1 - INTRODUÇÃO
Desenvolvida pelo jurista alemão Erik Jaime, e introduzida no Brasil através de Cláudia Lima Marques, diante de um cenário vasto de inumeráveis Fontes do Direito, as quais sobrepõem uma a outra, através do método de exclusão, a Teoria do Diálogo das Fontes visa a aplicação de forma coerente, não utilizando a exclusão, mas sim, aplicando as fontes no que se convergem.
O presente trabalho tem como propósito apresentar a Teoria do Diálogo das Fontes, que pretende superar o modelo clássico método de resolução de conflitos, ou seja, as antinomias, classificadas em três espécies: o temporal, o hierárquico, e o especial. Método insuficiente frente à complexidade e pluralidade do ordenamento jurídico, pois para haver uma solução, deve ocorrer uma exclusão. A Teoria do Diálogo das Fontes vem sendo utilizada para enfrentar os possíveis conflitos entre diversas normas, porém, de modo a preservar a coexistência da norma propriamente dita.
Por fim, diante de tais informações, será possível observar que a Teoria do Diálogo das fontes já vem sendo reconhecida pelo intérprete do Direito, a ser verificado em diversos julgados dos tribunais brasileiros, principalmente nas relações de consumo, pois visa garantir proteção ao consumidor, parte vulnerável na relação de consumo, em meio à multiplicidade de normas e insegurança jurídica.
2 - FONTES DO DIREITO E OS CONFLITOS ENTRE SI
As fontes do direito estão expressas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro LINBD, em seu artigo 4.º que dispõe: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito[1]". Desta forma, quando o intérprete se deparar com uma lacuna ele deve integra-lá utilizando um desses métodos, decidindo qual a melhor opção de acordo com cada caso.
Em diversos casos, as Fontes do Direito tendem entrar em conflito entre si, ocorrendo às antinomias, porém, existem métodos e critérios jurídicos próprios para sanar essas colisões. No caso de conflitos de leis, ou seja, antinomias são classificadas em três espécies a serem utilizados: o temporal, o hierárquico, e o especial.
Através do critério temporal, a lei posterior revoga a anterior, devendo a lei posterior prevalecer sobre a anterior, desta forma, a norma que tenha sido mais recentemente elaborada sobre determinado assunto que precisa de solução é a norma a ser utilizada. Pelo critério hierárquico, a lei superior prevalece sobre a inferior, em havendo mais de uma norma sobre o um mesmo assunto a ser solucionado, devemos usar aquela norma que se encontre no mais alto grau, dentre elas e, pelo critério especial, a lei especial prevalece sobre a lei geral, de tal modo que a norma mais específica sobre o assunto que precisa de solução é a norma que deverá ser usada[2].
Dos três critérios supracitados, o cronológico, expresso no art. 2º da LINDB[3], é inferior a todos, sucumbindo frente aos demais. O critério da especialidade é o intermediário e o critério da hierarquia é superior a todos, pois o texto constitucional supera todos os demais. Ocorre que esses critérios não asseguram resultados jurídicos adequados, principalmente em relação aos parâmetros Constitucionais, pois há exclusão de uma lei por outra, não propiciando segurança jurídica.
Neste sentido, A Teoria do Diálogo das Fontes, surge rompendo com paradigmas clássicos ao apresentar novo modelo de como lidar com as Fontes formais do Direito, notadamente as normas jurídicas (regras e princípios), mediante, como o próprio nome sugere, um diálogo entre estas, sob a intermediação racional, atenta, sensível e perspicaz do intérprete e aplicador do Direito, o que se buscará explicar no tópico seguinte.
3 - TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES - TDF
3.1 - ORIGEM
As transformações socioeconômicas, a evolução tecnológica, as novas formas de compreensão do mundo, faz necessário que o Direito sintonize com essas inovações da sociedade, sob pena de se tornar ultrapassado, acarretando incompatibilidade entre o Direito Positivo e os fatos sociais, podendo assim ferir a segurança jurídica, além de deixar de cumprir o seu papel social de harmonizar conflitos.
Por essa razão o Direito está em constante atualização, criando novas leis para regularizar aos novos fatos sociais, em diversos setores da sociedade, tornando assim, o ordenamento jurídico complexo e por muitas das vezes contraditório.
Diante dessa situação, principalmente a respeito da complexidade e contradições, o jurista alemão Erik Jayme, desenvolveu a Tese do Diálogo das Fontes, com a finalidade de buscar dar coerência ao sistema jurídico, rompendo com paradigmas clássicos[4].
3.2 – TDF – NOVA FERRAMENTA HERMENÊUTICA
A doutrina atualizada está à procura de harmonia e coordenação entre as normas do ordenamento jurídico (concebido como sistema) do que a exclusão. A tese traz ao interprete uma nova ferramenta hermenêutica hábil a solucionar problemas de conflitos no sentido de interpretá-las de forma coordenada e sistemática em consonância com preceitos Constitucionais.
