Movimentos sociais contemporâneos.

A atuação de líderes negros do centro comunitário “Bom Jesus”, na busca de conquistas sociais para as famílias de afro-descendentes no bairro da Terra Firme

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Resumo:


  • O artigo aborda a atuação de líderes negros do Centro Comunitário “Bom Jesus” na busca por melhorias nas condições de vida das famílias afro-descendentes do bairro da Terra Firme, destacando a importância dessas lideranças na luta pela legitimação do negro na sociedade.

  • As lideranças negras do Centro Comunitário “Bom Jesus” atuam na luta pela posse da terra, buscando garantir direitos constitucionais conquistados pela sociedade, mas historicamente negados a determinados grupos sociais, em especial os negros.

  • O trabalho das lideranças do Centro Comunitário “Bom Jesus” inclui a busca por políticas públicas efetivas, ações afirmativas e projetos de inclusão social para combater a marginalização, a violência e a falta de oportunidades enfrentadas pelas famílias afro-descendentes na Terra Firme.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. PAU, PANO E PÃO, NUNCA MAIS! CONQUISTAS SOCIAIS E O COMBATE AO PRECONCEITO RACIAL NA TERRA FIRME.

O verdadeiro resultado de suas lutas não é o êxito imediato, mas a união cada vez mais ampla dos trabalhadores. Esta união é facilitada pelo crescimento dos meios de comunicação criados pela grande indústria e que permitem o contato entre operários de localidades diferentes. Ora, basta esse contato para concentrar as numerosas lutas locais, que têm o mesmo caráter em toda parte, em uma luta nacional, em uma luta de classes. Mas toda luta de classes é uma luta política. (MARX, 1848).

A epígrafe acima de Marx refere-se à luta de classes como uma luta política, sendo que seus estudos abordam a expropriação e exploração na qual os operários eram submetidos pelas estruturas capitalistas do século XIX. Neste sentido, os afro-descendentes levantam uma bandeira de luta histórica, pois seus antepassados foram totalmente expropriação e exploração por esse mesmo sistema; porém, estas características negativas não ficaram relegadas apenas aos escravos e sim aos seus descendentes, através de um conjunto de práticas que visaram, ao longo dos séculos de história brasileira, a interdição dos afro-descendentes ao acesso a condições de vida materiais e intelectuais satisfatórias.

A herança deixada pela utilização do negro enquanto mão-de-obra escrava durante o Brasil colonial e imperial representa algo bastante negativo em nossa história, pois a carga de discriminação e preconceito racial direcionada aos escravos, ex-escravos e posteriormente os afro-descendentes constitui-se em um enorme fardo para a sociedade atual. A luta dos afro-descendentes almeja a legitimação destes indivíduos como cidadãos, sendo que algumas conquistas obtidas pelo Movimento Negro sinalizam para a compreensão acerca desta luta política, pois segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano (2005) o estabelecimento do dia 20 de novembro em homenagem a Zumbi, como Dia Nacional da Consciência Negra, o 13 de maio que foi transformado em Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo e a aprovação da Lei nº 10.639/03, que determina a obrigatoriedade da inclusão do ensino da história afro-brasileira no currículo da educação básica; representam afirmações positivas sobre a construção de uma identidade negra. Neste sentido, as conquistas sociais obtidas pelas famílias de afro-descendentes da Terra Firme, através da atuação das lideranças negras do centro comunitário “Bom Jesus” representam condição sine qua non para sua constituição enquanto cidadão do Estado brasileiro.

A aplicação de um questionário contendo cinco perguntas para seis lideranças do centro comunitário “Bom Jesus”, possibilita uma análise mais apurada sobre os problemas enfrentados pela comunidade e as saídas encontradas por essas lideranças, no sentido de garantir melhorias sociais para as famílias de afro-descendentes. Os dois quadros abaixo retomam questões já abordadas neste artigo, como os diversos problemas enfrentados pelas famílias de afro-descendentes, a ausência de políticas públicas para o bairro e o conseqüente aumento da violência:

Quadro 2: Principais problemas enfrentados pelas famílias de afro-descendentes (respostas individuais em 05/08).

