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O serviço público de coleta seletiva de lixo doméstico:

uma brasileira na Alemanha e na Inglaterra

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10/04/2016 às 14:30
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3.    Coleta seletiva de lixo doméstico na Alemanha

    Eu já tinha escutado e também tinha lido alguma coisa sobre o processo de coleta seletiva de lixo urbano na Alemanha, sobre os containers coloridos em uso há décadas nos lados germânicos. Ao aqui chegar, pensei que iria “tirar de letra” essa coleta doméstica e me sentia motivada a dar continuidade a minha contribuição em prol do Planeta Terra. E eu separava o lixo como fizera antes no Brasil, sabendo que desta feita era para valer, não uma passageira experiência. Papéis de um lado, vidros de outro e o lixo biológico e etecetara (aquele do 'resto'), em outro. Passei o primeiro mês inteirinho assim, acreditando 'cá com meus botões' que estava demonstrando que quem vem lá do Brasil também sabe como manejar essa coisa de 'lixo seletivo'.

3.1.    Como funciona

    Antes de continuar a narrativa entendo necessário dar uma noção geral a respeito de como funciona o recolhimento de lixo (Müll) doméstico na Alemanha, que também é de responsabilidade (em concorrência legislativa) de cada Município (Art. 74 Abs. 1 Nr. 24, Grundgesetz-GG)[05], que por seu turno pode adotar, cada um desses Municípios, seu próprio sistema de gerenciamento desse lixo, embora todos esses sistemas acabem sendo mais ou menos similares. Mister de logo registrar que os alemães tem excelente consciência ecológica e que a seleção de resíduos doméstico é feita naturalmente, como parte de seu cotidiano, conforme vim a aprender mais tarde. Tomando como exemplo, vamos ver como funciona esse processo no Município de Osnabrück, no nórdico estado da Baixa Saxônia (Niedersachsen), onde residi por cerca de cinco anos.

    Em Osnabrück os caminhões de coleta passam uma única vez em cada rua a cada sete dias, mas cada tipo de lixo doméstico só é recolhido de quinze em quinze dias. Explico: digamos que em sua rua o dia de recolhimento do lixo seja na quinta-feira; então, em toda e cada quinta-feira passa nessa rua um caminhão para cada tipo de lixo doméstico. Entretanto, existem quatro tipos desse lixo para serem recolhidos em separado: a) o Altpapier, com papéis velhos, incluindo jornais, revistas, caixas de papelão, embalagens de papel, e derivados, b) o Restmüll, que é o lixo que se varre em casa, aquele do banheiro, e assemelhados; é o 'resto', c) o Biomüll, correspondendo ao lixo biológico, basicamente resto de comida, mas inclue também filtro de café, embalagem de chá, guardanapo de papel, folhas e flores, entre outros, que não deve ser acondicionado em saco plástico (salvo se biodegradáveis), mas em saco de papel (pode-se comprar o pacote de sacos de papel para descarte de biomüll nas diversas redes de supermercados) ou até em jornais velhos e, d) o Gelber Sack, para plásticos, latas, embalagens tetra-pak e quase tudo que não se encaixar nos outros tipos, exceto vidros, pilhas, baterias, eletrônicos, o guarda-chuva quebrado, os móveis velhos, roupas e sapatos velhos, e outros lixos especiais, sobre os quais falaremos depois. Então, eis os quatro (a, b, c e d) tipos de lixo recolhidos, de dois em dois, alternada e sistematicamente pela Prefeitura de Osnabrück, uma vez por semana, na porta das casas, sendo que o Altpapier e o Restmüll recolhe-se numa quinta, por exemplo, e na quinta-feira seguinte é dia do Biomüll e do Gelber Sack, e assim sucessivamente: dois caminhões de lixo toda semana no mesmo dia e quase no mesmo horário. Na prática, guarda-se cada tipo de lixo em casa durante quinze dias para então ele ser recolhido. E como fazer com todo esse lixo 'dentro de casa'? Ocorre que todas as moradas possuem containers próprios que ficam em área comum, geralmente no fundo da casa (ou do prédio) e onde cada unidade residencial coloca seu(s) saco(s) de lixo(s). É aí que aparecem os tais dos containers coloridos de que falei antes: o azul para o Altpapier, o cinza para o Restmüll e o marron para o Biomüll; já o Gelber Sack (o saco plástico, amarelo – gelb -, cerca de 70 litros, doado pela Prefeitura para tal fim) cada morador guarda geralmente no porão (Keller) para, de quinze em quinze dias, colocá-lo no passeio para a respectiva coleta, ao lado do container marron onde está o Biomüll (de todos os moradores do prédio). Então, resumindo, de sete em sete dias passam dois caminhões recolhendo o lixo: intercaladamente, numa semana Altpapier e Restmüll (acondicionados nos respectivos containers) e na semana seguinte é a vez do Biomüll (no container marrom) e do Gelber Sack (o saco amarelo dado pela Prefeitura, através da Gestão de Resíduos - Abfallwirtschaft), e assim sucessivamente.

