A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e os instrumentos de democracia participativa

25/03/2016 às 09:16

Resumo:


  • O Constituinte Originário adotou no Brasil a Democracia semidireta, que combina Democracia direta ou participativa com Democracia representativa.

  • A Democracia participativa está definida no parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal de 1988.

  • A soberania popular é exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular de lei.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A atual Constituição da República Federativa do Brasil ompeu com o paradigma único da democracia representativa no Brasil ao estabelecer o sistema da democracia participativa através de instrumentos como Referendo, Plebiscito e Iniciativa Popular de Lei

O Constituinte Originário adotou no Brasil a Democracia semidireta, que é a união da Democracia direta ou participativa e da Democracia representativa. Neste trabalho adotar-se-á a terminologia Democracia participativa. Assim, a Democracia participativa está definida no parágrafo único do artigo 1º da Carta Magna:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Infere-se que na CF de 1988, a concepção de Estado, até então restrita à teoria do Estado-nação, foi superada pela instituição do Estado Democrático de Direito.

Para Carlos Simões:

O Estado de direito torna-se também democrático quando passa a ter por fundamento a participação da população, conforme o parágrafo único do art. 1ª da CF, por meio de conselhos (art. 194, inciso VII), referendo e plebiscito (art. 49, inciso XV) e iniciativa popular (art. 29, inciso XIII, e art. 61, parágrafo 2º da CF), democrático porque reconhece não somente os conflitos políticos, como também os sociais, criando instituições para resolvê-los e promovendo programas e projetos de reforma, instituindo os direitos sociais e promovendo a participação das coletividades (conselhos) na formulação das políticas públicas.

Já para Alexandre de Moraes:

A articulação das duas dimensões do principio democrático justifica a sua compreensão como um princípio normativo multiforme. Tal como a organização da economia aponta, no plano constitucional para um sistema econômico complexo, também a conformação do princípio democrático se caracteriza tendo em conta a sua estrutura pluridimensional. Primeiramente, a democracia surge como um processo de democratização, entendido como processo de aprofundamento democrático de ordem política, econômica, social e cultural. Depois, o princípio democrático recolhe as duas dimensões historicamente consideradas como antitéticas: por um lado, acolhe os mais importantes elementos da teoria democrática-representativa (órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação de poderes); por outro lado, dá guarida a algumas das exigências fundamentais da teoria participativa (alargamento do princípio democrático e diferentes aspectos da vida econômica, social e cultural, incorporação de participação popular direta, reconhecimento de partidos e associações como relevantes agentes de dinamização democrática.

Verifica-se no texto colacionado acima que o exercício da soberania popular ocorre de duas maneiras: a) quando o poder é exercido por representante do povo e b) quando o próprio povo intervém com sua palavra final.

Na primeira hipótese, o poder é delegado, pelo povo, a cidadãos por ele eleitos para em seu nome exercerem funções legislativas ou administrativas. É quando o cidadão vota para eleger seu representante. Mas o cidadão também vota para confirmar uma lei ou uma medida governamental (referendo) e vota para responder a uma consulta (plebiscito), é a hipótese b.

Infere-se que em qualquer uma das hipóteses o poder decorre do exercício do voto pelo povo, o titular insubstituível da soberania. Assim, quando elege o seu representante, não está o cidadão renunciando à sua soberania, mas nomeando um delegado para em seu nome e consoante o mandato que lhe é atribuído, exercer o poder. Tanto os parlamentares quanto os titulares de cargos executivos eletivos são representantes do povo, em nome de quem exercem os respectivos mandatos.

Conforme disposição do artigo 14 da Constituição Federal de 1988, “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: plebiscito; referendo; e iniciativa popular de lei”.

O direito de sufrágio é a essência do direito político, expressando-se pela capacidade de eleger e ser eleito. Assim, o direito de sufrágio apresenta-se em dois aspectos: capacidade eleitoral ativa, direito de votar e capacidade eleitoral passiva, direito de ser votado.

As palavras sufrágio e voto são empregados comumente como sinônimos. A Constituição, no entanto, dá-lhes sentidos diferentes, especialmente, no seu artigo 14, por onde se vê que o sufrágio é universal e o voto é direito e secreto e tem valor igual. A palavra voto é empregada em outros dispositivos, exprimindo a vontade num processo decisório. Escrutínio é outro termo com que se confundem as palavras sufrágio e voto. É que os três se inserem no processo de participação do povo no governo, expressando: um, o direito (sufrágio), outro, o seu exercício (o voto), e o outro, o modo de exercício (escrutínio).

PLEBISCITO

É uma consulta prévia feita à população sendo convocado com anterioridade ao ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, através do voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido à apreciação.

O primeiro registro histórico que se tem notícia sobre plebiscito ocorreu na antiga Roma. Com o desenvolvimento da sociedade romana e o aumento de sua população, os plebeus passaram a exigir direitos e prerrogativas perante os patrícios, sendo estes obrigados a atender aos anseios da plebe, criando-lhes cargos públicos próprios.

