Descabimento. Exercício do direito de propriedade não deve ser obstado por convenção ou regulamento interno, salvo se causar risco ou incômodo aos demais moradores. Inexiste motivo para admitir a limitação no caso concreto. Presença de dois cães de pequeno porte, inofensivos e que não interferem no sossego dos demais habitantes do prédio. Incidência do princípio da razoabilidade, segundo o tolerável no convívio social. Apelante não inovou o que já havia sido exposto nos autos e rebatido na sentença. Motivação da sentença adotada como fundamentação do julgamento em segundo grau. Adoção do art. 252 do RITJ. Recurso improvido.”

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também coleciona decisões no mesmo sentido:

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE VIZINHANÇA. CONDOMÍNIO. ANIMAIS DOMÉSTICOS. DESERÇÃO. TRÂNSITO EM ÁREA COMUM. USO DE GUIA. POSSIBILIDADE. MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. AGRAVO RETIDO. RECURSO ADESIVO. AGRAVO RETIDO: Constatados os requisitos autorizadores da concessão liminar, em parte, é de ser dado parcial provimento ao recurso. DA PRELIMINAR CONTRARRECURSAL: Não há falar em falta de preparo por parte de um dos recorrentes, quando houve emissão de guia única de custas, considerando os dois autores. ANIMAIS DOMÉSTICOS. TRÂNSITO EM ÁREA COMUM: Ainda que a convenção do condomínio seja a manifestação expressa da vontade da maioria dos moradores, buscando, assim, a satisfação do bem comum da coletividade, o encontro entre a referida convenção e o direito de propriedade da autora, no caso dos autos, promove um enfraquecimento nas disposições daquela, especificamente no tocante à proibição de trânsito dos animais domésticos pela área comum, quando na guia. Assim, para que seja observada a proibição inserida na Convenção do Condomínio quanto à impossibilidade de trânsito com animais no edifício, a não ser que seja no colo, há de ser demonstrado o efetivo prejuízo à saúde e à segurança dos demais moradores. No caso dos autos, os cachorros da autora são, em tese, animais inofensivos, quais sejam, Cocker Spaniel e Sharpei, na forma que restam possibilitados de transitarem nas áreas comuns, na guia, quando da saída da unidade habitacional dos autores até a área externa do prédio. E tal medida não ocasiona incomodo ou perigo aos demais condôminos, eis que se mostra menos lesiva do que aquela imposta na convenção (carregar no colo). Sentença reformada. SUCUMBÊNCIA: Redistribuída, considerando o decaimento das partes e admitida a compensação. Resta prejudicado o recurso adesivo do condomínio para majoração da verba honorária. PREQUESTIONAMENTO: Não se negou vigência a qualquer dispositivo constitucional ou infraconstitucional. REJEITARAM A PRELIMINAR CONTRARRECURSAL. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E AO APELO DA PARTE AUTORA. DECLARARAM PREJUDICADO O RECURSO ADESIVO DO RÉU. (Apelação Cível Nº 70062338645, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em 10/09/2015)”

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A manutenção do animal somente poderá questionada quando existir perigo à saúde, segurança e salubridade aos demais condôminos. Não sendo este o caso, a restrição imposta pela Convenção ou Regimento é plenamente anulável.

O Poder Judiciário tem adotado uma postura mais flexível no sentido de anular estes dispositivos constantes das Convenções Condominiais e Regulamentos Internos a fim de favorecer a análise do caso concreto, assegurando o direito de propriedade e seu pleno exercício quando entendido que seu exercício não causa prejuízo a terceiros. 

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Sobre a autora
Janine Bertuol Schmitt

Bacharel em Direito pela UNISC (2009), pós-graduada em Direito Imobiliário pela Universidade Estácio de Sá (2017). Atuação em assessoria jurídica e contencioso nas áreas de direito de sucessões (inventários e partilha), societário e direito imobiliário (assessoria jurídica para urbanizadoras, imobiliárias, construtoras, corretores). Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB Subseção de Santa Cruz do Sul/RS (2020/22). Escritora em portais jurídicos (Jusbrasil, Jus.com.br, Direito Net), em revistas jurídicas (Diário das Leis - Boletim do Direito Imobiliário e Revista Síntese do Direito Imobiliário) e jornais locais (coluna quinzenal no Riovale Jornal 2017/19).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERTUOL SCHMITT, Janine. A convenção condominial que restringe ou proíbe animais de estimação é válida?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4855, 16 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47597. Acesso em: 22 dez. 2024.

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