INTRODUÇÃO
O presente estudo quer ser uma investigação elucidativa acerca do conteúdo da veiculação jurisprudencial prolatada pelo Supremo Tribunal Federal, que dispõe sobre hipótese de não-aplicação da Súmula Vinculante nº 13, vulgarmente denominada Súmula do Nepotismo, em caso de nomeação de parente para a ocupação de cargo de natureza política.
Confrontar-se-á o entendimento retro-mencionado com o princípio da moralidade administrativa, disposto expressamente no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988, haja vista que o descumprimento de preceito normativo pode se apresentar sob a forma de violação de regras ou princípios, consoante sói examinar.
Todavia, e como este não é o lugar propício para perquirir detidamente a constitucionalidade da intelecção propugnada pelo pretório excelso, nos limitaremos a investigar se ela está ou não em conformidade com os imperativos éticos de probidade, lisura, honestidade e lealdade constitucionalmente exigidos no trato com a Administração Pública, avaliando os impactos de tal conjuminância em seara jurídico-administrativa.
A metodologia adotada para a exposição da abordagem em tela foi a descritiva, de modo que buscaremos arrimo tanto na legislação quanto em doutrina especializada, artigos e jurisprudência, com o espeque de construir uma leitura sistêmica do estudo ora empreendido.
Como deve ser interpretado o princípio da moralidade administrativa? A não-vinculação do preceito sumular à nomeação de parentes para cargos de natureza estritamente política e a consequente restrição de seus efeitos aos agentes administrativos constitui afronta ao princípio da moralidade? Quem são os agentes políticos e a partir de quais critérios estes se diferenciam dos agentes não políticos? São algumas das indagações que procuraremos, doravante, responder.
1. A SÚMULA DO NEPOTISMO EM RELAÇÃO AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA
É cediço que a compreensão de norma jurídica ultrapassa a já há muito sepultada concepção juspositivista segundo a qual apenas leis escritas são suscetíveis de serem transgredidas. Tal entendimento não se coaduna com os propósitos da moderna ciência do direito, pelo que, hodiernamente, o vocábulo “norma” arvora tanto regras quanto princípios.
Nesse sentido, pode-se dizer seguramente que o ordenamento jurídico pátrio é composto por um conjunto de regras e princípios vocacionado para a estabilização da conduta dos particulares e da própria Administração Pública.
Confirma nosso entendimento:
“A doutrina moderna tem-se detido, para a obtenção do melhor processo de interpretação, no estudo da configuração das normas jurídicas. Segundo tal doutrina – nela destacados os ensinamentos de ROBERT ALEXY e RONALD DWORKIN -, as normas jurídicas admitem classificação em duas categorias básicas: os princípios e as regras. As regras são operadas de modo disjuntivo, vale dizer, o conflito entre elas é admitido no plano da validade: aplicáveis a uma mesma situação, uma delas apenas a regulará, atribuindo-se às outras o caráter de nulidade. Os princípios, ao revés, não se excluem do ordenamento jurídico na hipótese de conflito: dotados que são em determinado valor ou razão, o conflito entre eles admite a adoção do critério da ponderação de valores (ou ponderação de interesses), vale dizer, deverá o intérprete averiguar a qual deles, na hipótese sub examine, será atribuído grau de preponderância”. (CARVALHO FILHO: 2015, p. 19).
Perlustrando esta senda, o texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 arrolou expressamente, no caput do art. 37, os princípios basilares norteadores da atividade administrativa, em cujo elenco consta o princípio da moralidade, o qual será submetido a exame neste tópico.
Merece destaque o comentário de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que, lastreada em intelecção originalmente perfilhada por Antônio José Brandão, aduz que o princípio da moralidade administrativa caracteriza-se, genealogicamente, pelo desvio de poder.
