O Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ) editou recentemente duas resoluções. Em uma delas, proíbe ao médico a realização de partos domiciliares. Na outra, proíbe a presença de parteiras ou de qualquer outra pessoa que não seja profissional de saúde na sala de cirurgia na hora do parto. O caso foi parar no Conselho Federal de Medicina e, claro, na Justiça.
Segundo seus estatutos, os conselhos regionais podem tomar qualquer decisão que não conflite com a Ética Médica ou com a lei. No caso, a decisão do CREMERJ conflita com a lei. De fato, a Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005, altera o Capítulo VII do Sistema Único de Saúde (SUS) disciplinado pela Lei nº 8.080, de 19/9/90, e permite à gestante, na hora do parto, a presença de um acompanhante de sua livre escolha, na sala de parto. Embora a lei se dirija especificamente aos hospitais públicos, a Resolução RDC 36/2008, da ANVISA (item 5.6.1), e a Resolução Normativa 338/2013, da ANS (artigo 22), permitem estendê-la aos hospitais particulares. A parturiente pode decidir que não quer a presença de qualquer parente, mas de outra pessoa de sua confiança. Essa resolução do CREMERJ colide com a lei porque proíbe indiretamente a presença das “doulas” na sala de cirurgia. O trabalho dessas pessoas é reconhecido pelo Ministério do Trabalho.
A “doula” não é uma parteira porque não realiza procedimentos médicos ou paramédicos. É uma acompanhante de pré, durante e pós-parto que empresta apoio físico e emocional à gestante na hora do parto e nos momentos imediatamente seguintes. O termo “doulas” vem do grego antigo. No grego, o ditongo “ou” lê-se “u”. Daí, lê-se “dulas” e não “doulas”. No idioma grego a palavra “doula” significa “escrava” ou “criada doméstica”. O termo “doula” foi usado pela primeira vez pela antropóloga Dana Raphael para identificar mulheres filipinas que ajudavam as novas mães na lactação e nas primeiras semanas de vida do bebê. A profissão é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde — OMS —. No Brasil, as “doulas” têm status de profissionais desde 2003.
Do ponto de vista do Direito do Trabalho, a doula contratada pela mulher para assisti-la nos primeiros dias do nascimento do filho não é empregada doméstica, mas eventual, porque o evento (cuidar de um recém-nascido) é certo e de curta duração. Mas, se uma empresa se especializar no fornecimento desse tipo de mão de obra (por exemplo, uma agência especializada em doulas), as profissionais serão empregadas dessa agência porque a sua(das doulas) atividade se liga à atividade-fim da agência de prestação desse serviço. Recentemente, o Ministério do Trabalho e Emprego —MTE— atualizou a Classificação Brasileira de Ocupações —CBO— (https://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/regulamentacao.jsf) incluindo 60 novas ocupações, elevando a 2.619 o número de profissões regulamentadas. A CBO é utilizada pelo MTE para a preparação da Relação Anual de Informações Sociais —RAIS—; na elaboração do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados — CAGED—; no cálculo e fiscalização dos programas do seguro-desemprego e na formulação de políticas públicas de geração de emprego e renda; na declaração do Imposto de Renda; no cadastramento no INSS; no censo educacional e nas pesquisas do IBGE. Dentre as novas atividades oficialmente reconhecidas estão as doulas.
Mas, nessa questão, os dois lados têm razão.
A primeira coisa a considerar é esta: a doula exerce uma profissão legal e os conselhos regionais de medicina não têm competência para proibir o exercício de nenhuma profissão legalmente reconhecida. A gestante enfrenta no parto um momento crítico de sua vida. Há todo um quadro especialíssimo de inquietação física e psicológica e todo esforço possível para a humanização dessa hora é válido. É compreensível, por esse aspecto, que uma doula que já acompanha a gestante em casa orientando exercícios, respiração, cuidados com o futuro bebê e alimentação e repouso lhe passe segurança e apoio psicológico. Mas o centro clínico de obstetrícia é um feudo sagrado para os médicos. Ali, ele é senhor da vida, e se entende que a presença de uma doula dificulta o seu trabalho, é preciso considerar essa opinião técnica do seu próprio ponto de vista, sem paixão ou partidarismo.
Embora seja indispensável reconhecer que a mulher enfrenta, no momento do parto, a sua realização mais plena e sagrada porque é ali que ela se aproxima do Criador e gera uma nova vida, é também preciso reconhecer que é nesse momento que o médico se aproxima de Deus porque tem nas suas mãos a vida da criadora e a vida da criatura.
No momento do parto, o médico é o senhor da vida e nem mesmo a lei pode dizer o que ele deve ou pode fazer. A lei não decide o destino da vida. É a vida quem decide o destino da lei.