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Considerações sobre o impeachment:

um texto enorme para fundamentar uma resposta de três palavras

18/04/2016 às 15:03
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O dualismo político acabou por crucificar aqueles que não concordam com nenhum dos lados, ou que os veem prudência em alguns argumentos dos dois lados. O meio termo é criticado/odiado sempre.

No curso do julgamento do impeachment da Presidente da República, não há duvidas de que os recentes acontecimentos políticos do Brasil dividiram a nação entre pró-impeachment e contra impeachment da então Presidenta, Dilma Rousseff.

Esse dualismo político acabou por crucificar aqueles que não concordam com nenhum dos lados, ou que, como eu, veem prudência em alguns argumentos dos dois lados. O meio termo é criticado sempre, afinal quem é pró-impeachment diz: “você concorda/contribui com a roubalheira”, já os contra impeachment dizem: “você está contribuindo para um golpe”.

A fim de reafirmar minha posição de meio termo quando o assunto é impeachment — para não dizer “eu não sei” — além de explicar de vez por todas o que eu penso sobre o tema, pois sou chamado de PTralha e de coxinha/alienado/golpista ao mesmo tempo (irônico, não?), vi a necessidade de escrever essa “autoentrevista” sobre o impeachmen Espero que, após publicada, ninguém tente me matar.

PERGUNTA 1: Afinal, o impeachment é golpe?

Tecnicamente falando, está na constituição de 1988, então, não há golpe algum no processo. O processo de impeachment é um processo político, previsto em lei, mas político. Logo, pode-se falar de um suposto golpe político, o que é até plausível. Sem dúvida alguma, o processo que corre atualmente no Congresso Nacional está sendo influenciado politicamente. Entretanto, tendo em vista as acusações ora suscitadas, se julgadas procedentes, não há o que se falar sobre golpe (nem democrático e nem político), pois as pedaladas fiscais, no meu entendimento, caracterizam crime de responsabilidade, previsto no art. 36, caput, da Lei Complementar 101/2000 (Lei da Responsabilidade Fiscal — LRF).

Há divergência de entendimento da matéria, e eu prefiro ficar com o entendimento de que pedaladas fiscais são crimes de responsabilidade, pois, a meu ver, é notório que o governo utilizou de artimanhas administrativas para mascarar o déficit primário, resultado da incompetência administrativa. Defendo, ainda, que é interessante que ocorrer um julgamento a fim de resolver o impasse do tema, criando um antecedente. Entendo as críticas sobre o que está por trás de todo o cenário político atual, mas discordo da velha argumentação relativista de que “os outros governos utilizaram das mesmas técnicas”, afinal, a proporção atual é realmente assustadora. Resumindo, o processo instaurado contra a presidenta Dilma está blindado pela legalidade, não há o que se falar sobre golpe, pelo menos no sentido material.

Aliás, alguem ainda possui dúvida se o tema irá parar no Supremo Tribunal Federal? Acredito que a resposta é previsivel.

PERGUNTA 2: UM PRESIDENTE REELEITO PODE SER JULGADO PELOS CRIMES DA GESTÃO ANTERIOR?

Outro ponto que ainda gera controvérsia sobre o processo instaurado: o TCU julgou as contas que ocorreram em 2014, primeira gestão da presidenta. Até onde estudei, o presidente não responde pelos crimes ocorridos na gestão anterior, CF, art. 86, § 4º, e a Lei do Impeachment também não prevê a possibilidade de impeachment por ato do mandato anterior, logo, analisando sistematicamente, tendo em vista que o ordenamento jurídico não permite contradições, pode-se dizer que as contas reprovadas pelo TCU em 2014 são irrelevantes para o processo. Então, toda essa parafernália do impeachment, fundada no parecer do TCU, será nula… O impeachment não poderá acontecer sob essa prerrogativa, pois o presidente não deve responder pelos atos anteriores ao seu mandado. Caso ocorra, trata-se de um golpe claro ao Estado Democrático de Direito.