Nos dizeres de Di Pietro:
“Antônio José Brandão (RDA 25: 454) faz um estudo da evolução da moralidade administrativa, mostrando que foi no direito civil que a regra moral primeiro se imiscuiu na esfera jurídica, por meio da doutrina do exercício abusivo dos direitos e, depois, pelas doutrinas do não-locupletamento à custa alheia e da obrigação natural. Essa mesma intromissão verificou-se no âmbito do direito público, em especial no Direito Administrativo, no qual penetrou quando se começou a discutir o problema do exame jurisdicional do desvio de poder”. (DI PIETRO: 2014, p.77)
Sobre a repercussão de referido vetor constitucional em seara jurídico-administrativa, Celso Antônio Bandeira de Mello pontifica:
“De acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios de lealdade e boa-fé, tão oportunamente encarecidos pelo mestre espanhol Jesús Gonzáles Perez em monografia preciosa. Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos” (BANDEIRA DE MELLO: 2014, p. 123)
No mesmo diapasão:
“Deve-se entender por moralidade administrativa um conjunto de valores éticos que fixam um padrão de conduta que deve ser necessariamente observado pelos agentes públicos como condição para uma honesta, proba e íntegra gestão da coisa pública, de modo a impor que estes agentes atuem no desempenho de suas funções com retidão de caráter, decência, lealdade, decoro e boa-fé”. (CUNHA JÚNIOR: 2012, p. 41)
Depreende-se, portanto, que o princípio da moralidade administrativa, naturalmente dotado de caráter normativo, fixa critérios rígidos de eticidade, lisura, honestidade, boa-fé, probidade e lealdade a serem observados pela Administração Pública direta e indireta no exercício das suas atribuições, de modo a obstaculizar eventuais perpetrações de má-fé por parte dos agentes administrativos em detrimento dos direitos dos administrados.
A força vinculante de tais critérios vai ainda mais longe em razão de a moralidade constituir pressuposto de validade dos atos administrativos. Em outras palavras: um ato da Administração Pública só será considerado válido pelo Direito quando praticado em estrita adequação ao princípio da moralidade.
Entretanto, ao contrário do que se poderia imaginar, a moralidade administrativa não faz remissão direta à moral ordinária, na medida em que seu âmbito de incidência gravita em torno do eixo conceitual da boa administração.
É o que se colhe do seguinte escólio:
“O princípio da moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum. Enquanto a última preocupa-se com a distinção entre o bem e o mal, a primeira é composta não só por correção de atitudes, mas também por regras de boa administração, pela ideia de função administrativa, interesse do povo, de bem comum. Moralidade administrativa está ligada ao conceito de bom administrador”. (MARINELA: 2013, p. 39)
Na Súmula Vinculante nº 13 de 21 de agosto de 2008 (apelidada de Súmula do Nepotismo), o Supremo Tribunal Federal convencionou que a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente para cargos comissionados ou cargos de confiança por agente administrativo atenta, inexoravelmente, contra o princípio da moralidade administrativa, na medida em que vergasta disposição constitucional.
Segue, abaixo, transcrição do inteiro teor do referido preceito sumular:
“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício em cargo de comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.
Regis Rezende Ribeiro, em artigo intitulado “Moralidade Administrativa” define etimologicamente o vocábulo nepotismo nos seguintes termos:
“A palavra nepotismo, que deriva do latim nepos, nepotis (neto e sobrinho, respectivamente) define o favorecimento de parentes, muitas vezes sem capacitação para atividades na administração, prejudicando pessoas mais qualificadas, especialmente no que diz respeito à nomeação para exercer cargos públicos”.