‘Diálogo’ porque há influências recíprocas, ‘diálogo’ porque há aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja complementarmente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opção pela fonte prevalente ou mesmo permitindo uma opção por uma das leis em conflito abstrato – solução flexível e aberta, de interpenetração, ou mesmo a solução mais favorável ao mais fraco da relação (tratamento diferente dos diferentes) “[5].
A civilista Claudia Lima Marques foi responsável por apresentar a teoria de Erik Jayme ao Direito Brasileiro.
Na pluralidade de leis ou fontes, existentes ou coexistentes no mesmo ordenamento jurídico, ao mesmo tempo, que possuem campos de aplicação ora coincidentes ora não coincidentes, os critérios tradicionais da solução dos conflitos de leis no tempo (Direito Intertemporal) encontram seus limites. Isto ocorre porque pressupõe a retirada de uma das leis (a anterior, a geral e a de hierarquia inferior) do sistema, daí propor Erik Jayme o caminho do "diálogo das fontes", para a superação das eventuais antinomias aparentes existentes entre o CDC e o CC/2002[6].
A Teoria do Diálogo das Fontes surge para dar soluções mais justas, protegendo o indivíduo vulnerável e dando um caráter humanista ao Direito. Possui com um dos principais valores-chave a dignidade da pessoa humana e a aplicação imediata dos direitos fundamentais.
Ainda nas palavras de Cláudia Lima Marques:
“há mais convivência de leis com campos de aplicação diferentes, do que exclusão e clareza. Seus campos de aplicação, por vezes, são convergentes e, em geral diferentes, mas convivem e coexistem em um mesmo sistema jurídico que deve ser ressistematizado. O desafio é este, aplicar as fontes em diálogo de forma justa, em um sistema de direito privado plural, fluído, mutável e complexo” [7].
Segundo Flávio Tartuce, a Teoria do Diálogo das Fontes surge para substituir e superar os critérios clássicos de antinomia justifica sua aplicação, devido a sua funcionalidade, pois a enorme quantidade de leis existentes leva o intérprete a um verdadeiro desnorteio, além disso, entende que as leis surgem para serem aplicadas e não excluídas umas pelas outras quando possuem campos de aplicação convergentes[8].
Desta forma, verifica-se que a teoria do diálogo das fontes tem o intuito de evitar exclusões indevidas de normas jurídicas, pois não é unicamente o excesso de normas que prejudica o aplicador da lei. Busca também uma interpretação do ordenamento jurídico de forma coerente, evitando distinções injustas, tratando diferentemente os diferentes, e permitindo uma maior mobilidade e fineza de distinção, sendo então, a superação de paradigmas substituída pela convivência desses.
3.3 - ESPECIES DE DIÁLOGOS DAS FONTES
De acordo com Erik Jayme, existem três possíveis tipos de diálogos das fontes, quais sejam: diálogo sistemático de coerência; diálogo de complementariedade e subsidiariedade; e diálogo de coordenação e adaptação sistemática[9].
O diálogo sistemático de coerência[10] é identificado pela aplicação conjunta e simultânea de duas leis, uma lei deve servir de base conceitual para a outra, evitando a sobreposição, preservando o âmbito de aplicação de ambas às leis, utilizando-se o fundamento teleológico das normas.
Ex. 1: Compra e venda de consumo, são aplicáveis as regras básicas do CC/02 com os princípios do CDC.
Ex. 2: Os conceitos e as regras básicas relativas aos contratos de espécie podem ser retirados do Código Civil mesmo sendo o contrato de consumo. Tal premissa incide para a compra e venda, para a prestação de serviços, para a empreitada, para o transporte, para o seguro, entre outros[11].
Já o diálogo de complementariedade e subsidiariedade[12]e é a possibilidade de uma lei incindir de maneira complementar (forma direta) ou subsidiária (forma indireta) a aplicação de outra, no sentido contrário da revogação ou ab-rogação clássicas, em que uma lei era superada e ‘retirada’ do sistema pela outra.
Ex. 1: Contrato que são de consumo e de adesão ao mesmo tempo, no que diz respeito as cláusulas abusivas, poderá ser aplicado o art.51 do CDC e também o art. 424 CC ambos para proteção dos consumidores[13].
O último tipo, o diálogo de coordenação e adaptação sistemática ou de influências recíprocas[14], é a influência do sistema especial no sistema geral, bem como do geral no especial.
Ex. 1: O conceito de consumidor presente no CDC pode ser influenciado pelo Código Civil, bem como o princípio da boa-fé no direito obrigacional pode ser fortemente influenciado pelo CDC[15].
