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A outorga de escritura e a adjudicação compulsória

08/04/2016 às 14:08

Resumo:


  • A promessa de compra e venda de imóveis, quando registrada no Cartório de Registro de Imóveis, confere ao promitente comprador um direito real de aquisição do imóvel, enquanto sem registro constitui apenas um direito pessoal.

  • O registro da promessa é essencial para a oponibilidade do direito real de aquisição a terceiros; contudo, mesmo sem registro, o promitente comprador pode requerer a adjudicação compulsória do imóvel se cumpridas as obrigações contratuais.

  • A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhece que o direito à adjudicação compulsória não depende do registro prévio da promessa de compra e venda, sendo o registro relevante para efeitos perante terceiros.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A ação de adjudicação compulsória é remédio processual destinado a promover o registro imobiliário necessário à transmissão da propriedade. Não é via adequada para requerer a abertura de matrícula de imóvel não registrado em cartório, nem suprir eventuais irregularidades no registro.

Veja-se o que diz o Código Civil:

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

A promessa de compra e venda é espécie de contrato preliminar pelo qual as partes, ou uma delas, comprometem-se a celebrar adiante o contrato definitivo de compra e venda. É negócio de segurança, destinado a conferir garantias às partes quanto à relação substancial em vista.

A matéria era antes versada em leis especiais. O Decreto-Lei no 58/37 e a Lei no 6766/79 cuidam, respectivamente, do compromisso de compra e venda de loteamentos rurais e urbanos, já que a Lei do parcelamento do solo urbano revogou o DL nº 58/37 na parte referente ao loteamento urbano. Agora o instituto é alçado à codificação como norma geral. Foi objeto da do Código Civil de 2002.

O registro atribui à promessa de compra e venda uma eficácia real cujo objeto é o futuro contrato definitivo. Antes do registro, observa-se mero direito pessoal, que gera direitos obrigacionais e não reais. Na lição de Serpa Lopes (M.M. Serpa Lopes. Curso de Direito Civil. vol. VI, Rio de Janeiro, Livraria Freitas Bastos, 1961, n° 119) trata-se de um novo direito real: direito real de aquisição. Registra-se, contudo, que Orlando Gomes considera a promessa de compra e venda um misto de direito real de gozo e de garantia (Direitos Reais – 11ª ed. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1995, p. 313/314)

Para Maria Helena Diniz, a inscrição da promessa de compra e venda de imóvel equivale a um direito real limitado, direito de aquisição, assecuratório do ‘contrahere’ futuro, não só em relação às partes contratantes, como ‘erga omnes’ ( Curso de Direito Civil Brasileiro. 4° Vol. Direito da Coisas. São Paulo, Ed. Saraiva, 1996. p. 413).

Na verdade, pelo registro, atribui-se eficácia real a um direito pessoal.Segundo Orlando Gomes, tratar-se-ia de anotação preventiva na exata medida em que   

o promitente-vendedor não pode alienar o bem nem impedir ou dificultar o cumprimento da pretensão do promitente comprador de se tornar seu legítimo proprietário (ob. cit. p. 315).

a) a promessa de compra e venda, enquanto não registrada, é um direito pessoal, seja por escritura pública ou por instrumento particular;b) registrada, passa a constituir um direito real, oponível erga omnes, atribuindo ao seu titular o direito de sequela (direito real de aquisição do imóvel);c) registrada ou não, desde que formalmente correta, a promessa autoriza a adjudicação compulsória, pelo rito sumário (CPC., arts 275 e seguintes) pelo disposto no artigo 16 do Decreto-lei 58/37;d) a diferença entre a promessa de compra e venda registrada e não registrada reside na oponibilidade a terceiros de que dispõe aquela e não dispõe esta, e não na possibilidade ou não de se intentar ação de adjudicação compulsória nos termos do Decreto-Lei 58/37, mesma conclusão que exsurge dos arts. 1.417 e 1.418 do Código Civil.

Daí, como distinguir a ação de outorga de escritura e a adjudicação compulsória?

Na esfera obrigacional – caracterizada por relações interpessoais cujo objeto são prestações –, admite-se que o promissário comprador se vincula a uma obrigação de dar, caracterizada pelo pagamento de valores sucessivos, a fim de satisfazer integralmente a quantia ajustada com o promitente vendedor. Em contrapartida, assume este uma obrigação de fazer, de natureza obrigacional, consistente na cooperação para a formação do contrato definitivo pela outorga de escritura definitiva de compra e venda em prol do promissário comprador ao tempo da quitação.

Assim, quando integralizado o pagamento do preço, o promissário comprador intimará o promitente vendedor a outorgar-lhe escritura (realizar a prestação prometida de contratar) e, só depois de esgotado o prazo legal para fazê-lo, buscará a adjudicação compulsória por sentença, valendo como título para registro.

Tanto a ação de adjudicação compulsória como a de outorga de escritura são ações pessoais, pois visam apenas suprir uma declaração de vontade omitida pelo promitente vendedor, nenhuma das duas objetivando transferir a propriedade. Nos dois casos a sentença produzirá o mesmo efeito do contrato a ser firmado, isto é, um título a ser levado ao registro para lavratura de instrumento público por qualquer tabelião. Diria que são ações executivas lato senso. Ação executiva lato sensu, representa a possibilidade de ações que tragam embutidas no processo de conhecimento capacidade executória, possibilitando ao juízo determinar, desde logo, e independentemente de qualquer outra providência, a entrega do bem da vida objeto da lide, isto porque o provimento jurisdicional tem caráter executório.

A eficácia executiva lato sensu dá ao juiz a possibilidade em adotar incidentalmente ao processo cognitivo, medidas materiais necessárias a obter o resultado prático que o cumprimento da relação geraria, sem a manifestação de vontade do réu, a própria decisão proferida (seja interlocutória ou final) por si só é executiva, capaz de produzir resultados práticos.

