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RPPS: investidor qualificado

De quem é a competência para classifica-los? CVM ou MTPS

07/07/2016 às 17:45
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Investiga-se se a CVM tem competência legal para remeter ao MTPS o reconhecimento de investidores qualificados no caso dos regimes próprios de previdência social - RPPS.

Os Regimes Próprios de Previdência Social – RPPS foram surpreendidos com a edição da Instrução n° 554 de 17 de dezembro de 20141, que alterou a de n° 5392 de 13 de novembro de 2013, da Comissão de Valores Mobiliários - CVM a qual abordou regras para adequar produtos, serviços e operações financeiras ao perfil do cliente, o chamado “suitability” e inovou o ordenamento jurídico ao remeter ao atual Ministério do Trabalho e da Previdência Social – MTPS a responsabilidade para classificar legalmente a categoria de “investidor qualificado” aos RPPS.

Até então, os RPPS eram assim reconhecidos através da Instrução CVM – ICVM n° 4093 de 18 de agosto de 2004, art. 109, VII, revogada com o advento da Instrução n° 5554, de 17 de Dezembro de 2014, que nada dispôs a respeito.

Art. 109. Para efeito do disposto no artigo anterior, são considerados investidores qualificados:

I – instituições financeiras;

II – companhias seguradoras e sociedades de capitalização;

III – entidades abertas e fechadas de previdência complementar;

IV – pessoas físicas ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor qualificado mediante termo próprio, de acordo com o Anexo I;

V – fundos de investimento destinados exclusivamente a investidores qualificados;

VI – administradores de carteira e consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios;

Verifica-se, de pronto, que a categoria de “investidor qualificado” não foi abordada na norma que efetivamente deveria tratar da questão, qual seja, a de n° 555. Ao contrário, esta classe foi tratada na Instrução de n° 539 que dispõe sobre suitability, a partir da ICVM n° 554, em dissonância ao ordenamento jurídico.

Ainda que a CVM esteja envidando esforços a melhorar o mecanismo do mercado financeiro e todos que dele participam, é notório que houve um desordenamento entre as Instruções Normativas emanadas deste órgão, pois intercalou-se assuntos diversos daqueles que a norma deveria tratar.

A CVM tem o poder regulamentar fundamentado no artigo 174, in verbis, da Constituição Federal e foi criada pela Lei n° 6.3855 de 07 de dezembro de 1976, art. 5°, como entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada de autoridade administrativa independente e sua competência foi estabelecida no art. 8° da citada lei, com observância da política definida pelo CMN.

Constituição Federal

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Art. 5o É instituída a Comissão de Valores Mobiliários, entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária. (Redação dada pela Lei nº 10.411, de 26.2.2002).

Lei 6.385

Art . 8º Compete à Comissão de Valores Mobiliários:

I - regulamentar, com observância da política definida pelo Conselho Monetário Nacional, as matérias expressamente previstas nesta Lei e na lei de sociedades por ações;

II - administrar os registros instituídos por esta Lei;

III - fiscalizar permanentemente as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, de que trata o Art. 1º, bem como a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem, e aos valores nele negociados;

IV - propor ao Conselho Monetário Nacional a eventual fixação de limites máximos de preço, comissões, emolumentos e quaisquer outras vantagens cobradas pelos intermediários do mercado;

V - fiscalizar e inspecionar as companhias abertas dada prioridade às que não apresentem lucro em balanço ou às que deixem de pagar o dividendo mínimo obrigatório.

§ 1o O disposto neste artigo não exclui a competência das Bolsas de Valores, das Bolsas de Mercadorias e Futuros, e das entidades de compensação e liquidação com relação aos seus membros e aos valores mobiliários nelas negociados. (Redação pelo Decreto nº 3.995, de 31.10.2001).

§ 2o Serão de acesso público todos os documentos e autos de processos administrativos, ressalvados aqueles cujo sigilo seja imprescindível para a defesa da intimidade ou do interesse social, ou cujo sigilo esteja assegurado por expressa disposição legal. (Redação pelo Decreto nº 3.995, de 31.10.2001).

§ 3º Em conformidade com o que dispuser seu regimento, a Comissão de Valores Mobiliários poderá:

I - publicar projeto de ato normativo para receber sugestões de interessados;

II - convocar, a seu juízo, qualquer pessoa que possa contribuir com informações ou opiniões para o aperfeiçoamento das normas a serem promulgadas.

À luz da Lei Federal, cabe a CVM proteger os investidores que operam no mercado de valores mobiliários, inclusive os RPPS, em conjunto com o Banco Central do Brasil, conforme expressamente previsto no art. 10-A da Lei 6.385/76, levando-se em conta a eficiência, confiabilidade e respectiva adequação aos interesses de todos que nele negociam ou contratam. Neste diapasão, a CVM, como entidade regulamentadora deve assegurar estes princípios, de fundamental importância à ampliação e desenvoltura desse mercado.