(REZENDE RIBEIRO: 2014, disponível em: http://regisrezenderibeiro.jusbrasil.com.br/artigos/115231644/moralidade-administrativa. Acesso em: 26/02/2016 às 01:29)
Em considerações expendidas acerca da prática do nepotismo, José dos Santos Carvalho Filho, ancorado na resolução nº 7 de 18 de outubro de 2005 exarada pelo Conselho Nacional de Justiça, obtempera:
“Quanto à necessidade de preservar os padrões de moralidade no serviço público, é justo sublinhar (a também aplaudir) a disciplina aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça, em resolução regulamentadora de dispositivo constitucional, pela qual ficou expressamente vedada a condenável prática do nepotismo, sem dúvida uma das revoltantes formas de improbidade da Administração. Para tanto, ficou proibida a nomeação para cargos em comissão ou funções gratificadas de cônjuge (ou companheiro) ou parente em linha direta ou por afinidade, até o terceiro grau inclusive, de membros de tribunais, juízes e servidores investidos em cargos de direção ou assessoramento, estendendo-se a vedação à ofensa por via oblíqua, concretizada pelo favorecimento recíproco, ou por cruzamento (parente de uma autoridade subordina-se formalmente a outra, ao passo que o parente desta ocupa cargo vinculado àquela)”. (CARVALHO FILHO: 2015, p. 24)
Em importante nota sobre a resolução do CNJ, Hely Lopes Meirelles atina para a discrepância de sua constitucionalidade – reconhecida pelo STF – e o conteúdo referente à excepcionalização da hipótese de nomeação de parentes para cargos públicos de natureza política. Na prática, o que se verifica é uma flagrante contradição entre as duas decisões prolatadas pela mesma Corte Suprema.
Nas palavras de Meirelles:
“No RE 579.951, o STF fez uma diferenciação entre cargo estritamente administrativo e cargo político (exercido por agente político), de forma a entender como legítima a nomeação de parentes para cargos de Ministros de Estado, Secretários Estaduais, Municipais e do DF. Antes, em outro acórdão com doutos e didáticos ensinamentos para a Nação, o STF julgou constitucional a Res. 07/2005 do CNJ, que veda, no âmbito do Judiciário, o nepotismo nos moldes acima, dando-o como incompatível com os princípios da impessoalidade, da igualdade, da moralidade e da eficiência”. (MEIRELLES: 2013, p. 479)
Se, por um lado, o STF procedeu em conformidade com o princípio da moralidade administrativa ao declarar a constitucionalidade da resolução do CNJ, por outro, acabou criando uma lacuna ao ensejar a possibilidade de nomeação de parentes para o exercício de cargo de natureza política, desintegrando o sentido de coerência interna do sistema jurídico-administrativo.
A prática do nepotismo fulmina, outrossim, o disposto no art. 11 da Lei 8.429/1992, vulgarmente denominada Lei de Improbidade Administrativa - aliás, um dos grandes marcos do princípio da moralidade.
É o que se colhe do seguinte julgado:
“PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NEPOTISMO. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. OFENSA AO ART. 11 DA LEI 8.429 /1992. DESPROPORCIONALIDADE DAS SANÇÕES. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. 1. Recurso especial proveniente de ação civil pública na qual o Ministério Público do Estado de São Paulo imputa ao réu, ora recorrente, a prática de atos de improbidade administrativa, requerendo sua condenação nas sanções previstas no art. 12 , II e III , da Lei n. 8.429 /92. 2. No caso, a prática de nepotismo está efetivamente configurada e como tal representa grave ofensa aos princípios da Administração Pública, em especial aos princípios da moralidade e da isonomia, enquadrando-se, dessa maneira, no art. 11 da Lei n. 8.429 /92. Precedentes 3. A nomeação de parentes para ocupar cargos em comissão, ainda que ocorrida antes da publicação da Súmula vinculante 13 do Supremo Tribunal Federal, constitui ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da Administração Pública, nos termos do art. 11 da Lei n. 8.429 /92, sendo despicienda a existência de regra explícita de qualquer natureza acerca da proibição. 4. Ante a gravidade da conduta descrita no acórdão recorrido, não se observa desproporcionalidade das penas impostas, quais sejam: (I) ressarcimento do danos havidos ao erário, e (II) multa de dez vezes o valor do seu subsídio mensal líquido. 5. Da análise dos autos, observa-se que a Corte de origem não analisou, sequer implicitamente, o citado art. 128 do CPC . Logo, não foi cumprido o necessário e indispensável exame da questão pela decisão atacada, apto a viabilizar a pretensão recursal da recorrente, a despeito da oposição dos embargos de declaração. Recurso especial conhecido em parte e improvido”.
STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 1499622 SP 2014/0307409-6 (STJ), Data de publicação: 12/03/2015
Corroborando esse entendimento, Cleia Lima Martins acrescenta, em trabalho monográfico:
“Em entrevista concedida à Rádio CBN – Vitória (ES), em 21 de abril de 2005, o procurador da República no Espírito Santo, Carlos Fernando Mazzoco, afirmou que a Constituição Federal, além de proibir o nepotismo, prevê sanções como perda de cargo, reparação de danos e multas. O nepotismo, segundo ele, fere os princípios constitucionais da administração pública, e quem o pratica comete improbidade administrativa”. (MARTINS: 2011, p. 27)
Torna-se, destarte, incontroverso o fato de que a prática do nepotismo constitui violação frontal ao princípio da moralidade administrativa, que, consoante registrado alhures, recebeu acolhida em sede constitucional. Não entraremos nos pormenores atinentes às modalidades de nepotismo previstas pelo ordenamento jurídico vigente, posto que tais considerações tangenciariam as latitudes da presente investigação.
Frise-se apenas que jurisprudência posterior ao enunciado da Súmula Vinculante nº 13 firmou entendimento no sentido de que tais disposições são, em regra, direcionadas somente à categoria dos agentes administrativos – não políticos-, excepcionando, de conseguinte, os agentes políticos do seu âmbito de normatização.
2. AS PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE AGENTES POLÍTICOS E AGENTES NÃO POLÍTICOS
Segundo Marçal Justen Filho, os agentes políticos podem ser identificados a partir de vários critérios (JUSTEN FILHO: 2014, p. 886). Contudo – e como não é nossa intenção esgotar o assunto -, nos limitaremos a abstrair do conceito de agente político os principais aspectos diferenciadores em face dos agentes não políticos.
Nas palavras de Marçal Justen Filho:
“A definição de agente político resulta da conjugação de dois aspectos fundamentais. O primeiro é a natureza das funções desempenhadas e o segundo é a submissão constitucional ao crime de responsabilidade. Pode-se formular definição nos seguintes termos:
Agente político é a pessoa física investida do exercício das mais elevadas e relevantes competências públicas e subordinado constitucionalmente ao regime de crimes de responsabilidade”. (JUSTEN FILHO: 2014, p. 888)
É que, conforme se verificará adiante, os agentes não políticos, malgrado sejam representantes populares em um sentido puramente jurídico do termo, não possuem mandato eletivo, tampouco desempenham atividade estritamente política, razões pelas quais não se sujeitam ao regime de crimes de responsabilidade.
Firmes em Justen Filho:
“Os agentes não políticos são aqueles investidos de funções estatais que não compreendem, na sua essencialidade, poderes de natureza política. É inquestionável que os agentes não políticos exercem uma função que também apresenta alguma natureza política, no sentido de que todo sujeito que atua como órgão estatal, sob vínculo de direito público, é um representante do povo. Mas a natureza das atribuições desses agentes é mais acentuadamente vinculada à aplicação do direito e à promoção de atividades necessárias à satisfação dos direitos fundamentais. Sua função essencial não consiste em identificar e traduzir a vontade do povo, nem em formular as decisões fundamentais inerentes à soberania”. (JUSTEN FILHO: 2014, p. 893)
Alexandre Mazza distingue a função administrativa da função tipicamente política ou governamental nos seguintes termos:
“Governo, em sentido objetivo, é a atividade de condução dos altos interesses do Estado e da coletividade. É a atividade diretiva do Estado. O ato de governo, ou ato político, diferencia-se do ato administrativo por duas razões principais: 1ª) o ato de governo tem sua competência extraída diretamente da Constituição (no caso do ato administrativo, é da lei); 2ª) o ato de governo é caracterizado por uma acentuada margem de liberdade, ou ampla discricionariedade, ultrapassando a liberdade usualmente presente na prática do ato administrativo”. (MAZZA: 2014, p. 69)
Uma das principais modalidades de agente não político ou administrativo é a dos servidores públicos, consoante preleção de Justen Filho: “o servidor público é o agente administrativo por excelência, no âmbito das pessoas jurídicas de direito público”. (JUSTEN FILHO: 2014, p. 904) À categoria dos servidores públicos, Carlos Pinto Coelho Motta acrescenta duas outras modalidades de agentes administrativos, quais sejam: a dos empregados públicos e a dos temporários (MOTTA: 2011, pgs. 681 e 682)
Depreende-se, portanto, que os agentes políticos diferenciam-se dos agentes não políticos, precipuamente, em razão do regime jurídico, da margem de discricionariedade e da natureza do exercício de suas atividades.