    Faço um aparte quanto ao Gelber Sack. Quando chegamos à Alemanha, em início de 2008, podia-se pedir o 'rolo' de Gelber Sack em qualquer supermercado ou outras lojas do gênero. Só se pedia o necessário, assim todos podiam sempre ter seu Gelber Sack em casa. A partir de 2010 o sistema mudou em alguns Municípios, como em Osnabrück, creio que por mau uso desses sacos, e aí vem a 'participação' de estrangeiros nesse uso indevido: pegava-se os sacos para outros fins, que não o de recolhimento do lixo. Passou-se então a receber em casa, pelo Correio, um livreto com toda a explicação do processo de separação e coleta do lixo doméstico e, com o livreto, recebe-se cerca de oito tickets para pegar oito rolos desses 'sacos amarelos' (cada rolo com cerca de doze sacos); caso o cidadão precise de mais sacos poderá solicitar  discando um certo número telefônico e justificando seu pedido. No meu caso, com duas pessoas em casa, normalmente usava um Gelber Sack por semana, o que implica que colocava dois sacos amarelos no passeio no dia da coleta quinzenal. Confesso que não imaginava que produzia tanto lixo desse 'tipo' e, juntando os demais tipos de lixo, pude ver quanto lixo eu produzo em casa. Em uma coleta diária – e com 'tudo misturado' - dificilmente se tem essa percepção.

    Quanto a vidros (e a esta categoria não pertencem cerâmica, espelho ou porcelana, por exemplo), o próprio cidadão deve levá-los a containers especiais espalhados pelos diversos bairros para a respectiva coleta. Neste caso existe sempre três cores de containers: o marrom para vidros marron, o verde para vidros verde e o branco para os vidros brancos (ou transparentes). Não me perguntem sobre outras cores de vidro, usem o bom-senso: sendo um vidro azul, coloca-se junto ao verde, por exemplo. Geralmente junto a esses containers para vidro encontra-se um container maior especialmente para coleta de doação de roupas e sapatos usados. Pode ser que em outros Municípios seja adotado maior número de containers para vidro de diferentes cores; como dito anteriormente, cada Munícipio tem autonomia para decidir sobre o serviço de coleta de lixo, mas, repito, todos adotam sistemas bastante parecidos.

    Já quanto a pilhas e baterias usadas, você mesmo deverá levá-las a pontos onde elas serão coletadas, como em supermercados e certas lojas comerciais, dentre outros.

    Móveis e utensílios domésticos, inclusive eletrônicos, que você não queira mais podem ser recolhidos gratuitamente pela Prefeitura, bastando você telefonar para determinado número e solicitar o serviço de coleta; tais objetos não podem ser colocados nos demais containers citados. Não é tão incomum você ver camas, mesas, cadeiras, estantes, armários, colchões e etc, às vezes em bom estado de conservação, colocados no passeio da rua esperando o caminhão da Prefeitura recolher. Algumas vezes transeuntes recolhem algum item desses 'lixos', antes mesmo da Prefeitura passar, tal o bom estado de conservação em que são descartados (não se costuma vender móveis usados na Alemanha, sendo comum doações ou descarte). Mas, atenção, você só pode colocá-los no passeio de casa no dia e horário prévia e especialmente estabelecido pela Prefeitura, sob risco da sanção cabível. Até lá você deve conservá-los fora das vias públicas. Caso você queira, poderá escolher e agendar com a Prefeitura dia e hora mais apropriado a seus interesses, devendo então pagar uma taxa.

