4. Coleta seletiva de lixo na Inglaterra
Tendo residido pelos últimos três anos na Inglaterra, não poderia deixar de aproveitar para também aqui trazer minha experiência de coleta seletiva de lixo doméstico no solo de Sua Majestade.
Ir para a Inglaterra foi uma decisão tomada quase de última hora; na realidade, 'de últimos meses', em decorrência de um PhD que minha filha foi fazer em Bristol. Acarretou no tomada de uma série de orçamentos para a mudança, quando levamos todos nossos bens, aí incluídos móveis e eletro-eletrônicos que houvéramos adquirido na Alemanha. Assim, em 'volume' foi uma mudança maior do que a que fizemos vindo do Brasil para Osnabrück mas, pelo menos, já tínhamos uma certa experiência em mudanças internacionais. Inicialmente fomos em agosto de 2012 passar oito dias em Bristol para procurar uma casa para alugar, após termos feito um levantamento prévio, pela internet, de imobiliárias e de possíveis imóveis, antes de nos mudarmos em definitivo. Felizmente fomos alertadas, por uma das firmas de mudança consultadas, de que o 'pé direito' (altura do chão ao teto) das casas na Inglaterra era menor (cerca de 25 centímetros) do que o modelo europeu continental, mas mesmo assim isso nos rendeu uns probleminhas, dentre os quais o de deixarmos meu funcional guarda-roupa, totalmente desmontado, na garagem da casa, pois a altura não era compatível; também não houve espaço suficiente para o móvel de televisão (que ficou parte na garage) e nem para minha escrivaninha (também deixada na garagem), o que me obrigou a adquirir uma nova e minúscula escrivaninha. Aliás, nem a altura e nem o tamanho dos nossos móveis era compatível, pois as casas na Inglaterra são efetivamente pequenas se comparadas com os padrões continentais (nem vou comparar com os padrões norte-americanos ou mesmo os brasileiros). A casa que alugamos - considerada lá como de bom tamanho, de dois andares, três quartos, duas salas, um banheiro completo e um sanitário para visitas - é diminuta para o que se esperaria de uma casa de três quartos, ficando tudo meio que 'atravancado', e olhe que na Alemanha tínhamos morado quase cinco anos em um apartamento de dois quartos, uma sala, cozinha, corredor e um sanitário onde cabia toda minha mobília e ainda podiamos 'transitar' dentro de casa com mais facilidade. Vale registrar que na Inglaterra as casas não possuem porão (o precioso 'Keller'), apesar de em algumas ser possível utilizar o sotão para guardar objetos ou, muito eventualmente, como um outro cômodo; é também normal na Inglaterra utilizar-se a garagem como 'depósito' eis que não há perigo em deixar o carro 'dormir na rua' (e alguns chegam mesmo a transformá-la em um 'quarto extra'). Acrescente-se ainda que o valor do aluguel residencial é normalmente mais que o dobro do que na Alemanha, sendo que em Londres é ainda bem mais caro, isso sem falar no Council Tax (corresponderia, em termos, ao IPTU brasileiro); uma casa de três quartos (o terceiro geralmente minúsculo), por exemplo, paga em média uma taxa de 150.00£ (cento e cinquenta libras esterlinas, equivalente hoje a cerca de setecentos reais) por mês, durante dez meses por ano (janeiro e fevereiro estão isentos). As paredes das casas são 'ocas' (de madeira conglomerada), de modo que não se pode colocar pregos comuns para pendurar quadro (tivemos que contratar uma pessoa para colocar os quadros nas paredes); isso implica em pouco isolamente acústico entre os cômodos. Talvez o espaço em metros quadrados fosse maior do que nosso antigo apartamento na Alemanha, mas o aproveitamento arquitetônico certamente deixa a desejar. Ajunte-se a isso, todas as casas na Inglaterra são 'padronizadas', quase iguais, o que de início nos chocou um pouco; bairros inteiros com casas idênticas, interna e externamente, é a regra (diferenciando-se entre modelos parecidíssimos de 1, 2, 3 ou mais quartos). Fato interessante é o costume de a casa vir toda acarpetada, incluindo o banheiro; felizmente antes de alugarmos a casa o proprietário (Landlord) decidiu remover o carpet dos banheiros e do andar térreo, mantendo-o apenas na escada, nos quartos e no hall de circulação do primeiro andar. Trouxe aqui essas informações como um adendo, alertando de que em cada país, mesmo de cultura ocidental, várias são as diferenças no seu dia a dia e o 'visitante' overseas deve estar precavido para essas peculiaridades. De qualquer maneira, achei a Inglaterra um país fascinante, belíssimo; os ingleses são alegres e de um senso de humor positivamente peculiar, e a experiência de viver em solo inglês por três anos foi excelente.
