13. VITIMOLOGIA
É o estudo da vítima enquanto sujeito passivo de crime, sua participação no delito, os fatores de vulnerabilidade e sua consequente vitimização. Dá-se a partir de 1950.
Tem como patrono Benjamin Mendelson, que no ano 1953, promoveu um encontro internacional entre criminólogos para discutir a temática.
O congresso realizado teve como tema: “Um horizonte novo na ciência biopsicossocial: a vitimologia”.
A resolução 40/ 34, declaração universal de direitos da vítima (ONU - 1985) assevera que “vítima é toda pessoa que sofreu lesão patrimonial, física, psíquica, diminuição dos direito e garantias individuais”.
No Brasil, na década de 70, os precursores da vitimologia foram Armida Bergamino Miotto (Usp) e Edgar de Moura Bittencourt.
Salienta-se que a vitimologia não é uma ciência, mas uma disciplina auxiliar.
13.1. Fases da Vitimologia
a) Protagonismo: Conhecido como “idade de ouro” (a vítima era titular do direito de punir – período da vingança privada).
b) Neutralização: consistiu no abandono da vítima pelo Estado. Vigorou desde o período da vingança divina (sec. XV) até 1950.
c) Redescobrimento: 1953 – Ocorre através da vitimologia de Benjamim Mendelson (pai da vitimologia), objeto de estudo desse capítulo.
13.2. Fatores de Vulnerabilidade
Situações de potencializam a condição de vítima. Ex. pessoa gestante; pessoas abonadas (alvo mais fácil de sequestro); usuários de drogas (podem chegar à delinquência instrumental; podem praticar crimes para sustentar o vício).
13.3. Classificação das Vítimas (Mendelsohn)
a) Inocente: não contribui de nenhuma forma para o crime. Também chamada de vítima ideal. Ex. vítima de roubo.
b) Menos culpada: é considerada menos culpada que o criminoso. Também chamada de vítima nata. Tem certa participação para a ocorrência do crime. É aquela que devido a um comportamento inadequado instiga o criminoso, desencadeando a perigosidade vitimal, “1ª etapa de vitimização”. Ex. a vítima é descuidada; deixa o carro aberto; deixa a bolsa aberta.
c) Tão culpada quanto: existe uma concorrência de culpas. É aquela vítima que colabora na mesma proporção que o infrator para a ocorrência do delito, gerando a concorrência de culpa entre ambos. Fala-se em equilíbrio da dupla penal. Ex. crime de rixa; aborto consentido; corrupção ativa e passiva; estelionato (vítima participa, pois inicialmente queria levar vantagem).
d) Mais culpada (Pseudovítima): vítima de crime cujo autor foi beneficiado com o instituto do crime privilegiado, isto é, o delito que tem a sua pena reduzida por ter sido praticado mediante violenta emoção ou em defesa de relevante valor moral e social. Ex. pai que mata o estuprador de vítima.
e) Única culpada (Exclusivamente culpada): é aquela vitimizada após legítima defesa do autor do crime. Quando há exclusão da ilicitude, pois a conduta é legitimada pela legítima defesa. Ex. homicídio de um preso em tentativa de resgate.
f) Potencial: é a mesma coisa que vítima latente. Isto é, aquela que ostenta fator de vulnerabilidade. Ex. gestante, idoso.
g) Indefesa: aquela que não consegue socorro por parte de quem deveria protegê-la, ficando refém de determinada situação. Ex. assédio moral; vítimas de concussão; extorsão.
h) Falsa: é aquela que forja determinada situação para obter vantagem. Ex. fraude contra a seguradora (modalidade de estelionato).
i) Simbólica: representa um determinado período histórico. Ex. vítimas do holocausto; Jesus Cristo; Tiradentes.
j) Intrafamiliar: sofre maus tratos, crimes sexuais ou qualquer outro tipo de ofensa dentro do seio familiar. Ex. mulher que apanha do cônjuge; pedofilia.
k) Política Social: o indivíduo é vitimizado pelo Estado que, em virtude da má administração do dinheiro público ou da improbidade administrativa, faz com que o cidadão pague duplamente por serviços particulares que deveriam ser prestados pelo Governo. Ex. pagamento de plano de saúde e recolhimento de CPMF; pagamento de seguro de veículo e recolhimento de IPVA.
l) Atuante: tenta reparar o dano sofrido, buscando todos os meios jurídicos e sociais para isso. É aquela que “corre atrás do prejuízo sofrido”. Ex. Protesto.
m) Omissa: é aquela que adota a lei do silêncio, não comunicando o fato às autoridades competentes, contribuindo para o aumento das cifras negras.
n) Coletiva: são grupos de pessoas que foram lesadas de alguma forma. Ex. vítimas de crime ambiental; vítimas nas relações de consumo etc.