    Com essas considerações e tomando como exemplo o Município de Osnabrück, creio que já se tenha agora uma idéia de que há vários tipos de lixo doméstico na Alemanha: 1. aqueles quatro citados, que a Prefeitura recolhe na porta de casa toda semana, intercaladamente, de dois em dois tipos; 2. os vidros, separados em três cores que você mesmo deve levar ao container mais próximo; 3. as pilhas e baterias; 4. os móveis e utensílios domésticos; 5. os eletro-eletrônicos; 6. ainda, as lâmpadas, que também devem ser levadas para as lojas recolherem. É possível que eu esteja esquecendo algum outro lixo doméstico, mas a idéia geral é essa. Assim, tem-se em casa seis (06) recipientes para separar o lixo produzido: o Altpapier, o Restmüll, o Biomüll, o Gelber Sack, uma sacola onde vai-se acondicionando os vidros não  recicláveis e, finalmente, as sacolas para as garrafas PET (de refrigerante) e vidros recicláveis (de cerveja) que usualmente se troca (variando o preço entre de 0,08 a 0,25 euro cada, a depender da garrafa) em algum supermercado; panelas velhas, eletro domésticos inutilizados, etecetera, vai-se guardando para descartar posteriormente em lixo apropriado; roupas e sapatos que não mais se queira, coloca-se em algum dos containers de doação espalhados pela cidade.

    Com efeito, na totalidade das cidades alemães o lixo doméstico é devidamente separado para coleta, quer seja em embalagens e derivados (Verpackungen/Gelbe Säcke), em materiais orgânicos (Bioabfall ou Biomüll), em materiais químicos ou derivados, como pilhas, baterias, etc (Schadstoffe), em lixo de grande porte, como móveis estragados (Sperrmüll), em papel, papelão e derivados (Altpapier), em vidros (Altglas) e outros tipos (Restmüll), e etecetara.

    Por último, mas não menos importante, há aquela citada separação de garrafas plásticas (de refrigerante, de água, etc) que em sua esmagadora maioria, na Alemanha, são recicláveis. O consumidor já paga pela garrafa quando compra o produto. Explico: quando compro um refrigerante, o líquido (1,25 litro, por exemplo) custa, digamos, 0.90 euros acrescidos de 0.25 euros pela garrafa, logo, no total eu pago 1.15 euros. Após consumir o produto eu posso, de imediato, dirigir-me a qualquer local (não precisa ser o mesmo onde o comprei) que venda o mesmo produto e devolver a garrafa recebendo os 0.25 euros de volta ou, se preferir, posso juntar um número razoável de garrafas e levar para trocar em qualquer super-mercado que venda o produto. Interessante é que existem redes de supermercado que só vendem a garrafa de 1,5 litro, por exemplo, então não recebem as garrafas de 1,25 litro, e vice-versa. Mas é facílima essa troca. Registre-se, entretanto, que na maioria dos países do continente europeu, e mesmo no Reino Unido (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) e na Irlanda, as garrafas de refrigerante ainda são one way, como no Brasil, significando que poderão somar-se às montanhas de lixo-plástico que serão, ou não, reciclados posteriormente. Essa cultura de 'troca da garrafa' conscientiza o cidadão sobre a importância de proteger o meio ambiente, e o mesmo ocorre com latinhas de cerveja ou de refrigerante. Interessante é que até em festas de largo, como no Carnaval, no Natal, em shows, etc, os copos (ou taças, ou canecas) de vidro ou de cerâmica em que se consome cerveja, refrigerante, vinho e etc, custam determinado valor (já embutido no valor total da compra) que lhe será ressarcido quando você devolver o copo; e, se quiser levar como lembrança, já estará pago. Assim, no final da festa poucas garrafas plásticas ou copos de vidro serão encontrados pelo chão; mas  também existe na Alemanha catadores que recolhem o pouco que encontram em fim de festas em locais públicos e depois vão diretamente no mercado mais próximo entregar os vasilhames e receber de imediato o respectivo pagamento por unidade catada, ressaltando-se que não há 'cooperativas' de catadores ou similares, o que facilita a coleta individual, sem intermediários. Na prática qualquer cidadão pode catar garrafas largadas em lixeiras nas ruas, praças públicas ou jardins, para devolver em supermercados ou similares e receber o pagamento de imediato.

