Adoção por casais homoafetivos no Direito Brasileiro

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O presente trabalho trata de um tema polêmico, objetivando apontar omissões na Constituição Federal sobre a adoção homoafetiva e demonstrar também as dificuldades e os preconceitos enfrentados por essa parcela da sociedade.

Resumo:O presente trabalho trata de um tema polêmico, objetivando apontar omissões na Constituição Federal sobre a adoção homoafetiva e demonstrar também as dificuldades e os preconceitos enfrentados por essa parcela da sociedade. A adoção por casal homossexual é uma realidade presente em muitos países, inclusive reconhecida legalmente. No Brasil, não há lei que regulamente esse tipo de adoção, existindo apenas um projeto de lei tramitando na Câmara com o nome de Estatuto das Famílias, que tem em um dos seus artigos a menção ao direito de casais homoafetivos adotarem. Este trabalho usou de pesquisa qualitativa, realizada por meio dedutivo e de procedimento técnico bibliográfico e documental. O estudo também se ateve ao entendimento jurisprudencial em relação ao tema objetivo da análise.

Palavras-Chave: Direito de Família. Adoção. Adoção por Homossexuais.

Introdução

 A família constituída pelos pais e filhos ainda não era evoluída como a atual. No Código Civil de 1916, o conceito de família era totalmente restrito e nem todas as formas de união poderiam se considerar como tal, só os casados (homens e mulheres) eram considerados como um ente familiar.

O divórcio não era aceito, só era possível à separação por meio judicial, e aquele cônjuge que fosse responsável pela separação, era punido de diversas formas, entre ela, a perda da guarda dos filhos e a perda do direito de pedir alimentos. A única forma de criar a família legítima era através do casamento por meio de justas núpcias.

Com a promulgação da Constituição de 1988, quebraram-se muitos paradigmas, garantido direito a todos e igualdade plena entre os indivíduos de uma mesma sociedade.

 Segundo o art. 226 da Constituição: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”, ainda o § 4º dispõe: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

Contudo, com a evolução da sociedade o conceito de família passou a ser mais abrangente. Assim, é possível ver que existem novas noções de família, como a homoafetiva, anaparental, pluriparental, dentre outras.  

Atualmente, o direito a ser resguardado é de todas estas famílias, que tem novos direitos a partir da Constituição, que não conceituou o que vem a ser família deixando para outras ciências como a psicologia fazer esta conceituação.

 Assim, entende-se que a família é constituída pelas relações de afeto. Onde o elemento primordial das entidades familiares é o afeto, o amor entre os membros que compõem a família.  Desta forma, assim como o casamento, a união estável também é amparada juridicamente.

A percepção de união estável, por sua vez, abriu caminho para o reconhecimento da união entre companheiros de mesmo sexo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2011, e com isso novas questões surgiram, dentre elas a possibilidade de adoção por esses casais.

Ainda o Superior Tribunal Federal ao julgar a ADI 4277 inseriu as uniões estáveis homoafetivas como entidade familiar. O ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF. 

A adoção é um assunto já bem discutido há bastante tempo, todavia, a adoção por casais homossexuais ainda é um tema bastante atual e polêmico. Essa adoção considera a necessidade de casais homoafetivos possuírem uma família com filhos, visto que pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), em seu Artigo restringe-se a estabelecer que “podem adotar os maiores de 21 anos, independentemente do estado civil” (BRASIL, 1990). Porém tal norma foi revogada em 2002 pelo Código Civil, o qual diminuiu a idade para 18 anos.

A adoção, porém é a única forma admitida pela lei de uma pessoa assumir como filho uma criança ou adolescente nascida de outra família, garantindo ao filho adotivo os mesmos direitos dos filhos biológicos. Desta forma, O instituto jurídico da adoção tem por escopo a constituição de filiação civil, dando amparo material e moral à criança e/ou adolescente abandonado, tendo em vista que dentre os direitos fundamentais está à convivência familiar e comunitária, conforme prevê o artigo 19, da Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Conforme DIAS (2009, p.439) a disposição legal de que os adotantes devem ser marido e mulher ou viver em união estável não exclui a possibilidade de adoção por homossexuais, pois qualquer pessoa pode adotar, e apesar de todo preconceito que cerca os homossexuais, estes permanecem com os mesmos direitos e garantias que os heterossexuais possuem.

O Estatuto da Criança e do Adolescente não faz qualquer menção no sentido de proibir casais de pessoas de mesmo sexo adotarem, nem mesmo faz qualquer referência no seu art. 42 sobre a orientação sexual do adotante.

Assim, da mesma forma que a lei não determina a relevância da orientação sexual do adotante, considerando sempre que onde a norma não restringe, não cabe aos intérpretes e aplicadores do direito fazê-lo, a adoção é considerada permitida.

Não existem impedimentos para a concretização desta adoção. Assim, nada mais coerente que deva prevalecer o disposto no art.43 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o deferimento da adoção quando houver reais vantagens ao adotando, bem como se fundando em motivos legítimos, somado ao art.6º, do mesmo dispositivo legal, em que está presente o princípio da prevalência dos interesses do menor, considerando sempre os fins sociais e o bem comum.

