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Golden shares: implicações e alternativas no direito societário

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13/05/2016 às 16:31

Resumo:


  • A golden share é um mecanismo societário que atribui ao Estado prerrogativas especiais em empresas privatizadas, garantindo a proteção de setores estratégicos.

  • As golden shares têm sido objeto de controvérsia jurídica, especialmente na Europa, onde foram consideradas incompatíveis com as leis da Comunidade Europeia pela European Court of Justice (ECJ).

  • No Brasil, a legalidade das golden shares foi consolidada pela reforma legislativa da Lei das Sociedades Anônimas, que as qualificou como ações preferenciais, e sua aplicação estendeu-se para além das privatizações, sendo usada também em empresas privadas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. Críticas e Bases legais para as Golden Shares no Direito Societário Brasileiro 

As golden shares e os instrumentos similares fizeram-se presentes em várias situações nos cenários brasileiro e internacional, como foi evidenciado no item anterior. A utilização destas sofreu, porém, severas críticas, especialmente quanto a sua adequabilidade aos princípios e regras do Direito Societário. 

Como coloca PELA (2012, pp. 84-85), as alegações de que de que as golden shares violam os princípios do Direito Societário são recorrentes dentre os juristas dos países de tradição jurídica romano-germânica, ao passo que nos países de tradição jurídica anglo-saxã essas alegações são mitigadas pelo princípio da autonomia jurídica privada e estatutária. Embora o enfoque deste capítulo esteja voltado para a situação brasileira, também é valido levantar as discussões realizadas no exterior mas que poderiam ser aplicadas ao sistema jurídico do Brasil. A análise das bases legais das golden shares será organizada, portanto, em respostas às considerações já formuladas pela doutrina e pelo mercado. 

Um dos principais focos nos debates que ocorreram no exterior, neste sentido, é quanto à violação do tipo societário da sociedade anônima. Conforme a doutrina dispõe, o núcleo essencial deste tipo societário é composto por três elementos indispensáveis para a caracterização da sociedade anônima. O primeiro destes é a estruturação do capital da companhia em ações, o segundo é a responsabilidade limitada do sócio, enquanto o terceiro é relativo a divisão do capital social em ações passiveis de transferência. Estes elementos são fundamentais ao passo em que a reunião de todos resulta na primazia da contribuição patrimonial sobre a pessoal. Isto é, a individualização da participação de cada sócio de acordo com os recursos aportados na companhia e a possibilidade de circulação de um título que reúne todos os direito e obrigações atribuídos a este contribuem para uma despersonalização da participação acionária, permitindo que os sócios sejam “substituíveis”, sem prejudicar a identidade da companhia. 

Sabendo destes três elementos, pode-se tratar das críticas endereçadas a compatibilidade das golden shares com o tipo sociedade anônima. 

Uma das primeiras críticas quanto a estes aspectos é voltada para a adequação da divisão acionária aos direitos de voto quando há a presença de uma golden share na base de capital. Ocorre que dentro de várias disciplinas, como a francesa, a italiana e a brasileira, vigora um princípio societário conhecido como o princípio da proporcionalidade (“one share one vote”). A um primeiro olhar, este princípio parece constar como obstáculo para os poderes de veto e deliberação comumente atribuídos as golden shares. PELA (2012, pp. 126-131) demostra, no entanto, que este princípio se aplica apenas entre classes de ações em específico, não sendo aplicado indistintamente a todas as ações de emissão da companhia. Tal afirmação é sustentada, no Direito brasileiro, por força do parágrafo 1º do artigo 109 da Lei 6.404/76, que dita “(...)§1º as ações de cada classe conferirão iguais direito aos seus titulares”. Outros indícios da compatibilidade deste princípio dentro da norma são encontrados dentro dos artigos 16 e 18 da Lei das S.A., que estabelecem, respectivamente, possibilidades de diferenciação nos direitos concedidos às ações ordinárias de companhias fechadas e às ações preferências tanto de companhias abertas quanto de companhias fechadas. 

