Breve análise do case US-Gasoline: Brasil e Venezuela X Estados Unidos.

Organização Mundial do Comércio - World Trade Organization

24/06/2016 às 09:06
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On 23 January 1995, only days after the WTO and its new dispute settlement procedure came into being, Venezuela complained to the Dispute Settlement Body that the United States was applying rules that discriminated against gasoline imports.

Apresentação do caso:

Em primeiro de janeiro de 1995 surge a Organização Mundial do Comércio (OMC) cujo objetivo primordial, de acordo com as palavras do doutrinador Valério Mazzuoli[1], seria “a supressão gradual das tarifas alfandegárias que tornam difíceis ou discriminam as relações comerciais internacionais, servindo de foro para negociações de novas regras ou temas relativos ao comércio”. Tão logo estabelecida, mais precisamente em 23 de janeiro do mesmo ano, a referida Organização se viu diante de um caso de imensa importância e complexidade, tendo como partes inicialmente os Estados Unidos da América (respondent) e a Venezuela (complainant). Foi ainda a primeira oportunidade em que restou necessário aplicar o procedimento de soluções de controvérsias da OMC, utilizado para dirimir conflitos comerciais e manter a estabilidade da economia entre seus países-membros.

Para uma análise mais adequada do caso em questão é necessário verificar os antecedentes que levaram a propositura de tal reclamação por parte da Venezuela. Desta forma, nos Estados Unidos da América, em 1990, após uma emenda na ‘’Clean Air Act’’[2], a Agência de Proteção Ambiental norte-americana (US Environmental Protection Agency - EPA) promulgou uma regra no que diz respeito à composição da gasolina e consequentemente os efeitos de sua emissão, com o objetivo de reduzir a poluição do ar em seu território. A partir disto, em primeiro de janeiro de 1995, (o que coincide com a criação da OMC) a regra supramencionada passou a valer, permitindo somente a venda de gasolina de tipo específico, que teria uma composição menos poluente, principalmente nas regiões que apresentavam maior grau de poluição e posteriormente sendo aplicada a todas as refinarias norte-americanas, bem como aos importadores.

No entanto, nesta Regulamentação americana foi estabelecido um padrão de qualidade diferente entre a gasolina importada e a nacionalmente produzida. Neste sentido, considerou a Venezuela e em seguida o Brasil que estas regras estariam sendo injustas, pois estaria ocorrendo tratamento diferenciado entre a gasolina produzida nos EUA e a gasolina importada, ou seja, estariam aplicando normas discriminativas em relação à gasolina importada, uma vez que aquele país empregava normas mais exigentes em relação à composição química da gasolina que importavam e não aplicavam o mesmo nível de exigência quanto à gasolina que era refinada em seu território o que levou a propositura da reclamação perante a OMC, visto que em tese estaria sendo ferido o Princípio do Tratamento Nacional que será adiante comentado com mais cuidado.

Partes envolvidas e suas alegações:

Complainants: Venezuela e Brasil

          Respondent: Estados Unidos da América

Third Parties: Austrália, Canadá, Comunidade Européia e Noruega

                     

   Devido aos fatos anteriormente narrados, o governo venezuelano se sentindo prejudicado em relação a esta Regulamentação imposta, solicitou perante ao sistema de solução de controvérsias da OMC consultas formais aos Estados Unidos da América para melhor apreço da questão, contudo estas consultas restaram infrutíferas. Pouco tempo depois, com base nas mesmas justificativas venezuelanas, foi a vez do governo brasileiro requerer estas consultas que também não obteve um resultado positivo.

    Posteriormente, em função dos resultados negativos das consultas formais realizadas, a Venezuela e, pouco tempo depois, o Brasil, solicitaram a instalação de um Painel formado por três árbitros selecionados em comum acordo para manifestar sua posição diante de tal cenário, ficando ainda decidido que haveria um único Painel para tratar da reclamação venezuelana e da reclamação brasileira.  A Austrália, o Canadá, a União Européia e a Noruega optaram por participar do procedimento como terceiros interessados.

     Do lado norte-americano, suas alegações estavam baseadas no sentido de que a sua Regulamentação acerca da composição da gasolina estava justificada pelo disposto nas alíneas (b), (d), e (g) [3] do artigo XX do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) que versa sobre as exceções ao acordo, pois a regra estaria sendo destinada a proteger a saúde e o meio ambiente da população e que também não estaria sendo ferido o Princípio do Tratamento Nacional previsto no artigo III do mesmo Acordo.           

      Por outro lado, Brasil e Venezuela alegavam que o Estado norte-americano vinha promovendo discriminação ao exigir que ambos os países exportassem aos Estados Unidos um produto de melhor qualidade do que a gasolina produzida em seu próprio território, tendo como principal argumento o de que este país estaria sim violando o Princípio do Tratamento Nacional[4], previsto no art. III do GATT, que justamente proíbe o Estado-Membro de tratar os produtos importados de maneira menos favorável que os produtos domésticos, ou seja, a discriminação contra produtos importados.

