1. Aspectos Gerais
Endosso é uma palavra de origem latina que significa "no dorso" ou "no verso". Ele pode ser feito em qualquer título de crédito que não preveja restrição à sua prática e deve ser realizado pelo beneficiário do título, uma vez que este pode transmiti-lo.
Em suma, trata-se do ato pelo qual o credor de um título de crédito com cláusula "à ordem" transmite o direito de crédito a outrem. É imprescindível, portanto, que o título não possua a cláusula "não à ordem", pois esta impede a realização do endosso. Vale ressaltar, ainda, que a cláusula "não à ordem" pode ser inserida no ato do endosso, caso o endossante (aquele que endossa) a estipule ao transmitir o título ao endossatário (aquele que se beneficia do endosso). O endosso, portanto, é um meio de circulação cambiário.
De acordo com Fábio Ulhôa Coelho, o endosso pode ser feito de três formas, quais sejam:
A assinatura do credor no verso do título;
A assinatura do credor no verso ou no anverso do título, acompanhada da expressão "pague-se" ou outra equivalente;
A assinatura do credor no verso ou no anverso do título, acompanhada da expressão "pague a fulano" ou outra equivalente.
É evidente, portanto, que o primeiro endossante é sempre o primeiro credor do título de crédito.
Na prática, o ato de endosso não é gratuito. Normalmente, o primeiro beneficiário do título de crédito o transmite visando receber alguma quantia ou utilizá-lo para pagar uma dívida que possua com outra pessoa.
2. Modalidades de endosso
Atualmente, existem duas modalidades de endosso, quais sejam:
Endosso em branco;
Endosso em preto (também chamado de completo).
No endosso em branco, não se identifica a pessoa que receberá o título do endossante, ou seja, o endossatário não é nomeado no ato do endosso. Seu nome deverá ser inserido no título no momento da cobrança. Dessa forma, um título com endosso em branco torna-se um título "ao portador", ou seja, aquele que o apresentar terá o direito creditício sobre ele. Nesse caso, o título é transmitido de mão em mão por meio da tradição.
O endosso em branco gera efeitos significativos, pois, ao ser feito dessa forma, a pessoa que detém o título pode transmiti-lo sem assumir responsabilidade sobre ele, ou seja, não poderá ser cobrada caso o devedor principal não pague. Conforme Fábio Ulhôa Coelho, o portador de um título com endosso em branco tem cinco opções, quais sejam:
Inserir seu nome no endosso para cobrar o crédito;
Inserir o nome de outra pessoa no título, transferindo-lhe o crédito sem assumir responsabilidade cambiária;
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Endossar a letra em preto;
Endossar a letra em branco;
Simplesmente entregar o título a outra pessoa.
Já no chamado endosso em preto, o nome do endossatário é expressamente identificado no título de crédito, ou seja, está determinado quem será o beneficiário do crédito.
3. Tipos de Endosso
3.1. Endosso Próprio – ou “endosso translativo” (artigo 14 da Lei Uniforme)
O endosso translativo transfere a propriedade do título, isto é, o direito de crédito para outra pessoa.
3.2. Endosso Impróprio
Neste tipo de endosso, é colocado na cambial um ato que torna legítima a posse do endossatário, porém, este não se torna credor do título, uma vez que a propriedade não é transferida. O endosso impróprio pode ser dividido em dois tipos, quais sejam:
3.2.1. Endosso-mandato (artigo 18 da Lei Uniforme)
Trata-se do endosso em que o endossatário-mandatário atuará em nome do endossante, sendo seu procurador. Ou seja, a pessoa age em defesa dos interesses do mandante. Neste tipo de endosso, o proprietário do título delega a outra pessoa a tarefa de proceder à cobrança. Isso ocorre, por exemplo, quando o credor não pode comparecer no dia do vencimento para cobrar o pagamento do devedor. Como o título deve ser cobrado na data de seu vencimento, é formalizado, no próprio documento, um ato que nomeia outra pessoa como procurador, chamada, nesse caso, de endossante-mandatário.