O art. 5º da CF preleciona: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, o que deixa claro que qualquer tipo de distinção por opção sexual é inconstitucional. Qualquer pessoa tem direito a paternidade ou maternidade e a não observação desse direito fere claramente o princípio constitucional da igualdade. Ressalta-se novamente que não há qualquer legislação vigente impedindo que um homossexual exerça a paternidade ou a maternidade, podendo recorrer à adoção se assim preferir.

O princípio do melhor interesse da criança encontra-se duplamente previsto em nosso ordenamento, de forma genérica e específica, respectivamente no art. 1º, III da CF e no art. 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Diante deste princípio, cumpre averiguar se a adoção por homossexuais preencheria essa função, ou se, ao revés, os homossexuais devem permanecer, nesse particular, excluídos do universo de titularidades que o próprio sistema tem por tarefa distribuir. No caso da adoção por homossexuais, buscar-se-á desvendar se a sua exclusão está calcada no perverso sistema de discriminação, resquício de uma compreensão moralista em relação à concepção sócio-histórica da humanidade, ou no simples fato de ser essa providência a que melhora atende ao interesse da criança. (PERES, 2006)

Contudo, no Brasil a adoção por casais homoafetivo vem sendo alvo de inúmeros preconceitos independentemente de qual for o assunto que os norteiam.

Segundo Rostirolla (2015), há muitos casais homossexuais que formam uniões estáveis, dispostos a adotarem juridicamente um menor. Porém, há uma crença ainda conservadora de que a falta de referências comportamentais de ambos os sexos possa ocasionar danos de ordem psicológica e social, além de dificuldades na identificação sexual do adotado, havendo tendência a tornar-se um homossexual. É levantada, ainda, a questão da possibilidade do filho adotado ser alvo de bullyng, ser censurado e afastado do meio que frequenta, podendo lhe causar perturbações psíquicas ou problemas de inserção social.  

Aimbere Torres relata a dificuldade da adoção por casais homoafetivos, aduzindo:

A ideia de família concebida pelos legisladores brasileiros e aplicadores da lei sofre de um mal crônico, a forte influência do casal imaginário, do amor cortês entre um homem e uma mulher, a qual tem servido de fundamento para não se acolher a pretensão à paternidade socioafetiva quando requerida por entidades familiares homoafetivas. Imperioso se faz despertá-los deste romanesco sonho quixotesco, retirar-lhes o véu da indiferença e lhes apresentar não só uma nova realidade social brasileira, mas de toda a humanidade, qual seja, o fato de que a convivência de crianças e adolescentes em lares de casais homoafetivos é uma realidade bastante frequente. (TORRES, 2009, p.112)

Assim, aqueles que rejeitam a adoção por homossexuais devem perceber que casais homoafetivos são cada vez mais comuns, e que as relações familiares continuam se baseando no amor e no afeto, independentemente de quem forma a família, se é um casal heterossexual ou dois homossexuais a capacidade de amar e ser amado é a mesma.

 Um argumento favorável a esse tipo de adoção pode ser extraído do papel essencial atribuído ao afeto na concepção jurídica da família contemporânea. Em função disso, é relevante a importância jurídica outorgada ao afeto, uma vez que, na atualidade, as relações familiais ultrapassam a noção estritamente formal da família constituída exclusivamente pelo vínculo legal do matrimônio. Assim a doutrina e a jurisprudência passam a associar o afeto à concepção jurídica de família de modo a conferir-lhe um lugar significativo. (PERES, 2006)

A sexualidade dos pais não interfere na personalidade dos filhos, como apontam estudos realizados na Califórnia desde 1970, onde os pesquisadores concluíram que o ajustamento das crianças filhas de pessoas do mesmo sexo é o mesmo de qualquer outra. Meninos são tão masculinos quanto os outros, assim como as meninas são tão femininas como quaisquer outras, sendo que não foi encontrada qualquer tendência que sugerisse que filhos de pais homossexuais sejam necessariamente homossexuais.

     A jurisprudência vem aceitando a possibilidade de adoção por casais homoafetivos. Nesse sentido o Tribunal de Justiça do RS julgou procedente a apelação de adoção de casais do mesmo sexo adotar uma criança. A saber:

"APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes" (APELAÇÃO CÍVEL SÉTIMA CÂMARA CÍVEL Nº 70013801592, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luis Felipe Brasil Santos, Julgado em 05/04/2006).

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Criança ou adolescente – Guarda – Pedido formulado por homossexual –      Deferimento – Medida de natureza provisória que pode ser revogada se constatado    desvio na formação psicológica do menor. O fato do guardião ser homossexual não          obstaculiza o deferimento da guarda da criança, pois esta é medida de natureza             provisória, podendo, portanto, ser revogada a qualquer momento diante da          constatação de desvirtuamento da formação psicológica do menor (Apelação Cível          n.° 35466-0/7 – Câmara Especial TJSP – RJ 23/201).

Também o STJ vem aceitando a adoção homoafetiva.

