Delação premiada: a importância do instituto às luzes da operação Lava Jato

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O presente trabalho abordou os usos do instrumento processual denominado delação premiada, que atua como força-motriz nas investigações da Operação Lava-Jato.

“No Brasil a adoção da delação premiada superou resistências culturais e acadêmicas, anacrônicas, contrárias a acordos com criminosos (apesar de existir a possibilidade de acordos em praticamente todos os ramos do Direito), mas as resistências, sobretudo políticas, por óbvias razões, pois o crime organizado por vezes tem raízes encravadas no próprio Estado.”

Geraldo Brindeiro[3]

RESUMO

O presente trabalho abordou os usos do instrumento processual denominado delação premiada, que atua como força-motriz nas investigações da Operação Lava-Jato. Foi realizada breve exposição acerca do instituto e suas bases legais desde sua origem em território brasileiro, até os dias atuais, de modo que realizou também comparações acerca de sua aplicação com as demais outras formas de aplicação ao redor do mundo evidenciando a grande relevância que tem para o deslinde dos casos de corrupção e crime organizado. Explicitou as posições contrárias e a favor do mecanismo de investigação em âmbito geral e na esfera da Operação Lava-Jato, e realizou, por fim, a demonstração dos liames das delações firmadas com o aspecto do andamento e celeridade do presente processo de investigação em tela.

INTRODUÇÃO

Nunca a delação premiada esteve tão em voga, como no atual cenário político brasileiro, em meio as operações investigativas que envolvem o maior escândalo de corrupção já retratado na história brasileira: o “petrolão”. A chamada delação premiada, tão discutida nos jornais e outros meios de comunicação, “consiste em um ato do acusado que, admitindo a participação no delito, fornece às autoridades informações eficazes, capazes de contribuir para a resolução do crime” conforme o conceito da 6ª turma do Superior Tribunal de Justiça, aplicado no julgamento do HC 90.962.

O professor Guilherme de Souza Nucci, por sua vez, complementa o conceito, in verbis, “embora assuma a prática do crime, o objetivo não é a pura autoincriminação, mas a consecução de um prêmio”.

Em suma é o ato de colaborar com as autoridades públicas, relatando aquilo que fez, como fez e com quem fez, possibilitando com que os investigadores e a justiça que se confirme aquilo que foi dito. Por fim, a eficácia da delação fará com que esta se torne premiada, chegando-se aos resultados previstos pela legislação.

Por muito tempo o instituto da delação premiada é visto como uma forma de traição, comportamento antiético, ou popularmente caracterizado como “dedurismo”, sendo fortemente questionada por questões morais. Colaborar com as autoridades, delatando comparsas e minuciando a forma como a organização criminosa funciona, não é apenas dentro destas comportamento repreendido, como também enxergado pela própria sociedade como desprezível.

Ao passo em que o instituto em tela contribuiu e tem contribuído grandiosamente para a apreciação de inúmeros depoimentos de delação premiada, que por sua vez, culminaram em diversas diligências, investigações e ampla elucidação de fatos, a opinião popular parece mudar. Seria melhor um culpado solto, do que um preso inocente?

ORIGEM DA DELAÇÃO PREMIADA E SUA FUNDAMENTAÇÃO LEGAL NO DIREITO BRASILEIRO

A delação premiada, nomeada pela lei como colaboração premiada, surgiu pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro nas Ordenações Filipinas (1603), mais especificamente no crime de “moeda falsa” no qual poderia ser perdoado aquele que “desse prisão” a outro alguém, pouco importando se o acusado estivesse envolvido no crime em tela, ou cometido crime alheio. Posteriormente ainda foi previsto pelo Código Criminal de 1830.

Atualmente, não admite-se delação sem que tenha o agente relação alguma com o fato criminoso para fins de obtenção de prêmio, importando em uma série de requisitos para a sua efetiva incidência.

Em 2003, o Brasil passa a ser signatário do tratado internacional United Nations Convention against Corruption, ratificado pelo Congresso Nacional em 15.06.2005, que dispõe acerca da mitigação da punição do indivíduo que contribua consideravelmente com informações relevantes fornecidas as autoridades competentes visando o desfecho do caso, e também com informações que busquem o patrimônio desviado dos cofres públicos. Tratado que busca a facilitação desses acordos, nos termos de seu diploma. Vejamos a letra da lei:

Article 37

1. Each State Party shall take appropriate measures to encourage persons who participate or who have participated in the commission of an offence established in accordance with this Convention to supply information useful to competent authorities for investigative and evidentiary purposes and to provide factual, specific help to competent authorities that may contribute to depriving offenders of the proceeds of crime and to recovering such proceeds.

