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Ministro de Estado pode ser réu em ação civil de improbidade administrativa

30/03/2016 às 11:23
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Procurador da República pode investigar possíveis atos de improbidade administrativa que venham a ser cometidos por Ministro de Estado?

O problema que aqui se põe diz respeito à possibilidade do Procurador da República  investigar possíveis atos de improbidade administrativa que venham a ser cometidos por Ministro de Estado.

Discute-se se o membro do Ministério Público, que atua perante a primeira instância, estaria usurpando a competência do Supremo Tribunal Federal  ao dar andamento a investigação nesses casos.

Coloca-se a preocupação no sentido de saber se esse foro de natureza criminal se estende aos atos de improbidade administrativa, mesmo uma vez declarada a inconstitucionalidade do artigo 84, § 1º , do Código de Processo  Penal, que alongava a prerrogativa aos atos administrativos praticados por agente portador de função.

A  discussão parte da conclusão de que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 2.797 e a ADI 2.860, relator Ministro Sepúlveda Pertence, sessão de 15 de setembro de 2005, declarou a inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002, que acrescentou os § § 1º e 2º ao art. 84 do Código de Processo Penal, restando pacificado o entendimento no sentido de que inexiste prerrogativa de foro nas ações de improbidade administrativa. Assim não haveria que se falar em equiparação, para efeito de prerrogativa de foro, entre ação de improbidade administrativa, que tem a natureza civil, e a ação penal.

Os agentes políticos são aqueles, como já mencionava BANDEIRA DE MELLO[1], que são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, pois são ocupantes dos cargos que compõem o arcabouço constitucional do Estado e, portanto, do esquema fundamental do Poder.

A relação que os vincula aos órgãos de poder é de natureza política.

Em posição que merece ser considerada como atual,  JACQUES[2] concluiu que vigorava em tema de crime de responsabilidade, impeachment, a tese de que, se a causa do processo não deixa de ser puramente política, o meio – o processo e julgamento – e o fim – a pena – são tipicamente criminais, uma vez que o Presidente da República sofre a imposição de uma pena(perda do cargo, com incapacidade para exercer outro, ou sem ela). Adotamos a tese do impeachment europeu, um processo misto(político-criminal), como notaram Duguit, Esmein, Bryce e Tocqueville, dentre outros, ao passo que o impeachment americano só inflige pena administrativa, pois há um processo meramente político.[3]

Ora, o processo, enquanto instrumento para efetivação da prestação jurisdicional, no que tange às ações de improbidade, têm natureza civil, e suas sanções civis e administrativas.

Fazendo uma abordagem da compatibilidade da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos, CHAVES DOS ANJOS NETO[4], ao analisar os reflexos do julgamento do Supremo Tribunal Federal, na Reclamação nº 2.138/DF,  assim se reporta:

¨Ora, o constituinte de 1988 quis porque quis inaugurar um regime todo especial de proteção à tutela da probidade administrativa, que passa pelas mais variadas formas de responsabilidade, conforme consta da atual Constituição Federal, a saber: a) criminal(art. 37, § 4º, ¨parte final¨, quando lança a ressalva de ¨sem prejuízo da ação penal cabível¨ c/c o art.52, parágrafo único, ¨parte final¨, ao mencionar ressalva, até em maior extensão, eis que ¨sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis¨); b) político-institucional ou político-criminal(art. 52, c/c o art. 85, parágrafo único, que trata da lei especial disciplinadora do impeachment, entre os vetores ali eleitos de proteção, a ¨ probidade da administração¨, segundo o inciso V deste último dispositivo); c) extrapenal, de caráter administrativo ou civil(art. 37, § 5º, que trata de ilícitos atribuídos a servidores públicos; e art. 52, parágrafo único, como decorrência da mesma ressalva acima citada); d) eleitoral(art. 14, §9º, naquilo que estabelece, entre os casos de inelegibilidade, tudo que venha a ofender certos valores, entre os quais, a ¨probidade administrativa, moralidade e legitimidade das eleições¨).

