Reserva legal. Colisão entre direito adquirido e meio ambiente ecologicamente equilibrado:

supremacia do interesse público sobre o particular?

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5 A COLISÃO E A PONDERAÇÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Considerando o imenso rol de direitos fundamentais invocados pela Constituição da República Federativa do Brasil, não raro diametralmente opostos, importante que a solução perpetrada seja apresentada intentando a satisfação daquele direito que maior grau de comprometimento exercer, tanto perante à sociedade, como perante o indivíduo que pode, inadvertidamente, acabar sendo tolhido de suas prerrogativas constitucionais.

Nesse sentido, alerta Marmelstein[153], que “as normas constitucionais são potencialmente contraditórias, já que refletem uma diversidade ideológica típica de qualquer Estado Democrático de Direito”, o que somente corrobora o fato de que, em se tratando de uma carta política como a brasileira, em que se procurou resguardar direitos das mais diversas ordens, seria inevitável que, em dado momento, alguns direitos fundamentais, por mais caros que fossem à sociedade, acabassem entrando em “rota de colisão”.

Nesse sentido, a colisão de direitos fundamentais para Canotilho[154], se dá “quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular”.

Diante disso, a doutrina se mostra ávida pela busca de possíveis soluções para o referido entrave. No entanto, ainda não há um critério absoluto a referendar o saneamento das celeumas, ou mesmo, a contemplar a solução dos inúmeros casos apresentados aos tribunais pátrios. Contudo, muitos doutrinadores buscam, incansavelmente, soluções, senão por completo, pelo menos da grande maioria dos impasses instaurados.

Sabe-se que nenhum princípio é absoluto, principalmente porque todos os princípios constitucionais albergados pela Carta Magna são essencialmente importantes para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, estando, portanto, intrinsecamente relacionados, o que oportuniza a imposição de restrições com o escopo de preservar um “sistema de normas harmonicamente relacionadas”[155], consoante preceitua Campos Júnior[156]:

[...] por certo que nenhum desses princípios é absoluto, vez que são princípios constitucionais e, como tais podem ser objeto de restrições, visando a harmonização dos mesmos com outros princípios igualmente consubstanciadores de direitos fundamentais.

Nesse sentido, constatando-se a invocação de um direito adquirido do empresário de não averbar reserva legal sob a alegação de que a imposição decorreu de lei posterior, colidindo com a proteção despendida ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerando-se a relação de precedência condicionada, ainda que todos os princípios constitucionais sejam igualmente relevantes. Segundo Alexy[157] “um dos princípios terá que ceder”, e nesse sentido, não haverá de ceder porquanto não seja passível de permanência no sistema jurídico, mas apenas porque no caso concreto ele se mostra contraditório[158].

Considerando a diversidade de interesses esboçados pela sociedade, bem como que grande parte deles encontra albergue na Carta Magna, tendo em vista o enorme casuísmo que lhe é peculiar, natural que a colisão ocorra deflagrando na grande maioria dos casos, o conflito entre direitos individuais do seu titular em contraposição ao exercício dos interesses e bens jurídicos da comunidade[159], conforme se observa do entendimento de Tolomei[160], ao invocar a existência de “inconstitucional retroatividade” de lei que, “mudando os parâmetros edilícios, determinasse o desfazimento de tudo aquilo que viesse a contrariar os novos parâmetros introduzidos” como, no caso do empresário que invoca direito adquirido de não averbar a reserva legal em sua propriedade, e por outro lado, a necessidade de preservação do meio ambiente que se faz premente, tanto no ambiente rural, quanto no ambiente urbano, conforme entendimento do advogado do Instituto Ambiental do Paraná[161].

Nesta senda, evidencia-se o surgimento de conflitos entre liberdades individuais daqueles que desenvolvem a atividade econômica e entre os direitos coletivos contemplados pelo direito do meio ambiente ecologicamente equilibrado, fator que deflagra uma colisão em sentido amplo envolvendo direitos fundamentais que, têm por escopo a proteção essencial de interesses sociais.           Nesse sentido, a fim de que se possa oferecer uma solução para o caso concreto, as colisões deverão ser analisadas caso a caso, considerando o alto grau de complexidade que lhes imprimem essência[162], senão vejamos:

[...] todas as situações envolvendo o fenômeno da colisão de direitos fundamentais são de complexa solução. Tudo vai depender das informações fornecidas pelo caso concreto e das argumentações apresentadas pelas partes do processo judicial. Daí porque é preciso partir para a ponderação para solucionar esse conflito.