Tais informações são sumamente importantes para a compreensão do posicionamento do STF em relação à Súmula do Nepotismo, assunto de que trataremos detidamente no próximo tópico.
3. O POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO TOCANTE À SÙMULA DO NEPOTISMO
Que a prática execrável do nepotismo atenta contra o princípio constitucional da moralidade administrativa, parece não haver dúvida nos âmbitos legal e doutrinário.
Todavia, em jurisprudência posterior ao enunciado da Súmula Vinculante nº 13, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a aplicação de referido preceptivo sumular, por algum motivo, não se estende aos agentes políticos, a teor do que se constata a partir da seguinte redação de autoria do Ministro Dias Toffoli:
“Reclamação - Constitucional e administrativo - Nepotismo - Súmula vinculante nº 13 - Distinção entre cargos políticos e administrativos - Procedência. 1. Os cargos políticos são caracterizados não apenas por serem de livre nomeação ou exoneração, fundadas na fidúcia, mas também por seus titulares serem detentores de um munus governamental decorrente da Constituição Federal, não estando os seus ocupantes enquadrados na classificação de agentes administrativos. 2. Em hipóteses que atinjam ocupantes de cargos políticos, a configuração do nepotismo deve ser analisado caso a caso, a fim de se verificar eventual 'troca de favores' ou fraude a lei. 3. Decisão judicial que anula ato de nomeação para cargo político apenas com fundamento na relação de parentesco estabelecida entre o nomeado e o chefe do Poder Executivo, em todas as esferas da federação, diverge do entendimento da Suprema Corte consubstanciado na Súmula Vinculante nº 13."
(Rcl 7590, Relator Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, julgamento em 30.9.2014, DJe de 14.11.2014)”
Tal entendimento estabelece uma clara distinção entre os cargos públicos de natureza política e os de natureza jurídico-administrativa conforme retro analisado, frisando, ademais, que a aplicabilidade/inaplicabilidade dos efeitos da Súmula do Nepotismo dependerá de uma análise concreta do caso sub examine, não sendo, a priori, excluída a possibilidade de configuração do nepotismo na nomeação de parentes para cargos políticos.
De qualquer sorte, a hipótese contemplada constitui exceção à Súmula Vinculante nº 13, consoante observa Rodrigo Leventi Guimarães ao assinalar que:
“(...) a própria Suprema Corte admite exceções. Nos seus recentes julgados, vem admitindo a possibilidade de contratação de parentes para os chamados cargos políticos do Poder Executivo, sendo o caso dos Ministros e dos Secretários – vide informativo 524, STF”.
(LEVENTI GUIMARÃES: 2011, disponível em: https://jus.com.br/artigos/20157/nepotismo-e-a-administracao-publica. Acessado em 26/02/2016 às 01:23)
Registre-se que a importância da especificidade do caso para a configuração da prática do nepotismo transcende a questão de saber se se trata de nomeação efetuada por agente político ou por agente administrativo, sendo, outrossim, relevante, para a determinação da natureza da conduta, posto que o rol insculpido na Súmula Vinculante nº 13, conforme entendimento do STF, é numerus apertus (meramente exemplificativo), e não numerus clausus (taxativo).
