Inaugurada a vigente ordem constitucional e atentando-se para o crescente movimento de proteção ao meio ambiente, o qual passou a ter notoriedade internacional, desde a Convenção de Estocolmo de 1972, o constituinte originário de 88 elegeu o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado como direito fundamental do homem, trazendo a seguinte normatização:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
A responsabilidade civil em matéria ambiental é de natureza objetiva, na modalidade risco integral, sendo, portanto, irrelevante analisar o elemento subjetivo do poluidor, bem como a licitude ou não da atividade causadora do dano. Nesse sentido, preceitua o § 1º, do art. 14, da Lei nº 6.938/81:
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Dessa forma, é irrelevante a existência ou não de vontade, por parte do agente, de causar o dano, ou mesmo da negligência, imprudência ou imperícia na sua atuação. Assim, aplica-se, nos casos de dano ambiental, a teoria do risco integral, por meio do qual a responsabilidade objetiva é agravada, ante a inexistência de hipóteses excludentes do nexo causal.
Esse é o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, manifestado, inclusive, sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC):
(…) c) Inviabilidade de alegação de culpa exclusiva de terceiro, ante a responsabilidade objetiva. - A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente em causa, como excludente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor pagador. (...)
(REsp 1114398/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/02/2012, DJe 16/02/2012).
Assim, caso ao realizar obras para implantação de rede de energia elétrica no interior e no entorno de uma unidade de conservação de proteção integral, inclusive com a supressão de vegetação nativa, sem a autorização dos órgãos ambientais competentes, a concessionária de serviço público causou dano ambiental de natureza grave à unidade de conservação de proteção integral mantida pela União, ela deve ser responsabilizada civilmente por tal ato.
Vê-se, portanto, que a empresa deve responder pelo dano causado ao meio ambiente com base na teoria da responsabilidade civil objetiva, adotando-se a sua modalidade prevista na teoria do risco integral, não havendo que se perquirir o porquê de o dano ter sido causado.
Dessa forma, com base no princípio do poluidor-pagador, previsto no art. 4°, VII, da Lei 6.938/81, a ré deve reparar o dano ambiental causado, devendo, no que for possível, recuperar a área, sobretudo através do reflorestamento do que fora desmatado, bem como vistoriá-la, a fim de que a regeneração da área não seja interrompida pela ação de terceiros.
Ora, sabe-se que o dano ambiental consiste na degradação do equilíbrio ecológico, sendo duas as formas de reparação: o retorno ao status quo ante e a indenização em dinheiro. A modalidade ideal é a reconstituição ou recuperação do meio ambiente lesado, cessando-se a atividade lesiva e revertendo-se a degradação. Entretanto, quando a reconstituição não seja viável, fática ou tecnicamente, admite-se a indenização em dinheiro.
Desse modo, tem-se a inequívoca conclusão de que os prejuízos ambientais decorrentes da conduta da companhia energética devem ser reparados através de um plano de recuperação da área, não só para que haja o retorno às condições prévias ao dano, mas também para que se atinja a evolução ambiental que se teria atualmente.
Importante ressaltar que não são possíveis a retirada e a desinstalação da rede elétrica, uma vez que tal serviço público mostra-se necessário para atender às famílias residentes no interior da unidade de conservação, ainda que seu processo de regularização fundiária não tenha sido concluído.
Ademais, diante da grande relevância ecológica e turística da área degradada e do grave dano causado ao meio ambiente, entende-se que a coletividade, por ter tido violado o seu inestimável direito difuso ao meio ambiente sadio e equilibrado, sofre também dano moral.
Com efeito, se por um lado a Companhia Energética atuou comissivamente de modo a degradar o bem ambiental referente àquela unidade de conservação, o IBAMA e o ICMBio, por sua vez, omitiram-se no dever de fiscalizar e evitar a ocorrência do dano.
Vê-se, que a omissão do IBAMA e ICMBio foi também causadora do dano ambiental, uma vez que foram inertes quando deveriam agir de modo a evitá-lo e/ou mitigá-lo. Não houve, por parte dos órgãos ambientais, a adoção de qualquer medida apta à paralisação da causação de danos no decorrer das obras de instalação da rede elétrica no interior da unidade de conservação. Não foi adotada, também, nenhuma medida administrativa para compelir a empresa poluidora a recuperar as áreas degradas.
Trata-se, portanto, sob tal perspectiva, de uma demanda que objetiva a imposição de obrigações de fazer, decorrentes das falhas constatadas na atuação dos entes públicos incumbidos da tutela da higidez ambiental.
Ignorando solenemente o dano ambiental causado, o IBAMA e o ICMBio deixaram de tomar qualquer medida inserida no âmbito de seu poder de polícia ambiental, bem como deixaram de agir de ofício, como deveriam, para impedir ou ao menos mitigar os expressivos danos ambientais causados à unidade de conservação instituída pela União.
O poder público, ao criar uma unidade de conservação, sobretudo sendo esta de proteção integral, como ocorre no presente caso, torna-se corresponsável pela fiscalização e manutenção das suas condições de funcionamento. Com efeito, a inércia do Estado quando deveria agir para evitar o dano ao meio ambiente ou mesmo a sua atuação deficiente, contribui para o dano ambiental, ainda que de forma indireta, o que enseja sua responsabilidade solidária juntamente com o agente poluidor.
Nesse mesmo sentido, manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça:
A questão em causa diz respeito à responsabilização do Estado por danos ambientais causados pela invasão e construção, por particular, em unidade de conservação (parque estadual). A Turma entendeu haver responsabilidade solidária do Estado quando, devendo agir para evitar o dano ambiental, mantém-se inerte ou atua de forma deficiente. A responsabilização decorre da omissão ilícita, a exemplo da falta de fiscalização e de adoção de outras medidas preventivas inerentes ao poder de polícia, as quais, ao menos indiretamente, contribuem para provocar o dano, até porque o poder de polícia ambiental não se exaure com o embargo à obra, como ocorreu no caso. Há que ponderar, entretanto, que essa cláusula de solidariedade não pode implicar benefício para o particular que causou a degradação ambiental com sua ação, em detrimento do erário. Assim, sem prejuízo da responsabilidade solidária, deve o Estado – que não provocou diretamente o dano nem obteve proveito com sua omissão – buscar o ressarcimento dos valores despendidos do responsável direto, evitando, com isso, injusta oneração da sociedade. Com esses fundamentos, deu-se provimento ao recurso. Precedentes citados: AgRg no Ag 973.577-SP, DJ 19/12/2008; REsp 604.725-PR, DJ 22/8/2005; AgRg no Ag 822.764-MG, DJ 2/8/2007, e REsp 647.493-SC, DJ 22/10/2007. REsp 1.071.741-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 24/3/2009.
Ou seja, a inércia do órgão que deveria ser o gestor da unidade de conservação de proteção integral, além de não evitar a ocorrência do dano, tornou mais dificultosa a sua reparação, visto que o grande lapso temporal decorrido desde a atuação danosa permitiu que danos ambientais causados se consolidassem.
Instalado este estado de completa omissão estatal, necessária é a tutela jurisdicional para obrigar entes da administração a fazer o que deveriam fazer oficiosamente.
Assim, a ilícita conduta é consubstanciada na omissão das autarquias ambientais em fazer aquilo que o ordenamento jurídico lhes obriga a fazer para impedir a causação de um dano ambiental. Por fim, reiteramos que a concorrência de tais omissões permitiu que os danos ambientais fossem causados.