Lideranças

Principais problemas enfrentados pelas famílias de afro-descendentes

Liderança 1

Tratados com indiferença pelas pessoas.

Liderança 2

Desemprego, moradia e saneamento básico.

Liderança 3

Renda familiar, escolaridade, saúde.

Liderança 4

Desemprego, áreas de lazer, falta de políticas públicas.

Liderança 5

Falta de políticas de inclusão e trabalho de afirmação do negro.

Liderança 6

Discriminação, pobreza e falta de oportunidade.

Fonte: Pesquisa de campo no bairro da Terra Firme, junto às lideranças comunitárias do “Bom Jesus”.

Quadro 3: Falta de políticas públicas e o crescimento da violência no bairro (respostas individuais em 05/08).

Lideranças

Falta de políticas públicas e o crescimento da violência no bairro

Liderança 1

Questão da segurança

Liderança 2

Ausência da família e da escola.

Liderança 3

Falta de programas sociais para tirar os jovens das ruas.

Liderança 4

Péssimas escolas, postos de saúde e jovens sem esperança.

Liderança 5

Falta de área culturais no bairro.

Liderança 6

Sem investimento na questão educacional e áreas de lazer.

Fonte: Pesquisa de campo no bairro da Terra Firme, junto às lideranças comunitárias do “Bom Jesus”.

A análise do Quadro 2 evidencia a questão das relações étnico-raciais no bairro a partir das respostas das lideranças 1, 5 e 6, destacando a discriminação e o preconceito com um dos grandes problemas enfrentados dentro da comunidade; o trabalho acerca da questão racial é um elemento fundamental para a própria constituição do cidadão negro na sociedade, as políticas de ações afirmativas surgem neste bojo de debate, defendendo que,

Afirmar que não se pode fazer ação afirmativa no Brasil porque é impossível distinguir quem é negro ou branco é sustentar o paradoxo de que algo é ao mesmo tempo possível e impossível. Afinal, pessoas consideradas negras (pretas ou pardas) são vítimas no Brasil de uma discriminação negativa em resultado da qual se vêem inferiorizadas, em relação àquelas consideradas brancas, em praticamente todas as instâncias da vida social. Não há, para isso, nenhuma dificuldade em identificá-las. (MEC-SECAD (a), 2005: 129).

As lideranças negras do “Bom Jesus” buscam ampliar o debate racial promovendo a realização de seminários e palestras junto à comunidade no intuito de integrar os diferentes grupos em torno de uma conscientização das diferenças raciais no bairro, no país e no mundo, promovendo uma valorização da diversidade e o respeito pelo ser humano de forma completa. A ausência do Estado na área é também um dos graves problemas enfrentados pelas famílias de afro-descendentes, pois a partir da falta de políticas públicas concretas são geradas inúmeras dificuldades, que foram destacadas pelas lideranças comunitárias nos Quadros 2 e 3, como o desemprego, a educação, o lazer, a saúde e a cooptação dos jovens pelo mundo do crime; segundo o líder comunitário negro L. O. O. da S., o “Bom Jesus” tenta amenizar esta situação de abandono do poder público promovendo a conscientização,

pois o papel do centro é organizar as pessoas para que estas pessoas possam discutir melhores condições de vida, ou seja, o papel do centro e fazer com que as pessoas se sintam sujeitos da história, da criação do processo (...) o centro tem atuado sempre apoiando todos os movimentos que existem na base do centro comunitário.[11]

Sobre a ausência do Estado e a falta de políticas públicas para a Terra Firme a líder comunitária negra M. F. A. G. destaca,