Mas as coisas não são tão simples assim, há outro ponto de vista sobre o mesmo fato, tendo em vista que a Constituição, de 1988 e a Lei do Impeachment, de 1950, não foram elaboradas para um sistema eleitoral que prevê a reeleição do chefe do executivo, pois só foi incluída a reeleição com a Emenda Constitucional de 1997. Teleologicamente falando, pode-se dizer que a intenção do legislador não previu que um presidente pudesse ser reeleito, e, se houvesse reeleição na época da elaboração da CF e da Lei do Impeachment, é muito provável que o entendimento do legislador fosse outro sobre o tema. Surge aí uma corrente jurídica que entende por ser admissível o impeachment por ato anterior a gestão atual, caso de o presidente seja reeleito, tendo em vista que a reeleição é uma continuação do mandato.

O que defendo? Sinceramente, acho plausível a argumentação das duas partes e concordo, em partes, com as duas correntes, logo, prefiro me abster de “defender um lado” —   embora eu confesse que, nesse caso, a interpretação sistemática me agrada mais do que a interpretação teleológica .

É necessario destacar ainda que o processo de impeachment protocolizado pelos juristas Helio Bicudo e Miguel Reale Junior, embora suscite o julgamento do TCU de 2014, não o utizam como fundamento para a acusação. A acusação por eles realizadas referem-se justamente às pedaladas realizadas em 2015 - Segundo mandado de Dilma Rousseff -, logo, não há o que se falar sobre a discussão supracitada. No mesmo sentido, vejam os dados do Banco Central relativos às pedaladas fiscais realizadas desde o governo FHC, conforme documentos do BC, de fato foram realizadas pedalas em 2015.

PERGUNTA 3: Mas o impeachment é a melhor saída?

Politicamente falando, confesso que não estou seguro quanto ao tema. O governo petista “deu” certa autonomia à polícia federal, não que o órgão não fosse autônomo antes, mas todos sabemos que os governos brasileiros sempre domesticaram a PGR e a PF, coisa que o PT não fez, e exatamente essa inércia petista deu origem às grandes investigações, como o “Mensalão” e o atual “Petrolão”. Parece que, em um eventual governo peemedebista — partindo do princípio de que o PMDB é tão sujo quanto qualquer outro partido, senão for o mais sujo — , talvez essa autonomia estaria comprometida, tendo em vista que seus políticos estão citados na Lava Jato bem como nos documentos da “contabilidade da propina” (setor de controle de pagamento de propina da Odebrecht). Vale destacar que os políticos da oposição, atual aliada do PMDB, também estão lá, embora a mídia não divulgue isso.

Por outro lado, caso o governo Dilma subsista, serão três longos anos perdidos para a nação, afinal, teremos um governo incompetente e sem base no congresso, logo, nenhuma política (social, econômica e afins) do planalto será aprovada, como consequência, teremos um governo acuado, pois qualquer deslize será motivo de ainda mais pressão política e popular.

Mas, se mudarmos para o panorama econômico, acredito que pode ser que sim. Um eventual governo peemedebista possuiria base no congresso, o que facilitaria a aprovação de suas políticas, trazendo a tão almejada segurança/estabilidade/confiança que os investidores prezam na hora de investir o capital. Logo, pode ser que esse eventual governo geraria um aquecimento econômico  -  breve ou permanente -  vale destacar que um plano de governo já havia sido elaborado pelo PMDB em 2015, e que foi muito elogiado pelos capitalistas.

PERGUNTA 4: A indicação do Lula para a Casa Civil, como articulador, não pode alterar esse panorama da base governista?

Sem dúvida pode. O Lula se mostrou, em seus governos, um ótimo político (o que não quer dizer que foi um ótimo governante), com sua experiência política, não há dúvidas de que ele seria capaz de articular a ponto de “criar” uma base para o governo, como fez em 2003, ao rachar o PMDB. A questão que realmente fica é: “qual o custo dessa base?” — Hoje sabemos que o custo da base governista de 2003 foi o “Mensalão” e o “Petrolão”, onde os votos eram comprados com propina para serem aprovados, então resta a dúvida: “qual seria o custo então para a base de 2016?”  — será que o Lula, para conquistar a governabilidade, não barraria as investigações da Lava Jato? Será que não rolaria mais propina? Será que vale a pena mesmo? Lembrem-se que o antigo ministro da justiça abandonou o cargo por causa da pressão petista/Lula. Isso sem mencionar que a atual presidente é incompetente para exercer o cargo dela, mas isso é papo para outro texto.