Mas, voltando à questão do lixo doméstico, de fato, também na Inglaterra a coleta seletiva encontra-se em melhor posição do que no Brasil, havendo a seleção, em cada casa, do lixo doméstico produzido e a correspondente regular captação pelas vias competentes. O custo está incluso naquela taxa antes mencionada, a Council Tax.
Os caminhões passam uma vez por semana para recolher o lixo (Waste and Recycling Collection), que deverá ter sido previamente depositado por cada unidade residencial em seus containers ou sacolões, algo parecido com o sistema alemão. Na rua onde morávamos em Bristol (uma das cinco maiores cidades da Inglaterra), a coleta dava-se às quartas-feiras, sendo que em uma semana (Box and Bags Week) recolhe-se: a) um pequeno container de lixo biológico (Food Waste, correspondente ao Biomüll alemão), b) um outro pequeno container para latas, vidros, baterias, etc (Recycling), c) um sacolão verde para papelão (Card Board) e d) outro sacolão verde para papel (Paper - jornais, revistas, catálogos, etc); na semana seguinte (Bins and Bags Week) repete-se a coleta do: a) lixo biológico (portanto, este é semanal), e) um container com os 'restos' (o Non Recyclable Waste Only, que equivale, em parte, ao Restmüll da Alemanha) e f) um sacolão branco para plásticos (Plastic – garrafas PET, de shampoo, etc); g) há ainda um container especial destinado especificamente a plantas (Garden Waste - folhas, galhos, grama cortada, etc), que recentemente passou a ser pago em separado (não está incluído no IPTU – o Council Tax inglês) para quem utiliza esse container. Assim, também em solo inglês, como na Alemanha, cada residência fica responsável por seu lixo durante quinze dias até ele ser coletado, afora o lixo biológico que é coletado semanalmente.
Para roupas, sapatos, eletro-domésticos, móveis e etcetera que não estejam entre os relacionados para recolhimento na porta de casa e que se pretenda descartar, há os lixões (Sort It!* Centres) para onde o próprio cidadão pode, ou deve, levá-los.
Ambos os sistemas, alemão e inglês, funcionam bem, mas acredito que o sistema alemão seja mais ecológico. Por exemplo, na Alemanha sacos plásticos, entre outros itens que vão para o Gelbe Sack, são recicláveis, enquanto na Inglaterra eles ainda vão, em regra, para o Non Recyclable Waste, apesar de que nas redes de supermercado, por exemplo, hajam locais apropriados aonde se pode recolhê-los; também, as garrafas PET são, conforme antes mencionado, one way.
As sacolas plásticas nos supermercados são gratuitas (salvo os da rede alemã, como o Lidl, que mesmo em solo inglês mantém o espírito ecológico alemão), registrando-se, entretanto, que em algumas redes, como a do Saynsbury, há o estímulo de 'pontos' para quem leva suas próprias sacolas (para quem tem o cartão daquela rede, ganha-se 1 ponto por sacola trazida de casa).
Os caminhões de lixo levam impresso em suas laterais o slogan “Reduce, Reuse, Recycle your Rubbish” (reduza, reuse, recicle seu lixo – tradução nossa).
5. Experiências positivas no Brasil
No Brasil certamente não se está imune a essas preocupações quanto a um 'futuro limpo'. Na verdade esse assunto é alvo de inúmeros trabalhos acadêmicos de imenso valor científico e publicações de alto nível. Cita-se como exemplo de iniciativa privada o CEMPRE – Compromisso Empresarial para Reciclagem[06], que é uma “associação sem fins lucrativos, fundada em 1992, e dedicada à promoção da reciclagem dentro do conceito de gerenciamento integrado do lixo, sendo mantida por empresas privadas de diversos setores” e com várias publicações sobre o assunto, dentre as quais Lixo Municipal: Manual de Gerenciamento Integrado, considerada sua principal obra e destinada a informar sobre como os dirigentes municipais devem cuidar bem do lixo de sua cidade. Outra publicação sua é o Guia da Coleta Seletiva de Lixo, que tem por objetivo “esclarecer dúvidas básicas e propor soluções práticas e viáveis para a implantação e gerenciamento de programas de coleta seletiva nas Prefeituras em todo o território brasileiro” e que salienta que “as informações disponíveis podem ser transpostas para sistemas de coleta seletiva de menor escala, gerenciados por ONG's, condomínios, escolas, associações de moradores, entre outros, desde que executadas as devidas adaptações relativas à dimensão e aos objetivos do projeto”.