    Outro relevante aspecto do lixo doméstico é a questão dos 'sacos e sacolas plásticos'. Sobre isso creio que a maioria da população, inclusive no Brasil, já ouviu falar. É uma das grandes vilãs contra a mãe natureza, essa simples sacolinha. Às vezes transparentes, que são as piores,  sobremodo no ambiente aquático (oceanos, lagos e rios), e outras vezes nas mais diferentes cores para encantar o consumidor. Em cada compra, tome lá um saquinho plástico para levar o produto para casa. Depois, junta-se pilhas desses saquinhos para jogar fora, mas ninguém se pergunta aonde é esse 'fora'!

    Nos supermercados e em muitas lojas da Alemanha, o consumidor paga por cada embalagem plástica que utilizar, podendo o preço variar, em média, de 0.05 cents a até 1.00 euro, a depender da embalagem, daí costumar-se utilizar sacolas de papel já reciclado. O melhor é que a população se habituou a levar suas sacolas quando sai à compra, sejam elas sacolas de plástico, de papel ou, preferentemente, sacolas de tecido, fáceis de transportar nas bolsas e que, além do enorme benefício de não aumentar a poluição ao ambiente economizam bons cents em cada compra.

    E quem disse que eu tinha real consciência de toda essa engrenagem ambiental destinada ao lixo doméstico? Eu tinha vindo do Brasil, e lá minha experiência houvera sido, infelizmente, bastante superficial. Lá eu separava lixo biodegradável (de cozinha, por exemplo) dentro de sacos plásticos (não degradáveis) e misturava com outros resíduos não biodegradáveis; vidros iam junto de latas. Eu efetivamente não sabia como de fato deveria proceder e olhem que eu devo estar numa camada da população brasileira tida como de 'pessoas bem esclarecidas'. Mas eu queria aprender, eu precisava aprender e, eu aprendi, com alguns tropeços, mas acabei aprendendo e melhorando minha autoestima enquanto cidadã do 'mundo'.

3.2.    Como separei meu lixo no primeiro mês no exterior

 Talvez fosse o caso de 'corar de vergonha', mas confesso que eu hoje dou muitas risadas quando lembro de meu primeiro mês como dona-de-casa na Alemanha e de como eu procedia a separação de meu lixo doméstico. Só vim realmente a compreender a sistemática alemã algum tempo depois que mudei para meu endereço 'definitivo' e fico ainda imaginando o que meu primeiro senhorio pensara sobre minha 'seleção de lixo'.

    Foi assim: eu utilizava, como disse antes, o sistema que conhecia no Brasil, vale dizer, um lixo destinado a latas e vidros, juntos, um outro com restos de comida e de limpeza e um terceiro com papéis e papelões. Percebi que o caminhão de lixo passava uma vez por semana e nesse dia eu levava 'todo meu lixo devidamente separado' para o passeio, defronte de casa, onde seria recolhido; apenas quando eu já estava para me mudar é que observei que quase todo 'meu' lixo era deixado sem recolher pelo caminhão; então, certo dia vi o senhorio (que morava no primeiro andar) retirar minhas 'sacolas de lixo' do passeio e colocá-las no fundo da casa; fiquei intrigada, mas à época imaginei que era porque eu tivesse colocado o lixo fora da hora, que o caminhão já houvera passado. Apenas meses depois, quando 'aprendi' como separar o lixo, foi que liguei as coisas e entendi o motivo pelo qual, na maioria das vezes naquelas cinco primeiras semanas na Alemanha, 'meu lixo' era 'deixado' no passeio pelo caminhão: dia errado, acondicionamento errado e, sobretudo, seleção errada!