Resta ainda esclarecer, dentro da análise deste mesmo princípio, que as Golden shares não devem ser confundidas com ações de voto plural, pois não conferem maior número de votos do que as demais ações votantes de emissão da companhia. A diferença que figura aqui é de natureza qualitativa, e não quantitativa. Assim, diz respeito a natureza dos poderes conferidos ao titular. Esta distinção, por sua vez, não viola o princípio da proporcionalidade, pois tem a mesma natureza presente dentro do ordenamento, nos artigos supracitados 

Outra questão debatida ainda dentro do núcleo do tipo jurídico da sociedade anônima diz respeito ao princípio da livre circulação das ações. Esta critica possui três desdobramentos, primeiro quanto a restrição e imposição de limites a participação de novos acionistas nas companhias emitentes das golden shares, segundo quanto a impossibilidade de transferência do próprio título golden share, resultando, por fim, em alegada incompatibilidade com o mercado de valores imobiliários. 

Para responder a tais alegações, cabe recorrer a COMPARATTO (2005, pp. 179-180), que percebeu a diferença entre o direito de transmissibilidade das ações e a prerrogativa de livre transmissibilidade das ações. Enquanto as ações devem possuir a característica da transmissibilidade, está não é uma regra de alcance absoluto, por assim dizer. De fato, é possível encontrar na Lei da S.A. previsão especifica sobre esta questão. De acordo com o artigo 36 da Lei, as companhias fechadas podem modificar seus estatutos para introduzir limites a circulação de seus títulos desde que estes estejam regulados minuciosamente, não impeçam a negociação das ações e não sujeitem o acionista ao arbítrio da companhia ou da maioria dos acionistas. 

Percebe-se, porém, que este artigo estipula esta permissão apenas para sociedades anônimas fechadas. De acordo com PELA (2012, pp. 119-121), em tese, a criação de instrumentos de controle da estrutura acionaria dentro de companhias de capital aberto implica em uma violação do subtipo societário, uma vez que as sociedades anônimas de capital aberto pretendem a utilização do princípio da livre transferência frente a sua integração no mercado de capitais. Os poderes de influir na estruturação societária são, por conseguinte, incompatíveis com o mercado de valores mobiliários. 

Resta ainda a discussão quanto à restrição da circulação aplicada ao próprio título societário da golden share. Este conflito pode ser sanado ao passo em que se desconstroem os motivos para a criação desta clausula de inalienabilidade sobre o título. Como já foi posto anteriormente neste estudo, as golden shares são criadas visando a proteção de um interesse em específico, seja ele o interesse púbico ou nacional dentro de companhias privatizadas, seja a recuperação e preservação da eficiência dentro das companhias sem intervenção estatal direta. Conforme PELA (2012, pp. 123-125) conclui, enquanto existir o interesse que justifica sua emissão, a golden share deve ser considerada válida, ainda porque princípio da livre transferência não se encontra violado nesta característica da ação. Isto porque, cumprindo seu papel específico, a golden share em si não foi criada com o intento de ser comercializada no mercado aberto (mesmo que presente dentro de companhias de capital aberto) e, portanto, não está vinculada ao princípio em seu sentido mais abrangente. 

Uma vez abordadas as principais críticas dentro do conteúdo principiológico, podemos nos voltar para os aspectos relacionados à adequabilidade do instrumento à própria Lei societária. Dentro do Brasil, estas indagações quanto à legalidade destes instrumentos se limitaram às alegações de violação das espécies e classes de ações fixadas na Lei.

A maioria destas críticas surgiu em meio ao cenário de privatização da Companhia Vale do Rio Doce, conforme posto anteriormente, sob o argumento de que as ações de classe especial previstas na legislação que disciplinava o Programa Nacional de Desestatização não se encontravam compatíveis com nenhuma das espécies de ação vigentes na legislação brasileira. 