“STJ -  RECURSO ESPECIAL REsp 889852 RS 2006/0209137-4 (STJ)

Data de Publicação: 10/08/2010

Ementa: DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE MENORES POR CASAL HOMOSSEXUAL. SITUAÇÃO JÁ CONSOLIDADA. ESTABILIDADE DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE OS MENORES E A REQUERENTE. IMPRESCINDIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS MENORES. RELATÓRIO DA ASSISTENTE SOCIAL FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS VANTAGENS PARA OS ADOTANDOS. ARTIGOS 1º DA LEI 12.010 /09 E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE . DEFERIMENTO DA MEDIDA”.

Maria Berenice Dias, em um de seus artigos, diz brilhantemente sobre a adoção homossexual: “a postura omissiva da Justiça felizmente vem sendo superada. Passou a atentar a tudo que vem sendo construído doutrinária e jurisprudencialmente na identificação dos vínculos de parentalidade. A filiação socioafetiva se sobrepõe sobre qualquer outro vínculo, quer biológico, quer legal. Negar a possibilidade do reconhecimento da filiação que tem por base a afetividade, quando os pais são do mesmo sexo é uma forma perversa de discriminação que só vem prejudicar quem apenas quer ter alguém para chamar de mãe, alguém para chamar de pai. Afirma ainda: Se são dois pais ou duas mães, não importa mais amor irá receber”.

 É nesse pensamento que há de perceber, livres de estigmas e preconceitos, a possibilidade da adoção homoafetiva, permitindo que sejam transmitidos valores humanos a novas gerações, que precisam construir uma sociedade mais justa e menos desigual, fundada em princípios de dignidade e de solidariedade, na constante busca da felicidade.

Conclusão

O presente trabalho tratou da adoção por casais homoafetivos no direito brasileiro.

Adoção por homossexuais ainda é um assunto muito polêmico no Brasil, tendo em vista que uma análise científica é muito escassa e a presença do Judiciário pouco se faz o que permite a ausência dos preconceitos e discriminações em relação ao adotante homossexual e ao adotado.

Assim, este trabalho preocupou-se em tratar as possibilidades de adoção por casais homoafetivos, bem como o posicionamento dos doutrinadores e da jurisprudência sobre o tema.

 A adoção se resume em um ato verdadeiro de amor, apto a criar entre pessoas, muitas vezes estranhas entre si, relações de paternidade e filiação iguais senão melhores às que sucedem na filiação legítima.

Por ser um tema polêmico e de muita discussão, atual e de grande importância para a continuação da evolução da nossa sociedade é que temos que quebrar este paradigma, pensando principalmente na criança, que está nesse momento necessitando de afeto e amor, e que para isso pouco importa a opção sexual dos adotantes.

Diante do princípio do melhor interesse da criança, que vigora no ordenamento jurídico brasileiro por força do art. 5º, § 2º da Constituição Federal, há que se deferir o pedido de adoção por casais homossexuais, pois esse princípio garante que a adoção está voltada, principalmente, ao bem-estar do menor, e, estando o menor inserido em uma família com laços de afeto, estará suprido de suas necessidades básicas e do carinho e atenção que não poderiam desfrutar nas instituições de abrigo.

No atual panorama jurídico, é possível se deferir o pedido de adoção singular ou conjunto feito por homossexuais, por ter a Lei Maior contemplado a família monoparental e, de forma implícita, a união livre, apresentando-se a adoção como um corolário legítimo do novo status familiar. Não obstante, mostra-se necessário que o legislador infraconstitucional regule a matéria, 55 delimitando o alcance dessa proteção constitucional, de modo a garantir a segurança jurídica que a vida em sociedade requer. Até lá, importante será o papel desenvolvido pela jurisprudência e doutrina, fornecendo contribuição para a futura legislação.

A adoção por homossexuais não é diferente daquela realizada por heterossexuais, visto que todos têm a capacidade de amar e ensinar valores a outras pessoas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/contituicao_federal> Acesso em: 22 mai. 2016.

BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 26 mai. 2016.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. In: Vade Mecum Acadêmico de Direito. Organização Anne Joyce Angher. 2. ed. São Paulo: Rideel, 2009b.

DIAS,Maria Berenice. União Homoafetiva: O preconceito & a justiça. São Paulo:Revista dos Tribunais,2009.

PERES, Ana Paula Ariston Barion. A adoção por homossexuais: fronteiras da família na Pós-modernidade. Rio de Janeiro – São Paulo – Recife: Editora Renovar, 2006.

TORRES, Aimbere Francisco. Adoção nas relações homoparentais. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

ROSTIROLLA, Rossana. Adoção em famílias homoafetivas. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4267, 8 mar. 2015. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/36967>. Acesso em: 15 jun 2016

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Sobre os autores
Ruth Mota da Silva

Bacharel em Direito pela Faculdade Luciano Feijão. Pos graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Advogada Trabalhista, Cível, Previdenciário, Penal.

José Maurício de Maia

Bacharel em Direito pela Faculdade Luciano feijão.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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