Art. 10-A. A Comissão de Valores Mobiliários, o Banco Central do Brasil e demais órgãos e agências reguladoras poderão celebrar convênio com entidade que tenha por objeto o estudo e a divulgação de princípios, normas e padrões de contabilidade e de auditoria, podendo, no exercício de suas atribuições regulamentares, adotar, no todo ou em parte, os pronunciamentos e demais orientações técnicas emitidas. (Incluído pela Lei nº 11.638, de 2007).

Como se vê, não foi atribuído à CVM o poder de delegar a outrem poderes de sua exclusiva competência, como de fato fez, ao submeter ao MPS a competência para classificar os RPPS como “investidores qualificados”. Certo é que todos os órgãos públicos devem realizar as relações jurídicas nos limites de suas jurisdições administrativas em obediência a política de regulação e a CVM extrapolou seus limites legais.

Ato contínuo, por sua vez, o MPS editou a Portaria n° 3006 de 03 de Julho de 2015 e acresceu o artigo 6-A a Portaria n° 519/117, dispondo os critérios (cumulativos) a serem observados pelos RPPS como fim de serem considerados como “investidor qualificado”.

Art. 1º A Portaria MPS/GM nº 519, de 24 de agosto de 2011, passa a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 6º-A. Será considerado investidor qualificado, para os fins da normatização estabelecida pela CVM, o RPPS que atenda cumulativamente aos seguintes requisitos: I - cujo ente federativo instituidor possua Certificado de Regularidade Previdenciária - CRP vigente na data da realização de cada aplicação exclusiva para tal categoria de investidor, pelo cumprimento das normas gerais de organização e funcionamento dos RPPS, estabelecidas na Lei nº 9.717/1998 e nos atos normativos dela decorrentes;

II - possua recursos aplicados, informados no Demonstrativo das Aplicações e Investimentos dos Recursos - DAIR enviado à SPPS, do bimestre imediatamente anterior à data de realização de cada aplicação exclusiva para tal categoria de investidor, em montante igual ou superior a R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais);

III - comprove o efetivo funcionamento do Comitê de Investimentos, na forma do art. 3º-A;

IV - tenha aderido ao Programa de Certificação Institucional e Modernização da Gestão dos Regimes Próprios de Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios - "Pró-Gestão RPPS", instituído pela Portaria MPS nº 185, de 14 de maio de 2015, e obtido certificação institucional em um dos níveis de aderência nela estabelecidos.

Parágrafo único. O requisito estabelecido no inciso IV do caput será exigido a partir de 1º de janeiro de 2017, reduzindo-se a partir daí o montante de recursos definido no inciso II para R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).

São evidentes as dificuldades que os RPPS enfrentarão a partir destas normas inovadoras, uma vez que os critérios estabelecidos pelo MPS são excessivos e, pior, são cumulativos o que restringe a aplicação dos recursos dos Regimes Próprios em determinados Fundos de investimentos que, via de consequência, não conseguirão atingir a meta atuarial, de extrema importância ao equilíbrio financeiro e atuarial.

Os requisitos exigidos para que os RPPS possam ser considerados investidores qualificados, em normas emanadas do MPS, denota penalidade e não a devida adequação ao seguimento. Corroborando com o aqui narrado, a condição estabelecida no parágrafo único do art. 6°-A da Portaria do MPS n° 519 será exigido a partir de 1º de janeiro de 2017, reduzindo-se a partir daí o montante de recursos definido no inciso II para R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), conforme disposto no parágrafo único da Portaria n° 519, alterada pela Portaria n° 300.Este ano de 2016 haverá eleição, seria esta a razão de em 2017 reduzir-se o valor de 40 para 10 milhões? Não sabemos, mas fica a sugestão de reflexão.

Por outro lado, ao alterar a Portaria n° 511 que dispõe sobre as aplicações dos recursos financeiros dos RPPS, o MPS embasou-se no art. 87 da CFRB e no Decreto 7.5288 de 21 de Julho de 2011, que aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério da Previdência Social, (art. 6°), ou seja, amparou-se em dispositivo de lei inadequado, valendo-se de competência própria para atingir finalidade alheia àquela abonada pelo interesse público. Vejamos:

Constituição Federal

Art. 87. Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos.

Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei:

I - exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República;

II - expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos;

III - apresentar ao Presidente da República relatório anual de sua gestão no Ministério;

IV - praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo Presidente da República.

Art. 88. A lei disporá sobre a criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001).

