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O poder judiciário e o golpe de Estado de 2016 no Brasil

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4. CONCLUSÃO

O movimento contemporâneo que visa derrubar o governo eleito possui características antijurídicas e transita no espaço obscuro da ilegitimidade popular e da anticonstitucionalidade.

O poder judicial através de alguns de seus órgãos vem atuando de forma omissiva ou ativista partidária. No lugar de tornar eficaz a harmonia entre os poderes e o princípio democrático faz-se presente como agente colaborador da crise política, cujo fim consiste no cometimento de anticonstitucional movimento, nominado de Golpe de Estado para infligir, sob a bandeira do combate da corrupção, novo rumo à economia sob os auspícios dos derrotados nas últimas eleições presidenciais.

Neste passo, conforme se constata, alguns de seus membros, de forma concertada, protegidos pelas garantias constitucionais e processuais, neutralizam seletivamente e voluntariamente oponentes políticos, seja através de entrevistas ou mediante o uso ilegal de procedimento judicial penal, vazamento de dados sigilosos e seleção programada de medidas coercitivas com finalidade política, maculando-se a integridade de investigações e processos em andamento.

Desta convicção, afirma-se que a conduta judicial ofensiva à Constituição interage com um movimento político partidário que almeja decompor ilegitimamente o resultado obtido nas urnas em 2014, sem se ater com a responsabilidade ao princípio fundamental do direito à democracia e ao sistema de governo presidencialista, segundo o qual, inexiste voto de desconfiança ou moção de censura parlamentar.

Forte na esfera política partidária, alguns órgãos do Judiciário não atentam que para a solução da crise brasileira não se deve marcar as decisões judiciais com o Sinete do Golpe, nem prescindir do princípio fundamental da democracia, do direito fundamental ao devido processo legal e da imparcialidade, mas arrimar-se a afinidade e a legitimidade das decisões da soberania popular.

Sugere-se, nessa via, que o Poder Judiciário estabeleça um diálogo institucional com os demais poderes e colabore para a construção de um consenso35 político, cuja prática se facilita desde que sua posição se torne equidistante de arranjos partidários. Nesse feitio da jurisdição dialógica afastam-se formalidades processuais para privilegiar-se a melhor e mais racional solução para os problemas aporéticos, sempre conforme o sistema presidencialista e a soberania popular.

Desta feita, o Poder Judiciário pela jurisdição de harmonização e diálogo tópico-problemática, centraliza-se como agente coordenador da crise e evita o aparecimento de hiato decisional, contribuindo para a manutenção da ordem democrática, no lugar de soçobramento da Constituição, em outras palavras, o Poder Judiciário se reconhece pela Marca Democrática e não pelo Sinete do “Golpe de 2016”.


5. REFERÊNCIAS

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VERMEULE. Adrian. Mechanism of Democracy. Institutional Design Writ Small. New York: Oxford University Press, 2007.


Notas

2 If the President must step down “upon a insufficient proofs and from partisan considerations, the office of the President would be degraded (…), and ever after subordinated to the legislative will”, it would practically have fabric a partisan Congressional autocracy. United States of America. Congressional Record, V. 151, Pt. 6, April 21, 2005 to May 5 2005.

3 “A palavra ‘Estado’ se origina do latim status (estar de pé’, a ideia de uma certa estabilidade de situação).”MELLO, Celso D. Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. vol. 1, 12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, [s.d.], p. 373.

4 A insatisfação desde os dias anteriores à eleição com o provável resultado desfavorável nas eleições presidenciais de 2014 e o imediato debate sobre o impeachment nos dias posteriores ao resultado das urnas macula, originalmente, os movimentos que hoje aderem ao afastamento da candidata eleita pelas urnas. O impeachment transcorre como Golpe de Estado em razão da transposição para o Sistema de Governo Presidencialista um modelo de censura estranho encontrado no Sistema Parlamentar de Governo.

