Resumo:O assédio moral atualmente atinge expressivo número de trabalhadores por todo o mundo, violando direitos e causando danos que não se restringem ao âmbito material, alcançando também o patrimônio personalíssimo dos assediados. Assim, considerando a função econômica do trabalho para o desenvolvimento nacional, seu valor social e relevância para a promoção da dignidade dos trabalhadores e de seus dependentes, por meio deste estudo, desenvolvido de forma transversal e descritiva, revisando a literatura especializada, analisa-se a aplicabilidade do instituto da responsabilidade civil ao assédio moral nas relações laborais, bem como as consequências, na esfera penal, pelas práticas que compõem o mobbing, com a finalidade precípua de contribuir para o combate e prevenção dessa violência.
Palavras-chave: Assédio moral no trabalho. Crimes contra a honra. Responsabilidade civil.
Sumário: Introdução; 1 Considerações acerca do assédio moral no trabalho; 2 Bullying no trabalho e os direitos fundamentais do trabalhador; 3 Dano e reparação: A responsabilidade civil pelo assédio moral nas relações laborais; 4 O mobbing e suas implicações jurídico-penais; 4.1 Efeitos da sentença penal condenatória quanto ao dever de reparar os danos; Considerações Finais; Referências.
INTRODUÇÃO
O assédio moral nas relações trabalhistas, também denominado como mobbing, bullying no trabalho ou, ainda, harcèlement laboral, entre outras expressões, consiste numa grave violência que atinge a direitos e gera danos morais e patrimoniais ao trabalhador, fazendo, conseguintemente, surgir a pretensão de reparação pelos prejuízos injustamente suportados pelo assediado, a qual deve se processar através das normas materiais e instrumentais que compõem o instituto da responsabilidade civil, a fim de que se restabeleça, o quanto possível, o status quo ante injustamente violado.
Dessarte, neste trabalho, baseando-se nos ensinamentos do direito do trabalho sobre o tema abordado e em consonância com as disposições constitucionais pertinentes ao objeto estudado, analisam-se os aspectos concernentes à responsabilidade civil pelo mobbing, destacando, por meio de estudos da legislação, da jurisprudência e de ensinamentos doutrinários, a(s) modalidade(s) de reparação cível cabíveis a depender da maneira como o fenômeno ocorre, a competência para processamento e julgamento, bem como os possíveis efeitos da sentença penal sobre a instância cível e trabalhista.
Além disso, pela projeção das consequências danosas e do interesse público em punir, combater e coibir e punir condutas de maior reprovabilidade ético-social, traça-se, neste artigo científico, uma análise concernente à responsabilidade penal do assediador, analisando as implicações penais que o assédio moral no trabalho pode acarretar, tendo em vista a função preventiva e repressiva do direito penal e as repercussões da sentença penal condenatória no dever de reparar os danos na seara civil e trabalhista.
Desenvolveu-se esta pesquisa através de uma metodologia qualitativa, a qual se caracteriza pelo entendimento detalhado de situações e significados, em que há o interesse em buscar o lado subjetivo do fenômeno e valorizar as palavras, pois estas se transformarão em dados relevantes sobre o tema a ser estudado, quando se deseja avaliar a complexidade da realidade; possibilitando, conseguintemente, que o investigador confirme ou despreze (DESLANDES; GOMES; MNAYO, 2007).
Este trabalho expõe os resultados finais de um estudo transversal, descritivo e do tipo revisão de literatura, visto que se se utilizará, como base teórica, livros e doutrinas que tratem do objeto a ser estudado, além da jurisprudência dos tribunais.
1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO
O assédio moral no âmbito laboral pode ser entendido como a exposição dos trabalhadores a humilhações e constrangimentos, com caráter reiterado, que ocorre, sobretudo, no período em que o trabalhador exerce seu mister, ocorrendo, de forma mais costumeira, nas relações de caráter vertical, marcadas por dois elementos: hierarquia e autoritarismo; nessas relações, predominam condutas que ferem princípios éticos e caros valores humanos, de um ou mais superiores hierárquicos, dirigidas a um ou mais subordinados, deteriorando as relações da vítima no ambiente de trabalho e com a empresa, prejudica, pois, a vítima amplamente, embaraçando sua integração profissional na empresa, a fim de forçá-la uma desistência de suas funções (BARRETO, 2003).
Define-se assédio como a conduta reiterada seguida pelo sujeito ativo no sentido desgastar o equilíbrio emocional do sujeito passivo, por meio de atos, palavras, gestos e silêncios significativos que visem ao enfraquecimento e diminuição da autoestima da vítima ou a outra forma de tensão ou desequilíbrio emocionais graves. No âmbito empregatício o assédio moral tende a ocorrer de maneira vertical no sentido descendente – das chefias em direção a chefiado(s) –, ou também no sentido horizontal, oriundo de colegas em direção a outros(as) colegas. Não é tão comum, entretanto, o assédio moral ascendente – embora, é claro, possa ocorrer – qual seja, de chefiado(s) em direção à(s) chefia(s) (DELGADO, 2012, p. 645).