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3.3.     E depois

    Quando finalmente alugamos um apartamento em caráter mais definitivo, começou nossa pequena odisséia para adquirir alguns móveis e, paralelamente, para nos habituarmos à separação e coleta de nosso lixo doméstico.

    Embora aqui não tratemos do assunto creio ser de valia mencionar, de passagem, a interessante sistemática na compra de móveis na Alemanha, o que nos deu alguma dor de cabeça, além de proporcionar muitas risadas mais tarde. Como não possuíamos móvel algum (não trouxemos móveis do Brasil, por razões lógicas), e não estávamos acostumadas à prática de compra de móveis usados, partimos para adquirir móveis novos para o novo lar. Ressalte-se que o primeiro apartamento, alugado por temporada, era já mobiliado e infortunadamente não tínhamos então a menor idéia do que viria a seguir.

    De início, e muito importante para o novo lar, era montar a cozinha, pois quando se aluga um imóvel na Alemanha ele normalmente costuma vir literalmente 'vazio', sem nem mesmo a pia da cozinha; apenas o banheiro vem completo (com chuveiro, algumas vezes com banheira, vaso sanitário e pia), felizmente. Então, partimos logo para comprar uma cozinha completa e tivemos a primeira surpresa ao tomarmos conhecimento de que demoraria cerca de seis semanas para ser entregue, incluindo o fogão e a geladeira. E não parou por aí, pois os demais móveis também, um a um, tiveram prazos de entrega que variavam de alguns dias a oito semanas (neste caso, o sofá). Aliás, vale registrar, até automóvel, incluindo da Volkswagen (isso mesmo, da VW, alemã), mesmo na Alemanha, geralmente demora de um a três meses para entrega pois apenas após fechada a compra e venda é que o produto vai para a linha de montagem. Bem, resumindo, pois este não é o tema deste ensaio, demoramos quase dois meses para vermos montado nosso pequenino apartamento, suportando seis semanas de espera para a cozinha, aí incluindo-se armários, fogão e geladeira. O jeito foi 'comer fora', ou de delivery, ou ir 'quebrando o galho' com um forninho elétrico que acabamos comprando e alimentos que não precisassem ser mantidos em geladeira. E tudo – pratos, copos e talheres - era lavado na pia do banheiro. Felizmente a máquina de lavar roupas foi entregue em poucos dias. Enfim, foi uma experiência 'fascinante', agora que passou (na época foi complicado). Por sorte tínhamos colchão inflável e dormimos as primeiras noites com ele no chão; quando os móveis do quarto chegaram (em poucos dias, felizmente), a cama veio sem o estrado, que deveria ter sido  comprado em separado (no Brasil quando se compra uma cama ela vem 'completa', com estrado e tudo), e lá fomos nós às carreiras comprar o estrado; um verdadeiro 'pagode', como diria minha avó. Quando nos mudamos para a Inglaterra, em final de 2012, vendemos a cozinha ao proprietário do apartamento; caso este não a tivesse comprado iríamos ter de pagar a alguém para desmontá-la completamente e tentar vendê-la a outrem, sendo que o novo locatário do apartamento, neste caso, teria de adquirir outra cozinha (para o proprietário foi um bom negócio comprar a nossa). Efetivamente, não estávamos acostumados a essas peculiaridades que só o passar de meses ou anos em outra cultura pode ensinar. E íamos amontoando caixas e mais caixas de papelão dos novos móveis e utensílios que nos deram um certo trabalhinho para serem posteriormente descartadas.

    Nesse ínterim, sem dúvidas, mesmo não estando o apartamento totalmente 'montado', nós produzíamos lixo diariamente. E aos poucos começamos a aprender, finalmente, a sistemática de como funciona a coleta de lixo doméstico na Alemanha.