Em se tratando de direitos fundamentais, considerando que serão aplicados conforme o caso concreto, não sofrendo como a regra, a extirpação do sistema em caso de invalidade, não se pode olvidar que, diferentemente desta, a sua análise não deverá ocorrer sob o âmbito da validade, mas sim, pela racionalização amparada no peso que cada qual representa para o caso concreto. Mesmo porque, o exercício de direitos e prerrogativas constitucionais são garantias individuais exercidas por diferentes titulares, sendo, portanto, indispensável a realização do sopesamento para a melhor adequação do direito fundamental que maior precedência demonstrar[163].

Impende esclarecer que haverá conflito efetivo entre direitos fundamentais, quando a esfera de um direito individual for diretamente afetada por outro direito igualmente relevante[164].

Nessa perspectiva, claro está que, em havendo colisão entre princípios que estejam alicerçados pelo mesmo grau de comprometimento social, haverá a instauração da colisão, vez que, diametralmente contrapostos, apresentarão aspectos diferenciados de concretude, seja por visar a solidariedade (direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado), ou então, visar a não averbação de reserva legal em propriedade urbana (direito adquirido do empresário).

Nesse diapasão, ensina Marmelstein[165] que, “no final o Judiciário sopesará esses valores (ponderação) e solucionará o caso com base na proporcionalidade”, de forma que haja a concretização do ideário constitucional, a partir da adoção de uma eventual hierarquia principiológica como mecanismo de solução de conflitos objetivando a unidade de Constituição[166].

Quanto a unidade da Constituição, leciona Canotilho[167], no sentido de que a Constituição se constitui como “unidade hierárquico-normativa”, e que, muito embora as normas constitucionais possam ser sopesadas diante de eventual colisão, dada a adoção do critério hierárquico-normativo, importante que não haja deflagração de óbices à efetivação do ideário constitucional de unidade, evitando-se, assim, a existência de “espaços de tensão” que gerem contradições[168].

Nesse mesmo sentido, há que se ter a devida parcimônia para que não se incorra no risco de prescindir da análise unitária da constituição a partir da tentativa de resolução do conflito entre os direitos fundamentais que, inadvertidamente, podem ser relegados à categoria diversa da qual foram alçados, em virtude de eventual desnaturação ocasionada pela colisão, justamente pela possível fixação de rigorosa hierarquia entre eles, fator este que, certamente, poderia, inclusive, desnaturá-los por completo, o que culminaria com a desconfiguração do “complexo normativo unitário que é a Constituição”[169].

De outra banda, não há que se incluir qualquer cláusula de exceção, ou mesmo invalidar qualquer direito fundamental, o que poderia vir a ocorrer em alguns casos, seria o estabelecimento de precedência condicionada, com base nas circunstâncias do caso concreto[170].

Em que pese restar aparente o conflito existente entre ambos direitos, impende ressaltar que, cada qual visto em apartado, guarda relevância peculiar no ordenamento jurídico, restando claro que, independentemente do conflito que restou deflagrado, cada direito fundamental seja isoladamente considerado, asseverando-se a sua amplitude singular, imprescindível para a composição dos interesses coletivos ou mesmo individuais estabelecidos na sociedade.

Como no caso em apreço, a proposta advém de um possível conflito quando da coexistência entre os supramencionados direitos fundamentais, a indagação se consubstancia na possível ideia do prevalecimento de um dos direitos fundamentais em detrimento de outro, em razão do peso que, invariavelmente, possam possuir diante do caso concreto.