A discussão grassa a partir do entendimento do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento daquela Reclamação 2.138/DF, que julgou um caso específico de Ministro de Estado, entendendo incabível a aplicação da Lei 8.429/92, lei de improbidade administrativa, em relação a determinados agentes políticos.

Avulta a importância da divergência inicial, do que se lê do voto do Ministro Carlos Velloso, ao sustentar que, em linha do princípio, a Lei nº 8.429/92 aplicar-se-ia igualmente aos agentes políticos, a menos que sua conduta fosse tipificada como crime de responsabilidade, de que trata a lei especial, conforme determina a Constituição Federal (art. 85, parágrafo único).

Disse, aliás, o Ministro Velloso, no seu voto na Rcl 2.138:

¨Isentar os agentes políticos da ação de improbidade administrativa seria um desastre para a administração pública. Infelizmente, o Brasil é  um país onde há corrupção, apropriação de dinheiros públicos por administradores ímprobos. E isso vem de longe. No excelente livro de Patrick Wilcken – ¨O império à Deriva – A Corte Portuguesa no Rio de Janeiro, 1808 – 1821¨, Objetiva, tradução de Vera Ribeiro, pág. 121 – está consignado:

   ¨A corrupção sempre fora uma característica da vida ao redor do império, mas assumiu uma forma concentrada no Rio.

(...) Enquanto a vida era uma luta para muitos dos cortesãos mais periféricos, os ministros do governo logo passaram a ter um padrão de vida muito acima dos recursos que poderiam ter ganho legitimamente.(....) Por trás das bengalas,mantos e perucas, e por trás das cerimônias formais e dos éditos proferidos em linguagem refinada, o roubo em nome da Coroa disseminou-se à larga.¨

Ora, os chamados crimes de responsabilidade têm uma casuística própria, do que se lê do artigo 85 da Constituição Federal, onde estão listados os seguintes casos: I – a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III – O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Percebe-se da leitura do artigo 11 da Lei 1.079/50, no que concerne ao tipo que trata da guarda e legal emprego de dinheiros públicos, que assiste razão a BARROSO[5] quando sustenta a não recepção desse dispositivo diante da ordem constitucional de 1988 e mesmo diante da Constituição de 1967, com a Emenda Constitucional n. 1/69, só o admitindo diante dos termos da Constituição de 1946.

A lei de improbidade, ao contrário, reserva sanção aos agentes políticos que praticam atos ilícitos, de natureza administrativa, em situações que capitula de forma taxativa, nos artigos 9º, 10º e 11º(Lei 8.429/92).

Diverso dos atos administrativos, os agentes políticos ainda praticam atos de governo, que são aqueles  inerentes à  atividade tipicamente discricionária, em obediência ao que determina a Constituição.

Anoto, por sua importância, julgamento do Supremo Tribunal Federal, no Pet – QO 3923, em que foi Relator o Ministro Joaquim Barbosa, onde se fez a seguinte dicotomia:

a)       A Lei 8.429/92 regulamenta o art.37, parágrafo quarto da Constituição, que traduz uma concretização do principio da moralidade administrativa inscrito no caput do mesmo dispositivo constitucional. As condutas descritas na lei de improbidade administrativa, quando imputadas a autoridades detentoras de prerrogativa de foro, não se convertem em crimes de responsabilidade;

b)      Crime de responsabilidade ou impeachment, desde os seus primórdios, que coincidem com o início de consolidação das atuais instituições políticas britânicas na passagem dos séculos XVII e XVIII,  passando pela sua implantação e consolidação na América, na Constituição dos EUA de 1787, é instituto que traduz à perfeição os mecanismos de fiscalização postos à disposição do Legislativo para controlar os membros dos dois outros Poderes. Não se concebe a hipótese de impeachment exercido em detrimento de membro do Poder Legislativo. Trata-se de contraditio in terminis. Aliás, a Constituição de 1988 é clara nesse sentido, ao prever um juízo censório próprio e específico para os membros do Parlamento, que é o previsto em seu artigo 55. Noutras palavras, não há falar em crime de responsabilidade parlamentar.

