Audiência de custódia, juiz e réu: a humanização da prisão preventiva e a liberdade após o interrogatório judicial

13/06/2016 às 10:47
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Prende-se em flagrante, converte-se em preventiva, e na audiência instrutória, no primeiro contato entre juiz e réu, a liberdade é concedida... Deste modo, o contato pessoal entre juiz e réu não demonstra que a audiência de custódia é eficaz? Veremos.

1. INTRODUÇÃO

A prisão preventiva vem se tornando regra no ordenamento jurídico pátrio, aqui se prende em flagrante, converte-se em preventiva, usa-se o velho jargão da ausência de novos elementos hábeis a afastar o édito cautelar e, por fim, afirma-se que nova análise de possibilidade da liberdade será feita quando da audiência instrutória, que, via de regra, é o primeiro contato pessoal entre réu e juiz.

Nestas hipóteses, não raras vezes os réus são postos em liberdade, demonstrado que o contato entre o julgador e o acusado, de fato, muda o posicionamento sobre a necessidade da prisão preventiva.

Daí que, em que pese a forte resistência à novel audiência de custódia, cuja implementação é batalhada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e que em alguns estados brasileiros vem sendo praticada aos poucos, demonstra eficácia na prática.

Sem pretensão de abordar tal instituto com a devida profundidade, o presente texto buscará, em poucas linhas, estudar a humanização da prisão preventiva, afastando-se o papel (ou processo digital) e pondo réu e juiz cara a cara, demonstrando que na prática, tal hipótese acontece quando da audiência de instrução e julgamento, oportunidade na qual, não raras vezes, o réu logra êxito em ser posto em liberdade.

2. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

Segundo reza o art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”, diante disso, o Brasil, que é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, concordou com art. 7º, inciso 5, do citado pacto, o qual define que Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo” (grifamos).

Aos poucos, de forma arriscada[1], a audiência de custódia vem sendo praticada nos Estados da Federação por intermédio de resoluções, provimentos, dentre outros.

Via de regra, ela consistente no encontro pessoal entre o juiz e o indiciado, na presença do Ministério Público e do defensor (público ou privado), dentro de um prazo médio de vinte e quatro horas, oportunidade em que o réu poderá demonstrar a desnecessidade da manutenção da sua prisão e que não oferece riscos se posto em liberdade, exercendo a sua autodefesa.

Neste momento, trazendo (ou não, pois pode declinar de seu pleito) a acusação as razões pelas quais a segregação cautelar deve se mantida, e o réu as contrapondo pessoalmente, o juiz decidirá sobre a necessidade de que ela seja mantida.

3. O DIREITO DE DEFESA PESSOAL DO RÉU – AUTODEFESA

Dentre as hipóteses de direito defesa do réu no processo criminal, existe a autodefesa, onde ele pode agir pessoalmente, através da interposição de recursos, impetração de habeas corpus (FERNANDES, 1999-A, p. 264, apud CRUZ, 2002, p. 132/133), e até mesmo falando por si em juízo. Nisso, a cláusula constitucional da ampla defesa rege-se abrange o direito à ser acompanhado por defesa técnica durante o tramite do processo penal, bem como pelo exercício da autodefesa (FERNANDES, 2005-B, apud LIMA, 2008).

A autodefesa consiste assim em o próprio réu interferir, direta e pessoalmente, na concretização dos atos processuais, não se limitando apenas à participação no interrogatório, mas em todos os atos, posto que a autodefesa consiste no direito de audiência e direito de presença, quer dizer, tem ele o direito de ser ouvido e falar nos atos do processo, e acompanhar a realização destes, devendo o Estado proporcionar seu exercício, ademais quando preso, impedido de comparecer espontaneamente ao ato porque sob custódia(CRUZ, 2002, pp. 132/133).

Eugênio Pacelli de Oliveira (2013, p. 380), em que pese tratando do interrogatório do acusado, mas aqui se aplicando por analogia à audiência de custódia, concluí que tal ato é mais um meio de defesa ao réu, onde ele poderá apresentar sua versão dos fatos, não sendo constrangido ou obrigado a fazê-lo.

4. A IMPARCIALIDADE O JUIZ NA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA

Um ponto crucial no que tange a prisão preventiva é o posicionamento do magistrado frente ao réu, ou seja, seu interesse em vê-lo preso, enquanto cidadão.

Adauto Suannes (2004, p. 02 e 152/153) ensina que o juiz criminal tem certa “parcialidade” ao conduzir o processo, pois almeja usufruir da sua tranquilidade com sua família, longe de riscos que o “criminoso” oferece, não podendo se desejar dele que ouça um assassino com a tal como toma o depoimento de um autor de uma demanda cível. Mesmo que quisesse ele, enquanto humano, extrapolará a esfera a parcialidade, podendo, no máximo, ater-se à formalidade do processo.

