A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) reagiu no último dia 20 de abril do corrente ano às declarações do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) durante a sessão da Câmara que autorizou o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
O Conselho de Ética da Câmara abriu processo contra o deputado Jair Bolsonaro, do PSC, por apologia à tortura.
O processo foi aberto no dia 28 de junho do corrente ano.
Diante de quase todos os seus colegas, e, ao vivo, na TV, no dia da votação do impeachment na Câmara, Bolsonaro citou o coronel que comandou durante a ditadura militar o DOI-Codi, um órgão de repressão.
“Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”.
Em nota, o Conselho Federal da OAB classificou a fala de Bolsonaro de apologia de crime. Ao anunciar seu voto, o parlamentar homenageou o o coronel Brilhante Ustra.
Ele comandou o DOI-Codi de São Paulo, entre 1970 e 1974, período em que Dilma esteve presa na capital paulista.
A apologia do crime é delito contra a paz pública.
A apologia do crime(artigo 287 do CP) é forma de incitação indireta, sendo evidente que o elogio e a exaltação do crime constitui estímulo e sugestão a outras vontades débeis e propensas ao crime.
Assim é crime fazer apologia, publicamente, de fato criminoso ou de autor do crime, defendendo, justificando, exaltando, aprovando ou elogiando de forma a estimular a repetição de uma prática criminosa.
Assim diz o artigo 287 do CP: Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa. Trata-se de mais um crime de menor potencial ofensivo, sobre o qual cabe a possibilidade de proposta de transação penal, nos termos do artigo 76 da Lei 9.099/95.
O crime de apologia consiste em elogiar, louvar, enaltecer, gabar, defender. O agente elogia o crime, como fato, ou o criminoso, o seu autor. Mas já se entendeu que não constitui o crime de apologia criminosa o fato de descrever o fato ou tentar justificá-lo, explicá-lo ou de ressaltar as qualidades reais ou imaginárias do criminoso, desde que não impliquem um elogio ao crime praticado, como bem disse Júlio F. Mirabete(Manual de direito penal, volume III, 22ª edição, pág. 167). Assim não impede ou proíbe que alguém enaltece as qualidades, virtudes do autor do crime, que lhe empreste apoio moral.
A Lei refere-se a fato criminoso na descrição típica, exigindo que a apologia seja feita a fato concreto, que tenha ocorrido e não a crime futuro, como bem lecionou E. Magalhães Noronha(Direito penal, volume IV, pág. 136), na mesma linha de Heleno Cláudio Fragoso(obra citada, volume III, pág. 283).
A referência à fato criminoso impõe a exclusão da apologia de contravenção, de ato imoral ou infração disciplinar(STJ, DJU de 30 de outubro de 1995). Mas não distingue a lei a espécie de crime, se roubo, furto,homicídio, etc. Não importa se o elogiado já foi condenado ou mesmo denunciado pelo crime, pois isso é indiferente que haja sentença recorrível de cunho condenatório sobre a conduta versada.
Mas é necessário que o elogio seja feito publicamente, seja por discursos, orações, cartazes etc. O tipo é doloso, sendo indispensável que o agente está atingindo número indeterminado de pessoas mesmo que dirija esse discurso de elogio a pessoas certas. O crime consuma-se com a simples conduta, não se exigindo que provoque um resultado concreto.
O delito de tortura é crime imprescritível.
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;
Para a Corte Interamericana estamos diante de crimes imprescritíveis.
Diversos são os pronunciamentos, nesse sentido, que foram emitidos, em que destaco: Comitê de Direitos Humanos da ONU, em seu relatório de 2007; pronunciamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Caso Barrios Altos; Caso Almonacid Arellano, Caso Goiburú, etc.
Lembro que a imprescritibilidade dos crimes de lesa-humanidade decorre seja de instrumentos já existentes no Direito Internacional, como instrumentos da ONU, de 1946 como ainda da própria jurisprudência da citada Corte Interamericana de Direitos Humanos, que aplica, em sede internacional, a Convenção citada, que integra o ordenamento jurídico brasileiro, como se lê da Emenda Constitucional 45/2004.
É certo que a mais recente interpretação da Lei de Anistia pelo Supremo Tribunal Federal não permitiria a punição de torturadores. Aliás, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil entrou com recurso contra essa decisão, que ainda não foi objeto de apreciação. É o que ocorre com relação a Lei de Anistia, que, como bem alertou Dalmo Dalari, não se aplica aos crimes contra a humanidade, que não ficam sujeitos à prescrição.
O crime de tortura se encontra balizado pela Lei 9.455/97, que teve como ponto de partida os termos da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, ficando a tortura no processo de progressiva incorporação no Ordenamento Jurídico Internacional. Isto se vê no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1976, que foi ratificado pelo Brasil, em 1992, onde se lê, no artigo 7º, que “ninguém será submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos crueis, desumanos ou degradantes.
Em 1975 foi elaborado texto constante da Declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra tortura e outros tratamentos crueis, desumanos e degradantes. A Assembleia-Geral da ONU adotou a Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas crueis, desumanos ou degradantes(1984) e foi ratificada pelo Brasil no ano de 1989 e por mais de aproximadamente 123 países.