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PERGUNTA 5: Mas afinal, o que você pensa de tudo isso?

Acredito que há dois lados da moeda, independente do rumo que o Brasil irá tomar, seja com ou sem impeachment, haverá consequências boas e ruins. Essas consequências implicam em um eventual abafamento da Lava Jato, ou três anos estagnados em crise política e econômica, e até ao agravamento da corrupção, dentre outros. O que eu defendo? Nessa altura do campeonato, não defendo nada, não tenho lado, pois ao escolher um lado, tu escolhes as consequências boas e ruins ao mesmo tempo, e isso é algo que não estou disposto a fazer, prefiro continuar aqui, esperando para ver em que vai dar tudo isso. Mas algo é inegável, temos que nos preparar, pois vamos pagar um preço altíssimo quando essa história chegar a um desfecho. E, sim, esse texto inteiro é para fundamentar a resposta, já evidente: “Eu não sei!”.

PS: Embora o PT seja o maior responsável pela atual crise, não caiamos no erro de achar que o PT é o problema, pois o PT, nesse teatro inteiro, é apenas um fantoche na mão de um sistema podre.

NOTA DO AUTOR:

Realizada alteração no texto, incluída a pergunta: "Um presidente reeleito pode ser julgado pelos crimes da gestão anterior?" entre as perguntas "Afinal, o impeachment é golpe?" e "Mas o impeachment é a melhor saída?" a fim de retirar a incoerência do texto com a realidade do impeachment em tramite no Congresso Nacional.


Links úteis (realmente úteis):

http://odia.ig.com.br/brasil/2016-03-01/cardozo-alega-pressao-de-lula-para-deixar-o-ministerio-da-justica.html;

http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,mensalao-foi-compra-de-votos-e-nao-caixa-2-confirma-stf-imp-,938707;

http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2015-10/pmdb-critica-excessos-economicos-do-governo-e-aumento-de-impostos;

http://oglobo.globo.com/brasil/contabilidade-da-odebrecht-indica-pagamento-de-propina-desde-os-anos-1980-18938148;

http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2016/03/23/documentos-da-odebrecht-listam-mais-de-200-politicos-e-valores-recebidos/

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/03/29/politica/1459202891_864086.html;

http://g1.globo.com/politica/processo-de-impeachment-de-dilma/noticia/2016/03/pedaladas-constituem-crime-grave-diz-miguel-reale-junior-em-comissao.html;

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/04/1757921-pedaladas-fiscais-dispararam-sob-dilma-diz-relatorio-do-banco-central.shtml?cmpid=compfb;

http://www.conjur.com.br/2015-ago-31/gustavo-badaro-impeachment-ato-mandato-anterior-resposta-lenio-streck;

http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2016/03/ex-funcionaria-afirma-que-pagamento-de-propina-era-pratica-na-odebrecht.html;

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/01/1728339-ex-diretor-da-petrobras-delator-cita-propina-de-us-100-mi-a-governo-fhc.shtml.

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Sobre o autor
Kaique Moreto

Estudante de Direito da Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORETO, Kaique. Considerações sobre o impeachment:: um texto enorme para fundamentar uma resposta de três palavras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4674, 18 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48308. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

NOTA DO AUTOR: Realizada alteração no texto, incluída a pergunta: "Um presidente reeleito pode ser julgado pelos crimes da gestão anterior?" entre as perguntas "Afinal, o impeachment é golpe?" e "Mas o impeachment é a melhor saída?" a fim de retirar a incoerência do texto com a realidade do impeachment em tramite no Congresso Nacional.

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