Assim, o magistrado deve se policiar entre o que quer e o que deverá ser o desfecho do processo. Se não há indícios suficientes das hipóteses do art. 312 do CPP, mesmo lhe parecendo clara a autoria ou materialidade delitiva, deve ele livrar o réu, pois o nosso ordenamento jurídico não permite a presunção de culpa (CRFB, art. 5º, LVII), seja em que fase processual for.

Parece óbvio, mas na prática vemos muitas manobras para legitimar o ilegítimo, juízes e promotores, calcados em meros elementos, determinam e/ou pugnam pela decretação da prisão preventiva. Por exemplo, a mera palavra do policial, de que informantes lhe disseram que o réu (aqui ainda indiciado) trafica, desde logo dá ensejo ao pleito pela segregação cautelar, que consequentemente é deferida.

O processo é público, as provas e as decisões são para a sociedade, elas devem demonstrar para aquele que as analise, a necessidade da custódia cautelar, pois o Estado (que serve à população) sempre é parte interessada em qualquer ilícito e, por conta disso, longe de injustiças, quer ver o infrator devidamente processado e punido.

Frisa-se que a população quer ver o réu longe de injustiças, pois qualquer um do povo pode ser o infrator do bem jurídico tutelado pela lei penal.

Nesse contexto, é imperioso afirmar que, além da prolação da sentença, o magistrado deve ser imparcial e presumir a inocência do réu ao determinar sua prisão preventiva. O processo penal deve ser conduzido por um juiz que acredita na defesa, em que pese as alegações trazidas pela acusação, não se deixando influenciar pela opinião pública ou pelo fato social da criminalidade (SUANNES, 2004, p. 31).

Oportuno assinalar que, neste enfoque, a prisão preventiva, ademais antes do primeiro contato entre juiz e réu, é injusta e indevida. Não há o mínimo de contraditório (pontuando que se está trabalhando com a liberdade de um cidadão). O magistrado, que nem contato teve com o agente, nem ouviu a sua versão que, indubitavelmente, pode ser a verdade, logo lhe decreta e a prisão preventiva calcada nas provas produzidas unilateralmente pelo Estado (Autoridade Policial e Ministério Público, ambos contaminados pela sua parcialidade, consistente em legitimar sua atuação), afrontando diretamente a presunção de inocência e fazendo um pré-juízo daquilo que sobrevirá no feito. O processo será uma mera formalidade para aquilo que já está consolidado: a condenação, ainda que sem provas e/ou existentes dúvidas.

Neste contexto, a audiência de custódia garante a humanização da decretação da prisão preventiva, e oportuniza ao indiciado um mínimo de contraditório, de onde poderá defender-se pessoalmente apresentando sua versão dos fatos, bem como demonstrar que não se furtará à aplicação da lei penal, não voltará a delinquir e não objurgará nenhuma parte do jogo processual.

5. A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA JÁ EXISTE, APENAS DEMORA PARA SER REALIZADA – OU DO PRIMEIRO CONTATO ENTRE JUIZ E RÉU NO ATO DO INTERROGATÓRIO

O profissional que atua na esfera criminal, não raro constatou casos em que magistrados promovem a revogação da prisão preventiva durante a realização da audiência de instrução e julgamento, oportunidade na qual houve o encontro pessoal entre juiz e réu.

A prática demonstra que este contato humano surte efeito quando da análise da necessidade de manutenção da prisão preventiva.

Não se pode negar que muitos crimes crescem na denúncia escrita, e nem tudo que consta no papel é fidedigno com aquilo que se encontrará após à conclusão do procedimento indiciário (Auto de Prisão em Flagrante).

A existência (analogicamente) da audiência de custódia, bem como a sua efetividade, são comprovadas através dos seguintes julgados, nos quais logo após o interrogatório do réu o magistrado que conduz o processo promove a revogação da prisão preventiva:

