O que celeuma envolvendo Eduardo Cunha tem anos dizer sobre a democracia brasileira?

13/06/2016 às 12:15
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O interminável processo de cassação contra Eduardo Cunha no Congresso tem muito a nos revelar sobre a saúde democrática do país.

Desde outubro de 2015, quando autoridades suíças enviaram ao Brasil informações sobre um procedimento criminal lá em curso lastreado com indícios de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo instituições bancárias daquele país, tendo como princípal suspeito e beneficiário de tais mazelas o senhor Eduardo Cunha, então Presidente da Câmara dos Deputados, este se tornou uma das maiores, senão a maior, preocupações políticas dos brasileiros.

Não que outras pautas atuais não sejam tão devastadoramente impactantes. Infelizmente não se trata disso. Ocorre que, mesmo diante dos escândalos do “mensãlão”, ou mesmo da sua versão inflacionada o “petrolão”, sem falar do processo de impeachment instaurado em face da presidente Dilma – processo legítimo para alguns, golpe de Estado para outros tantos - apesar de precedentes gravíssimos, nenhum outro fato expõe com tamanha clareza os sintomas de patologia demonstrados pela, ainda jovem, democracia brasileira.

Dentre inúmeros indícios de como a trajetória de Cunha à frente da Câmara indicam que algo não vai bem com saúde democrática do país, passemos, então, a considerar os principais deles.

Ab initio, a chegada de Cunha à Presidência da Câmara revela característica peculiar do sistema representativo brasileiro, ou seja, o complexo jogo de interesses envolvendo o Congresso e o Executivo na busca pela “governabilidade”. Ou seja, o sistema pluripartidarista implementado pela hodierna constituição faz com que o Executivo necessite formar ampla base de sustentação no parlamento a fito de que suas propostas sejam aprovadas.

Ocorre que diante de um cenário de poder fragmentado, num parlamento composto por diversas agremiações partidárias, a maioria delas, para não dizer a totalidade, sem clara orientação ideológica, formar essa maioria implica promover um sujo jogo de interesses, onde a busca pelo bem comum é eclipsada por práticas fisiológicas envolvendo barganha por interesses escusos.    

Foi nessa tessitura política contaminada que em 2015 emerge a candidatura de Eduardo Cunha à presidência da Câmara dos Deputados. Vencendo o pleito em primeiro turno, com votação acachapante frente ao candidato preferido do Planalto, Arlindo Chinaglia (PT-SP), assim chegou ao terceiro posto da hierarquia republicana um dos parlamentares mais conservadores da Casa, autor de projetos como o do “Dia do Orgulho Hétero”, fim do Exame da OAB, dentre outras pautas polêmicas.   

Indelevelmente associada ao sintoma do fisiologismo partidário acima referido, a democracia brasileira também apresenta graves sintomas de crise de representatividade. Não por acaso presenciamos com o afastamento da Presidente Dilma a ascensão do terceiro Presidente oriundo do PMDB, que chega ao poder sem que sua legenda tenha vencido sequer um pleito direito para o cargo. Não bastasse isso, frequentemente oscilando no apoio a legendas de, ao menos aparentemente, posições tão díspares como PRN de Collor, o PSDB de FHC e, finalmente, o PT, onde Michel Temer ocupou o posto de vice na chapa encabeçada por Dilma Rousseff.

Nesse sentido, com o impeachment e a chegada de Temer ao poder, trazendo consigo uma agenda extremamente conservadora, propondo políticas de austeridades e desregulamentação de direitos trabalhistas como a “solução” para a crise econômica, verifica-se com relativa nitidez o flagrante descompasso entre os compromissos partidários assumidos nos processos eleitorais no país e a ação efetiva dos representantes eleitos para o cumprimento desses compromissos.

Ao que parece os compromissos velados com os financiadores das campanhas, conforme tem demonstrado as inúmeras revelações da Lava Jato, pesam mais no fiel da balança dos representantes populares do que os compromissos assumidos com seus eleitores.