Nesse diapasão, a leitura que se faz, consiste na razão de que um deles poderia constituir-se como mais preponderante, podendo assim, pretender obter “precedência geral sobre o outro”, a partir do momento em que se vislumbrasse o seu prevalecimento, ou ainda, que um deles cedesse para que o outro pudesse subsistir[171], nesse sentido:

[...] de fato, apesar de não existir, do ponto de vista estritamente normativo, hierarquia entre os direitos fundamentais, já que todos estão no mesmo plano jurídico-constitucional (princípio da unidade da constituição), parece inquestionável, sob o aspecto ético/valorativo, a existência de diferentes níveis de importância dos direitos previstos constitucionalmente. Certamente alguns direitos valem mais do que outros, sobretudo diante de conflitos que podem surgir em casos concretos, podendo, nesse aspecto, falar-se em hierarquia axiológica entre as normas constitucionais, incluindo-se aí, obviamente, os direitos fundamentais.[172]

Porém, considerando-se que ambos os direitos constituem-se como corolários do sistema jurídico, um constante do artigo 5º, XXXVI, da CR e o outro do artigo 225, do mesmo diploma legal, difícil saber qual deles exerceria o primado de precedência em face do outro, mesmo porque, vistos isoladamente, conforme o ora mencionado, não apresentam qualquer antagonismo, tampouco invalidade. Assim, buscar-se-á a harmonização entre os dois direitos fundamentais, de forma que seja possível que o direito adquirido do empresário, de não averbação da reserva legal, não inviabilize a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, o qual deverá ser mantido incólume.

5.1 A BREVE, PORÉM, NECESSÁRIA DIFERENCIAÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS

Considerando que se está a falar sobre a colisão e ponderação de princípios constitucionais, faz-se premente uma pequena incursão sobre a diferença entre eles e as regras, mesmo para que se possa justificar a possibilidade de ponderação entre os princípios que se encontram em rota de colisão no presente trabalho.

Inicialmente, cabe determinar o que vem a ser a regra. Esta consiste em relato objetivo, ou mesmo descritivo, acerca de determinada conduta que acaba sendo aplicada à inúmeras situações, sempre que se constate a ocorrência da hipótese enunciada no texto, fato que se dará através do mecanismo da subsunção, sendo, contudo, “insustentável a validade simultânea de regras contraditórias”[173]. Não está abarcada pela regra a possibilidade de aplicá-la pela metade, ou ela é aplicada por inteiro, regulando totalmente a matéria, ou simplesmente é rechaçada, o que fatalmente ocasionará o seu descumprimento, ainda que a função primordial das regras seja a segurança jurídica[174].

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Quanto aos princípios, verifica-se que possuem maior grau de abstração, “permitem o balanceamento de valores e interesses”[175] aplicando-se, irrestritamente, a um conjunto amplo e indeterminado de situações, além de suscitar problemas de validade e peso[176] que serão solucionados através da utilização da técnica da ponderação, que sempre se dará a luz da especificidade do caso concreto, não se permitindo que sejam rechaçadas por antinomia, como no caso das regras. No caso dos princípios, será inevitável a ocorrência de concessões recíprocas, ainda que a intenção seja a preservação do máximo de cada princípio, com vistas à distribuição da justiça para o caso concreto[177].

Por fim, a escolha de um determinado princípio decorrerá da análise que será realizada diante do caso concreto, fato este que se dará através da utilização da técnica da ponderação, decorrente da valoração do conteúdo existente em cada princípio, de modo que um deverá recuar, ainda que tal situação não implique na sua nulidade, ou mesmo na inserção de cláusula de exceção[178].

5.2 ÂMBITO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

No intuito de que haja a convivência harmônica entre os direitos fundamentais, imprescindível que o seu âmbito de proteção seja delimitado, permitindo dizer, que deverão ser preservados de quaisquer ingerências, ou mesmo interferências indevidas.

Desta forma, percebe-se que, conforme leciona Mendes[179], “a identificação precisa do âmbito de proteção de determinado direito fundamental exige um renovado e constante esforço hermenêutico, visando resguardar o âmbito de proteção dos direitos fundamentais”. De igual modo, faz-se imprescindível a persecução quanto à amplitude da proteção de determinado direito, advinda de uma interpretação sistemática, sob à luz da norma constitucional, a fim de que se questione se determinada conduta, ou mesmo suposto comportamento se encontra contemplado sob o provável âmbito de proteção daquele direito[180].

A fim de que se possa assegurar o âmbito de proteção dos direitos individuais, importante que sejam estabelecidas algumas restrições como mecanismos de solução para que os direitos contemplados pela Constituição possam coexistir harmonicamente.

Nesse passo, o princípio geral da reserva legal, insculpido no artigo 5º, II, da Lex Suprema, invoca explicitamente a ideia do estabelecimento de restrições, em que o constituinte originário se serve de expressões que identificam a limitação daquele direito. Não obstante, impende ressaltar que a Constituição de 1988, de igual modo, instituiu a possibilidade do estabelecimento de técnica direta ou técnica de restrição legal, restando assegurado “o exercício pacífico das faculdades eventualmente conflitantes”[181].