Em regra, os efeitos jurídicos desse endosso recaem sobre o proprietário do título, uma vez que o mandatário age em seu nome. No entanto, nos casos de abuso de direito — ou seja, quando o endossante-mandatário extrapola suas atribuições —, ele poderá ser responsabilizado pelos atos ilícitos que cometer. Esse entendimento está consolidado na Súmula 476 do STJ, que dispõe:
“O endossatário de título de crédito por endosso-mandato só responde por danos decorrentes de protesto indevido se extrapolar os poderes de mandatário.”
Vale ressaltar que, na qualidade de procurador, o endossatário-mandatário pode cobrar o título do devedor, protestá-lo em caso de não pagamento, promover ação de execução, pedido de falência ou outras medidas judiciais cabíveis.
Em última análise, o endosso-mandato configura um contrato de prestação de serviços em que o endossatário-mandatário atua em nome do endossante.
3.2.2. Endosso-caução (artigo 19 da Lei Uniforme)
Trata-se do ato pelo qual se institui penhor sobre o título de crédito, transformando-o em uma garantia real. Imagine que A, tomador de uma letra de câmbio, deseja obter um empréstimo junto a B, que exige uma garantia real para concedê-lo. A caução, em si, é uma garantia geral que pode gerar tanto garantias pessoais quanto reais. Como o título de crédito é um bem móvel e possui valor econômico, ele pode ser utilizado como garantia, assim como ocorre no penhor.
Esse tipo de endosso também é conhecido como "endosso penhor", no qual o endossatário assume a posição de credor pignoratício.
Caso a dívida entre o devedor pignoratício e o credor pignoratício não seja quitada na data de vencimento, o credor poderá cobrar o devedor principal do título de crédito. No entanto, se a dívida for paga na data correta, o título deverá ser devolvido ao devedor original.
3.3. Endosso tardio – ou "endosso póstumo" (artigo 20 da Lei Uniforme)
É o endosso realizado após o protesto do título ou após o vencimento do prazo para protesto. Esse tipo de transmissão não configura um verdadeiro endosso, pois tem efeito de "cessão de crédito". Formalmente, é chamado de endosso, mas, na prática, trata-se de uma cessão de crédito, na qual um credor transfere a outro a possibilidade de cobrar uma dívida que lhe era devida. Ou seja, o credor original cede sua posição a um terceiro.
4. Efeitos do Endosso Translativo
Transferência da propriedade do título por meio da tradição;
Geração da "coobrigação", ou seja, quem endossa o título passa a ser devedor, podendo o credor cobrar tanto o devedor principal quanto o endossante, ou ambos.
O endossante pode incluir uma cláusula expressa de "sem garantia", isentando-se de responsabilidade pelo crédito e tornando inviável a cobrança do título contra si.
5. Diferenças entre endosso e Cessão Civil de Créditos
O endosso é um instituto do direito cambiário, enquanto a cessão civil de crédito pertence ao direito das obrigações.
O endossante torna-se coobrigado pelo título, enquanto o cedente na cessão civil não se responsabiliza pela solvência (pagamento do crédito), mas apenas pela existência da obrigação.
No endosso, o devedor não pode alegar exceções pessoais contra o terceiro de boa-fé. Já na cessão civil de crédito, o devedor pode apresentar tais exceções contra o cessionário, caso existam, indicando eventuais defeitos do negócio. Isso ocorre porque, na cessão civil, o crédito acompanha toda a sua circulação, ao passo que o endosso é autônomo.
No endosso, não é necessário notificar o devedor. Já na cessão civil, a notificação é obrigatória, conforme dispõe o artigo 290 do Código Civil de 2002.
Bibliografia
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial - Vol. 1. 18ª edição. Editora Saraiva, 2014.