Na verdade o poder público tanto municipal como estadual não tem compromisso com a periferia, eles apostam na memória falha, fraca dos moradores, eles acham que o povo tem memória fraca ai eles dão uma cesta básica e eles (povo) votam (...) A governadora Ana Júlia Carepa esteve aqui a uns três meses atrás com bem uns 300 guardas, PMs era uma humilhação para quem mora aqui, como se só ela tivesse vida, sabe? Uma vergonha! Agora na eleição ela vem de novo pegar de mão em mão, de casa em casa. Mas a gente tem consciência de que não é a PM que vai dar segurança, quem dá segurança e o Estado, através de política pública, projeto, escola de verdade e de qualidade, quadra para lazer, biblioteca para as crianças.[12]

As lideranças negras do “Bom Jesus” percebendo o visível descaso das autoridades governamentais para com a área, como ficou demonstrado no depoimento de M. F. A. G., desenvolvem atividades diversificadas na tentativa de preencher as enormes lacunas deixadas pelo poder público. Desta maneira, os dois quadros a seguir servem como referencial de análise, sobre as conquistas sociais obtidas pelas famílias de afro-descendentes no bairro da Terra Firme:

Quadro 4: Quais os projetos desenvolvidos pelas lideranças negras, para a melhoria nas condições de vida das famílias afro-descendentes? (respostas individuais em 05/08).

Lideranças

Quais os projetos desenvolvidos pelas lideranças negras, para a melhoria nas condições de vida das famílias afro-descendentes?

Liderança 1

Reforço escolar, capoeira e Karatê.

Liderança 2

Reforço escolar, projeto USPE, capoeira e o projeto “Pichando Arte”.

Liderança 3

Cursos de alfabetização, projeto USPE e torneios esportivos.

Liderança 4

Reforço escolar, Capoeira, torneios esportivos e manifestações culturais.

Liderança 5

Seminários de auto-afirmação do negro, capoeira e hip-hop.

Liderança 6

Reforço escolar, capoeira, dança e o projeto USPE.

Fonte: Pesquisa de campo no bairro da Terra Firme, junto às lideranças comunitárias do “Bom Jesus”.

O Quadro 4 permite observar que ações voltadas para questões referentes a educação e atividades desportivas/culturais, representam a essência dos projetos desenvolvidos pelas lideranças negras, para a melhoria nas condições de vida das famílias afro-descendentes; sendo que essas lideranças comunitárias chamam atenção para os problemas enfrentados pelos afro-descendentes dentro da escola formal. Tendo em vista este quadro, são desenvolvidos projetos que pretendem abarcar as famílias de afro-descendentes, que em muitas circunstancias não conseguem identificar o posicionamento dos seus filhos no ambiente escolar. Neste sentido,

é imprescindível proceder à crítica do racismo vigente na sociedade e na educação (...) A desconsideração (menosprezo, indiferença?) pela diversidade étnico-cultural na escola; o hábito, a espontaneidade, a facilidade, a irresponsabilidade e inconseqüência com que se procura (e sempre se encontra) subterfúgios para justificar os procedimentos assimilacionistas e a culpabilização da criança mais escura pelos seus próprios complexos, incapacidade de adequação, etc., exigem, de fato, análise rigorosa e desmistificadora. Mas é necessário se dar o mesmo peso às possibilidades e iniciativas educacionais cujo centro sejam os valores da solidariedade, da justiça, da eqüidade. (MEC-SECAD (b) 2005: 40).