    Nosso vizinho de porta, que veio a calhar era o 'síndico' (Hausmeister), de logo mostrou-nos os containers situados na área comum do porão (Keller) do prédio e falou-nos sobre o Gelber Sack, presenteando-nos com um rolo do, até então para nós desconhecido, famoso 'saco amarelo'. Mas a princípio continuávamos pensando que podíamos utilizar 'qualquer saco plástico de cor amarela', como aliás fizéramos durante mais de um mês no endereço anterior. Lauto engano, pois só poderíamos utilizar 'aquele específico' tipo de saco amarelo dado pela Prefeitura para esse fim: o Gelber Sack. Como tínhamos muitas caixas de papelão (dos novos móveis e da mudança vinda do Brasil), usamos muitos desses sacos amarelos para colocar parte desse papelão, gastando o rolo todo em menos de duas semanas e contentes por estarmos fazendo 'tudo certinho', achando que depois poderíamos 'comprar' mais sacos amarelos no supermercado. E também não tínhamos entendido direito a ligeira explicação dada sobre o container azul, para o Altpapier. Foi-nos deixado claro, de início, que o lixo biológico não deveria ser acondicionado em sacos plásticos, mas sim colocados diretamente nos containers marrons, de Biomüll. E que o vidro não poderia ser colocado em qualquer desses tipos de lixo. E que o 'lixo de varreduras e do banheiro' deveria ir para o Restmüll. Uau, quanta coisa nova, quanto tipo de lixo (e eu ainda nem sabia dos demais), quanta coisa para assimilar. E foi aí que compreendemos o porque de 'meu' lixo, no endereço anterior, não ter sido normalmente recolhido (como todos os demais da rua) pelo caminhão de lixo, e o senhorio ter tido sempre que (re)separá-lo. E foi apenas aí que soubemos que tem dia marcado para cada tipo de lixo e que deveríamos ser responsáveis pelo mesmo durante quinze dias para então ele ser recolhido. Ora, fizéramos quase tudo errado até então, achando que fazíamos tudo na maior perfeição, como cidadãs participativas pró meio ambiente. Até hoje não sei direito o porquê do proprietário do primeiro Apart que alugamos, o senhorio, não ter nos explicado isso direitinho e ter evitado que recolhéssemos o lixo de maneira errada, colocado em dia errado, e etecetara. Talvez porque ele supusesse que nós devéssemos saber tudo aquilo que para ele era tão óbvio. Bem, mas acabamos aprendendo.

    Vou enumerar nossas falhas e, claro, nossos aprendizados:

    I - Primeiro aprendemos que papelão não se coloca no Gelber Sack, mas que constitue Alt Papier (papel velho) e, portanto, deve ser acondicionado diretamente no respectivo container azul.

    II - Segundo, após as primeiras semanas uma vizinha de 84 anos de idade, moradora do prédio há mais de cinquenta anos, amavelmente me aconselhou a acondicionar o lixo biológico em sacos de papel (que poderiam ser adquiridos em mercados) ou em jornais velhos, antes de serem despojados no container marrom do Biomüll. Nossa, que vergonha! Mas quando o síndico nos disse que não deveríamos usar sacos plásticos e que deveríamos levar diretamente para o container do lixo biológico, e que tinha outro container para papéis, entendi que não poderia colocar papel no Biomüll. Olhem que confusão, talvez decorrente da dificuldade de entender o novo idioma com mais perfeição. Mas, lição de casa feita, aprendemos como 'usar' o Biomüll.