Há os que evocarão a tese do “estelionato eleitoral” imputado à Dilma, quando um cenário artificial das contas públicas foi utilizado como standard eleitoral, como se lícito fosse no jogo democrático o argumento do que erra mais. Fato grave, bem verdade, mas não o suficiente para abala a constatação que a atual agenda governamental ora posta por Temer não passaria pelo crivo da aprovação popular em qualquer processo eleitoral neste país. Isso pois o povo não aguenta mais pagar a conta pelas crises engendradas pela classe política nacional. Cria-se, com isso, uma desconfiança e desalento geral para com o sistema representativo do país.       

Talvez um sopro de alento no sistema vital republicano seja, paradoxalmente, o epicentro da atual crise política – a operação Lava Jato. Isso pois, “nunca antes na história desse país” o povo brasileiro presenciou figuras poderosas, do alto escalão da República e das elites econômicas sendo encarcerados pela justiça.

Esquemas sendo desbaratados. Atuação firme do Ministério Público e da Polícia Federal no encalço aos suspeitos de crimes envolvendo valores estratosféricos ilicitamente desviados dos cofres públicos. Atuação louvável e corajosa do juiz Sergio Moro.

Porém, apesar do entusiasmo da população inflamada pela mídia, a Lava Jato corre o risco de comprometer seu brilho quando, em nome da incessante busca por resultados, a lógica dos fins pelos meios passa a atentar contra o sistema de garantias processuais penais insculpidas na Carta Magna.

Assim, notícias envolvendo vazamentos seletivos e violação aos preceitos do devido processo legal e, principalmente, a inexplicável morosidade do STF na apuração dos processos relacionados à Lava Jato que tramitam na mais alta corte do país – que o digam os mais de mil dias desde a denúncia contra Renan Calheiros aguardando um posicionamento da corte – acabam por lançar ares de incerteza sobre o futuro da operação.

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Mesmo com toda a força e apoio popular à Lava Jato, todas as evidências e provas apresentadas contra Cunha parecem inócuas frente ao sórdido aparato parlamentar que o blinda no Congresso. O longo e tumultuado processo que se arrasta por meses no Conselho de Ética da Casa tem sido exemplo do poder do parlamentar, mesmo afastado pelo STF, exerce sobre seus pares.

Parece estranho, mas foi mais fácil afastar uma Presidente da República do que mover um processo por quebra de decoro contra Cunha, mesmo diante de robustas provas de que o mesmo é de fato um dos grandes beneficiários do esquema denunciado pela Lava Jato.    

Ah... A impunidade associada à corrupção. Desde os primórdios da história do Brasil, tais problemas são, indiscutivelmente, os sintomas mais preocupantes da ainda, se comparada a outras, jovem democracia em terrae brasilis.

E a permanência de Eduardo Cunha no parlamento por tanto tempo, sustentado por emaranhado jogo de manobras e interesses parlamentares, mesmo contra a opinião pública, bem como diante de tantos indícios de corrupção noticiados pela mídia e denunciados pela Procuradoria Geral da República, faz com que o sentimento de incredulidade do povo cresça vertiginosamente na mesma proporção que sua indignação com a classe política.

Diante do exposto, vislumbramos sintomas de um mal cujas causas são certas, porém seus efeitos são incertos. Será que nossa democracia resistirá incólume aos efeitos danosos da permanência de Cunha no poder?

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Sobre o autor
Jackson Novaes Santos

Advogado. Mestre em Economia Regional e Políticas Públicas (UESC). Especialista em História do Brasil (UESC). Graduado em Direito (UESC) e Licenciatura em História (UESC). Professor de Introdução ao Direito, História do Direito e Hermenêutica Jurídica da Faculdade de Ilhéus (Cesupi). Pesquisador Líder do Grupo de Estudos em Direitos Humanos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Ilhéus.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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