Desta feita, considerando-se que, tanto o invocado direito adquirido de não averbar reserva legal, como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado apresentam importante conotação constitucional, será imprescindível que diante de detida análise do caso concreto, verifique-se atentamente o âmbito de proteção de cada direito, com vistas à preservação dos princípios constitucionais para que se mantenha a unidade da constituição.

5.3 A PONDERAÇÃO COMO MECANISMO HÁBIL AO EQUILÍBRIO ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Na tentativa de estabilização da controvérsia entre os direitos fundamentais, Carvalho[182] preceitua que o princípio da proporcionalidade contribui para a ponderação entre os direitos conflitantes, ao consistir em importante “programa de decisão quando se está diante de um conflito entre direitos fundamentais, sobretudo em contextos de incerteza como ocorre nos casos de riscos ambientais”.

Considerando que, para Alexy[183], os princípios estabelecem diversas obrigações que consistem em dever de respeito, proteção e promoção, além do que são “mandamentos de otimização”, ou seja, são “normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes” será importante que a aplicação da técnica da ponderação seja realizada em total observância à efetividade de cada direito que deverá ser analisado à luz das situações fáticas, sempre atreladas às possibilidades jurídicas que o constituem[184]. Para tanto, deverá ser aplicado o princípio da proporcionalidade[185] “que tem por conteúdo os subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito”, de forma a obter-se à ideal consecução dos fins colimados.

Nesse sentido, caberá aos órgãos providos de jurisdição a realização da ponderação dos direitos fundamentais decorrentes dos princípios constitucionais ora invocados, a fim de que não haja violação das garantias previstas na Carta Magna, ainda que “a obrigação que o Estado possui de adotar medidas para proteger o meio ambiente possa resultar em uma possível afronta ao dever de respeitar o direito de propriedade”[186].

Nesta senda, considerando o alto grau de concretização dos direitos fundamentais evidenciados, mesmo porque “não existe princípio que, invariavelmente prepondere sobre os demais, sem que devam ser levadas em conta as situações específicas do caso”[187], far-se-á imprescindível a perscrutação no sentido de avaliar a relevância dos dois direitos fundamentais em colisão, para que se proceda eventual ponderação dos valores constitucionais no sentido de estabelecer, se deverá haver a limitação de algum deles de acordo com a relação de precedência condicionada[188].

Tal fato, além de ser indispensável pelas razões amplamente evidenciadas é perfeitamente aceitável pela doutrina, considerando que, “no caso concreto, em uma relação de precedência condicionada, determinado princípio terá maior relevância que outro, preponderando-se segundo as situações fáticas e jurídicas”[189]. Em tal situação, poderá se falar em ausência de caráter absoluto dos direitos fundamentais, mesmo porque, de acordo com o apregoado por Furlan e Fracalossi[190], “os direitos e garantias individuais e coletivos devem ser relativizados, sob pena de afronta ao próprio Estado de Direito que os sustenta. Este traço de limitabilidade dos direitos fundamentais implica no fato de que estes não podem ser considerados direitos absolutos”.

Ainda que isso possa soar estranho, acaba por admitir restrições recíprocas, de tal sorte que a limitação do campo de extensão de um determinado direito fundamental, decorrerá de razões de “relevante interesse público” conforme entendimento já sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal[191].

Como se sabe, se não houvesse limite para atuação de alguns direitos seria inevitável a instauração de um verdadeiro caos jurídico e social, o que justifica a adoção de técnicas de ponderação, a fim de limitar as liberdades individuais que venham a ameaçar a coexistência de valores constitucionais, uma vez que “não existem princípios constitucionais absolutos ou um princípio constitucional absoluto que, em colisão com outros princípios, preceda independentemente da situação posta”[192].

Assim, para que a ponderação seja adequadamente realizada, deverá haver a determinação abstrata de cada direito fundamental no caso concreto, de modo que seja estabelecida uma relação de precedência condicionada entre os direitos fundamentais, o que poderá ser alterado, uma vez que as condições estatuídas para a precedência momentânea de um sob o outro se modifiquem[193].