Destaco voto, no julgamento do mérito, do Ministro Joaquim Barbosa:

¨Eu entendo que há, no Brasil, uma dupla normatividade em matéria de improbidade, com objetivos distintos: em primeiro lugar, existe aquela específica da Lei 8.429/1992, de tipificação cerrada, mas de incidência sobre um vasto rol de possíveis acusados, incluindo até mesmo pessoas que não tenham qualquer vínculo funcional com a Administração Pública(lei 8.429/92, art. 3º); e uma outra normatividade relacionada à exigência de probidade que a Constituição faz em relação aos agentes políticos, especialmente ao chefe do Poder Executivo e aos Ministros de Estado, ao estabelecer no art. 85, inciso V, que constituem crime de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a probidade da administração. No plano infraconstitucional, essa segunda normatividade se completa com o art.9º da Lei 1.079/1950.¨

São disciplinas normativas diversas, que visam à preservar o mesmo valor ou principio constitucional, qual seja, a moralidade da Administração Pública, porém, têm objetivos constitucionais diversos.

Por certo, o artigo 37, parágrafo quarto da Constituição Federal, objeto de concretude face ao disposto na Lei 8.429/92, traduz o princípio da moralidade administrativo, norteador da administração, onde a Constituição consagra o combate sem tréguas à corrupção e a impunidade no setor público. Ímprobo é o desonesto da Administração que merece sanção razoável, proporcional à sua conduta lesiva, diante de tipos cerrados expostos na Lei de Improbidade Administrativa.

E conclui o Ministro Joaquim Barbosa:

¨O contraste é manifesto com a outra disciplina da improbidade, quando direcionada aos fins políticos, isto é, de apuração da responsabilização política. Nesse caso, o tratamento jurídico da improbidade, tal como prevista no art. 85, V, da Constituição e na lei 1.079/1950 ,assume outra roupagem, e isto se explica pelo fato de que o objetivo constitucional visado é muito mais elevado. Cuida-se aí de mais um dentre os inúmeros mecanismos de checks-and-balances típicos das relações entre os poderes do Estado no regime presidencial de governo. Tem equivalência, no presidencialismo, aos mecanismos de apuração da responsabilidade política típicos do sistema parlamentarista – como, por exemplo, a moção de censura ou de desconfiança.

Aliás, a natureza do instituto e os objetivos constitucionais por ele visado explicam por que nessa modalidade especial de responsabilização as penalidades são diferenciadas e podem parecer relativamente brandas,se comparadas às previstas na lei de improbidade. E o objetivo da punição é lançar no ostracismo político o agente político faltoso, especialmente o chefe da Nação, cujas ações configurem um risco para o estado de Direito, para a estabilidade das instituições, em suma, um Presidente que por seus atos e ações perde a ¨public trust¨, isto é, a confiança da Nação. Igualmente, a natureza política e os objetivos constitucionais visados com esse instituto é que explicam por que ao agente eventualmente condenado por crime de responsabilidade são aplicáveis apenas duas punições, e nada além dessas duas únicas punições: a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de funções públicos pelo prazo de 8 anos. É que, como bem disse Aléxis de Tocqueville, no seu clássico ¨Democracia na América¨, o fim principal do julgamento político nos Estados Unidos, é retirar o poder das mãos do que fez mau uso dele, e de impedir que tal cidadão possa ser reinvestido de poder no futuro.¨

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A improbidade administrativa, prevista na Lei 8.429/92, é entidade diversa daquela existente quanto ao crime de responsabilidade. Elas não se excluem, mas têm resultados absolutamente distintos.