Assim nasceu o Tribunato da Plebe, que permitia aos plebeus vetar as leis que fossem contrárias aos seus interesses, segundo Denise Auad:

A Lex Hortênsia deu lhes o direito de votar as resoluções da assembleia popular, com força de lei, e essa decisão chamava-se plebiscitum (do latim: plebis - plebe e scitum - decreto), ou seja, decreto da plebe. Mais tarde, no entanto, tornou-se uma formalidade para legitimar os cônsules investidos do poder supremo - como Pompeu e César - o que originou a expressão cesarismo plebiscitário.

Fazendo uma digressão histórica sobre as Constituições brasileiras verifica-se que a Constituição Federal de 1937 foi a primeira a prevê o instituto no Brasil. Este também poderia ser utilizado para a incorporação, subdivisão ou anexação de Estados entre si a critério do presidente da República.

O modo como o referendo estava regulado fortalecia demasiadamente os poderes do presidente da República. Fato extremamente interessante é a previsão da realização de um plebiscito de autolegitimação existente no artigo 187 desta constituição, plebiscito este que não fora realizado.

Na Constituição de 1946 houve a previsão do instituto tão somente para a incorporação, subdivisão ou desmembramento de Estados entre si. Já a Constituição de 1967, em pleno governo militar, nem sequer previu a possibilidade da consulta popular nos casos territoriais, ficando o assunto dependente de regulamentação por lei complementar.

O primeiro plebiscito realizado no Brasil ocorreu no ano de 1963. O povo foi convocado para se manifestar acerca do sistema de governo (presidencialista ou parlamentarista), já que o sistema parlamentarista havia sido instituído com o intuito de inviabilizar o governo do então presidente João Goulart, que possuía “tendências socialistas”. Nesse plebiscito a opção pelo sistema presidencialista saiu vitoriosa com 80% (oitenta por cento) dos votos.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 dispõe sobre o instituto em cinco artigos:

O art. 14, I, prevê o exercício da soberania popular também por meio de plebiscito; o art. 18 possibilita a incorporação, subdivisão e desmembramento de Estados entre si; o art. 18, §4º, dispõe sobre a criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios; o art. 49, XV, estabelece a competência exclusiva do Congresso Nacional para convocação de plebiscitos; e o art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determinou a realização de plebiscito para a escolha da forma e do sistema de governo em 07 de setembro de 1993.

Embora a atual carta vigente na República tenha previsto a realização do plebiscito para o dia 07 de setembro de 1993, preferiu-se a antecipação do mesmo, fato é que no dia 21 de abril de 1993 o povo brasileiro foi às urnas para escolher entre a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (presidencialismo ou parlamentarismo). Neste plebiscito a maioria do povo brasileiro votou pela manutenção da república constitucional e do sistema presidencialista de governo.

O plebiscito no Brasil foi regulamentado pela Lei n. 9.709, de 18 de novembro de 1998. Essa norma legal prevê que o plebiscito será convocado com anterioridade ao ato legislativo ou administrativo e que caberá ao povo aprovar ou denegar, pelo voto, o que lhe foi submetido. O plebiscito será aprovado ou rejeitado por maioria simples, de acordo com o resultado homologado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

REFERENDO

É uma consulta feita ao povo após a elaboração do ato legislativo ou administrativo para saber se este ratifica ou rejeita o ato. Ou seja, primeiro se elabora o ato legislativo ou administrativo, par então submetê-lo á vontade do povo. Para Maria Victória de Mesquita Benevides:

O termo “referendo” origina-se da expressão “ad referendum” e tem raízes em cantões suíços, como Valais e Grisons, por volta do século XV, tendo sido implementado à época com o objetivo de validar perante os cidadãos as decisões emanadas das Assembleias cantonais.

Nas constituições brasileiras a única a prevê a existência do instituto do referendo foi a atual Constituição. Foi a partir dela, que o referendo ingressou no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Está regulamentado na Lei n. 9.709/98, juntamente com o plebiscito e a iniciativa popular. Analisando-se a referida lei percebe-se que muitas das regras aplicadas ao referendo são as mesmas aplicadas para o plebiscito, apesar de serem institutos diferentes, que não podem ser confundidos.

Um exemplo de referendo realizado no Brasil foi à manifestação do eleitorado sobre a manutenção ou rejeição de proibição da comercialização de armas de fogo e munição em todo o território nacional, mas conhecido como referendo do desarmamento. Esta consulta foi realizada no dia 23 de outubro de 2005.

Após a apuração dos votos do referido referendo, segundo dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral, o NÃO recebeu 59.109.265 votos (63,94%), e o SIM, 33.333.045 votos (36,06%). Foram registrados 1.329.207 (1,39%) votos em branco e 1.604.307 (1,68%) votos nulos. A abstenção foi de 26.666.791 (21,85%). Assim, o comercio de armas de fogo e munição, nos termos da lei e por força do referendo continua permitido no Brasil.

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Conforme o art. 11 da lei n. 9.709/98, o referendo deve ser convocado no prazo de trinta dias, a contar da promulgação da lei ou da adoção de medida administrativa, que se relacione de maneira direta com a consulta popular.