O art. 15 da Lei n.º 6.404/76 prevê que as companhias podem emitir somente três espécies de ações (ordinárias, preferenciais e de fruição). É vedado às sociedades brasileiras, portanto, emitir ações as quais os direitos não correspondam àqueles garantidos por uma destas espécies previamente estabelecidas na Lei. A questão que se interpunha, portanto, era se os direitos pretendidos pelas golden shares se encontravam dentro deste grupo e, caso assim fosse, a qual espécie de ação, em específico. 

Como a legislação e regulamentação do Programa Nacional de Desestatização não previam sobre qual espécie deveria ser adotada a ação de classe especial, foram criadas tanto ações preferenciais como ordinárias de classe especial. Para sanar esta crítica, como foi posto anteriormente, o legislativo incluiu na reforma promovida pela Lei 10.303/2001 a previsão estipulada no §7º do Art. 17 da Lei das S/A, fixando os instrumentos como classe de ações preferenciais. Cabe porém notar, como defende PELA (2012, pp. 147-164), que os direitos conferidos pelas ações de classe especial também podem ser estabelecidos através da utilização das vantagens políticas estabelecidas pelos artigos 16 e 18 às ações ordinárias e preferenciais.

Segundo o artigo 16 da Lei n.º 6.404/76, as ações ordinárias de companhias fechadas podem ser de classes diversas, em função de (i) conversibilidade em ações preferenciais; (ii) exigência de nacionalidade brasileira do acionista; ou (iii) direito de voto em separado para o preenchimento de determinados órgãos administrativos. Conforme a exposição de motivos da Lei, o dispositivo foi criado para permitir a composição ou conciliação de interesse e proteção eficaz de condições acordadas” nas “associações de diversas sociedades em empreendimento comum (joint venture)”. Pode-se identificar coincidências entre um dos poderes garantidos por golden shares e aqueles previstos para a ação ordinária de classe especial. 

Conforme a previsão do artigo, é garantido a estas ações o direito de eleger determinados membros do Conselho de Administração ou Diretores. Como a Lei não estipula limite, em tese este direito poderia inclusive garantir a premissa de eleger a maioria dos membros do órgão, conforme analogia desenvolvia por PELA (2012, p. 147). Note-se que o artigo 16 apenas atende às companhias fechadas, deixando de assegurar às companhias abertas o direito de emitir ações ordinárias com tais possibilidades. 

O artigo 18 da Lei n.º 6.404/76, por sua vez, encerra as vantagens políticas das ações preferenciais, assegurando-lhes os direitos de: (i) eleição, em separado, de um ou mais membros dos órgãos de administração; e (ii) aprovação, em assembleia geral, de alterações estatutárias. Constata-se assim, perfeita coincidência entre os direitos políticos atribuídos a ações preferencias e aqueles que caracterizam as golden shares, como observa PELA (2012, p.155) 

Pode-se concluir, portanto, pela legalidade da adoção de ações de classe especial a que sejam ensejados os direitos estipulados pelos artigos 16 e 18 da Lei das S/A. A aplicabilidade desta não fica, dessa maneira, restringida a companhias privatizadas, podendo ser apreciada por companhias que sempre pertenceram exclusivamente ao âmbito privado da mesma maneira. 

Uma vez visitados os pressupostos legais, pode-se prosseguir agora para a uma análise dos casos jurisprudências, uma vez que os aspectos jurídicos que serão expostos já foram introduzidos e poderão ser priorizados na avaliação. 


5. Análise jurisprudencial 

Haja vista a origem das golden shares no cenário europeu e tendo vários Estados- membros da Comunidade Européia adotado o mecanismo de intervenção estatal, a Comissão da Comunidade Européia se encontrou particularmente envolvida na questão. Postas as liberdades de livre circulação dos capitais e do livre estabelecimento, previstas dento dos artigos 56 e 43 do Tratado de Instituição da Comunidade Européia, criou-se um cenário para a atuação da Corte de Justiça da Comunidade Européia. 