2. Each State Party shall consider providing for the possibility, in appropriate cases, of mitigating punishment of an accused person who provides substantial cooperation in the investigation or prosecution of an offence established in accordance with this Convention.

Previsto no artigo 3º da Lei 12.850/13, das Organizações Criminosas, a que mais completamente a regula, dita:

Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:

I - colaboração premiada;

O instrumento é previsto esparsamente, em diversos diplomas, dos quais:

  • Lei 8.072/90 “Crimes Hediondos”
  • Lei 7.492/86 “Dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional
  • Lei nº 8.137/90 “Lei de Crimes Contra a Ordem Tributária”
  • Lei nº 9.269/96, deu nova redação ao § 4º do art. 159 do Código Penal.
  • Lei 9.613/98 “Da Lavagem de Capitais”
  • Lei 9.087/99 “De Proteção às Vítimas e Testemunhas”
  • Lei 11.343/06 “Lei Anti-Tóxicos”
  • Lei 12.850/13 “Das Organizações Criminosas”

É utilizada como base a Lei de Proteção às Vítimas e Testemunhas, para reger o instrumento da delação premiada, de modo que se trata de lei com caráter geral.

REQUISITOS, PROCEDIMENTO E CONSEQUÊNCIAS DA DELAÇÃO PREMIADA

A delação premiada consistirá na autoincriminação somada da consecução de um prêmio, de modo a serem observados os seguintes requisitos do art. 4º da Lei 12.850, in verbis.

Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

Serão portanto: a colaboração efetiva e voluntária com a investigação e o processo criminal, isso é livre de coação física e moral; a personalidade do colaborador, natureza, circunstâncias, gravidade (extensão do fato na realidade), repercussão do fato criminoso e eficácia da colaboração; tratando-se dos requisitos cumulativamente obrigatórios. Os elementos dos incisos I a V, delineados acima, são cumulativos-alternativos a serem associados com os requisitos obrigatórios.

Presentes esses requisitos, “sua incidência é obrigatória” entendeu a 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC 84.609, sem que seja necessário inclusive, reclamar na apelação o direito aos benefícios da delação premiada.

Passará o juiz a analisar qual o benefício cabível de acordo com a colaboração do acusado, podendo conceder a absolvição por meio do perdão judicial, julgamento em favor da extinção da punibilidade; ou condenar o réu colaborador e reduzir sua pena em até 2/3 (sem um limite mínimo fixado, podendo o magistrado diminuir a pena inclusive em irrisórios dias); podendo ainda no modo condenação optar pela substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, das quais estão arroladas no artigo 43 do Código Penal.

O depoimento de delação premiada poderá acontecer tanto na fase de juízo, quanto na fase investigatória – hipótese na qual o delegado, com manifestação do Ministério Público, poderá representar o indiciado pela aplicação do prêmio máximo cessando a persecução penal (extinção da punibilidade) ou, nos autos do inquérito, ao colher a manifestação do Ministério Público pergunta a este sobre a possível aplicação do perdão judicial, e este valendo-se do inquérito requer ao juiz a aplicação do prêmio de perdão judicial.

Nesse caso, podemos dizer que o delegado representa o indiciado, ao passo em que o Ministério Público é ouvido (na figura do promotor de justiça) requerendo diretamente ao magistrado a aplicação do prêmio de perdão judicial, perdão este que não poderá ser concedido de ofício.

Insta ressaltar que é decisão da qual cabe recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581 VIII ou IX.

O perdão judicial poderá ser reconhecido em qualquer fase do processo, nos termos do §2º do art. 4º da Lei 12.850/13 cabendo a proposição pelo Ministério Público e pelo delegado de polícia. É apenas após a sentença penal transitada em julgado, que não mais será admitido o perdão judicial. Após o trânsito em julgado, caberá apenas a redução da pena (art. 4º, §5º da lei supracitada) ou a progressão de regime mesmo que ausentes os requisitos objetivos para a sua aplicação, qual seja tempo mínimo no regime anterior.