Conforme Silva (2005), assédio moral e o assédio sexual não se confundem, para que haja assédio moral a conduta ofensiva deve constituir um processo repetitivo, habitual, prolongado no tempo, de violências ao patrimônio moral do trabalhador, já para o assédio sexual, é suficiente uma única conduta que caracterize tal prática; também, o constrangimento, típico do assédio moral, tem como escopo depreciar a vítima, conduzindo-a a um total desequilíbrio, em especial, no ambiente de trabalho, já o assédio sexual, consiste em investidas de natureza libidinosa, as quais ferem frontalmente os direitos da personalidade do trabalhador; além disso, no assédio moral, os vitupérios e demais agressões são, geralmente, sistematizadas e interligadas e se processam de forma sutil, quase imperceptível por outros agentes do meio laboral, já o assédio sexual, se traduz por condutas mais ousadas, facilmente percebidas por terceiros no ambiente de trabalho, o que, também, aumenta o ultraje sofrido pelo assediado.
Ademais, o fim precípuo do assédio moral é provocar danos, ou pressão irresistível ao trabalhador, para forçá-lo a se demitir, ou ainda, satisfazendo um desejo sádico, o agressor promove a violência para ter o prazer em provocar o sofrimento de terceiro, subjugando-o ao seu domínio, no assédio sexual, objetiva-se – em especial, fomentando o medo da vítima de sofrer prejuízos profissionais – que o alvo das investidas ceda às imorais pretensões sexuais o assediador (SILVA, 2005).
Faz-se importe destacar que o assédio moral pode advir de um assédio sexual que teve seu fim inalcançado. Tal fato ocorre, em muitas das vezes, quando a vítima recusa veementemente as propostas indecorosas e resiste às investidas imorais do assediador. Este, por vingança, em virtude da rejeição que se operou – mesmo tendo ele se utilizado de meio sórdido para satisfazer seus desejos sexuais – passa a assediar a vítima de outro modo, com finalidade diversa da inicial – ou seja, sem o vínculo direto com a consecução de seus desejos libidinosos.
O agressor, dessa maneira, passa a prestar-se ao fim de desequilibrar sua vítima, embaraçando o seu bom desempenho profissional, almejando, quase sempre, a desistência, por parte do trabalhador, do exercício de suas funções. Logo, o antigo assediador sexual, passa a cometer assédio moral, mantendo, de maneira distinta, a continuidade de violações a direitos personalíssimos do trabalhador, muitos intitulados pela Constituição Federal como fundamentais, embasados no princípio da dignidade da pessoa humana, sendo, também, numerosos universalmente concedidos irrestritamente a todos os seres humanos – dada a sua importância.
Conforme se observa, ambos – assédio moral e sexual – são graves violências que podem se processar no ambiente laboral, ocasionando aos trabalhadores vitimados graves danos. Estes, principalmente morais, podem se estender desde quedas na produtividade e qualidade do trabalho, até graves danos à saúde (física ou psíquica) do trabalhador, havendo a enorme necessidade de que tais sejam ressarcidos como meio de restabelecimento do status quo ante, do restabelecimento do equilíbrio quebrado, promovendo, assim, a justiça.
2 BULLYING NO TRABALHO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR
Os direitos fundamentais, vinculados ao princípio fundamental da dignidade humana (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/1988, art. 1º, III) são agrupados, segundo classificação doutrinária, em três dimensões aceitas amplamente. “[...] O lema revolucionário do século XVIII [...] exprimiu em três princípios cardeais todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais, profetizando até mesmo a sequência histórica de sua gradativa institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade” (grifo nosso) (BONAVIDES, 2012, p. 580).
De acordo com Mendes e Branco (2012), os direitos fundamentais de primeira dimensão, que se vinculam ao bem jurídico “liberdade”, tendo sido os primeiros a serem positivados, são essencialmente absenteístas em relação aos atos estatais, por terem como objetivo precípuo possibilitar o pleno exercício de direitos civis e políticos, livres de qualquer embaraço gerado por autoritarismos do Estado; tais direitos têm o marcante traço da indisponibilidade e, por conseguinte, da universalidade em relação aos seus titulares. “São, por igual, direitos que valorizam primeiro o homem singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade civil, da linguagem jurídica mais usual” (BONAVIDES, 2012, p. 582).
Contudo, a mera postura negativista da Administração Pública, característico do État Gendarme, de acordo com o pensamento liberal, até então preponderante, não atendia plenamente às aspirações das maiorias proletárias que, no contexto do elevado crescimento demográfico e da industrialização – a qual se processava na Europa Ocidental –, demandavam do Estado prestações positivas que se dirigissem à melhoria das condições dos trabalhadores e à solução de problemas sociais. Nessas circunstâncias, no início do século XX, após a Primeira Guerra Mundial, são institucionalizados os direitos sociais, culturais e econômicos, além dos coletivos, baseados no bem jurídico igualdade, de natureza essencialmente material, que não se conciliava com mero formalismo legal (MENDES, BRANCO, 2012).