Ex. 2: A busca de um prazo maior previsto no CC, para demanda proposta pelo consumidor, não aplicando o prazo do artigo 27 do CDC, mas sim, o prazo de dez anos, previsto no artigo 205 do CC[16].
A teoria do Diálogo das Fontes tem a finalidade de eliminar decisões incoerentes ou insensatas, permitindo uma melhor solução jurídica para o caso concreto.
4 - APLICABILIDADE DA TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES
Destaca-se a presença do Diálogo das Fontes principalmente em casos de relações de consumo, conforme se verifica no artigo 7º do Código de Defesa do Consumidor:
Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.
O texto normativo do artigo supracitado demonstra uma ideia de sistema no ordenamento jurídico, em que as Fontes do Direito devem ponderar e materializar os fins sociais a que elas se dirigem, conforme determina o artigo 5º da LINDB[17], “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”
No entanto, há de se destacar algumas súmulas do STJ[18] que consideram a aplicação da Teoria do Diálogo das Fontes:
Súmula 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável as instituições financeiras.
Súmula 412: A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil.
Súmula 469: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde.
Súmula 477: A decadência do art. 26 do CDC não é aplicável à prestação de contas para obter esclarecimentos sobre cobrança de taxas, tarifas e encargos bancários.
Súmula 477: Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do Consumidor incide a multa moratória nele prevista.
Fica demonstrado o entendimento do STJ em relação ao diálogo das fontes, deixando de ser matéria simplesmente doutrinária e comprovando sua importância na solução de litígios.
Em termos jurisprudenciais, a Tese do Diálogo das Fontes ganhou força prática com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.591, em 2006, que julgou constitucional a aplicação do CDC às atividades bancárias, que possuíam lei complementar disciplinadora. Em seu voto, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa concluiu:
04/05/2006 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL V O T O O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA: Senhor Presidente, entendo que o regramento do sistema financeiro e a disciplina do consumo e da defesa do consumidor podem perfeitamente conviver. Em muitos casos, o operador do direito irá deparar-se com fatos que conclamam a aplicação de normas tanto de uma como de outra área do conhecimento jurídico. Assim ocorre em razão dos diferentes aspectos que uma mesma realidade apresenta, fazendo com que ela possa amoldar-se aos âmbitos normativos de diferentes leis. Um exemplo corriqueiro disso é a aplicabilidade tanto de normas do Código Civil como do Código Penal a um mesmo fato, sem que se possa falar em antinomias ou colisões. A Emenda Constitucional 40, na medida em que conferiu maior vagueza à disciplina constitucional do sistema financeiro (dando nova redação ao art. 192), tornou ainda maior esse campo que a professora Cláudia Lima Marques denominou “diálogos entre fontes” - no caso, entre a lei ordinária (que disciplina as relações consumeristas e as leis complementares (que disciplinam o sistema financeiro nacional.19](...). (grifo).
A aplicação da Teoria do Diálogo das Fontes também pode ser constatada em alguns julgados dos Tribunais brasileiros, conforme seguem:
PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TÍTULOS DE CAPITALIZAÇÃO. CLÁUSULA INSTITUIDORA DE PRAZO DE CARÊNCIA PARA DEVOLUÇÃO DE VALORES APLICADOS. ABUSIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. (...) 2. Não pode ser considerada abusiva cláusula contratual que apenas repercute norma legal em vigor, sem fugir aos parâmetros estabelecidos para sua incidência. 3. Nos contratos de capitalização, é válida a convenção que prevê, para o caso de resgate antecipado, o prazo de carência de até 24 (vinte e quatro) meses para a devolução do montante da provisão matemática. 4. Não pode o juiz, com base no CDC, determinar a anulação de cláusula contratual expressamente admitida pelo ordenamento jurídico pátrio se não houver evidência de que o consumidor tenha sido levado a erro quanto ao seu conteúdo. 5. Deve ser utilizada a técnica do "diálogo das fontes" para harmonizar a aplicação concomitante de dois diplomas legais ao mesmo negócio jurídico; no caso, as normas específicas que regulam os títulos de capitalização e o CDC, que assegura aos investidores a transparência e as informações necessárias ao perfeito conhecimento do produto. 6. Recurso especial conhecido e provido. RECURSO ESPECIAL Nº 1.216.673 - SP (2010/0184273-9).[20](grifo)
Neste mesmo sentido, o STJ decidiu pela aplicação da prescrição do art. 177 do Código Civil de 1916 ao invés do prazo prescricional do art. 27 do CDC, por ser mais favorável ao consumidor:
CONSUMIDOR E CIVIL. ART. 7º DO CDC. APLICAÇÃO DA LEI MAIS FAVORÁVEL. DIÁLOGO DE FONTES. RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL. TABAGISMO. RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO. - O mandamento constitucional de proteção do consumidor deve ser cumprido por todo o sistema jurídico, em diálogo de fontes, e não somente por intermédio do CDC. - Assim, e nos termos do art. 7º do CDC, sempre que uma lei garantir algum direito para o consumidor, ela poderá se somar ao microssistema do CDC, incorporando-se na tutela especial e tendo a mesma preferência no trato da relação de consumo. - Diante disso, conclui-se pela inaplicabilidade do prazo prescricional do art. 27 do CDC à hipótese dos autos, devendo incidir a prescrição vintenária do art. 177 do CC/16, por ser mais favorável ao consumidor. - Recente decisão da 2ª Seção, porém, pacificou o entendimento quanto à incidência na espécie do prazo prescricional de 05 anos previsto no art. 27 do CDC, que deve prevalecer, com a ressalva do entendimento pessoal da Relatora. Recursos especiais providos.[21]STJ - REsp 1009591/RS, Rela. Mina. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 23.08.2010.(grifo).