Terá o colaborador direitos, como versa o art. 5º da Lei 12.850/13:

Art. 5º São direitos do colaborador:

- usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;

II - ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados;

III - ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;

IV - participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;

- não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito;

VI - cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.

As medidas de proteção serão aquelas cabíveis as testemunhas, na Lei 9.087/99 “De Proteção às Vítimas e Testemunhas”.

Em regra, o sigilo da delação premiada, termina com o oferecimento da denúncia. De modo que, importante se faz o sigilo em frente as possíveis fraudes que possam ocorrer caso a delação se torne pública, comprometendo as diligências das investigações.

A partir daí, tudo o que o colaborador disser, seguirá com o processo judicial, de modo que se reconhecerá a eficácia da colaboração, o os resultados alcançados.

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É de suma importância a reiteração, de que nenhuma pessoa será condenada puramente pelo depoimento do colaborador, pois este não serve como prova de maneira isolada, autônoma, devendo comunicar-se com provas concretas e objetivas que evidenciem a veracidade dessa colaboração, assim com elas corroborando-as.

Os casos de prisão preventiva, em que a palavra isolada do colaborador serve para efetivá-la, acontece justamente para a busca dessas provas, não ensejando coerção para que se obtenha autoincriminação do preso.

A OPERAÇÃO LAVA JATO

A Operação Lava Jato originou-se de uma das organizações criminosas envolvidas e primeiramente investigadas que utilizava-se de uma rede de postos de combustíveis e lava a jato de automóveis para movimentar recursos ilícitos.

A lavagem de dinheiro tomou proporções estratosféricas, levando as investigações as mais diversas autoridades públicas. Não existe um valor certo quanto ao montante desviado dos cofres da Petrobras, que apenas aumenta ao passo em que cava-se mais fundo o esquema ilícito. O Ministério Público Federal explica:

“Nesse esquema, que dura pelo menos dez anos, grandes empreiteiras organizadas em cartel pagavam propina para altos executivos da estatal e outros agentes públicos. O valor da propina variava de 1% a 5% do montante total de contratos bilionários superfaturados. Esse suborno era distribuído por meio de operadores financeiros do esquema, incluindo doleiros investigados na primeira etapa.”

As empreiteiras formaram um cartel, e por meio da cooptação de agentes públicos (funcionários da Petrobras) conseguiram seu favorecimento dentre as demais empreiteiras realizando restrição de convidados nas licitações e incluindo a ganhadora dentre as participantes do cartel. Além disso, por meio da propina conseguiram realizar negociações diretas injustificadas, aditivos desnecessários e com preços excessivos celebrados, vazamento de informações sigilosas, contratações irregulares, etc.

Os operadores financeiros eram responsáveis não só por intermediar o pagamento da propina, mas especialmente por entregar a propina disfarçada de dinheiro limpo aos beneficiários.

Em março de 2015, o Procurador-Geral da República apresentou ao Supremo Tribunal Federal 28 petições para a abertura de inquéritos criminais destinados a apurar fatos atribuídos a 55 pessoas, das quais 49 são titulares de foro por prerrogativa de função (“foro privilegiado”). São pessoas que integram ou estão relacionadas a partidos políticos responsáveis por indicar e manter os diretores da Petrobras. Elas foram citadas em colaborações premiadas feitas na 1ª instância mediante delegação do Procurador-Geral.

A primeira instância investigará os agentes políticos por improbidade, na área cível, e na área criminal aqueles sem prerrogativa de foro. Essa repartição política revelou-se mais evidente em relação às seguintes diretorias: de Abastecimento, ocupada por Paulo Roberto Costa entre 2004 e 2012, de indicação do PP, com posterior apoio do PMDB; de Serviços, ocupada por Renato Duque entre 2003 e 2012, de indicação do PT; e Internacional, ocupada por Nestor Cerveró entre 2003 e 2008, de indicação do PMDB. Para o PGR, esses grupos políticos agiam em associação criminosa, de forma estável, com comunhão de esforços e unidade de desígnios para praticar diversos crimes, dentre os quais corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Fernando Baiano e João Vacari Neto atuavam no esquema criminoso como operadores financeiros, em nome de integrantes do PMDB e do PT.