    III - Depois de termos gasto o rolo do Gelber Sack cedido pelo vizinho, comprei um novo rolo de saco amarelo no mercado, mas não era igual ao anterior (claro que não, pois o 'verdadeiro' Gelber Sack não é vendido, mas dado gratuitamente pela Prefeitura, só que à época eu não sabia). O síndico disse que não era para usar esse novo saco amarelo, mas um igual ao que ele tinha gentilmente me oferecido. Perguntei a minha filha, mas ela não sabia onde obter o tal do Gelber Sack. Então perguntei na Volkshochschule (escola onde eu estudava alemão) e a professora disse que poderia encontrá-lo em qualquer supermercado. Eu procurava, procurava, e nada! Ia em um, dois, três supermercados, e nada! Disse à professora que tinha ido a várias redes de supermercados e não tinha conseguido encontrar e, só então é que ela entendeu que eu não sabia que o Gelber Sack era dado gratuitamente no caixa do supermercado. Simples, você pede ao empregado do caixa, em qualquer mercado, um rolo de Gelber Sack e ele prontamente lhe entrega, gratuitamente. Tanto tempo desperdiçado procurando nas prateleiras para comprar, e era assim, simples! Por que ninguém disse antes? Eu acabei entendendo: eles partem do pressuposto de que “todo mundo sabe disso”. Bem, outra lição de casa cumprida.

    IV - Voltando ao Altpapier, tínhamos tantas caixas de papelão para descartar, tanto da mudança quanto das compras para a casa nova, que o pequeno container do prédio não coube quase nada. E o caminhão só passava de 15 em 15 dias. Que sufoco, onde colocar tanto papelão? Passei a cortar as caixas em pedaços pequenos para acondicionar no container, mas não dava vazão, tinha que encontrar outra maneira de me livrar de tantas caixas. Encontrei perto da Universidade, que ficava perto de nossa casa, um container azul enorme (da Universidade) e durante três domingos seguidos levávamos (minha filha e eu) as caixas de papelão (cortadas) para jogar lá. Não levamos tudo de vez para não encher todo o container, mas foi assim que consegui me ver livre desse monte de papelão. Depois de regularizada a quantidade desse lixo não tive mais problemas; ia  enchendo em casa uma sacola de plástico só com lixo de papel e regularmente colocava (apenas o papel, sem o saco plástico) no container azul de nosso próprio prédio, para o recolhimento quinzenal.

    V - A surpresa maior, para mim, ficou por conta do Restmüll, que é a menor quantidade de lixo que produzo (e limpo a casa todo dia, sim). Este lixo fica numa lixeira dessas que usamos no Brasil, de pedal, com um saco plástico comum (pode até ser de supermercado) e recolho uma a duas  vezes por semana para jogar no respectivo container cinza, com saco e tudo. No Brasil, em regra, pode-se dizer que tudo vai para o  Restmüll.

       VI - Na cozinha eu também utilizava um saco plástico aonde ia acondicionando todo o vidro não 'trocável' e, em regra, uma vez por mês recolhia em containers para vidros colocados perto de casa. No início esses vidros me deram alguma dor-de-cabeça porque não sabia onde se localizavam esses containers, e em dia de domingo saíamos procurando, de bicicleta, para encontrarmos algum; durantes muitos meses utilizamos uns constainers que ficavam a quase 1 quilometro de casa; depois encontrei um mais perto e, finalmente, nem sei como não tinha visto antes, um bem perto, a uns 200 metros de casa, a caminho do mercado. Pronto, problema resolvido! Se juntasse muito vidro (alguma reunião em casa regada a vinho, por exemplo), colocava no Keller (porão) até que me dispusesse a levar para o container adequado. É um trabalhinho ao qual me acostumei sem dificuldades e faz a gente se sentir bem por estar fazendo algo em prol de futuras gerações.

    Toda essa 'experiência' é impagável e apenas se adquire quando se passa mais que alguns pares de meses, ou até alguns anos, em outro país. Enquanto turista, não se pensa em questão de lixo e dificilmente se pode imaginar  como esse processo funciona.

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Sobre a autora
Lucia Luz Meyer

Advogada, Procuradora Jurídica aposentada, Especialista em Direito Economico e em Direito Administrativo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEYER, Lucia Luz. O serviço público de coleta seletiva de lixo doméstico:: uma brasileira na Alemanha e na Inglaterra. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4666, 10 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48108. Acesso em: 18 abr. 2024.

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