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Decreto 7.528

Art. 6o O Ministro de Estado da Previdência Social poderá editar regimento interno para detalhar as unidades administrativas integrantes da Estrutura Regimental do Ministério, suas competências e as atribuições de seus dirigentes.

A competência para orientar, supervisionar e acompanhar os RPPS é da União, por intermédio do MPS, conforme disposto no art. 9° da Lei 9.7179 de 17 de novembro de 1988 e também não lhe foi atribuído o poder de legislar a respeito de investidores já que não se trata de ato discricionário, mas, sim, de obediência estrita a lei.

Art. 9º Compete à União, por intermédio do Ministério da Previdência e Assistência Social:

I - a orientação, supervisão e o acompanhamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos e dos militares da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e dos fundos a que se refere o art. 6º, para o fiel cumprimento dos dispositivos desta Lei;

II - o estabelecimento e a publicação dos parâmetros e das diretrizes gerais previstos nesta Lei.

III - a apuração de infrações, por servidor credenciado, e a aplicação de penalidades, por órgão próprio, nos casos previstos no art. 8o desta Lei. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001).

Parágrafo único. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios prestarão ao Ministério da Previdência e Assistência Social, quando solicitados, informações sobre regime próprio de previdência social e fundo previdenciário previsto no art. 6o desta Lei. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001).

A autorregulação deve ser fundamentada em pressupostos básicos e eficazes, fato este inobservado pela CVM ao inserir no texto da Instrução n° 539 a responsabilidade do MPS para legislar sobre matéria de sua competência, qual seja, classificar o que vem a ser “investidor qualificado”. O MPS, na mesma linha, em nítido abuso de poder legislou e criou a Portaria n° 300, alterando a de n° 519, e estabeleceu critérios exorbitantes e prejudiciais aos RPPS, o que implica em riscos e ameaças a estes, que não poderão aplicar seus recursos em determinados fundos de investimentos, restringindo-os ao alcance de melhor rentabilidade, segurança e solidez, conforme disposto no artigo 1° da Resolução 3.92210 de 25 de novembro de 2010, do Conselho Monetário Nacional, além de romper o equilíbrio jurídico, uma vez que as finalidades para as quais as normas foram criadas não serão atingidas.

Art. 1°. Fica estabelecido que os recursos dos regimes próprios de previdência social instituídos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos da Lei 9.717, de 27 de novembro de 1998, devem ser aplicados conforme as disposições desta Resolução, tendo presente as condições de segurança, rentabilidade, solvência, liquidez e transparência.

No mais, o MPS estatuiu critérios bizarros ao impor aos RPPS a adesão ao PRÓ-GESTÃO para serem classificados como investidores qualificados, o que fere e contradiz sua própria norma, qual seja, a Portaria n° 18511 de 14 de maio de 2015, que aduz ser facultativo a adesão ao programa: Art. 3º A adesão ao Pró-Gestão RPPS será facultativa, devendo ser formalizada por meio de termo assinado pelos representantes legais do ente federativo e da unidade gestora do RPPS.

Não devemos nos prescindir que a CVM e o MPS são órgãos atuantes no mercado financeiro e previdenciário, buscam a melhora do seguimento, lutam pela transparência, capacitação, enfim, melhores práticas na administração pública, contudo, são órgãos distintos e um não pode invadir a esfera de competência do outro, sob pena de nulidade, já que o ato infralegal carece de juricidade.

O mesmo vale para os “investidores profissionais” que seguiu a mesma diretriz, à exceção de alguns requisitos, a exemplo da exigência do valor, que deverá ser superior a dez milhões de reais.


Conclusão

Assim, o órgão responsável em regulamentar e classificar a categoria de “investidor qualificado” é a CVM, a qual não pode e não deve furtar-se dessa responsabilidade legal. O MPS é o responsável pela orientação e fiscalização dos RPPS e só pode legislar naquilo que lhe compete por lei, aí excluído a classificação de “investidor qualificado”. Se o erro persistir, ou seja, caso prevaleça a atual legislação, os RPPS que não atingirem um patrimônio líquido de 40 milhões de reais sofrerão desequilíbrio financeiro e atuarial em razão das restrições nas alocações de recursos e dos custos exacerbados com a adesão ao PRÓ-GESTÃO.

Pelo exposto, CVM e MPS necessitam implantar uma política de regulação consistente e coerente na aplicabilidade, prévia definição de seus fundamentos básicos e, ainda, obedecer aos postulados da economia e da administração para que os RPPS, investidores substanciais, tenham confiança, garantia de estabilidade jurídica e política e harmonização.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ERRERIAS, Elisa. RPPS: investidor qualificado: De quem é a competência para classifica-los? CVM ou MTPS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4754, 7 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48348. Acesso em: 21 nov. 2024.

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