É possível encontrar no sítio online do Ministério Público Federal infográfico das investigações que resultaram, até o presente momento, em: 1114 procedimentos instaurados, 484 buscas e apreensões, 117 mandados de condução coercitiva e 133 mandados de prisão cumpridos (das quais são 64 prisões preventivas e 70 prisões em flagrante); 97 pedidos de cooperação internacional, sendo 85 pedidos ativos para 28 países e 12 pedidos passivos com 11 países; 49 acordos de colaboração premiada firmados com pessoas físicas, 5 acordos de leniência, 37 acusações criminais contra 179 pessoas (sem repetição de nome) sendo que em 18 já houve sentença (por crimes de corrupção, crimes contra o sistema financeiro internacional, tráfico transnacional de drogas, formação de organização criminosa, lavagem de ativos, entre outros); 6 acusações de improbidade administrativa contra 33 pessoas físicas e 16 empresas pedindo o pagamento de R$11,7 bi.

Além disso, soma-se o valor total do ressarcimento pedido (incluindo multas) em 21,8 bilhões, da propina que envolve (acerca dos crimes já denunciados) cerca de R$6,4 bilhões, dos quais foram R$2,9 bilhões já recuperados por meio de acordos de colaboração, sendo R$659 milhões em repatriação e R$2,4 bilhões em bens dos réus já bloqueados.

Até o momento são 93 condenações, que contabilizam 990 anos e 7 meses de cumprimento de pena.

ASPECTOS POLÊMICOS DA DELAÇÃO PREMIADA

Dentre as organizações criminosas é muito comum que se estabeleça a chamada Lei de Silêncio, de modo a dificultar e muito as atividades investigatórias das autoridades públicas, pois é pacto entre criminosos que visa a condenação dura à delação do crime e seus comparsas junto ao poder do Estado. Além disso, o avanço da tecnologia possibilita consigo a sofisticação dos instrumentos ilícitos para a realização de crimes, deixando-se cada vez menos rastros.Tratando-se de prática fortemente recriminada, dentro e inclusive fora das organizações criminosas.

Isso acontece devido a imagem de “traição” que a delação premiada transmite, viés exclusivamente moral de enxergar-se o instituto.

A delação premiada se faz, dessa maneira, meio de obtenção de prova no qual o agente criminoso dá depoimento como figura que viveu o crime, convivendo com seus demais autores de perto, de modo a contribuir preciosamente com a sua narrativa com possíveis detalhes acerca da maneira em que o grupo agia, os crimes que praticava, modus operandi, onde o proveito do crime se encontra, dentre outros. É depoimento que apenas um envolvido nas entranhas daquele crime poderia fornecer.

Critica-se muito o instituto pela oficialização da traição, na qual o legislador torna legal uma hipótese antiética de comportamento social, que é inclusive o mesmo motivo pelo qual se agravam penas (traição é agravante genérica descrita pelo art. 61 do Código Penal). Além disso, a estes pensadores também é possível aferir violação direta ao Princípio da Proporcionalidade das penas, pois o delator, que cometeu o mesmo crimes que os delatados, sairá beneficiado dessa relação de colaboração. Isto posto, não se poderia trabalhar com a justificativa de que os fins justificam os meios, se estes além de possuírem caráter antiético, não são efetivamente capazes de quebrar a lei do silêncio e ainda dispõem o Estado a barganhar com criminosos (que podem inclusive delatar indivíduo falsamente e por motivos de pura vingança!), colocando-se o Estado nesse mesmo patamar "criminoso".

Contudo, há quem pense o contrário, em favor ao instituto. Seus argumentos entendem que não há de se falar em ética do mundo criminoso, pois seus autores praticam atitudes que ferem um bem jurídico precioso e por isso protegido pelo Estado: o crime é avesso à legalidade, e desregrado que é, nada tem a ver com a delação premiada – instituto que se justifica pela inclusão e legalização pelo ordenamento jurídico. Trata-se de “traição” com bons propósitos, que não deve ser punida haja vista ser a favor do Estado Democrático de Direito. Com base no Principío da Individualização da Pena, poderia-se entender que não há lesão a proporcionalidade da pena uma vez que a pena é medida individualmente de acordo com a culpabilidade de cada agente, e acerca da culpabilidade, aquele que contribui com a sociedade delatando crime cometido e também seus demais autores, demonstra menor culpabilidade, conduta que deve ser valorizada.