Tem-se o conceito de tortura: Art. 1º - O termo tortura designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido: de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação ou como o seu consentimento ou aquiescência.
Em sua defesa, o deputado federal poderá dizer que quis apenar homenagear alguém que, a seu entender, lutou pelo Brasil.
Poderá dizer, ainda em sua defesa, que está sob a imunidade parlamentar.
A liberdade de ação e isenção de procedimento legal constitui o que chamamos de imunidades parlamentares, tema de estudo, que são verdadeiras prerrogativas, direitos especiais, dos mandatários políticos.
Bem disse Paulino Jacques(Curso de direito constitucional, 7º edição, pág. 209] que, sem essas prerrogativas asseguradas aos representantes do povo, não há República.
Soma-se a isso o que disse Uadi Bulos (Constituição Federal anotada, 6º edição, pág. 774) ao bem sintetizar que as imunidades parlamentares têm salutares aspectos, tais quais: defender a democracia, tornar o Poder Legislativo independente e garantir a liberdade de pensamento dos representantes da nação, nos limites rígidos do exercício parlamentar.
A matéria está inserida no que se chama de estatuto dos congressistas, que se desdobra nos seguintes tópicos:
a) Imunidade material ou inviolabilidade (artigo 53, caput);
b) Imunidade formal (artigo 53, § § 1º, 2º, 3º, 4º e 5º);
c) Prerrogativa de foro (artigo 53, § 1º);
d) Isenção do dever de testemunhar (artigo 53, § 6º);
e) Serviço militar (artigo 53, § 7º, combinado com o artigo 143);
f) Imunidades durante o estado de sítio (art. 53, § 8º);
g) Incompatibilidades (artigo 54).
Nos Estados Unidos (Constituição, art. I, seç. VI), na Inglaterra, no Canadá, na Alemanha (Constituição de Weimar, artigos 36 e 37; Constituição de Bonn, artigo 46), os representantes respondem perante as suas Câmaras pelos excessos cometidos, bem assim como são considerados invioláveis durante o funcionamento delas, no âmbito da atuação política.
No Brasil, na Itália, na Espanha (artigo 71), na Argentina, as imunidades, do que se vê do cotidiano, protegem parlamentares nos delitos comuns.
Destaco que a Lei Fundamental da Alemanha, no artigo 46, determina que o Deputado, em nenhum momento, não poderá ser submetido a processo judicial ou ação disciplinar ou ser chamado a responder, fora do Parlamento Federal, por voto ou discurso que tenha manifestado no Parlamento Federal ou em uma das suas comissões. Tal disposição não se aplicaria às injúrias. Ainda, a Constituição germânica determina que um Parlamentar deverá somente ser preso se a prisão se fizer em flagrante delito. Do mesmo modo, será igualmente necessária a autorização do Parlamento Federal para qualquer outra restrição de liberdade pessoal de um Deputado ou abertura de processo contra ele. Ainda se diz que todo processo penal instaurado, nos termos do artigo 18, bem como toda detenção ou qualquer restrição de liberdade pessoal de parlamentar deverão ser suspensos quando houver pedido do Parlamento Federal nesse sentido.
Na lição de Carlos Maximiliano(Comentários à Constituição Brasileira, 1954, pág. 44 e 45), as imunidades parlamentares compõem a prerrogativa que assegura aos membros do Congresso a mais ampla liberdade de palavra, no exercício de suas funções, e os protege contra abusos e violações por parte dos outros Poderes constitucionais.
Preserva-se não o parlamentar, mas sua atuação livre. Por certo, já se disse, a imunidade parlamentar não alcança o parlamentar que se licencia para ocupar outro cargo na Administração Pública. Nesse caso, embora não perca o mandato, perderá as imunidades parlamentares. Foi cancelada a Súmula 4 do Supremo Tribunal Federal que dizia que "não perde a imunidade parlamentar o congressista nomeado pelo Ministro de Estado". Tal se deu no julgamento do Inquérito 104, quando se disse que o deputado não perde o mandato, porém, não leva consigo a imunidade material ou processual.
No sentido de que a imunidade material exclui a responsabilidade civil, se lê do que foi entendido pelo Supremo Tribunal Federal, no AI 473.092/AC, Relator Ministro Celso de Mello, decisão de 7 de março de 2005, que tem como precedente outro julgado no RE 140. 867/MS, Relator para o acórdão o Ministro Mauricio Corrêa. Aqui se tem a síntese:
"A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, caput), exclui a responsabilidade civil do membro do Poder Legislativo, por danos eventualmente resultantes de manifestações, orais ou escritas, desde que motivadas pelo desempenho do mandato (prática in officio) ou externadas em razão deste(prática propter officium) qualquer que seja o âmbito espacial em que se haja exercido a liberdade da opinião, ainda que fora do recinto da própria Casa Legislativa q que pertence."
Posto-me dentro do entendimento de Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, 5º edição, volume I, tomo I, pág. 253) para quem estamos diante de causa excludente de crime.