Confirma nosso entendimento:
"Ao editar a Súmula Vinculante nº 13, a Corte não pretendeu esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo na Administração Pública, dada a impossibilidade de se preverem e de se inserirem, na redação do enunciado, todas as molduras fático-jurídicas reveladas na pluralidade de entes da Federação (União, estados, Distrito Federal, territórios e municípios) e das esferas de Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário), com as peculiaridades de organização em cada caso. Dessa perspectiva, é certo que a edição de atos regulamentares ou vinculantes por autoridade competente para orientar a atuação dos demais órgãos ou entidades a ela vinculados quanto à configuração do nepotismo não retira a possibilidade de, em cada caso concreto, proceder-se à avaliação das circunstâncias à luz do art. 37, caput, da CF/88."
(MS 31697, Relator Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, julgamento em 11.3.2014,DJe de 2.4.2014)”
Em que pese a relevância jurídica de questionamentos acerca da posição sufragada pelo pretório excelso a respeito da exceção à Súmula Vinculante nº 13 em hipótese de nomeação de parentes para cargos de natureza política, calha trazer a lume algumas reflexões críticas tecidas por Marcio Gai Veiga sobre a insegurança jurídica suscitada pela má técnica interpretativa dos tribunais, nos seguintes termos:
“O que foi possível concluir com a segurança necessária é que a jurisprudência dos tribunais brasileiros que consideram que pura e simplesmente a Súmula Vinculante nº 13 não se aplica aos agentes políticos tomaram rumo que, se visto a fundo, não pode ser tido como posição do Supremo a respeito da matéria.
A insegurança jurídica tem que acabar. Já é hora de o Supremo Tribunal Federal revisar o texto da Súmula Vinculante nº 13 a fim de fazer constar os agentes políticos no texto, incluindo-os nas restrições ou, de uma vez por todas, excluí-los expressamente da sua aplicação.
Nessa última hipótese, já é possível antever que caso haja a revisão da Súmula no sentido de excluir expressamente os agentes políticos do manto da Súmula essa passará a ser inconstitucional nesse ponto, já que ferirá frontalmente o autoaplicável art. 37 da Constituição Federal”. (VEIGA: 2014, disponível em: https://jus.com.br/artigos/28142/sumula-vinculante-n-13-e-os-agentes-politicos-a-grande-omissao-do-supremo-tribunal-federal. Acessado em 27/02/2016 às 00:42)
Em observação de irretocável valor crítico-reflexivo, Thaynah Litaiff Isper Abrahim Carpinteiro Péres e Adriana Carla de Souza Silva asseveram que:
“Malgrado haja coerência no entendimento do STF de que os agentes políticos fiquem a salvo da incidência da vedação esculpida na Súmula Vinculante n. 13, porquanto ligados à Administração Pública por vínculo diferenciado, já que exercem atribuições diversas daquelas desempenhadas pelos servidores públicos, estes de funções singelamente administrativas, por induvidoso, o Supremo Tribunal Federal começara a tratas o tema de maneira relativizada,ao fazer inúmeras exceções acerca da não aplicabilidade da regra sumular”. (PÉRES; SILVA: 2012)
Com efeito, o dilema que o STF impôs a si mesmo vai de encontro à disposição insculpida no caput do art. 37 da Constituição, haja vista que a observância do preceito de moralidade exige dos tribunais o entendimento de que a nomeação de parentes para o exercício de cargo de natureza política perfaz a figura do nepotismo, como vem decidindo a melhor jurisprudência. Do contrário, sobejaria vulnerada a coerência interna do sistema jurídico-administrativo.
Por mais obscura que seja a distinção entre agente administrativo e agente político, os critérios hermenêuticos balizadores da atividade judicial, malgrado restritos ao caso concreto, devem privilegiar, mediante extensão analógica, o mesmo tratamento conferido à prática do nepotismo, sob pena de violação do princípio da moralidade administrativa.