Além disso, o benefício é fundamento da aplicação da pena, pois tem como finalidade a regeneração do delator, por meio do incentivo prêmio haja vista o arrependimento do colaborador e efetiva colaboração com para que se faça Justiça. Quanto a barganha, salientam os pensadores dessa corrente que ela já existe quando a angariação de testemunhas e sua proteção, caindo por terra do mesmo modo a questão da delação falsa por motivos de vingança, que é punida pelo ordenamento, perdendo o delator seu prêmio.

Isto posto, aqueles que defendem a delação premiada entendem que não é possível que se jogue fora um instituto puramente baseando-se em um juízo de valor (ética, no caso) que é variável. Mas sim, pondo em primeiro plano o combate à criminalidade, afastando-se a falta de celeridade processual e colaborando-se com o Princípio da Busca pela Verdade Real fortalecendo a produção das provas que virão.

Assim o papel do juiz é facilitado produzindo-se provas de qualidade, e ganhando as investigações maior alcance, ampliando-as. 

DELAÇÃO PREMIADA NA OPERAÇÃO LAVA JATO

Os acordos de delação premiada que giram em torno da Operação Lava Jato dividem opiniões: de um lado mostram-se a alguns opinadores veementemente inconstitucionais e arbitrários, com acusações de que inclusive as autoridades têm usado formas ilícitas de obtenção de acordos como prisões preventivas e coerção, que implicariam em sua respectiva anulação.

O professor Guilherme Nucci explica acerca da delação ilícita:

"Tem-se apregoado que, muitas vezes, autoridades policiais e membros do Ministério Público empreendem verdadeiro terrorismo contra o potencial colaborador, integrante de uma organização criminosa, para que ele delate os companheiros. Seriam constrangidos, por horas a fio, mediante tortura psicológica, a aceitar a colaboração premiada. Noutros casos, seus familiares seriam ameaçados, sequestrados ou mantidos em cativeiro para que a delação se concretizasse. Por óbvio, se a colaboração for conseguida mediante esses artifícios, dentre outros ilegais, a delação passa a constituir prova ilícita, devendo ser desentranhada e desprezada. Entretanto, não se deve confundir tortura psicológica com conversas mantidas entre a autoridade policial, o membro do Ministério Público e o potencial colaborador, enumerando as vantagens da sua delação e o que ele pode evitar de negativo para si e para sua família. Além disso, o delator deve estar sempre acompanhado de defensor."

Por outro lado, há quem defenda as colaborações pela enormidade de resultados gera, satisfazendo amplamente a opinião pública. Também observam seus bons resultados em operações similares no exterior, como por exemplo a que o Juiz Sérgio Moro usa como argumento de defesa do instrumento, a Operação Mani Pulite sediada na Itália, na qual teve sede o primeiro acordo de delação premiada no país estrangeiro, que desvendou esquema de corrupção bilionário e, foi fator chave para a celeridade do caso (concluído em apenas dois anos) que culminou em 3.200 julgamentos, com inúmeras condenações. É caso emblemático acerca do instituto da colaboração premiada, de modo estar presentes vários elementos de seus julgamentos nas atuais doutrinas jurídicas.

Em artigo, o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba explicou:

"Um criminoso que confessa um crime e revela a participação de outros, embora movido por interesses próprios, colabora com a Justiça e com a aplicação das leis de um país. Se as leis forem justas e democráticas, não há como condenar moralmente a delação; é condenável nesse caso o silêncio." 

Ainda salienta a necessidade de fontes independentes de provas, que confirmem a delação premiada:

"Um investigado ou acusado submetido a uma situação de pressão poderia, para livrar-se dela, mentir a respeito do envolvimento de terceiros em crime. Entretanto, cabível aqui não é a condenação do uso da delação premiada, mas sim tomar-se o devido cuidado para se obter a confirmação dos fatos por ela revelados por meio de fontes independentes de prova."