13.4. Vitimização
É o ato ou efeito de alguém se tornar vítima, de si própria (suicídio, autoflagelo), de terceiros ou até mesmo de ações da natureza.
a) Vitimização Primária: é a consequência natural do delito. Ex. num crime de homicídio a consequência natural será a morte.
b) Vitimização Secundária: é um sofrimento adicional, promovido pelo Estado, sociedade e mídia, que sobrevitimiza o ofendido.
c) Vitimização Terciária: é a segregação de vítima por seus familiares, os quais a descriminam em decorrência do crime que sofrera. Ex. o irmão que sente vergonha do outro irmão que foi ludibriado em um golpe.
d) Vitimização Indireta: é o sofrimento de familiares e amigos da vítima, que sofrem juntamente com o injustiçado.
f) Vitimização Heterogênia: é a “autocupabilização” da vítima pelo crime ocorrido. Ex. pessoa se culpa por não ter colocado o carro, que foi roubado, no estacionamento.
13.5. Iter Victimae
É o conjunto de etapas que se operam, cronologicamente, no desenvolvimento da vitimização.
Fases:
a) Intuição: etapa em se planta na mente da vítima a hipótese de que possa sofrer algum delito.
b) Atos Preparatórios: etapa em que é feito um orçamento e é estudada a viabilidade da aquisição de um meio de defesa.
c) Início da execução: momento em que a vítima adquire o meio de defesa. Ex. compra e estala cerca elétrica.
d) Execução: momento em que o meio de defesa é colocado à prova. Momento em que o meio é testado.
e) Consumação: se dá quando a vítima logra êxito em defender-se, e nota que o crime não passará da esfera tentada. Dá-se com a tentativa frustrado do crime.
13.6. Leis de Proteção às Vítimas
1) Lei. 9.807 de 1999 – Proteção vítima e a testemunha (permite até que a pessoa mude de nome ou peça transferência no serviço público).
2) Lei 9.503 de 19997 – CTB (ex. seguro obrigatório; multa reparatória; indenização pelo prejuízo material sofrido; prisão do condutor que fugir do local do crime, etc.).
3) Lei 9605 de 98 – Lei de crimes ambientais: vítimas de crime ambientais. Ex. indenização direta e imediata àquele que tem patrimônio ambiental lesado. Explosão em fábrica.
4) Lei 8078 de 1990 – CDC: uma vez que o consumidor é hipossuficiente, há a inversão do ônus da prova em seu favor.
5) Lei 9099 de 1995 – Lei dos juizados especiais (ex. transações, composição do dano, reparação do dano). Não admite prisão em flagrante, logo o infrator não persegue a vítima.
6) Lei 8.069 de 1990 – ECA - Lei de ação afirmativa (mecanismo de proteção aos desiguais – crianças e adolescentes).
7) Estatuto do Idoso.
8) Maria da Penha.
Ainda sobre o assunto, vale apena lembrar a existência da Síndrome de Estocolmo, que se traduz na afeição desenvolvida pela vítima de sequestro por seu algoz (sequestrador). É um distúrbio psicológico involuntário e espontâneo que, ao término do cárcere, se normaliza. Trata-se de instinto de sobrevivência desencadeado em situações traumáticas.
14. CIFRAS DA CRIMINALIDADE
1) CIFRA NEGRA: é o conjunto de crimes que não chegam ao conhecimento do Estado devido ao silêncio da vítima que, por vergonha, por medo de represália ou descrédito, deixa de proceder ao registro do fato. É o conflito entre a criminalidade real (todos crimes que realmente aconteceram, registrados ou não) e a criminalidade aparente (não são computados os crimes que não foram registrados).