RECURSO CRIMINAL – TENTATIVA DE HOMICÍDIO – SEGREGAÇÃO CAUTELAR DECRETADA – LIBERDADE CONCEDIDA APÓS O INTERROGATÓRIO DO ACUSADO – PRISÃO PREVENTIVA REQUERIDA NOVAMENTE AO ARGUMENTO DE COAÇÃO DE TESTEMUNHA NO CURSO DO PROCESSO – DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO – RECURSO MINISTERIAL IMPETRADO – PRISÃO DECRETADA LOGO APÓS A INTERPOSIÇÃO DO RECURSO, EM AUTOS INSTAURADOS PARA APURAR O DELITO DE COAÇÃO – SEGREGAÇÃO QUE PERDUROU ATÉ A EFETIVA PRODUÇÃO DA PROVA, QUANDO ENTÃO O PRÓPRIO REPRESENTANTE DO PARQUET OPINOU FAVORAVELMENTE À REVOGAÇÃO DA CUSTÓDIA – MOTIVOS QUE ENSEJARAM O PEDIDO JÁ SUPERADOS – RECURSO DESPROVIDO. (BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Rec. Crim. nº 2006.017738-5, Rel. Des. Tulio Pinheiro, julgado em 29/08/2006 – grifamos) 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REVOGACAO DE PRISAO PREVENTIVA APOS O INTERROGATORIO DO ACUSADO. APLICACAO DO ARTIGO 316 DO CODIGO DE PROCESSO PENAL. TORNANDO-SE DISCUTIVEL A EXISTENCIA DO DELITO DE ROUBO, UM DOS FUNDAMENTOS DA PRISAO PREVENTIVA NO CASO, ALIADA AS CIRCUNSTANCIAS DO ACUSADO, COM A IDADE DE 35 ANOS, TER DOMICILIO E PROFISSAO E NAO POSSUIR NENHUM ANTECEDENTE CRIMINAL, E MEDIDA ADEQUADA A REVOGACAO DA PRISAO DECRETADA. (4 FLS) (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. RESE nº 70000688564, Rel. Des. Carlos Cini Marchionatti, julgado em 30/05/2000 – grifamos) 

Habeas Corpus  Estupro  Insurgência contra o decreto da prisão preventiva do paciente, sob a alegação de falta de justa causa para tanto  Superveniência de revogação da custódia cautelar e de determinação pelo Juízo a quo para expedição de contramandado de prisão, de modo a esvaziar o objeto da impetração  Ordem prejudicada. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. HC nº 0246130-84.2011.8.26.0000, Rel. Des. Moreira da Silva, julgado em 27/01/2012)

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Deste último, extrai-se a informação de seu corpo:

Bem é de ver, contudo, que emerge dos presentes autos notícia sobre a revogação da prisão preventiva, na audiência de instrução criminal realizada em 12 de dezembro de 2011, e determinação pela MMª Juíza de primeiro grau para expedição de contramandado de prisão em prol do paciente. (Grifamos)

Deste modo, o interrogatório do acusado na audiência de instrução é prova cabal da efetividade da audiência de custódia, hipótese em que, o contato pessoal entre juiz e réu traça um novo panorama à analise da necessidade da manutenção da prisão cautelar, onde não raro a liberdade ocorre.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: INDICIADO/RÉU NA PRESENÇA DO JUIZ = HUMANIDADE NO CERCEAMENTO DA LIBERDADE

Conforme visto, o indiciado em frente ao magistrado, trás, sem sombra de dúvida, maiores possibilidades do condutor do processo verificar a necessidade da manutenção da prisão cautelar, posto que, pelo contato humano através do diálogo pessoal e da autodefesa, a verificação da necessidade de tal medida traz maior segurança ao julgador em por o agente em liberdade.

A apresentação do réu à autoridade judicial para que exerça seu direito da defesa pessoal é medida que lhe garante maior contraditório, especialmente neste momento tão cerceativo, que é a decisão da necessidade de prisão cautelar ou não, antes da produção de qualquer prova sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

Assim, no grande exemplo do interrogatório judicial, a audiência de custódia, na presença do juiz e do réu num mesmo ambiente, num mesmo ato, a troca de fala entre ambos, potencializa a humanização da prisão preventiva, que, sem sombra de dúvidas, culmina em maiores chances de liberdade e menos injustiças em razão de prisões indevidas.


Notas e Referências:

[1] Pois ao arrepio da Constituição Federal, que encarrega somente à União legislar em matéria processual, conforme prevê o inciso primeiro do art. 22 da Carta Magna, e aqui pairam críticas e empecilhos – não sem razão – da forma como vem se dando sua implementação.

CRUZ, Rogério Schietti Machado. Garantias processuais nos recursos criminais. São Paulo: Atlas, 2002.

FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999-A, apud CRUZ, Rogério Schietti Machado. Garantias processuais nos recursos criminais. São Paulo: Atlas, 2002.

FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2005-B, apud LIMA, Vinícius Lins Leão. Uma visita à autodefesa no processo penal. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1772, 8 maio 2008. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/11250>. Acesso em: 22 mar. 2016.

OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

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Sobre o autor
Aphonso Vinicius Garbin

Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Publicado originalmente no portal Empório do Direito: http://emporiododireito.com.br/audiencia-de-custodia-juiz-e-reu/

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