Humberto Theodoro Júnior (Processo de execução, pág. 291-2), enumera cinco requisitos:

a) O pré-contrato não necessita de inscrição no registro de imóveis, a não ser quando a adjudicação tenha de atingir terceiro adquirente do imóvel gravado.

b) Não é de se exigir escritura pública como condição de eficácia da promessa de compra e venda, ainda que verse sobre imóvel não loteado, face ao que dispõe o art. 22 do Dec.-Lei nº 58, com a redação da Lei nº 6.014, de 1973.

c) Apenas o contrato formalizado com os requisitos mínimos do art. 11 do Dec.-Lei nº 58 pode ensejar a condenação do art. 639 do Código, dadas as exigências a serem cumpridas na transcrição no Registro Imobiliário. Simples recibos ou promessas vagas e incompletas não podem ser equiparadas a pré-contrato para os efeitos da adjudicação compulsória.

d) O pré-contrato não pode conter a cláusula de arrependimento, segundo dispõe o art. 22 do Dec.-Lei nº 58. Ressalva-se, porém, a hipótese de ter a cláusula perdido a eficácia, como no caso de haver se extinguido o prazo para arrepender-se, porque então “o obstáculo desapareceu”.

e) Sem a outorga uxória a promessa não dá lugar à adjudicação compulsória de imóvel. A citação deve, pois, abranger marido e mulher.

A matéria foi versada no RESp 195.236-SP, onde se disse que, na ação de outorga de escritura, não há que se exigir o prévio registro do compromisso de compra e venda, pois a sentença opera a mera substituição da vontade do promitente vendedor, cumprindo em seu lugar a obrigação de formalizar o contrato de compra e venda prometido. Por sua vez, na ação de adjudicação compulsória o registro imobiliário do pré-contrato somente se mostra imprescindível para surtir efeitos erga omnes, hipótese em que a sentença transfere a propriedade do bem, ao passo que, não havendo o prévio registro, produzirá efeitos apenas entre as partes, tão-somente substituindo a vontade do vendedor, nos termos da Súmula nº 239/STJ.

De toda sorte, para se obter a outorga de escritura exige-se a prova de existência do contrato de compromisso de compra e venda e da quitação integral do preço.

A ação de adjudicação compulsória é remédio processual destinado a promover o registro imobiliário necessário à transmissão da propriedade. Certamente não é via adequada para se requerer a abertura de matrícula de imóvel não registrado em cartório, nem suprir eventuais irregularidades no registro.

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Na matéria há entendimento consagrado do Superior Tribunal de Justiça, do que se vê do enunciado da súmula 239:  O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.

Orlando Gomes (Contratos, 24ª edição, 2001), em conhecida lição, faz desaparecer qualquer dúvida: ‘O novo Código Civil limpou a área para a aceitação, em sentença, independentemente de inscrição, da execução coativa de forma específica da obrigação de emitir a declaração negocial contraída em promessa irretratável”.

O STJ ementou esta conclusão, no REsp nº 6.370 – SP, de 20-08-1991, da 3ª turma, em RSTJ 28/419: “Compromisso de compra e venda de imóveis. Execução específica da obrigação. Admissibilidade. É admissível a execução especificado art.639 do CPC, ainda que se trate de contrato preliminar não escrito no Registro de Imóveis’. O art. 639 está substituído pelo art. 466-B.”

Não se exige o registro preliminar para o ajuizamento da ação de adjudicação compulsória, sendo esse registro indispensável para sua validade perante terceiros. Este o entendimento do STJ, conforme se depreende:

“ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. REGISTRO DA PROMESSA - PREQUESTIONAMENTO - PRECEDENTES DA CORTE - 1 - Está assentada a jurisprudência da Corte no sentido não ser exigido o registro da promessa para o ingresso da ação de adjudicação compulsória. 2 - Permanecendo o Acórdão recorrido no plano do exame do contrato, enquadrado na Lei n. 4.591/64, faltou o devido prequestionamento para a questão do litisconsórcio e da multa excessiva. (STJ, REsp n. 203581 – SP, Terceira Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU 8.3.2000).”

Arnaldo Rizzardo (Promessa de compra e venda e parcelamento do solo urbano) disse:

“Em tese, condição primeira para a propositura da lide é a existência do registro do contrato. Evidentemente, o preço há de estar integralizado.

Apesar das profundas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, preponderando nos tribunais entendimento contrário à adjudicação na ausência do registro, entretanto, se possível esse ato, mesmo depois da sentença, por preencher o contrato os requisitos da lei; se lançado no referido órgão da justiça o registro da área, ou devidamente registrado o loteamento, pode a decisão deferir a adjudicação. Inclusive, tribunais de tendências rígidas na interpretação em favor da indispensabilidade do registro apresentam exceções, deferindo, em certos casos, a adjudicação, olvidando o aspecto formal e tendo uma ratio legis mais benigna, pois o art. 16, com a reação dada pela Lei nº 6.014, fala em recusa dos promitentes na outorga da escritura, suprindo a declaração espontânea através do decreto judicial, sem especificar a obrigatoriedade do registro, (Revista de Jurisprudência do TJ do RG, 73/537).

Tem-se que as normas legais deixam clara a necessidade do registro do instrumento de promessa de compra e venda no cartório imobiliário competente, para que o comprador adquira o direito real e assim faça jus ao direito de aquisição do bem através da chamada “adjudicação compulsória”. Mas isso correrá por conta do promitente comprador, assim como eventual escritura pública, obedecidos os parâmetros formais do Código Civil.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A outorga de escritura e a adjudicação compulsória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4664, 8 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48094. Acesso em: 22 dez. 2024.

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