5 Deve-se atentar que a partidarização insere o poder judicial no terreno da paixão, deslegitimando suas decisões, pois gravadas pelo emprego do pathos discursivo, comumente utilizado durante as campanhas eleitorais para o convencimento de eleitores.

6 “Empirismo significa uma posição filosófica que toma a experiência como guia e critério de validade de suas afirmações, sobretudo nos campos da teoria do conhecimento e da filosofia da ciência. O termo é derivado do grego empeiria, significando basicamente uma forma de saber derivado da experiência sensível e de dados acumulados com base nessa experiência, permitindo a realização de fins práticos. O lema do empirismo é a frase de inspiração aristotélica: Nada está no intelecto que não tenha passado antes pelos sentidos. Ou seja, todo conhecimento resulta de uma base empírica, de percepções ou impressões sensíveis sobre o real, elaborando-se e desenvolvendo-se a partir desses dados. Os empiristas rejeitam portanto a noção de ideias inatas ou de um conhecimento anterior à experiência. Ou independente desta.” MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Dos Pré-Socráticos a Wittgenstein. 13 ed. Rio de Janeiro : Zahar, 2007, p. 181.

7 BERMAN, Harold J. Direito e revolução. A formação da tradição jurídica ocidental. Trad. Eduardo Takemi Kataoka. São Leopoldo: UNISINOS, 2006, 684. Apud: PAZ, Otávio. Reflections: Mexico end the United States. The New Yorker, 17 de setembro de 1979, PP 138, 153.

8 Nomear de impeachment e não de Golpe influi no apoiamento da visão judicial-policial e judicial-ministerial. Seus agentes insatisfeitos com o debate ameaçam a cidadania e os cidadãos que os contraditam. A importância terminológica vem sendo tratada por Habermas, in expressis: “as terminologias estão longe de ser inocentes, elas sugerem determinado modo de ver”. HABERMAS, Jurgen. A inclusão do outro. Estudos de teoria Política. Trad. George Sperber, Paulo Astor Soethe e Milton Camargo Mota. 3ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2007, p. 154.

9 Apesar de não se constatar o emprego das Forças Armadas, as quais permanecem disciplinadas e constitucionalmente garantidoras do Estado Democrático de Direito. Órgãos Policiais do Poder Executivo, apresentam indícios de que cumprem cegamente ordens judiciais de duvidosa constitucionalidade. Questão que merecerá futura análise acadêmica sobre a possibilidade ou não do Policial cumprir ordem flagrantemente ilegal, mesmo que oriunda de autoridade judicial.

10 Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias: I – vitaliciedade (...) II – inamovibilidade (...) III – irredutibilidade (...). BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Brasília, 1988. Diário Oficial da União - D.O.U. n. 191-A de 05/10/1988, P.1. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 4 de Abr. 2016.

11 Utopus apoderou-se dela [Abraxa] e deu-lhe o nome [Utopia]. MORUS, Thomas. A Utopia. Trad. Luís de Andrade. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2011, p. 69.

12 Símbolos como o do “combate a corrupção” tão somente promovem o movimento de massas sem a solução do gravíssimo problema concreto da corrupção. Isto porque o símbolo não precisa de interpretação e leva estultos à tomada de posição sem reflexão.

13 ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. Ed. Brasiliense, 1991, p. 27.

14 Os julgamentos contra Sócrates que foi considerado culpado de corromper a juventude de Atenas em 399 aC, e Jesus de Nazaré ainda são usados como exemplos do uso dos meios judiciais para fins políticos. Outros julgamentos políticos famosos são os julgamentos contra Joana D Arc em 1431, Charles I da Inglaterra em 1649 e Louis XVI em 1792. ANDERS, Gerhard. Judicial means and political ends: Transitional justice and political trials. Disponível em: <https://allegralaboratory.net/judicial-means-and-political-ends-transitional-justice-and-political-trials/>. Acesso em: 06 Abr. 2016.

