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Jurisdição constitucional:

reflexões sobre a judicialização da política e o ativismo judicial no Supremo Tribunal Federal sob a (in)efetividade dos direitos fundamentais

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5 Considerações finais

À guisa de considerações finais ressaltamos, novamente, que não há pacificidade sobre o conceito de ativismo. Todavia, pode-se aduzir, se os casos aqui analisados são exemplos do fenômeno, como vem sendo apontado pelos críticos, compartilhamos da visão de Luís Roberto Barroso (2008), para quem o ativismo é como o colesterol, tem do bom e do ruim.

Nesse sentido, vale citar o sistema legal alemão para se fazer uma provocação. A defesa dos nazistas no famoso Julgamento de Nuremberg baseou-se na tese de que os réus não poderiam ser condenados pelo tribunal, pois eles estavam cumprindo as leis da época. Fica a indagação, quando o referido tribunal condenou os réus, praticara ativismo judicial? Se a resposta for positiva, o ativismo é gênero unívoco, como faz crer alguns críticos, ou admite bifurcações como alude Barroso?

Para nós, nos casos aqui citados, não houve exorbitações funcionais, mas exercício legítimo de função pré-constituída. Ora, cabe ao Legislativo produzir a norma e ao Executivo concretizar as ações previstas. Se estes não o fazem, e isso fere a eficácia do texto constitucional, mormente no tocante aos direitos fundamentais, caberá, legitimamente, ao Judiciário, atender ao chamado para garantir máxima eficácia às normas constitucionais[5].

A nosso ver, a intensa discussão de formalismos, e não falamos dos essenciais à segurança jurídica, à descentralização do poder, dentre outros, mas de previsões meramente institucionalizadas como praxe do tempo em que a carta fora escrita (como por exemplo, o art. 52, X, da Constituição Federal) nos aprisiona em um debate distante da realidade social. É preciso trazer à baila o papel transformador do Direito, sob pena de se estar vivendo regido por uma Carta Política ineficaz.

De outro modo, é preciso muita cautela, pois sabe-se que as decisões judiciais não estão imunes ao senso moral autoritário de seu julgador. Estejamos, logo, vigilantes contra atos judiciais antidemocráticos.

Nessa rota, tornou-se indispensável uma análise que perpasse a ressignificação do princípio da separação dos poderes sob a ótica contemporânea, em que se vive uma crise de representatividade, mais gravosa ainda quando se reflete sobre a seletividade dos beneficiários do atual sistema. É inegável que o processo político majoritário tornou-se ineficaz na representação dos anseios sociais. Daí dizer estar-se diante de uma crise de representatividade. Não existe diálogo efetivo com a sociedade, e isso tem levado o indivíduo a se fazer representar no Judiciário de forma lapidada àquela genuína da teoria da separação dos poderes.

Não há dúvidas, avançar-se-ia a um novo patamar democrático se feita uma reforma política e jurídica donde se aproxime o povo das deliberações. Ressalte-se, contudo, tal reforma exige minuciosa análise e aprovação social. É inaceitável que sirva de subterfúgio para perpetuação no poder através de representação de conselhos “populares”, que de populares não tem nada, já que é destinado a um grupo restrito de pessoas. É preciso acabar com esse modus operandi (modo de operar; de agir) dos governantes à lá Luís XIV (O Estado sou eu)!

Enfim, no mundo extremamente plural em que nos encontramos contemporaneamente, a dialética se mostra imprescindível para que haja a coexistência de interesses tão antagônicos. Entendemos que os termos independência e harmonia, previstos no art. 2º da Constituição Federal devam ser interpretados no sentido de que não deva haver hierarquia entre os poderes, devendo, cada qual, exercer a sua função de modo que a máquina pública funcione em nome do povo e para o povo, com igualdade no que tange à consecução de direitos e a atribuição de obrigações, pois, conforme o parágrafo único do art. 1º do Diploma Legal Máximo, todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido. Assim, se os poderes Legislativo e Executivo, não cumprem os seus papeis, caberá ao indivíduo reivindicar, no Judiciário, a efetividade da Constituição, pois este diálogo faz parte do processo democrático. Pretendemos aprofundar a temática em textos futuros, visando demonstrar que os poderes Legislativo e Executivo, tal como o poder Judiciário, podem agir arbitrariamente, o que no Estado Democrático de Direito se mostra inadmissível!


6 Referências

BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz; JUNG, Thais Michelle Winkler. Ativismo Judicial e Judicial Self Restraint nas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a “reserva do possível”. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, v. 25, n. 1, p. 23-58, 2012.

BARROSO, Luís Roberto. RETROSPECTIVA 2008 – JUDICIALIZAÇÃO, ATIVISMO E LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 18, abril/maio/junho, 2009. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-18-ABRIL-2009-LUIS%20BARROSO.pdf>. Acesso em: 16 nov. 2014.

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Notas

[1] Trata-se de um suposto paradigma, aludido por Lenio Streck (2013), que vem ganhando vida no cenário jurídico brasileiro, donde tem sido corriqueiro o conhecimento fast-food (instantâneo, ausente de reflexão crítica).

[2] Ressalte-se que o dispositivo constitucional também prevê apenas: homem e mulher. Logo, grande parte da doutrina critica o modo como foi feita essa interpretação conforme a Constituição. A nosso ver tal crítica é equivocada, visto que o próprio princípio diz ser interpretação conforme a Constituição e não apenas conforme um único dispositivo.

[3] Gilmar Ferreira Mendes, O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional, RIL, 162/165.

[4] Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jun-13/senso-incomum-ativismo-existe-ou-imaginacao-alguns>.

[5] Nesse sentido, alude Konrad Hesse que “a Constituição transforma-se em força ativa se existir disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se fizerem presentes, na consciência geral, não só a vontade de poder (WillezurMatcht), mas também a vontade de Constituição (WillezurVerfassung).” (Konrad Hesse. A força normativa da Constituição. Porto Alegre, 1991, p.5).

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Sobre os autores
Hugo Garcez Duarte

Mestre em Direito.

Igor Amaral da Costa

Advogado (OAB/MG 191.820). Pesquisador vinculado à Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Estágio profissional concluído no TJMG (Comarca de Manhuaçu/MG), TRF-1 (Subseção Judiciária de Manhuaçu/MG) e Advocacia Criminal (OAB/MG 51.507-E). Tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Constitucional, Hermenêutica Jurídica e Processo Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE, Hugo Garcez ; COSTA, Igor Amaral. Jurisdição constitucional:: reflexões sobre a judicialização da política e o ativismo judicial no Supremo Tribunal Federal sob a (in)efetividade dos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4723, 6 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48402. Acesso em: 24 abr. 2024.

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