Apesar de críticas severas que dividem a opinião pública, foi por meio dessa técnica especial de investigação que a apuração de propinas que somavam R$ 26 milhões, envolvendo uma diretoria da Petrobras, saltaram para mais de R$ 6 bilhões e mostraram-se ligadas a várias diretorias e outros órgãos públicos. O instrumento ainda tem mostrado que uma delação leva à outra, desestruturando-se a organização criminosa, levando o investigador aos peixes maiores. É o que destaca o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros, que considera a delação importante para um eventual desfecho. Veja-se.

 "[A delação] possibilita o atingimento não só dos delinquentes de baixa colocação na estrutura organizacional mas, especialmente, daqueles que têm maior participação, verdadeiros chefes das associações".

Com isto, entende-se que a delação é instrumento à favor das investigações, funcionando como um guia que “otimiza o uso de recursos públicos, maximiza a punição de corruptos e o ressarcimento dos cofres públicos, bem como desagrega organizações criminosas” segundo o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato.

O procurador entende que sem o instituto não se pode combater o crime organizado, pois a propina é paga de modo disfarçado e por meios sofisticados de métodos de lavagem de dinheiro dicicultando e por vezes impedindo o seu rastreamento. Ele completa artigo para a Revista Época dizendo que a colaboração desonera a Justiça, facilitando o trâmite do processo partindo-se do depoimento do colaborador.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Lei n. 12.850 de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Diário oficial da república do Brasil. Brasília, DF, 2013.

NUCCI, Gulherme de Souza. Organização Criminosa. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

Ministério Público Federal. Operação Lava-Jato. Disponível em: <http://lavajato.mpf.mp.br/>. Acesso em: 29 fev. 2016.

OPERAÇÃO Mãos Limpas transformou a política da Itália há décadas. Itália/Brasil: Jornal Nacional, 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/edicoes/2016/03/21.html#!v/4900677>. Acesso em: 16 mar. 2016.

DELAÇÃO Premiada. Rio Grande do Sul, Brasil. Ministério Público do Rio Grande do Sul, 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=4KDknAxQsiw>. Acesso em: 24 mar. 2016.

BRINDEIRO, Geraldo. Delação premiada e ‘plea bargain agreement’. O Estadão. São Paulo, 09 fev. 2016. Disponível em: <http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,delacao-premiada-e-plea-bargain-agreement,10000015508>. Acesso em: 16 mar. 2016.

MIGALHAS. Matéria especial do STJ trata da delação premiada e das garantias do colaborador. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI220254,11049-Materia+especial+do+STJ+trata+da+delacao+premiada+e+das+garantias+do>. Acesso em: 16 mar. 2016.

MIGALHAS (Ed.). Advogados recomendam cuidado no uso da delação premiada. Disponível em: < MIGALHAS (Ed.). Matéria especial do STJ trata da delação premiada e das garantias do colaborador. Disponível em: < http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI209864,21048-Advogados+recomendam+cuidado+no+uso+da+delacao+premiada>. Acesso em: 01 mar. 2016.

RODAS, Sérgio. Acordos de delação premiada da "lava jato" violam Constituição e leis penais. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-out-15/acordos-delacao-lava-jato-violam-constituicao-leis-penais?imprimir=1>. Acesso em: 16 mar. 2016.

SANCTIS, Fausto de. Fausto De Sanctis: "Opor-se à delação premiada é repelir a Justiça": O desembargador federal afirma que "quando se invoca a ideia de traição para combater a delação premiada, admite-se a 'ética' do criminoso". Disponível em: <http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/07/fausto-de-sanctis-opor-se-delacao-premiada-e-repelir-justica.html>. Acesso em: 01 mar. 2016.

PEREIRA, Frederico Valdez. Frederico Valdez Pereira: "A delação premiada permite quebrar a parceria entre criminosos": Para o professor da USP, a pena mais dura pode recair não sobre o autor da infração mais grave, mas sobre quem não quis delatar. Disponível em: <http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/07/renato-de-mello-jorge-silveira-delacao-premiada-permite-quase-uma-imunidade-penal.html>. Acesso em: 27 fev. 2016.


{3}Doutor em Direito pela Universidade de Yale, professor da Universidade de Brasília e ex-Procurador-Geral da República (1995-2003).

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Sobre as autoras
Daniela Fachiano Nakano

Aluna do 5º termo do curso de Direito do Centro Universitário “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente – SP.

Isabela Pelosi

Aluna do 5º termo do curso de Direito do Centro Universitário “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente – SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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