INICIATIVA POPULAR DE LEI

É a prerrogativa pela qual um grupo de cidadãos pode propor um projeto de lei ou sugestão de reforma constitucional, necessitando para tanto de determinado número de assinaturas.

Os registros históricos apontam que o surgimento da iniciativa popular deu-se no final do século XIX, nos Estados Unidos, tendo previsão pela primeira vez em 1898, no Estado de Dakota do Sul. Todavia, foi o Estado de Oregon, em 1904, quem primeiro utilizou a iniciativa popular de forma prática.

No Brasil com o advento da atual carta magna ocorreram significativas conquistas por parte da sociedade civil com a adoção do instituto da Iniciativa Popular, instrumento através do qual os cidadãos brasileiros podem apresentar propostas de iniciativa popular de Lei.

Segundo a Constituição Federal Brasileira vigente “a iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”.

A iniciativa popular de lei foi regulamentada pela Lei n. 9.709/98. Esta, no entanto cuidou de tal instituto apenas nos artigos 13 e 14. A lei infraconstitucional não desce a muitos detalhes sobre o procedimento para a realização da iniciativa popular de lei.

Conforme disposição expressa da referida lei “a iniciativa popular de lei consiste na apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”.

O projeto de lei de iniciativa popular deverá circunscrever-se a um só assunto. Não poderá ser rejeitado por vício de forma, cabendo à Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação. A Câmara dos Deputados verificando o cumprimento das exigências estabelecidas no artigo 13 e respectivos parágrafos dará seguimento à iniciativa popular, consoante às normas do Regimento Interno da casa.

O primeiro projeto de iniciativa popular que foi aprovado pelo Congresso Nacional foi o que deu origem à Lei n. 8.930 de 07 de setembro de 1994. A norma tipificou chacina realizada por esquadrão da morte como crime hediondo. A matéria teve o apoio do movimento criado pela escritora Glória Perez após o assassinato da filha dela Daniela Perez.

Outro projeto que teve inicio através da iniciativa popular foi o da Lei da Ficha limpa. Levou cerca de oito meses para ser aprovado na Câmara e no Senado antes de ser enviado à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Considerado rápido, o tramite só não superou o tempo despendido pelos parlamentares para aprovar o projeto que tornou crime passível de cassação a compra de votos. Nesse caso, a matéria foi apresentada em 18 de agosto de 1999 e sancionada 42 dias depois, em setembro do mesmo ano.

Tanto o projeto Ficha Limpa quanto o projeto de cassação por compra de votos foram patrocinados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

A matéria que criou o Fundo Nacional de Habitação foi a que levou mais tempo para ser aprovada, sendo protocolada em janeiro de 1992 e sancionada apenas em 2005. O movimento Popular de Moradia foi o principal apoiador da causa.

É importante salientar que apesar de serem reconhecidos como projetos de iniciativa popular por terem sua origem em movimentos sociais, entidades de classe, igrejas, as matérias convertidas em lei precisaram ser adotadas por parlamentares ou até pelo próprio presidente da República para conseguirem tramitar no Congresso. Isso porque o próprio Legislativo admite não ter meios de conferir os mais de 01 (um) milhão de números de títulos de eleitor e a assinaturas que a lei exige de um projeto desse gênero.

Os instrumentos da Democracia participativa, portanto, são a tentativa de dar mais materialidade ao sistema de Democracia Participativa. É tentar aproximar o cidadão da decisão política, sem intermediário. Havendo participação direta dos cidadãos, uma relação intensa entre governantes e governados, com o respeito dos valores da igualdade e liberdade, os objetivos sociais são alcançados, impondo freios e limitando o exercício do poder politico.

REFERÊNCIAS

AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Disponível em: < http://www.unibero.edu.br/download/revistaeletronica/Set05_Artigos/DIR_PROF%20DENISE_OK.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2016.

BENEVIDES, Maria Victória de Mesquita. A cidadania ativa - referendo, plebiscito e iniciativa popular. 3ª ed. São Paulo: Ática, 1998.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 25 mar. 2016.

BRASIL, Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998. Regulamenta a execução do disposto nos incisos I, II e III do art. 14 da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9709.htm>. Acesso em: 25 mar. 2016.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional.  Acesso em: 25 mar. 31ª ed. atualizada até a EC nº 90/15 - São Paulo: Atlas, 2015.

ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social: princípios de direito político. Trad. José Cretella Júnior e Agnes Cretella. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

SIMÕES, Carlos. Curso de Direito do Serviço Social. 7ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Cortez, 2014.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Edição: 39. Editora Malheiros, 2016.

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Eduardo Martins de Miranda

Fundado em agosto de 2012, o escritório Dr. Eduardo Martins de Miranda, Advocacia e Consultoria Jurídica, vem ganhando prestígio e credibilidade por seu trabalho, pautado na ética, no comprometimento profissional buscando atender de forma incondicional as necessidades dos clientes. Prima pela excelência do trabalho com foco em qualidade e resultado. <br>Especialista em Gestão Social: Políticas Públicas, Redes e Defesa de Direitos;<br>Especialista em Direito Previdenciário;<br>Especialista em Direito Eleitoral.

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