Como é notório, inúmeras são as situações em que existem interesses conflitantes além de que, ante a eventual escolha de um dos interesses objeto da celeuma haverá, inevitavelmente a violação de outro bem jurídico, decorrendo de tal fato a premência no sopesamento que acarretará um descumprimento parcial, ou de forma mais gravosa, até mesmo total da norma constitucional, oportunidade em que caberá ao magistrado julgar de acordo com a maior carga axiológica que o princípio demonstrar possuir junto ao caso concreto[194].

Considerando a técnica da ponderação, importante ressaltar que para Alexy, citado por Mendes, a ponderação pode ser realizada em três planos, a saber:

[...] No primeiro, há de se definir a intensidade da intervenção. No segundo, trata-se de saber a importância dos fundamentos justificadores da intervenção. No terceiro plano, então se realiza a ponderação em sentido específico e estrito.

[...] O postulado da proporcionalidade em sentido estrito, pode ser formulado como uma “lei de ponderação” segundo a qual, quanto mais intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental, mais significativos ou relevantes hão de ser os fundamentos justificadores dessa intervenção. (Grifo nosso)

De igual modo, bem expressou-se Alexy[195], quando estatuiu a lei de colisão retratando quatro possibilidades de decisão com a solução de colisões a partir da análise do caso concreto, a saber: (1) P1 P P2; (2) P2 P P1; (3) (P1 P P2) C; (4) (P2 P P1), sendo que as duas primeiras, consistem em relações incondicionadas de precedência e as duas últimas consistem em relações condicionadas de precedência concreta ou relativa.

Sabe-se que as duas primeiras concernem a precedência incondicionada que guarda relação com os princípios constitucionais, que no mais das vezes, não apresentam precedência entre si[196].

Já nas relações de precedência condicionada haverá a preponderância de um direito fundamental sobre o outro, o que, invariavelmente, conduzirá a uma violação, cabendo apenas vislumbrar, no caso concreto, qual direito fundamental está efetivamente sendo violado, bem como qual deverá efetivamente prevalecer.

No caso em apreço, vislumbra-se aparente violação de dois direitos extremamente relevantes, em aparente antagonismo, quais sejam: Direito adquirido do empresário de não averbar a reserva legal, bem como do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado que visa garantir a continuidade da vida no planeta, com a averbação da dita reserva, sob a alegação de que o Código Florestal de 1934 e de 1965, já havia instituído a referida obrigação.

Por tratar-se de dois princípios constitucionais tão caros à efetividade da Lex Suprema, importante seja aplicada a relação de precedência condicionada entre ambos, em que a “metáfora do peso” seria o mecanismo capaz de sanar o impasse.

Assim, diante de um caso em que dois valores efetivamente distintos, se apresentem com maior relevância entre si, diante do caso concreto, a ponto de que, restem inviabilizados de coexistirem por restringirem de plano “as possibilidades jurídicas da realização de outro“, deverá ser aplicada a aludida técnica, posto que se está diante de contradição[197].

Assim a ponderação deverá ocorrer de forma que a supressão, ou mitigação de um deles, não acarrete maiores prejuízos do que benefícios, conforme reza o princípio da proporcionalidade, mesmo porque, sendo a Constituição um “sistema aberto de princípios, articulados não por uma lógica hierárquica estática, mas sim por uma lógica de ponderação proporcional, necessariamente contextualizada”, não poderá permitir que os efeitos alcançados sejam incompatíveis com o estado de coisas que se pretende promover[198].

De acordo com a relação de precedência condicionada, haverá a proibição explícita da continuidade da ação lesiva, sob pena de violação da ordem constitucional, como no “caso Lebach”, relatado do por Alexy[199] que retratou que, ainda que dois princípios constitucionais ocupassem a mesma posição hierárquica, ante o caso concreto, o direito à liberdade de informação não seria mais relevante que a proteção da personalidade, uma vez que esta estava intrinsecamente relacionada ao direito de ressocialização do soldado retratado no caso, direito este que, certamente, restaria abalado, comprometendo, ainda, o direito constitucional da sua personalidade.

Nesse sentido, claro está que, diante do caso concreto, caberá ao julgador analisar todas as situações fáticas, e uma vez restando configurada a existência de relação de preponderância entre valores constitucionais, ou melhor, que reste estabelecida a precedência condicionada, seja avaliado qual dos valores merece preponderar, a partir da valoração axiológica necessária à resolução do impasse.