Em pesquisa que fiz utilizando a rede social do Facebook, entre amigos de várias cidades em alguns estados brasileiros (Bahia, Sergipe, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Pará, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Brasília), a maioria respondeu que não havia coleta seletiva de lixo doméstico em sua cidade, tendo alguns poucos informado que havia 'alguma' coleta em 'alguns' bairros. O estado do Paraná distinguiu-se entre um dos que mais a sério trata do assunto, mas ainda assim não atinge, mesmo em sua capital, Curitiba, a totalidade da população; de fato, em Curitiba existe, entre outros, o conhecido projeto Lixo que não é lixo, fruto de um trabalho de educação ecológica nas escolas. Também Aracajú, capital do nordestino estado de Sergipe, revelou que coloca em prática o recolhimento de lixo doméstico selecionado. Minha Bahia, em Salvador, não levou adiante a coleta seletiva, ficando mais em projetos esparsos, conforme antes dito, com algumas tênues inciativas em shoppings centers e escolas; também no interior do estado a situação de coleta de lixo residencial é inexistente ou precária. Mesmo Brasília, capital do país, conforme informações recebidas, apesar de projetos interessantes, não conseguiu tirar do papel um efetivo recolhimento seletivo do lixo residencial. Outros estados manifestaram a mesma situação de precariedade no recolhimento do lixo domiciliar, levando-nos a concluir que todo esse processo ainda é bastante efêmero e dependente da boa vontade dos cidadãos e de efetivo interesse e comprometimento dos Poderes públicos.
Com efeito, apesar da edição de inúmeras leis federais, estaduais e municipais, apesar dos vários projetos e de outras tantas iniciativas, dados[07] indicam que apenas cerca de 2% do lixo produzido no Brasil é reciclado e que apenas 327, dos 5.565 Municípios brasileiros, dispõem de algum sistema público de coleta seletiva de lixo urbano, salientando-se, dentre eles, Curitiba (PR), Itabira (MG), Londrina (PR), Santo André (SP) e Santos (SP) que são considerados os únicos Municípios onde a Prefeitura faz chegar o serviço de coleta seletiva a quase 100% das residências.
Por outro lado, tem-se em conta de que em torno de 95% das latinhas de alumínio e 50% das garrafas PET são recicladas, sobremodo com a participação dos 'catadores' individuais.
A essas considerações e fortalecendo exatamente o quanto retro comentado acerca de nossa experiência em Salvador nos anos noventa, ajunte-se o disposto em publicação no site especializado do Planeta Sustentável[08] acerca da situação do lixo doméstico, ainda hoje, no Brasil:
"Do total produzido nas casas, apenas 2% é destinado à coleta seletiva", afirma a bióloga Elen Aquino, pesquisadora do Centro de Capacitação e Pesquisa em Meio Ambiente (Cepema), da Universidade de São Paulo. O restante vai parar em lixões a céu aberto ou, na melhor das hipóteses, em aterros sanitários cuja capacidade máxima já está próxima do limite. Para piorar o quadro, muitas vezes o cidadão toma o cuidado de separar metais, vidros, plásticos e papéis acreditando que esses materiais serão reciclados, mas as empresas de limpeza contratadas pela prefeitura acabam por misturá-los num mesmo caminhão.
Devo reafirmar, pois, que não se pode continuar atrelado aos aterros sanitários, em detrimento das usinas de reciclagem, como destino último dos resíduos domésticos. A seleção do lixo na fonte é talvez mais que metade do caminho andado para sua reciclagem restando, antes, durante e depois, ao Estado, sua parte em fazer cumprir o quanto preconizado no artigo 225, parágrafo 1., inciso VI, da Lei Maior, in verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
[…];
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
[…].
Assim, importa dar ênfase aos projetos de saneamento básico para solução ecologicamente correta no trato do lixo como um todo e, neste caso, no trato do lixo doméstico. Nessa senda, resta deduzir que o que falta no Brasil, sobretudo, é implementar o sistema e perseverar nas campanhas de coleta seletiva de lixo doméstico, informando e conscientizando a população sobre uma postura responsável para preservação do meio ambiente e de sua responsabilidade nessa administração participativa, fazendo-se cumprir aquilo que, com sede constitucional, já se encontra fartamente normatizado.