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15 CHRISTENSON, Ronald. A Political Theory of Political Trials, 74 J. Crim. L. & Criminology 547 (1983), p. 583. Disponível em: <https://scholarlycommons.law.northwestern.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=6373&context=jclc>. Acesso em: 04 Abr. de 2016.

16 A politização-partidária da Justiça se torna injustiça. “(…) political justice, which frequently turns into the epitome of injustice (…)”. MAGRATH , C. PETER. Commentary. Political Justice, by Otto Kirchheimer. AUG. 1, 1962. Disponível em: <https://www.commentarymagazine.com/articles/political-justice-by-otto-kirchheimer/>. Acesso em: 4. Abr. 2016.

17 Apoiando-se em Max Weber, Berman afirma que o Direito Carismático é aquele estabelecido pela devoção ao heroísmo ou caráter exemplar de um indivíduo e dos padrões normativos determinados por ele, “inclui-se entre estas pessoas não apenas salvadores, heróis e profetas, mas também mágicos, xamãs e demagogos”. BERMAN, Harold J. Direito e revolução. A formação da tradição jurídica ocidental. Trad. Eduardo Takemi Kataoka. São Leopoldo: UNISINOS, 2006, p. 674.

18 O “Direito de Situação” fazia parte do “decisionismo” de Carl Smitt, teórico do Nacional Socialismo. SÁ, Alexandre Francisco. Poder, Direito e Ordem. Ensaios de Carl Schmitt. Rio de Janeiro: Via Verita, 2012. p. 230/231.

19 Nos vazamentos opta-se pela transparência com violação de normas que prescrevem o sigilo da informação. VERMEULE. Adrian. Mechanism of Democracy. Institutional Design Writ Small. New York: Oxford University Press, 2007, p. 212.

20 Neste sentido, a sabedoria convencional sugere que os movimentos de protesto chamam a atenção da elite interessada na derrubada do governo, enquanto a ausência de protesto orienta a elite no apoio ao regime. CASPER, Brett Allen. TYSON, Scott A. Popular Protest and Elite Coordination in a Coup d’´etat. New York University. Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=2105409> ou <https://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2105409>. Acesso em: 03 Abr. 2016.

21 Protestos populares agregam informações que servem de sinal facilitador para daqueles que pretendem em coordenação cometer o Golpe de Estado. (…) Significa dizer que as elites se utilizam do tamanho do protesto para atualizar a confiança no sucesso do golpe. (…). CASPER, Brett Allen. TYSON, Scott A. Popular Protest and Elite Coordination in a Coup d’´etat. New York University. Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=2105409> ou <https://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2105409>. Acesso em: 03 Abr. 2016.

22 O tema é enfrentado no Direito Comparado, o cometimento de vazamento pode implicar na aplicação de “Contempt penalties” e “criminal punishment” e nulificar julgamentos, mistrials.

23 Constituição Federal: Art. 5. (...) “LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Brasília, 1988. Diário Oficial da União - D.O.U. n. 191-A de 05/10/1988, P.1. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 4 de Abr. 2016.

24 Maia Fresia, personagem de Eco, ao final afirma, peremptoriamente: “se me permite isso me parece, como dizer, uma cafagestada”. ECO, Umberto. Número zero. Trad. Ivone Benedetti. 3 ed. Rio de Janeiro: Record, 2015, p. 62.

25What is publication contempt? On occasion, material is published in a newspaper, on the television, radio, website or social media that risks damaging a trial. Publication in all forms of media is covered by the Contempt of Court Act 1981. Publication may be material that non-journalists publish – often via social media – which spreads from there. Once a suspect has been arrested or civil proceedings have started, the Contempt of Court Act protects them from any publication that may prejudice or hinder the course of justice. For instance, prejudicial material could be information about a suspect’s previous convictions. This information could adversely affect the way a juror deliberates on a case to the extent that their prejudice means the trial cannot proceed. In this example, the material may be in contempt of court and the Law Officers can bring legal action against the people responsible for publishing it.” FindLawUK. Thomson Reuters Copyright. 2015. Disponível em: <https://findlaw.co.uk/law/criminal/criminal_courts/contempt-of-court.html>. Acesso em: 5 Abr. 2016.