5.4 A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Em se constatando a existência de um direito adquirido de não averbação de reserva legal, em colisão com um direito do meio ambiente, cuja tutela específica consubstancia-se no entendimento pela averbação da referida reserva que, segundo os defensores de tal tese, seria decorrente do Código Florestal de 1934 e de 1965, faz-se imprescindível lançar mão da técnica da ponderação/sopesamento, a fim de que o impasse possa restar solucionado.

Cabe ressaltar que, ainda que um dos direitos fundamentais não seja preponderante para a decisão diante da análise do caso concreto, em virtude do estabelecimento de uma hierarquia entre os interesses conflitantes, indispensável que a aplicação da medida restritiva de direito fundamental, resguarde, inclusive, o direito mitigado, pois de igual modo encontra-se plasmado na ordem constitucional, no que cabe dizer que será necessário que o núcleo essencial dos direitos fundamentais seja oportunamente protegido para que a aplicação da referida restrição ocorra proporcionalmente.

Nesse sentido, para Mendes[200], no que toca ao “princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso no direito constitucional, envolve, como observado, a apreciação da necessidade e adequação da providência legislativa”.

Acerca de tal concepção, cabe ressaltar que as medidas restritivas deverão ser aplicadas em observância a real adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (ponderação / sopesamento), as quais, de acordo com o caso concreto.

Assim, segundo preleciona Silva[201]

[...] Nesse processo de controle de constitucionalidade da lei, se houver uma restrição a direito fundamental, deve-se recorrer à regra da proporcionalidade, nos moldes analisados anteriormente: ou seja, deve-se indagar se a regra infraconstitucional que restringe um direito fundamental é adequada para fomentar seus objetivos (fomentar a realização de um outro direito fundamental, por exemplo, se não há medida tão eficiente quanto, mas menos restritiva, e, por fim, se há um equilíbrio entre a restrição de um direito e a realização de outro. 

Tais critérios devem sempre ser analisados à luz da medida que se pretende adotar, de forma que seja perscrutada a adequabilidade do meio para a obtenção do resultado augurado (adequação), ou ainda, se o meio foi, dentre todos, o menos oneroso ao alcance da solução colimada (necessidade) e, por fim, se com alcance do benefício, os bens preteridos foram menos importantes do que os que foram efetivamente preservados em razão da limitação estatuída (ponderação)[202].

Diante do conflito relacionado a situação fática, caberá ao Judiciário, “solucionar esses conflitos de maneira menos traumática para o sistema como um todo, de modo que as normas em oposição continuem a conviver, sem a negação de qualquer delas”[203].

A tomada da decisão dependerá, especificamente, de todas as informações encontradiças nos autos e das provas devidamente carreadas pelas partes ao processo judicial[204], que será solucionado com base no princípio da proporcionalidade, o que permite dizer que, ainda que o núcleo essencial de um dos direitos venha a ser atingido, a restrição poderá ser plenamente aceita. Um exemplo de ponderação poderia ser observado quando diante do risco de morte experimentado por uma gestante grávida, a decisão que prevalecesse fosse a de resguardar a vida da mãe em detrimento da vida do feto[205].

Em verdade, diante desse fato, está-se a afirmar mais uma vez que, não há direitos absolutos conforme assegura Marmelstein[206] ao enunciar que “considerar direitos fundamentais como princípios, significa, portanto, aceitar que não há direitos com caráter absoluto, já que eles são passíveis de restrições recíprocas”, mesmo porque, limitações à sua extensão são indispensáveis em um sem-número de casos.