Há de se notar, entretanto, que a Comissão entendeu que algumas circunstâncias justificariam uma limitação excepcional a estes princípios. Conforme disposto em seu Comunicado referente a “determinados aspectos jurídicos dos investimentos intracomunitários”, podem ser aplicadas restrições discriminatórias (dirigidas a apenas a nacionais de outros membros da União Europeia) quando se tratar de: (i) atividade onde há o exercício de autoridade pública pelo Estado-membro que a impôs; (ii) estiver relacionada a políticas públicas, segurança ou saúde pública; ou (iii) constituir uma medida adequada e necessária para assegurar a quanto proteção dos interesses públicos, de forma que não haja outro mecanismo capaz de atingir os mesmos resultados com menor limitação aos princípios da liberdade de circulação de capitais e liberdade de estabelecimento. 

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Quanto às restrições não discriminatórias (aplicadas indistintamente a nacionais de qualquer Estado-membro), estas poderiam ser admitidas se: (i) realmente forem aplicadas de forma não discriminatória, e não apenas previstas como tais; (ii) fundarem-se em razões de interesse geral; (iii) representarem medida adequada ao alcance do objetivo por elas visado; e (iv) não excederem o que seria necessário para atingir esse objetivo. 

Estas considerações são de suma importância para a análise jurisprudencial, pois tiveram impacto relevante nas decisões da Corte de Justiça da União Europeia quanto aos processos instaurados contra os Estados-membros que adotaram o mecanismo. 

O primeiro desses processos teve como partes a Comissão da Comunidade Europeia e a República da Itália. Figurando sobre o número de número C-58/9937, o processo analisou os poteri speciali detidos pelo Estado italiano no capital da ENI s.p.a. e Telecom Italia s.p.a., nos termos da legislação italiana (mais especificamente, os arts. 1 e 2 do Decreto-Lei n. 332, de 31 de maio de 1994, modificado pela lei n. 474, de 30 de julho de 1994). Ao final do processo, a Corte de Justiça, condenou a República italiana pelo descumprimento de suas obrigações no âmbito da União Européia. 

Seguiram-se outros processos, abertos contra Portugal (C-367/9838), França (C-483/9939) e Bélgica (C-503/993840). O processo instaurado contra Portugal dizia respeito aos poderes reservados ao estado no âmbito do programa de privatizações implementado pela lei n.° 11/90 e pelos Decretos-lei n.º 380/93 e n.º 65/99. O processo instaurado contra a França recaía especificamente sobre a action spécifique detida pelo Estado francês no capital social da Société Nationale Elf-Aquitaine, cujos poderes estavam previstos no decreto n.° 93.1298. Por fim, o processo aberto contra o Reino da Bélgica tinha por objeto as prerrogativas conferidas ao estado no âmbito de duas companhias: Société Nationale de Transport par Canalisations e Distrigaz. 

Diante da semelhança existente entre esses três casos, o advogado-geral da Comunidade Europeia, Ruiz-Jarabo Colomer, proferiu parecer conjunto, em 03 de julho de 2001. Nesse parecer, o advogado-geral qualificou como discriminatória e, portanto, contrária aos princípios da livre circulação de capitais e da liberdade de estabelecimento a proibição prevista na legislação portuguesa de aquisição, por parte de investidores oriundos de estados-membros diversos de Portugal, de mais de determinado número de ações de emissão de companhias portuguesas. As restrições previstas nas demais normas eram, para o advogado-geral, não-discriminatórias e compatíveis com o Direito comunitário europeu. Com essas considerações, o parecer opinava pela condenação da República portuguesa por descumprimento de suas obrigações comunitárias e pela improcedência das pretensões apresentadas pela Comissão relativas às restrições não-discriminatórias existentes na legislação de Portugal, França e Bélgica. 