A valorização do negro enquanto agente histórico possuidor de direitos é um dos objetivos desejados pelos líderes comunitários negros do “Bom Jesus”. Entre as diversas atividades desportivas/culturais destaca-se a capoeira que serve como elemento agregador de conceitos acerca da identidade cultural dos afro-descendentes e os valores de sociabilidade fundamentais para a constituição de uma consciência cidadã. O projeto “Pichando Arte, revertendo o quadro”, não conseguiu os seus objetivos desejados, pois segundo a líder comunitária negra M. F. A. G.,

Este projeto foi criado dentro do centro comunitário, a partir do desbaratamento de diversas gangues, conseguimos levar esta meninada para o centro, verificamos que eles tinham muita vontade de trabalhar, a maioria, alguns não queriam, mas a maioria queria, nos fomos até a Companhia de Transportes de Belém - CTBEL, tentamos vê se a gente conseguia recursos, sendo que nos não conseguimos apoio do poder público nenhum.[13]

As iniciativas elaboradas pelas lideranças negras do centro comunitário “Bom Jesus” objetivando a retirada das crianças e adolescentes das ruas, sofrem com a falta de apoio das instituições governamentais, que deveriam permitir o desenvolvimento de ações concretas nas áreas periféricas; haja vista o elevado grau de exclusão social e marginalização. A ausência do poder público contribui para o aumento dos diversos problemas sociais presentes na Terra Firme e que são vivenciados principalmente pelas famílias de afro-descendentes.

Quadro 5: Quais os projetos desenvolvidos em parceria com órgãos governamentais, para as famílias de afro-descendentes, visando o mercado de trabalho? (respostas individuais em 05/08).

Lideranças

Quais os projetos desenvolvidos em parceria com órgãos governamentais, para as famílias de afro-descendentes, visando o mercado de trabalho?

Liderança 1

Projeto USPE (Usina Popular de Educação)/MEC.

Liderança 2

Sem resposta.

Liderança 3

Projeto USPE (Usina Popular de Educação)/MEC.

Liderança 4

Projeto USPE (Usina Popular de Educação)/MEC.

Liderança 5

Projeto USPE (Usina Popular de Educação)/MEC.

Liderança 6

Projeto USPE (Usina Popular de Educação)/MEC.

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Fonte: Pesquisa de campo no bairro da Terra Firme, junto às lideranças comunitárias do “Bom Jesus”.

O Quadro 5 confirma o direcionamento dos projetos referentes à educação das famílias de afro-descendentes pelos líderes comunitários, sendo que quase todos apontaram o projeto USPE (Usina Popular de Educação) em parceira com MEC, como um elemento fundamental na qualificação e no aprimoramento intelectual dos afro-descendentes para o mercado de trabalho; pois

“nesse processo histórico de construção, ainda inconclusa, a luta para que as camadas populares e os grupos sociais marginalizados tenham de fato o direito a educação formal não é uma novidade no Brasil. Ao longo da nossa história, sobretudo a partir do século XX, vários movimentos sociais se organizaram para lutar pelo direito à escolarização. Esse é o caso dos cursos pré-vestibulares organizados para preparar estudantes oriundos de classes populares e grupos sociais marginalizados para os vestibulares”. (MEC-SECAD (b) 2005: 139).

Todas estas conquistas obtidas pelas lideranças negras do “Bom Jesus” constituem-se enquanto elementos fundamentais para as famílias de afro-descendentes; porém, a questão do preconceito racial direcionado para este segmento social representa um germe maléfico que deve ser combatido constantemente, através de práticas de afirmação do negro. Sendo que a busca pelas reparações aos afro-descendentes e a compreensão sobre as diversidades raciais no Brasil, são projetos assimilados pelas lideranças comunitárias negras; o quadro abaixo, sinaliza como elas trabalham a questão racial no bairro da Terra Firme:

Quadro 6: Como você trabalha a questão do Preconceito racial no bairro? (respostas individuais em 05/08).

Lideranças

Como você trabalha a questão do Preconceito racial no bairro?

Liderança 1

Trabalhando a mente das pessoas

Liderança 2

Discutindo sobre o valor do negro

Liderança 3

Esclarecendo as diferenças raciais

Liderança 4

Combatendo a dissimulação que existe a esse respeito

Liderança 5

Aguçando o debate sobre a questão

Liderança 5

Envolvendo todos em um mesmo objetivo

Fonte: Pesquisa de campo no bairro da Terra Firme, junto às lideranças comunitárias do “Bom Jesus”.