Também em relação às práticas anticoncorrenciais, o diálogo das fontes é citado em julgado do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. MULTA APLICADA PELO PROCON POR PRÁTICA DE DUMPING. CONFLITO ENTRE OS MICROSSISTEMAS LEGAIS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR E DA CONCORRÊNCIA. DIÁLOGO DAS FONTES. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS ARESTOS CONFRONTADOS. PEDIDO DO CADE PARA INGRESSO NO FEITO COMO ASSISTENTE DA EMBARGANTE. INDEFERIMENTO. ARTS. 4º, VI, E 6º, IV, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. (...) 8. O combate às práticas anticoncorrenciais é medida que se insere, concomitantemente, nos microssistemas do consumidor (CDC) e da concorrência (Lei 8.884/94). Daí a legitimidade concorrente e competência ratione materiae dos órgãos de defesa do consumidor (inclusive os estaduais) para, em favor da incolumidade das relações jurídicas de consumo, exercitarem o poder de polícia que a lei lhes confere. 9. Diálogo das fontes que, além de aplicável no contexto das normas ou microssistemas envolvidos, deve, pelas mesmas razões, iluminar o poder de polícia e as competências dos órgãos incumbidos da implementação legal. 10. Agravo Regimental da Esso não provido. Pedido de assistência formulado pelo Cade indeferido.[22] STJ - AgRg nos EREsp 938.607/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 06.03.2012.(grifo).
Visando garantir direitos aos consumidores, por serem a parte hipossuficiente da relação de consumo, o STJ entendeu que sempre que houver uma lei que garante algum direito para o consumidor, ela poderá se somar ao CDC, tendo a mesma preferência na relação de consumo. Neste sentido, verificamos nos casos sobre planos de saúde:
DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. RECUSA DE CLÍNICA CONVENIADA A PLANO DE SAÚDE EM REALIZAR EXAMES RADIOLÓGICOS. DANO MORAL. EXISTÊNCIA. VÍTIMA MENOR. IRRELEVÂNCIA. OFENSA A DIREITO DA PERSONALIDADE.
- A recusa indevida à cobertura médica pleiteada pelo segurado é causa de danos morais, pois agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito daquele. Precedentes
- As crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integridade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação, nos termos dos arts. 5º, X, in fine, da CF e 12, caput, do CC/02.
- Mesmo quando o prejuízo impingido ao menor decorre de uma relação de consumo, o CDC, em seu art. 6º, VI, assegura a efetiva reparação do dano, sem fazer qualquer distinção quanto à condição do consumidor, notadamente sua idade. Ao contrário, o art. 7º da Lei nº 8.078/90 fixa o chamado diálogo de fontes, segundo o qual sempre que uma lei garantir algum direito para o consumidor, ela poderá se somar ao microssistema do CDC, incorporando-se na tutela especial e tendo a mesma preferência no trato da relação de consumo.
- Ainda que tenha uma percepção diferente do mundo e uma maneira peculiar de se expressar, a criança não permanece alheia à realidade que a cerca, estando igualmente sujeita a sentimentos como o medo, a aflição e a angústia.
- Na hipótese específica dos autos, não cabe dúvida de que a recorrente, então com apenas três anos de idade, foi submetida a elevada carga emocional. Mesmo sem noção exata do que se passava, é certo que percebeu e compartilhou da agonia de sua mãe tentando, por diversas vezes, sem êxito, conseguir que sua filha fosse atendida por clínica credenciada ao seu plano de saúde, que reiteradas vezes se recusou a realizar os exames que ofereceriam um diagnóstico preciso da doença que acometia a criança.
Recurso especial provido[23]. STJ - REsp 1037759/RJ, Rela. Mina Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 05.03.2010.(grifo)
Desta forma, percebe-se que as decisões judiciais cada vez mais estão firmadas a partir do Diálogo das Fontes sendo baseada nas premissas, valores e fundamentos presentes na Constituição, sobretudo aos fins sociais estabelecidos nela.