26 United Kingdom . Contempt of Court Act 19 81 CHAPTER 49. Disponível:<https://www.legislation.gov.uk/ukpga/1981/49/pdfs/ukpga_19810049_en.pdf>. Acesso em: 5 Abr. 2016.

27 Expressão usada por Silvia Martínez ao tratar da ruptura e isenção exculpante ou justificante ao cumprimento de um dever em face de outro mais valioso. In: CANTÓN, Silvia Martínez. La ponderación en el Estado de Necessidad. Universidade de León: Tésis Doctoralis, 2006, p. 38.

28 “The majoritarian conception of democracy might supose (...) politicians will always be anxious to do what the majority wants." DWORKIN, Ronald. Justice for hedgehogs. Harvard University Press: Cambridge. 2011, p. 397.

29 “Judicial review is a counter-majoritarian force in our system.” BICKEL, Alexander M. The Least Dangerous Branch. - The Supreme Court at the Bar of Politics. 2ª ed. New Haven and London: Yale University Press, 1986, p. 16.

30 “People express more confidence about the fairness of the group consensus than about their individual judgments” (nota 23). SUNSTAIN, Cass. R. Going to extremes. How like minds unite and divide. Ney York : Oxford University Press, 2009, p. 166.

31 PERELMAN, Chaîm. Retóricas. Trad. Maria Ermantina Galvão Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 11/14.

32 Dispõe a Constituição de 1988:a) No Preâmbulo: “Estado Democrático, destinado a assegurar (...) o desenvolvimento, (...) fundada na harmonia social; Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Brasília, 1988. Diário Oficial da União - D.O.U. n. 191-A de 05/10/1988, P.1. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 4 de Abr. 2016.

33 Precisa-se ter em conta que se trata de uma jurisdição constitucional que catapulta o Poder Judiciário (Suprema Corte) momentaneamente e provisoriamente durante o período de crise à posição de supremo Poder político do Estado e se empregada, ordinariamente, durante o período de estabilidade democrática, compromete o princípio democrático que se deseja salvar durante a Crise. Isto porque o ativismo tópico é factual e consequencialista. Por conta disto, a jurisdição tópica serve apenas ao período de crise, dando-lhe mobilidade onde as negociações políticas fracassam e demandam a colaboração apartidária do Poder Judiciário.

34 O Poder Judiciário ocupa um espaço político relevante, sem esta natureza política se inviabilizaria sua autoridade de coordenador junto aos Poderes Legislativo e Executivo.

35 “People express more confidence about the fairness of the group consensus than about their individual judgments” (nota 23). SUNSTAIN, Cass. R. Going to extremes. How like minds unite and divide. Ney York : Oxford University Press, 2009, p. 166.

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Sobre o autor
Alfredo Canellas Guilherme da Silva

Alfredo Canellas Guilherme da Silva. Pós-doutorando em Direito – UERJ. Doutor em Filosofia - UERJ. Mestre em Direito - UGF/RJ. Especialista em Direito - UNESA/RJ. Extensão Universitária em Direito Europeu - Universidade de Burgos (UBA)/Espanha. Bacharel em Filosofia - UERJ. Bacharel em Direito - UVA/RJ. Grupo de pesquisa: Hermenêutica, Direitos Humanos e Dignidade da Pessoa Humana – UERJ. CV: http://lattes.cnpq.br/9610637821059609>. E-mail: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Alfredo Canellas Guilherme. O poder judiciário e o golpe de Estado de 2016 no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4812, 3 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48557. Acesso em: 22 dez. 2024.

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