Desenvolvimento histórico do Direito do Trabalho

04/04/2016 às 15:54
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O Direito do Trabalho, por se tratar de um direito social, surge e se expande com base nas lutas travadas no decorrer dos tempos, traduzindo-se em um direito de conquistas. Assim, a análise histórica é necessária para uma melhor interpretação da lei.

Introdução

O Direito do Trabalho, como um direito social, tem sua criação e desenvolvimento diretamente ligados ao desenvolvimento da própria sociedade. Em outras palavras, o Direito do Trabalho, por se tratar de um direito social, surge e se expande com base nas lutas travadas no decorrer dos tempos, desde a famosa Revolução Industrial, traduzindo-se em um direito de conquistas.

Dessa maneira, para uma total compreensão do direito laboral, o observador deve atentar à sua perspectiva histórica, ao momento de criação das normas e os debates que ensejaram tais decisões. Posto isso, a interpretação dos direitos sociais, em geral, depende do conhecimento da formação histórica da legislação a ser analisada, razão pela qual tratarei da formação histórica do Direito do Trabalho.

Cumpre destacar que a história do Direito do Trabalho não se confunde com a história do trabalho. Isso porque, a aplicação da atividade humana para modificar a natureza (trabalho) é milenar, intuitiva e natural. Já o Direito do Trabalho somente pode ser assim chamado após a Revolução Industrial, a qual fomentou uma nova questão social, derivada de uma nova concepção de trabalho, com as mais diversas consequências. Além disso, há outra condição essencial para que se possa tratar de Direito do Trabalho: relação empregatícia. Explicasse: o Direito do Trabalho só pode existir em um sistema de trabalho livre (juridicamente), subordinado e assalariado.

Contexto Histórico

A Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra entre os séculos XVIII e XIX proporcionou uma evolução tecnológica até então nunca observada no mundo, uma vez que, pela primeira vez na história, foi possível a utilização de outras motrizes de força além das forças humana e animal. Inicialmente com as máquinas a gás e posteriormente com outros tipos de tecnologia, como a eletricidade, houve uma enorme expansão na capacidade produtiva das industrias, propiciando o surgimento de uma “nova indústria”. Esse movimento também possibilitou uma afirmação do capitalismo, uma vez que favoreceu a concentração do capital em poder dos donos dos meios de produção.

Apesar disso, a Revolução Industrial não trouxe apenas benesses. As industrias dos séculos XVIII e XIX não tinham qualquer preocupação com os trabalhadores, empregando, inclusive, crianças pequenas em seus quadros. Além disso, o proletariado era submetido a jornadas de trabalho de até 16 horas, salários ínfimos, péssimas condições de higiene na sociedade em geral, entre outros absurdos. Para melhor ilustrar, veja-se a definição de proletário segundo Amauri Mascaro do Nascimento:

“Proletário é um trabalhador que presta serviços em jornadas que variam de 14 a 16 horas, não tem oportunidades de desenvolvimento intelectual, habita em condições subumanas, em geral nas adjacências do próprio local da atividade, tem prole numerosa e ganha salário em troca disso tudo.”

Em resumo, a preocupação dos donos dos meios de produção apenas se voltava à obtenção de lucros, sendo os trabalhadores (homens, mulheres e crianças) explorados para a maximização dos resultados. E não se tratava de mera exploração no ambiente laboral, como também as condições de vida eram extremamente precárias, seja quanto comida, higiene ou habitação.

Some-se a isso o fato de que a ideia prevalente à época (liberalismo) era de que a relação empregatícia deveria ser pautada pela autonomia da vontade, isto é, o contrato de trabalho deveria ser interpretado como um livre acordo entre as partes. Obviamente isso não acontecia, haja vista que, além de não existir contrato escrito, o patrão detinha o meio de produção e definia as condições da contratação, não se tratando de uma relação de igualdade real.

Primeira Fase: Manifestações Incipientes ou Esparsas

Como já dito, as mudanças na organização do trabalho geradas pela Revolução Industrial expunham os proletários a jornadas de trabalho extremamente exaustivas, a perigos e doenças relacionadas ao emprego, além de outras mazelas. Por outro lado, o aumento da capacidade de produção propiciou uma maior aglomeração dos operários dentro das fábricas, possibilitando as primeiras revoltas contra as condições a que eram submetidos.

Nessa primeira fase, podemos destacar a Lei de Peel’s, de 1802. Essa lei tinha como escopo proteger as crianças operárias, limitando sua jornada de trabalho a 12 horas diárias, além de determinar outras medidas por parte dos empregadores quanto a higiene do local de trabalho e dos dormitórios, bem como quanto à educação dos menores. Infelizmente, tal lei tornou-se ineficaz, até que em 1819 outra lei no mesmo sentido foi aprovada e conseguiu limitar o trabalho de menores apenas após os 9 anos de idade, bem como regulando o trabalho dos menores de 16 anos a uma carga horária de 12 horas diárias.

Nos anos seguintes, ainda dentro do primeiro recorte temporal aqui proposto, continuaram surgindo normas no sentido de humanizar as atividades produtivas, não só na Inglaterra, como também na França e na Alemanha. Apesar disso, as leis trabalhistas não formavam um sistema, tratando-se apenas de normas esparsas que visavam conter os excessos praticados pelos empregadores contra as crianças e as mulheres operárias.

Segunda Fase: Sistematização e Consolidação do Direito do Trabalho (1848 -1919)

O marco inicial escolhido para demarcar o início da segunda fase da história do Direito do Trabalho é a publicação, em 1848, do Manifesto Comunista, de Marx e Engels. Isso se dá, pois tal publicação inaugura uma nova alternativa para os trabalhadores contra o sistema e condições de trabalho/vida existentes à época.