Ou seja, ainda que se esteja a falar sobre um princípio essencial que influencia diretamente na continuidade da vida do planeta, que constitui-se no direito do meio ambiente, mais especificamente através de um dos seus mecanismos de tutela, que consiste na obrigação de averbação de reserva legal de imóveis rurais, deve-se, inicialmente, perquirir se no caso concreto a exigência não seria desproporcional e desarrazoada, se comparada ao bem que se pretende proteger, conquanto, ainda que se esteja a falar na manutenção do meio ambiente, que sempre deverá ser resguardado, de extrema relevância ponderar que, além da existência de um direito adquirido por um terceiro de boa-fé, que obteve a propriedade quando sobre esta não mais recaia obrigação de averbar reserva legal, ainda existe a questão de que os benefícios gerados pela empresa ali implantada, são muito maiores do que os eventuais danos que a ausência de averbação poderia ocasionar. Nesta esteira, importante salientar que a finalidade da vida social é a obtenção de paz, de modo que as normas jurídicas devem ser interpretadas conforme os fins por ela visados[207]. Sendo certo que, o fim da norma 7.803/89, destina-se ao disciplinamento da averbação de reserva legal em imóvel rural, o fato dela estar sendo imposta ao proprietário de imóvel urbano implica na quebra da “harmonia da vida em sociedade”[208] que tornar-se-ia comprometida, uma vez que a exigência perpetrada está recaindo sobre imóvel que não está abarcado pela referida previsão legal, fator este que inviabiliza, inclusive, a segurança jurídica.

Assim, toda a situação deverá ser analisada à luz da valoração e do peso dos bens em colisão, ou melhor, da carga axiológica que cada princípio possui, de modo que a aplicação da técnica da ponderação proporcione o alcance da composição mais adequada para o caso concreto.

Desta forma, quando da realização do cotejamento de valores, será permitido que, excepcionalmente, sejam aplicadas algumas medidas restritivas, ainda que a integridade do princípio mitigado deva ser preservada, principalmente, quando em detrimento do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, haja o prevalecimento do direito adquirido. Sabendo-se que o direito do meio ambiente visa resguardar interesses de uma coletividade que, invariavelmente, depende do seu equilíbrio para a manutenção da sadia qualidade de vida, tanto das presentes, quanto das futuras gerações, será possível que o julgador “harmonize os interesses em jogo através do princípio da concordância prática”[209], de tal sorte que, ao uniformizar os interesses em questão, lance mão da utilização de outros princípios que estão abarcados pelo direito ambiental, dentre os quais, o da sustentabilidade, pois certamente propiciaria a restrição mínima do direito fundamental colidente, considerando que, nesse caso, será possível a “integração harmoniosa dos valores contraditórios”[210].

Considerando que os dois direitos são de extrema relevância, porquanto o direito adquirido é sinônimo de segurança jurídica, e que uma vez ameaçado, colocaria em risco atos regularmente consolidados pela lei, comprometendo as garantias individuais já incorporadas ao patrimônio do seu titular[211], bem como que o direito ao meio ambiente equilibrado é imprescindível para a sadia qualidade de vida, considerando que os recursos naturais não são inesgotáveis e que constituem-se “como prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos”[212], importante que, diante do caso concreto, de acordo com o princípio da ponderação, ainda que se decida pelo direito adquirido da não averbação de reserva legal, seja possível que a atividade empresarial não se desenvolva alheia a esse fato, ou seja, que se observe a necessidade de preservação dos recursos naturais, a fim de que não se tornem escassos ou mesmo insuficientes[213].

A partir dessa premissa, não de pode perder de vista o conteúdo essencial dos direitos fundamentais, já que na visão de Silva[214]

[...]  conteúdo essencial dos direitos fundamentais não pode ser utilizado como mero lugar-comum, um topos argumentativo que apela para a simples intuição do aplicador do direito.

Desta feita, importante que o princípio da proporcionalidade, consoante o amplamente debatido, seja, utilizado de forma que, através dele, seja perpetrada a equalização do sistema, atuando como mais um mecanismo hábil à ponderação e sopesamento de valores de estreme relevância, mesmo porque, uma vez insertos na Carta Política Brasileira, constituem-se como normas de hierarquia superior, e ainda que tenham que ceder perante o caso concreto, continuam tendo a mesma relevância para a estabilização das relações sociais, bem como para a harmonização do sistema.

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Sobre a autora
Debora Cristina de Castro da Rocha

Advogada com grande experiência na área do Direito Imobiliário, tendo atuado na defesa de grandes construtoras do país, possui vários artigos publicados. Palestrante, Colunista no site de notícias YesMarilia, Vice Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Vice Presidente da Comissão de Fiscalização, Ética e Prerrogativas Profissionais da OAB/PR, subseção São José dos Pinhais/PR e membra da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/PR seccional. Especialista em Direito e Processo do Trabalho, Especialista em Direito Constitucional pela ABDConst e Especializanda em Direito Imobiliário Aplicado pela EPD.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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