O Quadro 6 contribui para a valorização da implementação de debates, seminários, palestras, formações continuadas, capacitações, entorno da educação para as relações étnico-raciais, que devem ser promovidas não só pelas lideranças comunitárias do “Bom Jesus”, mas sim pelos demais órgãos governamentais e não-governamentais, envolvendo a sociedade brasileira; as repostas concedidas nesta última tabela esclarecem esta preocupação, pois somente através da conscientização dos indivíduos tornar-se-á possível a diminuição e provavelmente a extirpação do preconceito racial no Brasil. Este preconceito direcionado aos afro-descendentes e sentido de diversas formas, como afirma a líder comunitária negra M. F. A. G.,

Em toda a parte, fora do bairro, dentro do bairro, não acabou não! O racismo existe e esta perpetuado em toda a parte, quer seja como empregada doméstica, que a maior parte são negras, pois o negro e bom para trabalhar, o negro não pode desperdiçar uma oportunidade. O negro é discriminado em tudo; um amigo meu foi reivindicar uma vaga para vigilante em um condomínio, quando ele chegou lá, o cara olhou para ele e disse não, porque a cor dele era suja; o racismo é constante, em brincadeiras de mau gosto, piadinhas (...) a questão do cabelo, cabelo palha de aço, bombril, negro tisna quando sai e quando entra, há isso é constante, por isso, o negro ele é retraído[14].

A permanência das atitudes racistas dentro de uma sociedade baseada em um falso “Mito da Democracia Racial” configura o cenário de desrespeito e intolerância no qual são tratados os afro-descendentes, como foi exposto pelo líder comunitário negro L. O. O. da S., relatando suas experiências segregacionistas ao longo da vida,

(...) entre o pessoal da rua, que era na [Trav.] Conselheiro, onde um morava, tinham muitos que eram meus amigos, mas tinham alguns que discriminavam frontalmente mesmo, há é negro, é preto, sempre tinham aquelas chacotas, porque alem deu ser de raça negra ainda tinha a questão de eu estar vivendo ali em uma família como agregado, praticamente como um escravo, então havia uma discriminação por parte de algumas pessoas da minha idade, na época eu tinha 16 pra 18 anos; e ano passado (2007) eu foi sentar em um banco da Big Ben[15] e a mulher, a gerente, me expulsou de lá, com certeza pela minha aparência, um negro baixinho, com roupas de treino.[16]

O racismo adquire inúmeras formas e comporta diversos acontecimentos da vida cotidiana, os afro-descendentes constantemente sentem os anos de interdição pelo qual seus antepassados foram submetidos, pois

“apesar de preconceito e discriminação racial não serem exatamente a mesma coisa, são práticas freqüentemente associadas e poderiam ser concebidas como irmãs gêmeas do racismo. Isto é, se é planemante possível controlar o preconceito para evitar atos de discriminação, na medida em que é possível respeitarmos os direitos de um interlocutor com o qual não gostaríamos de estreitar vínculos ou conviver no plano da intimidade, a prática da discriminação indireta no Brasil revela não só a associação entre essas duas dimensões do racismo, mas demonstra também como uma dimensão pode ser acionada para esconder a outra, especialmente quando a aceitação do negro é apenas aparente e o preconceito disfarçado ou irrefletido conduz à negação de direitos. Como por exemplo, quando um profissional negro mais competente que seus concorrentes brancos é preterido na disputa pelo emprego, ainda que tenha motivos para achar que teve um bom rapport com seus entrevistadores no processo de seleção.” (OLIVEIRA, 2004: 5)

O racismo acentua as diferenças existentes em nosso país, sendo que a busca por uma inserção no mercado de trabalho, torna-se algo mais difícil para os afro-descendentes; que além de sofrerem com o abandono das instituições governamentais, relegados às periferias dos centros urbanos e desprovidos dos princípios básicos da cidadania; vivenciam situações de extremo preconceito devido sua cor/raça. A líder comunitária negra E. R. de S. relata uma passagem de sua vida em que o preconceito racial existente no Brasil interferiu de forma significativa na obtenção de um emprego desejado,