      Ademais, alegou-se que a Regulamentação americana não seria cabível nas exceções previstas pela OMC quanto ao meio ambiente, além da violação do artigo II do Agreement on Technical Barriers to Trade (TBT), que preceitua a não-discriminação de produtos importados, assim, evitando desnecessários obstáculos comerciais como pode se observar a partir da análise do artigo abaixo transcrito:

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Art. II – TBT ‘’Os membros devem assegurar que, em matéria de regulamentos técnicos, os produtos importados do território de qualquer membro não terão tratamento menos favorável do que o concedido a produtos similares de origem nacional e a produtos similares originários de qualquer outro país’’.

Decisão do Painel:             

No final de 1995, o Painel (Panel) julgou o caso em concordância com as justificativas brasileiras e venezuelanas, considerando que a medida adotada pelos Estados Unidos em relação ao tratamento dado à gasolina importada era menos favorável do que a gasolina produzida nacionalmente em violação ao art. III: 4 do GATT[5], já que restou claro que a gasolina importada havia experimentado efetivamente condições de venda menos favoráveis ​​do que as oferecidas à gasolina doméstica, além disto,  ficou constatado que os Estados Unidos não deveriam se beneficiar das exceções previstas no artigo XX do GATT diante de tal discriminação.

Como consequência deste cenário, o governo estadunidense resolveu apelar da decisão do Painel em 21 de fevereiro de 1996, no entanto o Órgão de Apelação manteve a decisão em desfavorecimento dos Estados Unidos, alegando a violação do caput do artigo XX do GATT, visto que foi considerado uma injustificável discriminação e também uma ‘’restrição disfarçada’’ ao comércio internacional.

A partir do referido resultado, as partes negociaram um tempo razoável para a alteração da Regulamentação americana, adequando-a as medidas tomadas no Órgão de Soluções de Controvérsias para a efetivação da resolução, e em 19 de agosto de 1997 o país norte-americano anunciou a sua implementação, encerrando a disputa.

Comentário Pessoal:

Considero muito acertada a decisão proferida pelo Painel e consequentemente pelo Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio, pois houve em meu entendimento evidente medida econômica protecionista imposta pelos Estados Unidos da América, contra a Venezuela e Brasil, dissimulada por razões ambientais, ou seja, uma restrição disfarçada ao comércio internacional, visto que alegando suposta proteção ao meio-ambiente, se tratava a gasolina importada de modo menos favorável do que a gasolina refinada em seu próprio país, restando claro a violação ao caput do artigo XX do GATT, abaixo transcrito:

Art. XX caput – GATT: ‘’Sujeito aos requisitos de que tais medidas não sejam aplicadas de maneira que possam constituir arbitrária ou injustificada discriminação entre países onde as mesmas condições prevaleçam, ou disfarçada restrição ao comércio internacional, nada neste Acordo poderá ser interpretado de forma a evitar a adoção ou aplicação por qualquer parte contratante de medidas’’.

Referências Bibliográficas:

AZEVEDO, Ruy Emmanuel Silva de. Acordos e restrições ambientais (disfarçadas) ao comércio internacional no âmbito do GATT. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2229, 8 ago. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/13294>

MAZZUOLI, de Oliveira Valerio: Curso de Direito Internacional Público, São Paulo, 4ª edição, 2009.

http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds2_e.htm

World Trade Organization. US-Gasoline Case: United States Standards for Reformulated and Conventional Gasoline.


[1] MAZZUOLI, Valerio de Oliveira: Curso de Direito Internacional Público, São Paulo, 4ª edição, p. 585, 2009.

[2] O Clean Air Act é uma lei federal dos Estados Unidos projetada para controlar a poluição do ar em  nível nacional, exigindo que a Agência de Proteção Ambiental (EPA) desenvolva e faça cumprir regulamentos para proteger o público de contaminantes do ar.

[3] Art. XX – GATT: (b) necessárias para proteger a vida ou saúde humana, animal ou vegetal; (d) necessárias para assegurar o cumprimento de leis ou regulações (...); (g) relacionadas à conservação de recursos naturais esgotáveis se tais medidas forem efetuadas conjuntamente com restrições à produção e ao consumo doméstico.

[4] Art. III – GATT: As Partes Contratantes reconhecem que os impostos e outros tributos internos, assim como leis, regulamentos e exigências relacionadas com a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou utilização de produtos no mercado interno e as regulamentações sobre medidas quantitativas internas que exijam a mistura, a transformação ou utilização de produtos, em quantidade e proporções especificadas, não devem ser aplicados a produtos importados ou nacionais, de modo a proteger a produção nacional.

[5] Art. III: 4 – GATT: Os produtos do território de qualquer parte contratante importados no território de qualquer outra parte não deverão gozar de tratamento não menos favorável do que o concedido a produtos similares de origem nacional no que diz respeito a todas as leis, regulamentos e requisitos que afetem sua venda interna, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou uso

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