Apesar de tais razões, a Corte de Justiça da Comunidade Europeia não acolheu integralmente o aludido parecer. Em sentenças proferidas em 04 de junho de 2002, a Corte condenou as Repúblicas de Portugal e da França por violação do tratado de instituição da Comunidade Europeia. O caso C-503/99, instaurado contra a Bélgica, foi o único em que o pedido da Comissão foi considerado improcedente. Segundo a Corte de Justiça, os poderes concedidos ao estado no âmbito da Société Nationale de Transport par Canalisations e Distrigaz eram necessários e adequados à proteção do interesse público, representado pela preservação das reservas e do fornecimento de gás natural em eventual crise. 

Estes três julgados, com destaque para aquele proferido no processo instaurado contra a Bélgica, constituíram importantes precedentes na jurisprudência da Corte de Justiça da Comunidade Europeia. A eles, seguiram-se os processos instaurados contra a Espanha (C- 463/0041) e contra o Reino Unido (C-98/0142).  

O processo C-463/00 pretendia analisar a compatibilidade, do assim tido “sistema de prévia aprovação administrativa”, criado na Espanha, com o Direito Comunitário Europeu. Segundo a legislação espanhola as companhias com participação estatal superior a 25% do capital social cujas atividades estivessem vinculadas à consecução do interesse público, estavam sujeitas a realização de certos atos à autorização administrativa. O processo observava a aplicação destes poderes na Repsol SA, Telefónica de España SA, Telefónica Servicios Móviles SA, Corporación Bancaria de España SA, Tabacalera SA e Endesa SA. 

No caso, a Corte inicialmente considerou que inexistiam justificativas de interesse geral para a manutenção do sistema de prévia aprovação administrativa nas sociedades Tabacalera SA e Corporación Bancaria de España SA. Quanto às demais companhias, embora tenha reconhecido a presença de interesses públicos estratégicos, a Corte entendeu, com base nos julgamentos precedentes, que o procedimento previsto para exercício dos poderes estatais concedia às autoridades administrativas excessiva margem de discricionariedade, pois prescindia de critérios claros e amplamente divulgados. 

O processo C-98/01 recaía sobre a special redeemable share detida pelo Reino Unido no capital social da British Airport Authority plc. A Corte de Justiça concluiu, em seu julgado, que a atribuição ao Estado das prerrogativas representadas pela special redeemable share importava limitação ao princípio da liberdade de circulação de capitais e ao princípio da liberdade de estabelecimento. Em virtude da decisão da Corte de Justiça, a special share emitida pela British Airport Authority foi cancelada em julho de 2004. 

Outro caso de suma importância para a jurisprudência europeia é o caso C-112/0544, que procurou averiguar a compatibilidade de determinados dispositivos da legislação alemã que disciplinou a privatização da Volkswagen AG com o Direito Comunitário Europeu. Segundo os mecanismos utilizados, ficavam garantidas: (i) a limitação os direitos de voto de cada acionista a 20% do capital social da companhia; (ii) a premissa da República Alemã e o Estado da Baixa Saxônia poderem indicar, individualmente, 2 membros do Conselho da companhia; e (iii) a elevação do quórum de deliberação da Assembleia Geral da companhia para 80%. Em 2007 a Corte se manifestou, proferindo decisão desfavorável a Alemanha. 

Como foi exposto, a jurisprudência europeia construiu forte entendimento quanto a improcedência das golden shares quando confrontadas com os princípios do Direito Comunitário Europeu. Dentro do Brasil, porém, outros aspectos foram contestados nas ações judiciais relativas às ações de classe especial. 

O processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce foi especialmente conturbado, estando acompanhado por intensos debates, incluindo sobre a criação de ações de classe especial dentro da própria Companhia e da Sociedade adquirente. Quanto a estas discussões, duas ações judiciais podem ilustrar mais apropriadamente seu teor. Trata-se da ação popular com pedido de medida liminar ajuizada em 22 de abril de 1997 contra o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, e da ação direta de inconstitucionalidade com pedido de liminar n. 1.597-4, proposta perante o Supremo tribunal Federal em 30 de abril de 1997. 