2) CIFRA CINZA: são os crimes que chegam ao conhecimento da autoridade competente, entretanto, são solucionados na esfera policial, aguardando a representação ou se dá através da composição entre as partes envolvidas (ex. Denúncia não é levada adiante porque fica aguardando a representação da vítima).
3) CIFRA AMARELA: são os crimes praticados com violência policial e abuso de poder, os quais não chegam ao conhecimento dos órgãos fiscalizadores, como é o caso das ouvidorias e corregedorias.
4) CIFRA DOURADA: são os crimes praticados pelos “criminosos do colarinho branco”, e que também não são apurados.
5) CIFRA VERDE: são os crimes ambientais, cujos responsáveis não são identificados, tendo por prejudicada a devida responsabilização.
ATRIÇÃO (ou processo de atrição): é o distanciamento progressivo entre as cifras da criminalidade, ou seja, entre a criminalidade aparente e a real. É o antônimo da atração.
15. REVISÃO DOS TEMAS ABORDADOS
O estudo da criminologia é divido em dois importantes períodos, quais sejam: o período clássico e o período positivo.
1) Período Clássico:
Influência de Cesare Bonesana (Beccaria).
Obra: “Dos delitos e das penas” (1764).
a) Escola clássica: utilizava-se do método dedutivo (“chutômetro”) – conhecido como método apriorístico, o qual não dispõe de comprovação científica. É etapa pré-científica da criminologia.
O foco da escola clássica é o estudo do crime.
2) Período Positivo:
a) Escola Positiva: utiliza-se da metodologia indutiva experimental (método científico). Método empírico. Etapa científica da criminologia.
2.1) Positivismo antropológico - Por Cesare Lombroso
Obra: “O homem delinquente” (1876). Cesare Lombroso é considerado o Pai da criminologia. Sua obra é tida como certidão da criminologia, pois utilizava-se do método empírico de estudo.
2.2) Positivismo Sociológico - Por Enrico Ferri
Obra: “Sociologia Criminal” (1884). Acreditava na ordem biológica, mas também fatores sociais, físicos e climáticos.
2.3) Positivismo Jurídico - Por Garofalo
Obra: “Criminologia” (1885). Com a atuação de Rafael Garofalo a Criminologia ganhou a importância de ciência diversa do direito penal.
RECAPITULANDO
Cesare Lombroso trouxe o posicionamento científico ao estudo da Criminologia.
Enrico Ferri alertou sobre outros fatores além da genética.
Rafael Garofalo difundiu a Criminologia como ciência.
Criminologia Clínica: estudo criminológico voltado à pessoa do preso.
Criminologia Analítica: combinação do trabalho jurídico com o trabalho pericial.
Criminologia Acadêmica: tem fins pedagógicos. Ex. palestras.
Criminalística: é o estudo dos vestígios deixados pelo crime.
Criminologia: ciência empírica e interdisciplinar que tem por objeto de estudo o crime, o criminoso, a vítima e o controle social. Atualmente o criminoso é um homem normal.
Vítima: Fase de protagonismo (titular do direito de punir); fase de neutralização; fase de redescobrimento (vitimologia).
Controle social: é um mecanismo de proteção do estado para disciplinar o indivíduo. Opera por meio de agentes de controle informal (educar) e formal (punir). O crime é conceituado como um problema social e comunitário.
O criminoso é o indivíduo normal, que tem livre arbítrio (escola clássica) + a influência de fatores criminógenos.
Comportamento delinquente: livre arbítrio + fatores criminógenos (biopsicossociais).
• Fatores Biológicos (somáticos, endógenos, físicos).
• Fatores Psicológicos -Distúrbio de comportamento.
• Fatores Psiquiátricos -Doença mental.
• Fatores Sociais (mesológico, exógeno, ambiental).
Prevenção delitiva:
a) Forma primária: conscientização preventiva – eficaz, porém a longo prazo.
b) Forma secundária: acontece depois que o crime já ocorreu. Conjunto de ação policial e medidas legislativas Evita a prisão. Tenta a recuperação.
c) Forma terciária: tenta a ressocialização do indivíduo, é uma forma mais rápida, porém menos eficaz, pois o indivíduo já está “contaminado.”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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