Bonavides (2012) observa que os primeiros diplomas normativos a positivarem os direitos fundamentais de segunda dimensão inicialmente não alcançaram efetiva normatividade, por requerem do Estado, conforme se ressaltou, prestações materiais, que, conseguintemente, envolviam despesas econômicas e, por isso, muitas vezes, tinham sua eficácia comprometida pela ausência de tais recursos em face da demanda a ser atendida; contata-se, ainda, que tais direitos necessitavam de instrumentalização processual que, não raramente, inexistia, sendo, por muito tempo, inobservados e, na prática, inexequíveis.
Porém, como observa o autor, tal dilema aparentemente está perto de ser dirimido pelo preceito formulado por muitas Constituições, inclusive a brasileira (CRFB/1988, art. 5º, § 1º), da imediata aplicabilidade dos direitos fundamentais.
Finalmente, os direitos fundamentais de 3ª dimensão, os quais “são marcados pela alteração da sociedade por profundas mudanças na comunidade internacional [...] o ser humano é inserido em uma coletividade e passa a ter direitos de solidariedade ou fraternidade” (LENZA, 2011, p. 861-862). Tais direitos “peculiarizam-se pela titularidade difusa ou coletiva, uma vez que são concebidos para a proteção não do homem isoladamente, mas de coletividades, de grupos” (MENDES; BRANCO, 2012, p. 156).
A CRFB/1988 dispõe, em seu art. 1º, inc. IV, que os valores sociais do trabalho, aliados aos da livre iniciativa, constituem um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, em seu art. 6º, consagra o trabalho como um direito social fundamental, além de determinar que “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem estar e a justiça sociais” (grifo nosso) (CRFB/1988, art. 193). Portanto, analisando sistematicamente a Constituição Federal, é possível concluir que o direito ao trabalho tem natureza fundamental, sendo, por isso, uma das cláusulas pétreas do nosso ordenamento, merecendo tal status relevância por ser um vetor de promoção da dignidade humana e do desenvolvimento econômico e social do país.
Umas das concepções de direito do trabalho que procura reagir contra a tendência flexibilizadora da época recente é a do direito do trabalho como um direito de primeiro grau compreendido como um conjunto de direitos fundamentais ou um parte dos direitos humanos, expressões que não têm o mesmo significado. [...] Como direito fundamental, o direito do trabalho teria de ser direito de todos em todos os lugares, em certo tempo. [...] O Direito do Trabalho nem sempre existiu, suas leis vigoraram por certo tempo até sua revogação, e em diversos países as principais leis têm nível constitucional. O trabalho humano é um valor, e a dignidade do ser humano como trabalhador, um bem jurídico de importância fundamental (NASCIMENTO, 2011,p. 279).
Desse modo, o direito ao trabalho, que decorre do bem jurídico “igualdade”, é digno de aplicabilidade imediata, devendo o Estado empreender esforços para sua máxima aplicabilidade, não só buscando a diminuição do desemprego, mas também zelando pela proteção das relações trabalhistas, protegendo os direitos fundamentais do trabalhador contra as arbitrariedades dos tomadores de serviços, dos abusos advindos do poder econômico e da instabilidade mercadológica. Consoante a isso, faz-se pertinente destacar as disposições da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (DUDH/1948), adotada pela resolução 217 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, que, em seu art. 23, dispõe nestes termos:
1. Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. 3. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social (grifos nossos).
Como se observa, a doutrina especializada é pacífica na aceitação da eficácia vertical dos direitos fundamentais (isto é, nas relações entre o Estado e os particulares), todavia, discute-se sobre a eficácia horizontal desses direitos, se esta deveria ou não ser observada nas diversas relações que se processam entre os indivíduos, sem a intervenção estatal. Malgrado a divergência entre os cientistas do direito, pode-se afirmar que deve prevalecer o entendimento favorável à aplicação do plano horizontal de eficácia desses direitos nas relações trabalhistas, considerando que, conforme destaca Sarlet (2011) tais direitos constituem expressões da dignidade humana, sendo sua eficácia material uma manifestação da própria força normativa de tal princípio, destacando-se, sobretudo, a necessária aplicação do tratamento isonômico nas relações laborais.
Sem dúvida, por exemplo, se um empresário demitir um funcionário em razão de sua ‘cor’, o Judiciário poderá (ou mesmo até ‘deverá’) reintegrar o funcionário, já que o ato motivador da demissão, além do triste e inaceitável crime praticado, fere, frontalmente, o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil e princípio matriz de todos os direitos fundamentais (art. 1º, III, CF/88) (LENZA, 2011, p. 868).
Além dos direitos fundamentais destinados especificamente aos trabalhadores (dispostos, principalmente, no art. 7º, da CRFB/1988), outros são pertinentes à análise do tema proposto, sobretudo, os que se dirigem a proteção da honra, vida privada e imagem das pessoas, bens jurídicos, quase sempre violados pelo assédio moral no trabalho, os quais foram dignos de proteção constitucional, assegurando-se a devida reparação civil, pelos danos patrimoniais ou morais, sem prejuízo de outras sanções, noutras esferas, conforme dispõe o art. 5º, X, da CRFB/1988.