Eu sou de uma família pobre claro e lá fora a gente tem uma dificuldade muito grande, principalmente pra mim que sou de cor, ai é onde eu pergunto para as pessoas: aonde esta o seu preconceito racial? E muitas delas respondem: na minha cabeça. Então ele existe (...) eu já passei por isso, eu hoje em dia não consegui um bom emprego porque eu sofri esta discriminação, discretamente, mas eu sofri e quilo pra mim foi como se tivessem puxado um tapete debaixo dos meus pés, porque no momento em que você sai da sua casa e esta convicta de que você passou naquela prova e de que você vai começar a trabalhar no dia seguinte, quando você chega no horário combinado, ai dizem assim: olha infelizmente não será possível você iniciar hoje porque houve um mudança no nosso quadro de funcionários; ai você ao mesmo tempo descobre que uma outra pessoa esta lhe substituindo e uma coisa que deixa qualquer pessoa de baixo astral, meche com o teu ego. Isso mecheu muito comigo e eu criei uma barreira muito grande, tanto que tem coisas que eu passei a não enfrentar mais. Esta nossa democracia é entre aspas. Dizem que não tem discriminação. Existe e existe muito![17]

As marcas deixadas pelo racismo são em alguns casos irreparáveis, as famílias de afro-descendentes do bairro da Terra Firme e também das demais localidades do Brasil, vivem em constante alerta, pois são alvos de toda uma carga emocional de preconceito racial escamoteada por uma pretensa “Democracia Racial”, que a cada dia perde mais espaço para novos teóricos que minam as bases frágeis desta argumentação, forjada ao longo da nossa história.

A busca pela compreensão do outro, enquanto igual a todos os indivíduos da raça humana é algo que vem sendo trabalhado cotidianamente, através de diversas obras que abordam a implementação das políticas de ações afirmativas no Brasil. As lideranças negras do centro comunitário “Bom Jesus” organizam as famílias de afro-descendentes a partir de ações de conscientização da sua importância histórica na formação e constituição do país e também criando subsídios para o enfrentamento das inúmeras dificuldades apresentadas no bairro, assim como, a elevação do negro a condição de agente organizado, questionador e sujeito participativo das decisões do Estado.

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Sobre os autores
Luiz Junior Nunes de Carvalho

Licenciatura e Bacharelado em História pela Universidade Federal do Pará (2002). Atualmente é professor do Instituto de Educação Ápice do Pará (IEAPA); tendo trabalhos anteriores no Instituto de Educação Superior e Serviço Social do Brasil (IESSB). Especialista em Educação para as relações Étnico-Raciais pelo Instituto Federal do Pará (IFPA 2008); orientador de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) nas áreas das Ciências Humanas, envolvendo temáticas relacionadas ao cotidiano, cultura popular e memória; integrante de banca julgadoras de Trabalhos de Conclusão de Curso; elaborador de surportes teóricos e artigos científicos para as graduações em Ciências Humanas. Bacharel em Direito, pela FIBRA, ADVOGADO OAB/Pa nº 21865, atuando nas áreas de Direito Administrativo, Civil e Trabalhista. Contatos: 32551259 / 80324300 / 88715751; SITE: www.ncaconsultoria.com e email: [email protected]

Laura Helena Barros da Silva

Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará (1997), especialização em Produção Familiar Rural e Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará (1999) e mestrado em Sociologia Geral pela Universidade Federal do Pará (2004). Atualmente é professora titular do Centro Federal de Educação Tecnológica do Pará.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo apresentado para a banca examinadora do curso de pós-graduação em educação para as relações étnico-raciais, organizado pelo Centro Federal de Educação Tecnológica do Pará.

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