Poderá haver, por certo, uma dualidade de sanções. A isso responde BROSSARD[6], aduzindo que originadas de causa comum, uma sanção política pode justapor-se a sanções criminais, sem litígio, sem conflito, sempre que haja uma dupla sujeição.

Veja-se um caso concreto. 

A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal aceitou recurso da Procuradoria-Geral da República e autorizou a retomada de duas ações de reparação de danos por improbidade administrativa contra os ex-ministros do governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB: Pedro Malan (Fazenda), José Serra (Planejamento, Orçamento e Gestão), Pedro Parente (Casa Civil), além de ex-presidentes e diretores do Banco Central.

As ações, apresentadas pelo Ministério Público Federal, questionavam assistência financeira no valor de R$ 2,97 bilhões do Banco Central aos bancos Econômico e Bamerindus, em 1994, dentro do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), que socorreu bancos em dificuldades.

Em 2002, o ministro Gilmar Mendes, do STF, concedeu liminar (decisão provisória) para suspender as ações e, em 2008, mandou arquivar os processos que estavam na Justiça Federal do Distrito Federal.

Em uma delas, os ex-ministros e ex-dirigentes do BC haviam sido condenados pela 20ª Vara Federal à devolução de quase R$ 3 bilhões. A outra ação, na 22ª Vara, ainda não havia sido julgada.
A defesa dos ex-ministros argumentava que, segundo a Constituição Federal, caberia ao Supremo processar e julgar os ministros de Estado, "nas infrações penais e nos crimes de responsabilidade".

Gilmar Mendes concordou que os fatos apresentados eram classificados como crime de responsabilidade e não improbidade, e considerou, entre outras coisas, que os ex-ministros não poderiam ser punidos porque os valores apontados "em muito ultrapassam os interesses individuais" dos envolvidos.

Os ministros da 1ª Turma reverteram esse entendimento. Para eles, a ação aponta ato de improbidade administrativa, que está dentro da área civil, e pode ser retomada na primeira instância. Ministros de estado só têm foro privilegiado e são julgados no Supremo em caso de crime de responsabilidade e crimes comuns.


Notas

[1] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Regime constitucional dos servidores da administração direta e indireta, São Paulo, RT, 1990, pág. 8.

[2] JACQUES, Paulino Ignácio.Curso de Direito Constitucional, 7ª edição, Rio de Janeiro, Forense, pág. 254.

[3] A essa doutrina, de caráter misto do impeachment, manteve-se, no passado, fiel o Supremo Tribunal Federal, como se verifica dos casos do Procurador-Geral da República contra a Constituinte Estadual de São Paulo(1947) e do Procurador-Geral da República contra a Constituinte Estadual do Piauí(1947), nos quais se arguia a inconstitucionalidade das Constituições desses Estados-membros, que definiam os crimes de responsabilidade do governador do Estado e lhe regulavam o processo e julgamento. O Tribunal decidiu que, ¨sendo o impeachment um processo constitucional – penal(misto), não podiam as Constituições estaduais definir os crimes ou estabelecer penas, nem tampouco regular o processo e julgamento em divergência com a Constituição Federal, eis que se tratava de matéria privativa do Congresso Federal¨(Arquivo Judiciário, vol. 85, págs. 77 e 147).

[4] CHAVES DOS ANJOS NETO, Francisco. Da plena compatibilidade da aplicação da Lei nº 8.429/92 aos agentes políticos: insustentabilidade da tese contrária, in Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 45, n. 177, janeiro/março – 2008. 

[5] BARROSO, Luis Roberto. Crimes de responsabilidade e processos de impeachment.Caxias do Sul, Juris Plenum, a.87, volume 2,março 2006.

[6] BROSSARD DE SOUZA PINTO, Paulo.O impeachment, 3ª edição, Porto Alegre,Livraria do Globo, 1965, pág. 65 a 66.  

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Ministro de Estado pode ser réu em ação civil de improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4655, 30 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47705. Acesso em: 19 abr. 2024.

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