A ação popular, processada sob n.° 1997.39.00.12696-8 perante a 1ª Vara da Justiça Federal do Pará, pleiteava, em caráter liminar, a não realização do leilão de venda das ações da Companhia Vale do Rio Doce, e, em caráter definitivo, a anulação de todo processo de privatização da companhia. De acordo com as razões aduzidas na respectiva petição inicial, tal processo estaria eivado de vícios e ilegalidades insanáveis, dentre as quais a incompatibilidade com o direito societário brasileiro da ação de classe especial que se pretendia atribuir ao estado. 

Em sua contestação, o Banco nacional de Desenvolvimento econômico e Social - BNDES alegou que a ação de classe especial encontrava fundamento no art. 8 da Lei n.º 8.031/90 e não conflitava com a lei acionária brasileira. A medida liminar, embora inicialmente concedida, foi cassada pelo Superior Tribunal de Justiça. A sentença foi proferida pelo juízo monocrático em 2001 e decretou a extinção do processo sem julgamento do mérito, ante o entendimento de que houve perda do objeto e consequente carência de interesse processual.

A ação direta de inconstitucionalidade com pedido de liminar n.º 1.597-4 foi proposta pelo Partido dos trabalhadores – PT em conjunto o Partido Socialista Brasileiro - PSB e com o Partido Democrático Trabalhista – PDT perante o Supremo Tribunal Federal em abril de 1997. Nessa ação, questionou-se a constitucionalidade – e, indevidamente, a legalidade – de medida Provisória que atribuiu nova redação ao art. 13 da lei n.º 8.013/90 e dos arts. 39 e 43 do Decreto n.º 1.204/94. A respeito desse último dispositivo, alegou-se na petição inicial que a ação de classe especial nele prevista não se subsumia às espécies de ações tipificadas na lei acionária brasileira e, por essa razão, estaria caracterizada a violação ao princípio da legalidade inscrito no art. 5, II da Constituição Federal.

Em julgamento ao pedido liminar dessa ação, em 19 de novembro de 1997, os ministros do Supremo Tribunal Federal, reunidos em sessão plenária, decidiram por unanimidade de votos em não conhecer a pretensão relativa ao art. 43. Entenderam os ministros, em síntese, que: (i) a ação de classe especial já estava prevista no art. 8º da lei n.º 8.031/90 e, portanto, não foi introduzida no ordenamento brasileiro por normas regulamentares; (ii) nesse sentido, não houve qualquer violação ao princípio constitucional da legalidade; (iii) a alegada incompatibilidade da ação de classe especial com os preceitos da lei n.º 6.404/76 não deveria ser apreciada em ação direta de constitucionalidade. Os demais pedidos veiculados pela ação foram conhecidos e providos parcialmente no julgamento da medida liminar. O processo ainda tramita perante o Supremo tribunal Federal. 

Percebe-se aqui, comparadas as jurisprudências europeia e brasileira, que as motivações para a contestação da legalidade das golden shares tem uma fundamentação muito mais sólida dentro do contexto da Comunidade Europeia. Isto porque, enquanto existem os impedimentos impostos pelos princípios intra-comunitários na Europa, no Brasil há apenas a contestação quanto ao cerne das fundamentações legais das golden shares. Uma vez que houve uma reforma legislativa para sanar qualquer conflito a este respeito, pode considerar-se este debate como assentado no entendimento da jurisdição brasileira. 

Conquanto muitas das dissidências em relação as golden shares encontrem-se superadas, há de se considerar que existem outras opções para se alcançar os fins pretendidos por elas. É oportuno averiguar estas possibilidades para tomar conhecimento da complexidade do direito societário, assim como da riqueza de instrumentos e opções disponíveis para atender as necessidades do mercado. 

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Sobre o autor
Felipe Mattos Leal Dias

Bacharelando da Universidade de Brasília (UnB).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Felipe Mattos Leal. Golden shares: implicações e alternativas no direito societário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4699, 13 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48748. Acesso em: 22 dez. 2024.

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