Nesse contexto, começam a surgir, legalmente, os movimentos sindicais, com vistas à obtenção de melhores condições para o proletariado, bem como o início de uma lenta intervenção estatal na organização do trabalho. Além disso, tem-se, também, as Revoluções Francesas de 1848, que contribuiriam para a evolução da preocupação com os trabalhadores.

A Igreja também teve um importante papel nessa segunda fase do Direito do Trabalho, uma vez que em 1891, com o Papa Leão XIII, surge a Encíclica Rerum Novarum que se baseava na justiça social, com o entendimento de que o Estado e a burguesia deveriam ser mais compreensivas com a situação do proletariado.

Assim, o Estado inicia seu papel intervencionista com vistas a melhorar as condições de trabalho e bem-estar social. Nesse momento também surge a preocupação com a proteção do trabalhador, tanto jurídica, como economicamente, sendo reconhecida a hipossuficiência do trabalhador em relação ao detentor dos meios de produção, o que levaria a superioridade jurídica do empregado ante a sua inferioridade econômica.

Terceira fase: Institucionalização do Direito do Trabalho (1919 -1980)

A terceira fase do desenvolvimento histórico do direito trabalhista tem seu início com o fim da Segunda Grande Guerra. Nesse sentido, destaca-se a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1919, criada como parte Tratado de Versalhes, com a convicção primordial de que a paz universal e permanente somente pode estar baseada na justiça social.

Nesse momento, inicia-se a constitucionalização do Direito do Trabalho, sendo o México o primeiro país a abordar a matéria em sua Carta Magna de 1917. Esse movimento foi acompanhado por diversos países, inclusive pelo Brasil, onde o direito do Direito do Trabalho se tornou constitucional em 1934 e permanece até os dias atuais. Assim, o Direito do Trabalho passou a ser um ramo jurídico devidamente estruturado e assimilado, incorporando-se à ordem jurídica dos países.

A institucionalização do direito do trabalho ganhou ainda mais força com a política de estado de bem-estar social praticada na Europa após 1945, uma vez que suas constituições não só incorporaram o Direito do Trabalho, como também seus princípios, além de toda uma política de valorização do trabalho e do ser humano empregado.

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Outra característica importante desta terceira fase é a expansão da legislação trabalhista autônoma. Deste modo, não apenas o Estado regula as matérias de cunho trabalhista, mas também as próprias partes envolvidas podem negociar certas vertentes do Direito do Trabalho por meio de convenções e acordos coletivos.

Para sintetizar, veja-se a avaliação de Maurício Godinho Delgado sobre a institucionalização do ramo justrabalhista:

“Tal fase se define como o instante histórico em que o Direito do Trabalho ganha absoluta cidadania nos países de economia central. Esse Direito passa a ser um ramo jurídico absolutamente assimilado à estrutura e dinâmica institucionalizadas da sociedade civil e do Estado. Forma-se a Organização Internacional do Trabalho; produz-se a constitucionalização do Direito do Trabalho; finalmente, a legislação autônoma e heterônoma trabalhista ganha larga consistência e autonomia no universo jurídico do século XX”

Quarta Fase: Crise e Transição do Direito do Trabalho (1980 –          )

A quarta fase histórica do Direito do Trabalho tem início na década de 1980, após a crise do petróleo, e se estende até os dias atuais. As evoluções tecnológicas das últimas décadas – internet, robótica, microtecnologia, etc – contribuíram para uma mudança profunda no modo como as pessoas se relacionam, bem como na própria relação empregatícia.

As barreiras de tempo/espaço existentes antigamente não mais significam empecilhos, uma vez que o mundo atual está quase que totalmente “conectado”. Assim, vivemos em uma época de acirramento da competição capitalista, de redução de postos de trabalho em segmentos tradicionais da produção, culminando em profundas transformações nos modos de gestão empresarial.

Soma-se a esse contexto de crise (econômica, tecnológica e organizacional) a expansão de um pensamento desregulatório do Welfare State (Estado de Bem-estar Social), principalmente a partir da década de 1980, onde o que se busca é a desregulação das políticas sociais e regras jurídicas atinentes ao mercado econômico. Nessa toada, o que se pretendia era uma descentralização administrativa e uma relativização das normas trabalhistas, de maneira a enfraquecer o Direito do Trabalho tradicional.

Veja-se o que o ilustre doutrinador Amauri Mascaro do Nascimento explana sobre o tema:

“O direito do trabalho vive atualmente um conflito entre as suas concepções, a protecionista, acusada de hipergarantista, de afetar o desenvolvimento econômico e a livre iniciativa, e a reformista que defende a flexibilização das leis e a reavaliação, no plano teórico, dos seus princípios e funções, pondo-se a flexibilização como uma polemica reação contraria à rigidez da legislação tutelar do trabalho.”

Assim, nos dias atuais, o direito do trabalho passa por diversas mudanças em sua estrutura, sendo crescentes as posições sobre sua desregulamentação ou flexibilização, que são pensamentos distintos. A quarta fase histórica do Direito trabalhista, portanto, deve ser analisada a partir de uma “Nova Questão Social” marcada pelas novas realidades e desafios existentes na organização do trabalho, culminando não no fim do ramo justrabalhista, mas sim em uma renovação do Direito do Trabalho com vistas à nova dinâmica social.

————-Bibliografia—————–

  • Nascimento, Amauri Mascaro – Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho – 25 ed. – São Paulo: Saraiva, 2010.
  • Delgado, Maurício Godinho – Curso de Direito do Trabalho – 14 ed. – São Paulo : LTr, 2015
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